Mês: janeiro 2009

March of the Zapotec/Holland EP | Beirut

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beirutcapaAs aventuras de Zach Condon, partes 3 & 4.

E assim aconteceu: depois de dar a volta ao mundo sem sair do próprio quarto, nosso herói do Novo México fez as malas, comprou passagens, carimbou o passaporte, encontrou pessoas e conheceu lugares.

A jornada não chegou ao fim. Mas desconfio que ele descobrirá, como no desfecho de uma fábula para crianças, que as paisagens não transformaram aquele menino das tardes monótonas na cidade de Santa Fé: inseguro, terrivelmente romântico, um tenor embriagado.

Os dois álbuns do Beirut (o projeto global/caseiro de Zach) narram tramas absolutamente diferentes. Ao mesmo tempo, são gêmeos. O primeiro, Gulag orkestar, simula uma orquestra de sopro dos Bálcãs. O segundo, The flying club cup, vai à França dos anos 20. O elo entre esses dois planetas é a performance vocal de Zach: lânguida, quebradiça (e aposto que, para muita gente, insuportavelmente chorosa), ela tem o peso de uma assinatura. 

Os EPs March of the Zapotec e Holland confirmam a impressão de que, neste longo diário de viagem, o narrador observa o mundo com um certo distanciamento. No primeiro, Zach compõe melodias (bem típicas do repertório dele) para uma banda mexicana de marchas fúnebres (resultado de uma viagem a Oaxaca). No segundo, retorna a um projeto de adolescência, o Realpeople, em embarca numa trip eletrônica.

Os projetos poderiam ter servido para demonstrar a versatilidade do músico (e ele também gravava canções de doo wop!), mas fazem o oposto disso: apesar de dividido em duas partes, o disco preserva uma lógica que só pode ser explicada pelo método de composição de Zach. Quem reclama da uniformidade meio monótona das faixas (mesmo quando comparamos uma faixa eletrônica a um lamento mexicano), de certa forma, tem razão. 

As novas experiências podem até modificar a superfície da música do Beirut (e o cristalino Holland parece até um disco de remixes de canções que conhecemos), mas não alteram o método de Zach. A estreia Gulag orkestar (gravada dentro de um quarto) ainda sobrevive como o momento mais criativo do cantor.

O que não deixa de ser curioso: o Beirut não se transforma na mesma velocidade como se movimenta entre culturas estrangeiras. É um processo mais complicado, uma viagem interna, e os EPs não escondem essa dificuldade.

Dois EPs do Beirut. 11 faixas, com produção de Zach Condon. Ba Da Bing Records. March of the Zapotec: 6/10; Holland: 6.5/10.

Minha vida de sitcom

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Assistindo a Mad Men (que é mesmo tudo aquilo que dizem), volto a me perguntar: por que ninguém ainda pensou em criar uma série de tevê decente, dessas com a grife da HBO, sobre a vida numa redação de jornal de um país subdesenvolvido?

Se precisarem de um candidato para escrever o piloto…

Foi apenas um sonho

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Revolutionary Road

Revolutionary road, 2008. De Sam Mendes. Com Kate Winslet, Leonardo DiCaprio e Michael Shannon. 119min. 5.5/10

Em Foi apenas um sonho, Sam Mendes retorna aos subúrbios norte-americanos. E lá se vão nove anos desde Beleza americana.

A comparação pode parecer daquelas absolutamente óbvias, mas não fica só na superfície das coisas. São dois filmes em que o diretor britânico revela as duras verdades que se escondem sob as aparências de bairros organizados, caros, com cercas brancas e casas espaçosas.

A diferença é que o novo é um filme ambientado em 1955. Mas as verdades (melhor: as verdades de Mendes) continuam intocadas: a vida padronizada e aborrecida dos ricos, enfurnados naqueles paraísos artificiais onde nada acontece, só pode mesmo ser um tédio sem fim.

Poderíamos levar o filme como uma simples adaptação literária da obra de Richard Yates (que estou lendo e parece muito boa), mas Beleza americana altera a perspectiva. O discurso de Yates é resgatado como que para garantir um selo de qualidade ao olhar de Mendes.

O que o livro parece ter de mais poderoso (ainda estou no início, não posso concluir nada), pelo menos, o filme tenta preservar. É que, acima da crítica ao conservadorismo ou ao american way of life, Yates narra o apodrecimento do amor – e de uma forma tão detalhada e agonizante que talvez só John Cassavetes teria conseguido evocar com igual intensidade a frustração experimentada por este casal perfeitinho, perdidinho.

Mendes acena para o livro (mas não para Cassavetes) quando concentra grande parte da narrativa entre quatro paredes, em embates verbais entre DiCaprio e Winslet. Os dois dão conta do recado (ela mais que ele), ainda que cada cena pareça desenhada para ser exibida como clipe em cerimônia de premiação.

Aliás, parece até incoerente que um cinema tão controlado, tão polido, venha com essa de atacar a frágil segurança das redomas de felicidade made in USA, de filmar personagens aprisionados nas próprias rotinas. Talvez isso explique a obsessão de Mendes pelo tema: quando se libertar de tanta convenção, quem sabe, encontrará um cinema mais livre.

Rebobine, por favor

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kind

Be kind rewind, 2008. De Michel Gondry. Com Jack Black, Mos Def, Danny Glover e Mia Farrow. 102min. 7/10

Rebobine, por favor é filme de diretor de videoclipe. É sim. Disso não há como fugir.

Cada cena sugere uma ideia chamativa, um artifício engraçadinho, uma brincadeira esperta modelada em workshop e, acima de tudo, um aceno para o público que conhece Michel Gondry de maravilhas como Let forever be, do Chemical Brothers, ou Fell in love with a girl, do White Stripes.

E são dos melhores clipes que já vi (se você não tiver clipefobia, recomendo os links acima). Num formato que oscila entre o espírito free-style do curta-metragem e as obrigações comerciais de peças publicitárias, Gondry impôs uma marca, uma grife.

Mesmo sem querer (e talvez não queira, já que os clipes continuam a ser tratados mais como publicidade, menos como arte), Gondry não abandona muitos dos recursos que o consagraram com prêmios da MTV. Filmes como Sonhando acordado e até mesmo Brilho eterno de uma mente sem lembranças são preenchidos com sacadas visuais que poderiam ter sido aproveitadas num vídeo da Björk.

Não sei a opinião de Gondry sobre o assunto (e eu deveria procurar alguma entrevista do sujeito antes de sair escrevendo bobagens), mas desconfio que ele também tenha enfrentado o mesmo tipo de olhar-torto (de uma parte da crítica) que vitimou um Spike Jonze, um David Fincher. No documentário Dave Chappelle’s Block party (2005), por exemplo, ele tenta se livrar do estigma com uma câmera observadora, sóbria, sem passes de mágica. E funciona (mas não é tãããão ele).

Rebobine, por favor aproveita o tema principal de Block party (a vida em comunidade), mas acaba se revelando uma espécie de instrumento de defesa para o cinema de Gondry.

Na trama, a criatividade vence. São as ideias simples porém extraordinárias (aquelas que, num clique, deslumbram a platéia) que garantem o ganha-pão de dois balconistas de locadora que, para salvar o comércio, decidem gravar versões caseiras de sucessos de bilheteria como Os caça-fantasmas e A hora do rush 2.

Nesta fábula, os dois “diretores de videoclipes” se transformam em astros de uma comunidade pequena, mas generosa. Não poderia haver símbolo melhor para os dilemas de Gondry, ídolo da geração -MTV.

O cineasta poderia ter criado um filme tão toscamente siderado quanto as criações da dupla de personagens (Jack Black e Mos Def). Mas não. Apesar de uma ou outra piada realmente hilariante (e os truques visuais muitas vezes são gracinhas secas, e só), Rebobine, por favor mostra a que veio no desfecho, em que Gondry pede licença para prestar homenagens ao poder agregador do cinema – e ao VHS, a depender do referencial.

E é uma cena, um truque emocionante – principalmente para quem adora um videoclipe.

Lost | Because you left + The lie

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lostquinta

Imagino o desespero de quem tentou começar a acompanhar Lost a partir da quinta temporada. Diante do tsunami de informações que varreu as cenas iniciais da premiere, exibida quarta-feira passada nos Estados Unidos, eu desligaria a tevê nos cinco primeiros minutos, e depois correria para o colo de um episódio de Two and a half men.

Não me surpreendo com a notícia de que a audiência despencou. Não há como fugir da impressão de que o programa passou a dialogar exclusivamente com os fãs. Aposto que os executivos da rede ABC estão matutando para facilitar o trabalho de uma multidão de novatos, mas os criadores da série não parecem muito incomodados com isso. A estreia da nova temporada, Because you left, é um capítulo tão frenético que será revisto inúmeras vezes pelos fãs – e descartado imediatamente pelos não-iniciados.

Chegamos num ponto em que qualquer redundância pode ser fatal. Se o desfecho da temporada anterior transportava a série para o ambiente da fantasia mais desvairada (a ilha se move e desaparece, eis a regra do jogo), este recomeço confirma que Lost só tem a ganhar com os saltos imaginativos.

A série que, lá no começo de tudo, parecia um cruzamento bizarro de Survivor com Arquivo X, hoje engrossa o caldo pop com referências de De volta para o futuro e física quântica. A ilha, descobrimos agora, não apenas sumiu do mapa – ela pula, como um disco arranhado, entre passado, presente e futuro. “Se eu começar a explicar, você não vai conseguir entender”, explica o personagem especialista em física. É o recado dos roteiristas Damon Lindelof e Carlton Cuse: ao espectador, resta embarcar na viagem insólita – ou tomar outro avião.

Sem priorizar os recursos de flashbacks ou flash-fowards (já que a meta agora é fisgar a atenção do público aceleradamente), os dois primeiros episódios alternam duas tramas igualmente intensas: na ilha, os sobreviventes se deslocam no tempo a cada clarão; fora dela, os Oceanic 6 tentam retornar à ilha para resgatar os abandonados. Seria uma questão de simples solução, mas (e taí outra questão que deve mover a temporada) nem todos querem voltar.

Cada vez menos apegada ao sentimentalismo rasteiro, e mais dedicada à ação pura e simples, a série promete crescer muito se mantiver o ritmo desses dois primeiros episódios. The lie, o segundo, segue o formato de um típico capítulo da quarta temporada (com a revelação em doses homeopáticas de elementos que serão essenciais para compor o desfecho da trama). Mas é na taquicardia de Because you left que Lost vai ao paraíso: como nenhuma outra série, esta leva em conta as vantagens de uma época em que podemos ver e rever cenas quantas vezes quisermos (no YouTube, via DIVX etc). Confia que o público será capaz de juntar as peças do quebra-cabeças por conta própria.

Claro que nem todo mundo está disposto à brincadeira: mas, para aqueles fãs que criam novas teorias sobre o enigma a cada episódio, é um tipo de passatempo provocativo que ainda se mantém um passo a frente do espectador. Há programas mais complexos e sofisticados – mas desconfio que Lost mereça ser tratado de outra forma, como um outro tipo de entretenimento: é uma série, mas também um jogo. E esta nova partida, tomara, será para experts. 

Episódios: Because you left (Damon Lindelof e Carlon Cuse, 8), The lie (Edward Kitsis e Adam Horowitz, 7.5).

Fever Ray | Fever Ray

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feverrayDizem que Brasília tem o céu mais bonito do mundo. Não duvido. Mas, na estação das chuvas, não é raro olhar para o alto e se deparar com um espetáculo às avessas. A imagem não é exatamente agradável. São camadas cinzentas de nimbostratus, cortadas por relâmpagos e neblina espessa – uma colcha densa que devora a paisagem e, incontrolável, parece formar um túnel largo para uma dimensão terrível onde eu, sinceramente, não tiraria férias.

Há uma semana ouço obsessivamente o primeiro álbum do Fever Ray, projeto paralelo da sueca Karin Dreijer Andersson – que, com o irmão Olof Dreijer, forma o duo The Knife. Nos episódios mais automáticos da minha rotina (durante o banho, antes de dormir, enquanto leio o jornal, quando brigo com a torradeira ou tento regar as plantas da sala com a quantidade suficiente de água para que elas não caiam afogadas e morram), são canções que me assombram e hipnotizam – de tal forma que deixam a impressão de que eu poderia viver com elas, e apenas com elas, trancado num apartamento de um quarto.

Eu mentiria se afirmasse que essa sensação é rara – não é. Este é um daqueles discos (e há muitos desses discos, não sejamos injustos) que, por uns 40 ou 50 minutos, nos dominam completamente. Não somos nada perto deles. Depois, quando afastados, aí passamos a considerar racionalmente uma série de fraquezas, inconsistências e redundâncias, até tomarmos o disco como qualquer outro.

Eu estava procurando argumentos para defender este álbum, e só encontrei um suficientemente forte quando saí de casa ontem à tarde e fui surpreendido por um temporal violentíssimo, daqueles que alteram nossa percepção do céu da cidade. As árvores tombavam nos canteiros, os carros quase mergulhavam em poças de lama, o baruho dos trovões restremeciam as lâmpadas dos postes. E, nos meus ouvidos tensos, Karin sussurrava: “não há nada a temer”.

Sabemos que a eletrônica do The Knife é uma inesgotável trilha sonora para um filme de horror (o duo cita o cinema de terror coreano como uma das influências, ao lado de David Lynch e do videogame Doom). Por essa lógica cinematográfica, o Fever Ray pode ser tratado como uma impressionante obra de suspense psicológico – daquelas em que os monstros habitam a alma dos personagens.

Eu ficaria muito satisfeito se, superadas as comparações (inevitáveis) com Silent shout, do The Knife, o álbum encontrasse conforto na mesma prateleira de Dummy, do Portishead. São discos que criam atmosferas de agonia, de pavor contido, um meio-termo fascinante entre cotidiano e pesadelo. Karin é a única verdadeira sucessora de Beth Gibbons: a voz do desespero, a Miss Estranheza congelada no tempo.

É aí que Fever Ray se distancia do álbum do The Knife: se aquele era um disco para as pistas (e, de olho na performance dos singles, mais diversificado e extrovertido), o novo de Karin vem carregado daquele despojamento intimista típico de projetos paralelos como The eraser, de Thom Yorke: é o gemido, a encenação assustadora construída com longos planos-sequência. Nessa composição de um clima uniforme, de um tema, o álbum beira a perfeição: logo na primeira música, If I had a heart, somos atirados no inferno: “Se eu tivesse um coração, poderia te amar. Se eu tivesse uma voz, cantaria”, apresenta-se Karin, mascarada pelo recurso de alteração digital de vozes que marcou Silent shout e embala o disco inteiro.

Ao contrário do deslumbramento de um Kanye West, Karin usa os artifícios para rasgar a própria voz de uma forma monstruosa, como quem encarna uma série de personagens num longo drama. As peças se encaixam em When I grow up, veículo para pensamentos inconfessáveis: “Eu nunca gostei do olhar triste de alguém que quer ser amado”, ela admite. Divide o segredo, e assim cria imediatamente uma impressão de cumplicidade com quem a ouve. 

Aí já estamos presos. A faixa seguinte, Dry and dusty, compara dois amantes a cápsulas de energia. Enquanto as melodias dialogam com a secura dub típica do trip hop, a sonoridade electro nunca parece óbvia – cada ruído, cada batida é um achado. Eis que a quarta canção, Seven, avança rumo ao pop e vai à estratosfera – é uma das maiores do ano. Nos versos, Karin narra o encontro com um velho amigo. “Aos sete anos, sob um céu pesado, eu pedalava com a minha bicicleta”, ela lembra. E o céu continua a esmagar tudo.

Depois de um início com aparência de obra-prima, o restante do álbum inevitamente se revela bem menos poderoso. Mas é que nossas expectativas, agora, estão nas alturas: sem pressa, Karin faz de Concrete walls um lamento à Tricky que, na sexta audição, periga ofuscar o disco inteiro. Keep the streets empty for me é outra que (e aí é impossível não lembrar novamente de Portishead) poderia se transformar num standard para novas cantoras de jazz. Mas alguma delas teria coragem de cantar versos como “numa cama de teia de aranha, imagino em como posso me reinventar”?

O álbum termina com uma extensa viagem instrumental chamada Coconut, que sugere uma canção de ninar com letra agora incompreensível, empoeirada. Karin vai desaparecendo aos poucos, e o disco termina como uma paisagem um pouco menos acinzentada, mas ainda pronta para desabar a qualquer momento. É como o céu de Brasília logo depois de uma tempestade, no mês de janeiro: novamente encantador, mas sempre a apenas uma trovoada de fazer das nossas vidas um lugar mais sombrio.

Primeiro álbum do Fever Ray. 10 faixas, com produção de Karin Dreijer Andersson. Rabid Records. 8.5/10  

BÔNUS TRACKS

handsomeFace control | Handsome Furs | 7.5

Por falar em electropop mal-assombrado (e em projetos paralelos que soam tão ou mais instigantes que os pratos principais), o segundo disco do Handsome Furs é o reflexo invertido do Fever Ray e pode ser encarado como o irmão dançante e pop de At Mount Zoomer, do Wolf Parade. O duo liderado por Dan Boeckner (a face menos áspera do Wolf Parade) toma referências como Bowie e New Order para embalar a matriz pós-punk do compositor, e o resultado é o disco mais imediatamente acessível e polido (no caso, uma opção estética) de Boeckner.

Gravado no mesmo Mount Zoomer, o álbum prova o rigor conceitual dos canadenses – o que às vezes rende canções excessivamente racionais, que apenas materializam a ideia de como um determinado disco de rock deve soar (nisso, Face control se aproxima de uma versão indie para Eagles of Death Metal). Ainda assim, faixas como I’m confused e All we want, baby, is everything estão à altura do Wolf Parade – e podem virar ouro nas mãos da Sub Pop.

Indicados ao Oscar

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oscarindicados

Nem eu, que adoro fazer apostas precipitadas, arrisco cravar um favorito absoluto para este Oscar.

Aparentemente, a Academia vai se curvar a uma produção indie com o selo da Fox Searchlight (depois das tentativas frustradas de Pequena Miss Sunshine e Juno). Quem quer ser um milionário? é o preferido da torcida, mas O curioso caso de Benjamin Button sai com 13 indicações e o lobby fortíssimo da Warner e da Paramount – que, juntos, talvez cheguem lá.

Por fora correm duas biografias políticas (Milk e Frost/Nixon) e a adaptação literária “requintada” da vez (O leitor). Duvido que algum desses vença, mas eu gostaria muito de ver a expressão de susto do Gus Van Sant recebendo uma estatueta dourada.

Uma boa notícia, em meio ao lenga-lenga previsível de sempre: a Academia não se deixou enfeitiçar pela campanha massacrante de Batman – O cavaleiro das trevas e lembrou do blockbuster da forma como eu gostaria que ele fosse lembrado: por Heath Ledger e em categorias técnicas.

E notaram que a M.I.A. foi indicada para melhor canção?

Na lista dos desprezados, entram Clint Eastwood, Foi apenas um sonho (agora o título em português faz todo sentido), Sally Hawkins, Benicio del Toro (por Che) e Austrália – esse último, também injustiçado na lista do Framboesa de Ouro. 

Werner Herzog está lá, com o documentário Encounters at the end of the world. Mickey Rourke também (e a briga com Sean Penn promete dividir até os… fãs marrentos de Mickey Rourke).

No mais, Entre les murs saltou de Cannes para a disputa de produções em língua estrangeira. Deve perder para Valsa com Bashir, mas tomara que isso acelere a estreia do filme no Brasil (em compensação, a Europa Filmes lança Quem quer ser um milionário? dia 6 de março).

A competição toda renderá algumas faíscas. O telecatch entre Davi e Golias será, pelo menos, uma opção decente ao desfile de escolas de samba do Rio de Janeiro, também marcado para o dia 22. Ou, se o filme de Gus Van Sant pegar algum embalo, talvez algo muito mais interessante que isso.

Life in technicolor II | Coldplay

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Tudo bem que o histórico de videoclipes do Coldplay facilita o trabalho do diretor Dougal Wilson (Viva la vida, por exemplo, entra em qualquer ranking de piores). Mas taí, então: o Melhor Clipe de Todos os Tempos do Coldplay, se é que alguém se importa com isso. Sério: Wilson conseguiu reduzir uma das bandas mais populares do planeta a um teatrinho de bonecos – sem, digamos, perder o glamour. E de onde vem aquele helicóptero, hem?

Austrália

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australia

Australia, 2008. De Baz Luhrmann. Com Nicole Kidman, Hugh Jackman e Bryan Brown. 165min. 3/10

Austrália é um daqueles filmes que transformam as (geralmente chatíssimas) sessões para a imprensa numa festa. O longa tem quase três horas de duração. Da primeira meia hora em diante, já havia gente fazendo piada, simulando bocejos, combinando o almoço, passando mensagem por celular, atualizando o twitter, fazendo compras online.

Como numa longa viagem de ônibus, era preciso matar o tempo de alguma forma.

Curioso como o primeiro projeto verdadeiramente ambicioso (inspirado em épicos de multidões como Ben-Hur e Titanic) de Baz Luhrmann tenha resultado numa espécie de transatlântico desgovernado: caro, vistoso, imenso, mas que importância tudo isso tem quando estamos perdidos no oceano?

Logo nas primeiras cenas, quando apresenta os personagens da forma mais desengonçada possível, fica claro que Luhrmann mira alto: quer narrar uma fábula que dê conta de remeter à formação da sociedade australiana e, como se isso fosse pouco, ainda pretende somar uma aventura infanto-juvenil, uma love story demodê, um drama de guerra e (ora, sim!) uma denúncia dos maus tratos sofridos pelos aborígines.

Luhrmann facilita o nosso trabalho ao trancar a Austrália inteira dentro de uma fazenda: lá convivem uma inglesa aristocrática (Nicole Kidman), um capataz grosseirão (Hugh Jackson) e um menino meio-aborígine, meio-branco. Fiquei imaginando uma superprodução chamada Brasil que narrasse as relações entre uma linda portuguesa, que se apaixona por um escravo e adota um indiozinho.

Sutileza não é nem nunca foi o metiê de Luhrmann (vide o uso exaustivo da música-tema de O mágico de Oz). Mas, de um filme que assume com tanta franqueza a inspiração de monumentos do entretenimento, seria exagero cobrar desta narrativa um pouco de… afetuosidade? Bom humor? Fluência? Austrália não tem nada disso.

É um espetáculo que, na linha da trilogia Piratas do Caribe, acumula efeitos e rescunhos de ideias sem fazer conexões entre elas – e acaba sabotando o perfil psicológico dos personagens (daí, nada feito: quem se envolverá com a história de amor entre dois postes?).

Para os que se enjoavam com o decalque frenético dos filmes anteriores do cineasta, Austrália prova que o buraco está em outro canto: sem as antigas muletas formais, o diretor simplesmente tomba no vazio. Se o país é tão enfadonho quanto este filme, não me convidem.

Superoito express (I)

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asobi

Eu estou com pressa e talvez você também esteja. Então aí vão alguns comentários acelerados para disquinhos que andei ouvindo nessas últimas semanas (e que, num mundo perfeito e com mais dias de folga, renderiam textos bem maiores). Sem brincadeira: tenho apenas 15 minutos para escrever este post – por isso mesmo, dê um desconto para o tio aqui e pegue leve nos comentários, ok? 

Hush | Asobi Seksu | 7 |  Segue rigorosamente e preguiçosamente a cartilha do dream pop (e, ao contrário da estreia do duo, este disco dedica-se mais à construção de melodias assobiáveis que a trabalhar cuidadosamente atmosfera das canções). Mas, como exercício de gênero, é quase perfeito – e faixas como Glacially, minha favorita, e In the sky podem sim expandir o público da banda.  Os agudos de Yuki Chikudate ainda provocam arrepios – para o bem e para o mal.

Blood bank EP | Bon Iver | 7 | O grande teste de Bon Iver será sobreviver ao mito de “homem das cavernas” que criou para si em For Emma, forever ago. O EP Blood bank é o primeiro passo: ainda esparso, o som do compositor aos poucos desce da montanha para habitar o mundo real – nesse processo, a faixa-título (os versos poderiam ser diálogos de um filme de amor de David Gordon Green) e a primaveril Babys apontam para uma fase menos desiludida, e não menos comovente. 

Welcome to the Welcome Wagon | The Welcome Wagon | 6.5 | Sufjan Stevens se encanta com as composições religosas que um casal escreve para os cultos de uma igreja presbiteriana de Nova York, os convida para uma temporada de gravação e, no papel de co-piloto do álbum, floreia as canções com os detalhes (e o banjo!) que encontramos em discos como Chicago e The avalanche. Nenhuma outra pregação gospel soará tão doce – e, ainda que quase tudo pareça lado B de Stevens, American legion emociona até os mais céticos.

Changing horses | Ben Kweller | 6 | Mais que um simples “projeto country”, o disco acaba destacando o que já sabíamos: Kweller é um compositor conservador por natureza (e tudo o que ele quer da vida é dividir um álbum de bluegrass com o Jack White). Não move montanhas, mas manipula com competência e emoção os chavões do gênero (em Gypsy road e Hurtin’ you, por exemplo).

Ray guns are not just the future | The Bird and The Bee | 6 | No segundo álbum, o duo de Los Angeles continua a se aproximar perigosamente do pop fofo e estéril que se ouve em comercial de sabonete – mas, para nossa sorte, ainda não chegaram lá. O álbum abre com uma referência assustadoramente cristalina a Alegria, alegria, de Caetano Veloso. Mas a inspiração de tropicália fica aí: as faixas seguintes se acomodariam muito bem num álbum antigo do Cardigans.

Aer Obama | Daft Punk vs. Adam Freeland

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Obama on the dancefloor!

Vamos festejar a posse de Barack Obama com um remix de Aerodynamic, do Daft Punk? Pode parecer improvável, mas a versão de Adam Freeland para o hit dos franceses periga virar trilha sonora para a próxima terça-feira, dia 20.

No clipe, uma multidão de bonequinhos de Playmobil faz coro para cantar O-B-A-M-A. É contagiante. E mais um capítulo da invasão sorrateira do Daft Punk em território norte-americano (depois de ceder nada menos que o refrão de um dos maiores hits de Kanye West). Mais uma estratégia dessas e o próximo disco do duo entra no top 10 da Billboard. E eu vou achar é bom.

O curioso caso de Benjamin Button

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The curious case of Benjamin Button, 2008. De David Fincher. Com Brad Pitt, Cate Blanchett e Tilda Swinton. 166min. 7/10

É isso, meus irmãos: cá estamos nós na temporada do Oscar.

E ela continua me deixando zonzo: uma adaptação de quase três horas de duração para um conto de F. Scott Fitzgerald? Conduzida por um herói que, condenado a rejuvenescer enquanto o resto do planeta envelhece, parece preso num episódio interminável de Além da imaginação? E pontuada por edificantes frases de efeito – do estilo: “nada é para sempre” e “tudo pode acontecer!” – que nos fazem lembrar dos bordões mais insistentes de Forrest Gump?

Admito que entrei no cinema desconfiadíssimo.

Só que, ufa, não estamos no fim do mundo. O melhor que tenho a dizer sobre O curioso caso de Benjamin Button é que o filme não se deslumbra com os truques da premissa e, às vezes, até se esquece dela. Apesar de ter nascido em condições incomuns, Benjamin Button se revela um homem sem tantas qualidades. É ingênuo, até apático.

Se resumíssemos a trama do filme, teríamos algo assim: Benjamin trabalha, Benjamin ama, Benjamin conhece o mundo, Benjamin sofre com a perda de pessoas queridas. Pode parecer ambicioso, mas o roteiro de Eric Roth e a direção de David Fincher demonstram um olhar bastante objetivo para a vida: as pessoas amam e morrem, os romances acabam, nada é para sempre e, na melhor das hipóteses, tudo pode acontecer!

Em algumas sequências, fica a impressão de que Roth e Fincher tratam a existência como um combinação de elementos químicos, a ser testada em laboratório. Numa delas, nos explicam que, oh!, a vida é uma sucessão de pequenos acasos (e se aproximam do tom de uma peça institucional de campanha de doação de órgãos).

Mas tratar o filme como uma espécie de releitura de Forrest Gump é um equívoco. Benjamin Button testemunha um ou outro evento importante da história da humanidade. O roteiro de Roth, porém, extrai o máximo de situações triviais (ainda que exagere na dose ao usar Twist and shout como trilha sonora para embalar o idílio do casal de protagonistas). 

Os filmes se aproximam num outro ponto: lidam obsessivamente, derramadamente com o ato de narrar histórias, que também serve de eixo de Benjamin Button (a trama é desenvolvida a partir da leitura de uma longa carta-diário).

Na primeira metade do longa, o narrador cataloga situações mais ou menos corriqueiras (o primeiro beijo, o primeiro emprego), filmadas por Fincher em uma chave às vezes até introspectiva, apesar de uma encenação quase sempre rococó. O acúmulo das experiências de Benjamin – que cresce num asilo e, por isso, é obrigado a se preparar constantemente para a morte – descamba numa história de amor impossível. Só que Fincher não desce da corda-bamba, rejeita o sentimentalismo fácil e opta por investir numa love story (pseudo) filosófica na linha de Brilho eterno de uma mente sem lembranças

Essa segunda metade salvou a minha sessão. Não tem nada de excepcional, mas é aí que os temas mais latentes do filme passam da teoria à ação: a degradação do corpo, os efeitos incontornáveis da passagem do tempo e – talvez a grande cartada do filme – o elogio a um tipo de amor incondicional que não se confunde com romantismo.

Apesar do excesso de maneirismos, o filme passa como uma máquina milimetricamente calibrada, um carro-alegórico sem um único detalhe fora de lugar – mas Fincher não deixa que tamanha exibição de técnica e eficiência soterre a matriz sentimental da narrativa.

E isso não é bobagem. Se o Oscar ficar com ele, vou achar até justo.

An eluardian instance | Of Montreal

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E aí, viram o clipe novo do Of Montreal? Pode não ser o melhor que eles já fizeram, mas é o que mais entende a banda. Dirigido por Jesse Ewles, o curta é tão cuidadoso e delicado (e psicodélico) que eu deixaria rodando a tarde inteira aqui na tela do meu computador. Marotamente, Elwes sugere uma interpretação lírica para o esquisito Skeletal lamping que nunca teria passado pela minha cabeça. Um para a lista de melhores do ano. É, já.

To lose my life | White Lies

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whiteliespeqEu sei que deveria encarar To lose my life como uma daquelas típicas estreias imperfeitas porém divertidas, programadas para cumprir as expectativas de uma grande gravadora. Mas o disco rende algo mais interessante: é um sintoma poderoso da crise criativa do rock britânico.

Sim, já que, se o White Lies é uma das maiores apostas inglesas para este início de 2009, então estamos perdidos. É o caso de fechar a fábrica e começar a maquete do zero.

Não é uma banda ruim, nem incompetente, nem irritante, ainda que bastante problemática. O trio, liderado pelo vocalista Harry McVeigh (mais um que tenta cantar igualzinho ao Ian Curtis), não é o primeiro a diluir o pós-punk do final dos anos 1970 em refrãos de rádio-rock. Não será o último.

Mas, e tão pouco depois do Glasvegas, o que incomoda é notar como uma banda iniciante mediana e razoavelmente interessante (e tão derivativa quanto, digamos, o Editors) consegue mobilizar a imprensa britânica. O óbvio ululante merecerá um Mercury Prize?

O primeiro parágrafo da resenha da Pitchfork para o álbum do Glasvegas (leia aqui) sintetiza o problema. Enquanto o rock britânico não deixar de se contentar com muito pouco, teremos que engolir as supostas revoluções de “promessas” como o White Lies.

Hype à parte, To lose my life soa tão frágil e desprovido de personalidade quanto a estreia do The Ting Tings. Uma espécie de Interpol aguado, o trio dilui a desilusão do goth rock num formato pop previsível. Canções como Death e A place to hide têm a estrutura de hit e funcionam à beça (mas, até aí, nada que as diferenciem de um sucesso do Fall Out Boy). Só que não passam de um cruzamento do tom épico do Arcade Fire com as firulas do Tears for Fears.

Mais dolorido é acompanhar os versos agoniadíssimos, que tentam rimar sofrimento com sucesso comercial. Acabam soando inofensivos (pior: não existe verdade nem desespero nessa sessão de terapia), mesmo quando falam sobre suicídio, assassinados e medo de morrer.

“Escrevo minhas memórias com sangue no chão”, ameaça o vocalista, em E.S.T.. Seria mais honesto terminar o verso assim: “, e com elas crio o tema fofo de um seriado teen.” 

Primeiro álbum do White Lies. 10 faixas, com produção de Ed Buller e Max Dingel. Fiction Records/Polydor. 5/10

A troca

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Changeling, 2008. De Clint Eastwood. Com Angelina Jolie, John Malkovich e Jeffrey Donovan. 141min. 6/10

Talvez seja o caso de ver mais uma vez – mas ainda admiro A troca meio de longe, bastante desconfiado.

Entendo os elogios ao filme: há quem chame a atenção para o curto-circuito entre a trama principal (um melodrama) e a parelela (um thriller de serial killer), e de fato isso existe. Há quem note o ataque silencioso e generalizado de Eastwood a todo tipo de autoridade (da polícia aos médicos). Está lá. 

Mas são comentários que desviam daquilo que tomei como o centro de tudo. Ou melhor: do que me perseguiu durante toda a projeção. Existe uma pessoa em mais de 80% das cenas e, bem, ela se chama Angelina Jolie.

É que, queira Clint ou não, o sucesso do filme depende muito da performance de Angelina. E aí mora um problema  (o roteiro de J. Michael Straczynski infla exageradamente a trama e há uma sequência de tribunal que me desagrada em tudo, mas é outra história).

Uma protagonista desse tamanho, elo entre o espectador e o filme, merecia uma atriz menos limitada. Sei que muitos discordarão, mas, quando imagino este filme defendido por outra pessoa, enxergo outra coisa. 

Não que seja uma atuação desastrosa. Nada. É correta. Calculadamente correta. Em um ano menos competitivo, talvez lideraria apostas ao Oscar. Mas existe algo corriqueiro e mecânico nesta interpretação que reduz quase toda a carga dramática de algumas cenas que são essenciais para o drama. Não sei definir o que é. Mas, em alguns momentos, até pensei que a mãe desesperada estaria envolvida numa conspiração da polícia de Los Angeles.  

Dizem que o filme é redundante. Pode ser, mas Angelina Jolie é mais. Se Clint não parece confortável como narrador do drama de uma heroína vitimizada, Angelina falha na missão de evocar desamparo, desespero, revolta. Às vezes, enfiada naquele exagero de figurino, fica parecendo um manequim.

Daí que o filme caminha manco, desapaixonado. Há o mérito de sempre: o olhar de Clint transmite aquele velho rigor ético, uma firmeza de princípios que vale por cententas de imperfeições. Mas o cineasta procura em Angelina Jolie um coração: e ele bate muito lentamente.