Dia: janeiro 15, 2008

Santos e demônios ***

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Eis o milagre de uma revisão.

Na primeira vez em que vi Santos e demônios, fiquei enrolado em uma teia de artifícios. Mais um filme independente norte-americano sobre jovens rebeldes-sem-causa, habitantes de bairros pobres dos Estados Unidos? Mais um filme em que o protagonista caminha por uma cidade-fantasma rodeado por memórias de um tempo bom que não volta nunca mais?

Nesta segunda tentativa, fui de encontro ao filme de uma forma tão despretensiosa (disposto a sublinhar uma opinião já formada e reforçar meu desânimo, sejamos sinceros) que dei com a cara na parede. É um belo filme, e não exatamente pelos eventos que tem a narrar. É até curioso que, no site oficial, a estréia de Dito Montiel seja vendida como um misto de Caminhos perigosos com Kids. São as referências mais superficiais do cineasta. Numa entrevista no mesmo site, o diretor explica que se inspirou em Cidade de Deus e Raising Victor Vargas para compor uma encenação realista, de personagens com sugerem histórias de vida capazes de extrapolar os limites do roteiro (o elenco, alás, contribui muito para a realização desse desejo). Aí começamos a falar a mesma língua.

No filme, Montiel alterna dois olhares para um ambiente. Depois de 15 anos de ausência, o escritor bem-sucedido retorna ao lar e se encontra em uma maquete esvaziada, silenciosa – o set de um filme de ação que já terminou. Ele revê pai, mãe, antigos amigos e, acima de tudo, as lembranças da juventude. Nesses longos flashbacks, aquele mesmo bairro renasce pulsante, caloroso. Quase tudo o que o cineasta lembra é tragédia: morte, violência, discussões domésticas. Mas não consegue evitar uma sensação de saudade, não consegue esconder a vontade de voltar. “Era o paraíso”, ele admite, logo depois de avisar-nos que, no final do filme, ele terá abandonado todos.

Mais que reproduzir uma sucessão de causos (alguns inspirados na própria vida, outros de ficção), Montiel quer evocar uma certa atmosfera, um sentimento contraditório, uma nostalgia difícil de ser explicada. Isso, até bem sutilmente, ele consegue.