Mês: junho 2008
Pecados e tentações
A exemplo de certas pessoas, eu vi o filme novo da Leila Lopes. Aquele. O filme que, vocês sabem, a atriz só topou fazer porque contava uma história.
Pecados e tentações, o guilty pleasure de 2008? Nada. A professorinha merecia algo melhor. Uma história melhor, digo. Mais digna. À altura de um Benedito Ruy Barbosa. Esta aqui é, desculpem o linguajar, uma bagaceira. Quase um Aguinaldo Silva. Parece uma paródia daquele quadro A vida como ela é (se bem que, em alguns momentos, mais engraçada que metade dos episódios dirigidos por Daniel Filho). De algum lugar estranho, Nelson Rodrigues deve estar gargalhando.
A história, então: a mulher (Leila interpreta uma atriz, notem a sofisticada metalinguagem) trepa com o primo, o primo é seminarista e, pra arregaçar com todos os tabus da família brasileira, o sujeito tem umas tatuagens do quinto dos infernos e pós-graduação em Kama Sutra. As cenas de sexo são entediantes, filmadas com um desinteresse esquisito pelo cineasta/ginecologista J. Gaspar. Nem sadismo o diretor consegue demonstrar.
E aí escalam uma atriz secundária que praticamente humilha nossa protagonista, numa atuação tão esforçada e palpitante que faria por merecer um Prêmio Contigo! ou um Troféu Imprensa ou um papel em Malhação ou o que for. Ela se chama Thamires. Guardem esse nome. E esqueçam o resto. A história, digo.
Festival Motomix
Um dia vão acabar me convencendo a trocar este blog por uma conta no Twitter. Eu poderia escrever 100 caracteres sobre os shows do Motomix e me dar por satisfeito. Posso me expressar com estrelinhas? **. Em uma palavra: morno. E é isso, folks.
Como assim? Morno? Só morno? Deixem que eu me explique. Em matéria de organização, foi um festival exemplar. Coisa finíssima. Os shows começaram e terminaram todos na horinha certa. O espaço no parque Ibirapuera ficou confortável. O público se comportou como um bando de meninos de colégio militar em dia de prova. Até São Pedro deu uma mão: o céu estava azul, quase sem nuvens. E, pra quem estava esperando temperatura abaixo de dez graus, eu mal sentiria falta do meu casaco. Maravilha de cenário.
Se o Franz Ferdinand entrasse naquele palco (e o palco tinha um design bem bacana, só para constar), provavelmente faria o melhor show das nossas vidas. O problema é que nenhuma das bandas escaladas para a sexta edição do festival conseguiu fazer justiça à estrutura do evento. Pior: nenhuma delas conseguiria fazer um grande show, já que não são (er, desculpem a rispidez) grandes bandas.
Pronto. Aí mora o problema. A culpa nem é da curadoria do Motomix, bastante corajosa na escolha de nomes praticamente desconhecidos por aqui. “Nem eu sabia cantar as músicas do Metric!”, confessou um jornalista mui informado, ao fim da maratona. Digo mais: nem eu, provavelmente o único fã da carreira solo de Emily Haines em todo o território brasileiro, sabia os versos de Empty e Handshakes. O chato foi que as bandas promissoras só fizeram confirmar alguns tiques que todo mundo associava a elas. As brasileiras, então… Não justificam 30 caracteres.
A única rassalva que faço a essa regra geral diz respeito ao Fujiya & Miyagi. Contra as expectativas de uma performance eletrônica sonolenta, o quarteto britânico disparou uma revisão de krautrock (com vocais quase sussurrados e aquele baixo com o peso de cinco elefantes) que cairia muito bem como show de abertura do LCD Soundsystem. Mesmo assim, com 40 minutos de show a repetição de truques começava a cansar – e, quiz!, ganha cinco barrinhas de chocolate quem souber diferenciar a segunda música da quinta ou da sexta.
The Go! Team e Metric nem precisavam ter se apresentado. As fotos de divulgação já dizem tudo. O primeiro é (quando inspirado) deliciosamente caótico e (quando enfadonho) um cartoon travado num infinito repeat. No palco, parece uma jam session tresloucada da turma do Scooby Doo. As vocalistas são uma graça – e a desembestada Ninja entrou na briga para roubar de Emily Haines o posto de musa indie do Ibirapuera. Na opinião de muita gente boa, conseguiu. Para mim, deu empate.
Já o Metric é aquela coisa. “Mainstream demais para o underground, underground demais para o mainstream”, disse Emily na coletiva de imprensa. Acrescento: “convencional demais para o meu gosto”. É, de longe, a banda mais quadrada e previsível de todas que conheço dessa tal onda do rock canadense. Os 40 primeiros minutos de show foram tão comportados que entediaram. A reação da platéia, com razão, foi fria, fria. “Vocês não querem que a gente volte? Que porra está acontecendo?”, reclamou Emily, quando voltou ao palco sem que ninguém exigisse o bis. O momento constrangedor parece ter dado uma sacudida no grupo, que retornou menos apático e, aos 45 minutos do segundo tempo, quase reverteu o placar. Quase.
Essa parte final do show eu vi colado no palco. E garanto: Emily Haines é sim um negócio. Ela se descabela toda e berra horrores e ainda assim soa delicada quando necessário. Com canções decentes (o que não acontece com o Metric), a loura fatal deve matar a pau. Quando ela se preparava para anunciar a última música, eu gritei: “Doctor blind! Toca Doctor blind aí, pô!”. Mas era só eu. Pagando mico. E, depois, morto de vergonha. Mas tudo bem. Nessa altura, todas as pessoas conhecidas já tinham batido em retirada.
Clipe: ‘Doctor blind’ Emily Haines & Soft Skeleton
Amanhã vou dar um pulo em São Paulo (e entenda a palavra “pulo” literalmente, já que volto domingo pela manhã) para assistir ao Motomix. Entre os shows do festival (de graça no Ibirapuera, nos vemos lá?), um que promete bastante é o do Metric. Não que eu goste taaaanto assim dos canadenses – em disco, eles parecem uma versão pálida de bandas mais interessantes -, mas não dá para desprezar a presença da vocalista e musa Emily Haines.
Tudo bem: os ingleses do Go! Team e Fujiya & Miyagi (que, aliás, lançou hoje mesmo uma música bem bacana, clique aqui para ouvir) prometem surpreender, mas Haines tem a voz e a atitude. E, claro, tem uma carreira solo muito bacana cujas canções, infelizmente, não entrarão no repertório do show.
O mundo é injusto, certo? Mas este blog não. Então aí vai Emily Haines, só ela, soltinha da vida, num clipe que é um dos meus favoritos de todos os tempos (é dirigido por Jaron Albertin). E domingo à noite, de tudo der certo, eu escrevo algumas linhas friorentas sobre o show.
‘Knowle west boy’ Tricky *
E o novo do Tricky, ãhn? Decepção, decepção.
Ou não. Quer dizer: se você aprendeu a gostar de Adrian Thaws durante os anos 90, quando ele atormentava nosso sono com o trip hop sombrio de álbuns como Maxinquaye (a obra-prima dele, de 1995) e Pre-millenium tension (o papai sádico de Kid A, e um legítimo suicídio comercial), Knowle west boy soa como mais uma tentativa frustrada de diluir elementos dessa fase “difícil” em formato pop. Mas, para aqueles que o conheceram com o desastroso Blowback, de 2001, vai acabar parecendo um retorno à forma.
É uma questão de referencial. No meu caso, é inevitável olhar para trás – e com saudade. Um dos grandes provocadores da música dos anos 1990 (para tirar qualquer dúvida, basta ouvir o quase impenetrável Angels with dirty faces, de 1998) hoje parece ter abandonado toda e qualquer ambição criativa. No máximo, aqui, tenta rever alguns truques do passado enquanto recorre a uma salada de estilos que mira o público de, digamos, M.I.A. e Santogold: Past mistake, por exemplo, retorna aos climas cavernosos de Maxinquaye, sem sucesso. Já C’mon baby poderia estar num álbum recente do Moby. Sem brincadeira.
No ano do ótimo retorno do Portishead e da promessa de novidades do Massive Attack, Tricky está aí para estragar a festa do trip hop. E o pior é que o faz da maneira mais digna possível: tenta seguir em frente, tenta se transformar. Tenta.
‘Microcastle’ Deerhunter ***
Agora acho que posso dizer: eu conheço Bradford Cox.
Mas demorou um bom tempo, hem? No álbum Cryptograms, de 2007, o vocalista do Deerhunter me parecia pouco mais que um vulto. Se aquele era um disco todo errado – mais ou menos como a colisão sangrenta entre três EPs -, havia motivos para tanto: nascido a fórceps, exibia as marcas de uma gravação levada a solavancos. Corajosamente, a banda organizou as músicas do álbum como uma narrativa linear para um ano estranho: ele começa afogado em barulho para, aos poucos, encontrar-se com alguns filetes de melodia. Uma linda esquisitice.
Processo terepêutico: se isolar dentro do quarto e gravar as canções ambient do projeto Atlas Sound. Ainda assim, o resultado é um transe: Let the blind lead those who can see but cannot feel soa enevoado, melancólico, como se o compositor assumisse o papel de um fantasma adolescente. Outra criatura bizarra e adorável.
Depois de experiências tão viscerais, para onde seguir? A maior surpresa em Microcastle é a forma cristalina e franca, quase desnuda, como o vocalista agora se apresenta. É como se, depois do furacão, ele finalmente tivesse se permitido alguns dias de paz. Um pouco, pelo menos. Não é um álbum alegre nem plácido (os versos são paranóicos, agoniados), mas o primeiro trabalho do Deerhunter que se sustenta em pé, sóbrio e atento, do início do fim. Soa como uma semana produtiva numa clínica de reabilitação.
As comparações com o trabalho mais recente do Spiritualized serão inevitáveis. E, de fato, há canções que remetem diretamente ao universo daquela banda (Saved by old times é o exemplo mais explícito). Mas na maior parte do tempo, o alvo de Cox é uma releitura de clássicos do shoegaze – acima de tudo, My Bloody Valentine (que, quem diria, se transformou numa das referências preferidas de bandas de rock em 2008). Uniformemente agridoce, o disco é uma trilha sob medida para o próximo filme de Sofia Coppola – seja ele qual for.
Para quem se acostumou às estranhezas da banda, o foco recém-descoberto há de provocar desconfiança. Em comparação aos discos anteriores, Microcastle é um mistério desvendado, digerido para um público mais amplo e menos tolerante. Mas é uma prova da persistência de Cox. No início do ano, ele avisou que queria se dedicar a canções curtas, em “microestruturas” sonoras. O álbum é exatamente isso, só que inusitado de tão acessível. Em alguns momentos, vai além: a excelente Nothing ever happened é um casamento emocionante entre o Radiohead fase Kid A com Sonic Youth e My Bloody Valentine.
E tem um refrão para ser cantado em coro. Deerhunter em coro? Pois é. Muito prazer, Bradford Cox.
Como eu festejei o fim do mundo **
Da nova safra romena, vi três filmes: 4 meses, 3 semanas e 2 dias, A leste de Bucareste e agora este. Eles têm uma característica em comum: tratam, de uma forma ou de outra, do período de queda do ditador Ceausescu. Mas, de resto, me surpreendem por outro motivo – são projetos de cinema que mal se comunicam entre eles.
Ainda não consigo assimilar a idéia de um movimento estético de cineastas romenos. Talvez por ter perdido alguns filmes importantes do país, talvez por desatenção. Não sei. Mas não vejo muitos pontos de ligação entre a assumida (e cínica) precariedade de A leste de Bucareste, as cenas asfixiantes de 4 meses, 3 semanas e 2 dias e a opção pela narrativa clássica, pela estrutura típica de um romance de formação, que se nota em Como eu festejei o fim do mundo.
Dos três, o de Catalin Mitulescu é o que me soa mais truncado, mais desajeitado – mas um filme que consegue converter essa falta de jeito em benefício do tema que decidiu explorar. O cineasta acompanha uma adolescente que, como acontece, parece não encontrar conforto nem no próprio corpo. Mas não é um longa muito sobre puberdade, mas sobre como um Estado autoritário provoca agressões diárias no cotidiano das pessoas comuns e instaura um clima de permanente mal-estar. É essa atmosfera que Mitulesco acaba transmitindo, já que os personagens (e o próprio filme) muitas vezes parecem se arrastar, agonizar. Sem perspectivas, eles se esbarram, se maltratam.
Mitulescu tem o tema e os personagens. A faca e o queijo. Só não sabe, na maior parte do tempo, o que fazer com eles. De qualquer forma, intencionalmente ou não, nos faz sentir todo o peso de um país imóvel.
Competitividade
Nas primeiras audições, Stay positive, do Hold Steady, e Nouns, do No Age, não passam em branco. Mas, naqueles contatos iniciais, nada me preparou para a força que eles ganhariam com o passar dos meses. Hoje em dia, são álbuns que ouço repetidamente – eles me surpreendem a cada semana. Até eu, que não gosto muito de ficar me contradizendo, nada posso fazer contra esse tipo de apelo. Então tá. Eles ganham mais uma estrelinha e entram pro minguado Hall da Fama do blog. O disco do ano, já aviso, pode sair dessa duplinha aí.
Egoblog
Tudo o que você sempre quis saber sobre Tiago Superoito, mas nunca teve interesse em perguntar.
Quer dizer: atualizei aquela paginazinha estranha que as pessoas chamam de About (e que, por aqui, passa a se chamar Quem?).
Uma eternidade, né? Então. O que vocês estão esperando? Corram lá para saber mais sobre uma pessoa incrível, impagável, fascinante e extremamente simples. E humana, acima de tudo.
‘Feed the animals’ Girl Talk **
A exemplo do Radiohead e do Nine Inch Nails, Gregg Gillis decidiu que o fã escolhesse o quanto pagar pelo novo álbum do Girl Talk. Eu paguei $1. Poderia ter levado o disco de graça. Mas investi $1. Sempre achei que o Girl Talk valesse exatamente essa quantia e agora finalmente tenho a chance de externar minha opinião sobre o assunto, economicamente falando. É $1. Estamos conversados (o endereço para o download é este aqui).
A arte do Girl Talk é a da picaretagem. Assumidíssima, aliás. Gregg, o camelô indie, lança discos por um selo informal chamado Illegal Art. E, se tem uma meta profissional, é a de incluir o maior número de pedacinhos de hits dentro de jukeboxes frenéticas de três minutos de duração. Ele chega lá. Sem a concorrência de um Danger Mouse, que encontrou algo mais produtivo para fazer da vida (Gnarls Barkley, alô?), pode até sair por aí se achando o rei do mash-up. Ninguém terá paciência para desmenti-lo.
Em matéria de mistureba enlouquecida, o sujeito não é nada amador (quem assistiu à esquentada performance do moço no Tim Festival sabe bem disso). O que há de provocar algum clima de incerteza na pista de dança é que, neste quarto álbum, o Girl Talk volta ao planeta numa época em que o mash-up já parece morto e enterrado. Para piorar, Gregg não tem nada de novo a comentar sobre o assunto. Feed the animals é uma continuação literal do álbum anterior, Night ripper, um tanto mais diversificado, mas novamente um cabide de hip hop onde o DJ pendura referências musicais esquizofrênicas. Do pop oitentista ao grunge. De Avril Lavigne a Lil Wayne.
Para um projeto novidadeiro por excelência, a desatualização chega a aborrecer. O Girl Talk poderia ter seguido por tantos caminhos diferentes que a paralisia criativa provoca um certo desconforto. Novamente, Gregg empilha as faixas num fluxo contínuo de citações aceleradas. A sensação de termos comprado gato por lebre aumenta quando notamos o quão óbvias são essas referências do produtor. Nothing compares 2 u, Kiss (do Prince), Under the bridge (Red Hot Chili Peppers), Lithium (Nirvana), Groove is in the heart (Deee-Lite)… Parece até uma versão compactada do set do DJ mais previsível de uma cidade pequena e entediante como, digamos, Brasília!
É disco para levar uma estrelinha solitária no meio da testa, né não? É. Mas, se você fizer de conta que o mash-up ainda suspira, trata-se de um álbum que entretém exatamente pela forma despudorada e desajeitada com que faz uma ode ao pop-rock dos anos 90. Quem viveu a época acabará se identificando, por exemplo, com heresias como mesclar Cranberries com M.I.A. ou Groove is in the heart com Lithium. O momento mais estranho, disparado, é o mix de Roc Boys (do Jay-Z) com Paranoid android, do Radiohead.
Só ouvindo. É um álbum para ser devorado na pressa e, meia hora depois, completamente esquecido. Um prato-feito gorduroso, nada nutritivo. Às vezes delicioso, mas que vale exatamente o quanto pesa: $1, não mais.
Críticos
O que mais me assusta, parte 1: começar a escrever sobre filmes com o entusiasmo cego e autoritário de um torcedor fanático de futebol, daqueles que não vêem o menor defeito no time do coração. E terminar meus textos explicando que é essa a paixão que deve mover o bom crítico. Se isso acontecer por aqui (e, do jeito que sou desatento, talvez tenha acontecido), favor acionar as poltronas infláveis e abandonar este blog sem dó.
A banda **
“Banda musical egípcia vai a Israel para participar da inauguração de centro cultural árabe é esquecida no aeroporto. O grupo decide fazer a viagem por conta própria e se perde no deserto, onde é acolhido por moradores.”
Eis a sinopse de A banda, objetiva e acinzentada assim, estampada no suplemento cultural. De certa forma, diz quase tudo sobre esta produção israelense com quase 20 prêmios no currículo (entre eles, uma menção da mostra Um certo olhar, de Cannes). É um filme com todas as credenciais para ser abraçado e defendido antes mesmo de ser visto.
Quem não concordará com essa trama, que força um encontro carinhoso entre egípcios e israelenses no meio do nada e, nesse melting pot (como diria o ministro da Cultura), faz questão de humanizar cada um dos tantos personagens? Impossível não lembrar de, por exemplo, Bagdad café. Ou, com muita boa vontade, buscar as referências para as seqüências mais sentimentais lá em Vittorio de Sica. Quem não assinaria esse cheque em branco?
Mas desconfiemos um pouco do excesso de confete, ok? Para imprensa norte-americana, qualquer produção estrangeira que enfrente temas espinhosos com o mínimo de delicadeza e traquejo da narrativa clássica é tomada como uma sensação (talvez por que eles esperem dos estrangeiros nada além de precariedade e abstração). Nas primeiras cenas, conduzidas com planos longos e silêncios que pesam toneladas, deixa boa impressão. E algumas há seqüências bem resolvidas, como aquela em que, numa mesa de jantar, o cineasta expõe toda a tensão política entre os povos do Oriente Médio sem precisar falar em judeus ou palestinos.
Só me decepciona um tanto o modo choroso como o diretor explora os dramas dos personagens. Todos eles se entendem, já que são solitários incuráveis. Cantarolam Summertime quando deveriam estar interpretando Owner of a lonely heart. As cenas na pista de patinação, instantes de melancolia pop, poderiam ter virado ouro nas mãos de Paul Thomas Anderson. Nas de Eran Kolirin, parecem explicitar o que estava nas entrelinhas. Mas a gente entende: em matéria de boas intenções, o filme faz por merecer todo e qualquer prêmio.
Kung fu panda **
No cartaz, avisam que é uma produção “dos criadores de Shrek e de Madagascar“. Tudo a ver. O herói desta animação é um panda rechonchudo quase tão outsider quanto um certo ogro verde (ainda que mais dócil) que habita uma comunidade oriental que, bem, é quase um zoológico.
O urso de bom coração, pronto para se transformar num símbolo gay tão poderoso quanto os Teletubbies, é dublado por Jack Black. O que deve contar a favor do filme, ainda que eu não saiba explicar se isso acontece ou não (vi a cópia em português, com um competente Lúcio Mauro Filho no papel). De qualquer forma, os trejeitos do personagem parecem mesmo inspirados no pateta-padrão que Black interpreta vez ou outra. O professor de Escola de rock, o metaleiro do duo Tenacious D. As crianças só têm a ganhar com isso.
Em comparação a Wall-E (e vocês tinham absoluta certeza de que eu forçaria essa comparação, não?), Kung fu panda parece um daqueles desenhos animados exibidos nas manhãs de sábado. Despretensioso assim. Tem as cenas de ação e tem as gags. As gags são melhores que as cenas de ação (e a seqüência do pessegueiro sagrado é algo à altura de um episódio de Tiny Toons). E, ao contrário de um Shrek, inspiram um humor doce, quase inocente, com várias seqüências em que os personagens esbarram uns nos outros e caem de escada e quebram a mobília. Pastelão.
Nada contra. Qual foi a última vez que você assistiu a uma boa comédia? Kung fu panda é uma boa comédia. Em matéria de composição visual, está longe do medíocre (impossível não ser fisgado pelos olhos coloridos da tigresa, dublada por Angelina Jolie e Juliana Paes). Tão longe dos erros de um Madagascar, não tão perto dos acertos de Shrek, é uma animação que, de tão mecanicamente eficiente, nos deixa meio sem ter o que escrever sobre o assunto. O urso aprende a lição: gentileza não é tudo. O filme não aprende – mas, dentro do possível, convence pela simpatia (quando sai o novo da Pixar mesmo?).
Momento Twitter
Comprei o best of do Radiohead. O DVD, não o CD. Tem uns clipes bacanudos. Paranoid android. E Just. E Knives out dirigido pelo Michel Gondry. lol. (Extrapolei os 140 caracteres?)
Nice guys finish last
Meu blog é uma coisa bela.
Ele vai assim: zero comentário, zero comentário, zero comentário, 2 comentários (um texto bem breve, com resposta minha), zero comentário, 3 comentários (um texto bem breve, uma resposta minha e uma tréplica do sujeito que escreveu o texto bem breve) e 1 comentário (eu num monólogo, pra variar).
Nesse ritmo, acabo entre os finalistas do iBest.
Mas blog é uma coisa doida, né mesmo? Impossível saber quem está lendo ou se alguém está lendo ou se alguém dá ou não dá a mínima para o que está ou não está lendo. Enfim. Havia um tempo em que eu pensava que muita gente diferente lia este blog. Havia um tempo em que eu pensava que ninguém lia. Hoje evito pensar no assunto. Só escrevo, fico escrevendo, e depois escrevo um pouco mais.
Chinese democracy?
Ninguém vai achar estranho se, daqui a duas semanas, Axl Rose decidir demitir toda e equipe das gravações de Chinese democracy, deletar as composições, rodar a baiana e investir numa intensa pesquisa da canção búlgara. Nessa saga, tudo é possível. Mas vocês sabem: nove faixas que supostamente estarão no álbum que supostamente verá o mundo ainda este ano (sabe-se lá quando) vazaram na web e… Bem, ahn, er (eu e minha curiosidade mórbida!), estão muito longe de representar algo de minimamente importante para a música pop contemporânea. Ou para a música pop do final dos anos 1980.
E isso nós também já sabíamos. Mas o detalhe não impedirá o barulho apocalíptico que a simples existência desse álbum acabará provocando. Eu mesmo estava bastante certo de que o disco só chegaria às lojas em 2450, como uma obra póstuma de um compositor excêntrico do final do século 20.
As músicas novas de Axl Rose (nem vamos falar em Guns n’ Roses, ok?, essa entidade já morreu faz tempo) não são totalmente constrangedoras – como era de se prever – nem fantásticas ou surpreendentes – mas isso ninguém previa mesmo. Fica sim a impressão de que Axl parou no tempo, em algum ponto na virada dos anos 1990 para os 2000, mas soam no mínimo estranhas e divertidas as tentativas de flertar com o soul (Madagascar faz jus ao próprio nome) e de pisar fundo no hard rock para levantar multidões em estádios (a introdução da faixa-título parece a de Popozuda rock ‘n’ roll). E, claro, tem uma balada de seis minutos de duração (com cordas apoteóticas, obviamente) em que o cantor lamenta: “por favor, seja gentil. Fiz tudo o que pude.” Certo, Axl, certo, deus te abençoe etc.
Para os mais nostálgicos, uma notícia deve provocar alívio: quando quer, Axl ainda é capaz daqueles vocais esganiçaaaaaaaados que arrepiam até o dedão do pé. Duvida? Então confira aqui e depois me conte o que você achou (e não diga que não avisei).