Mês: fevereiro 2009
Beware | Bonnie ‘Prince’ Billy
Todo álbum de Bonnie ‘Prince’ Billy é imediatamente tratado como o melhor álbum de Bonnie ‘Prince’ Billy. Você também ouviu essa história antes? Então bem-vindos a Beware, um Grande Álbum com uma Grande Banda gravado por um Grande Compositor em Grandes Estúdios, etc.
Admito que me assustei um pouco com a campanha de divulgação do disco. Pela primeira vez, Will Oldham adota uma estratégia que inclui um número expressivo de entrevistas à imprensa e fotos de divulgação. Para um sujeito declaradamente recluso, soa como um avanço. E um sinal de alerta.
Os fãs, de certa forma, estavam preparados para a transformação. Ano passado, Billy lançou Lie down in the light com o aviso de que aquele disco seria uma espécie de “lado suave” de um projeto mais grandioso. De fato, perto das ambições de Beware, o anterior fica parecendo um murmúrio (comovente, claro).
Trata-se do álbum mais ambicioso (e meticulosamente ambicioso) gravado por Oldham, e inclua aí I see a darkness, de 1999. É também o mais arriscado. Os fãs do músico certamente não cobravam um trabalho tão acessível e extrovertido (a maioria prefere o trovador introspectivo de discos como The letting go e Ease down the road). E os fãs da fase soul de Cat Power… Será que eles estão prontos para o tom sombrio de canções como Death final e There is something I have to say?
Não há como prever. Mas, como Middle cyclone (de Neko Case) e Merriweather Post Pavillion (do Animal Collective), é um daqueles trabalhos que expandem a palheta de cores usada por ídolos indie e perigam cair no gosto do mainstream. Se acontecer, ficarei feliz por Oldham. Não que seja algo importantíssimo, mas o mainstream deve esse reconhecimento a ele.
No mais, o álbum faz algumas das concessões mais elegantes da história do alt.country. A estrutura clássica do disco nunca é negada por Oldham (para cada rompante country há uma balada emotiva), mas o que impressiona é a forma como essa nova estrutura não cai como um pedregulho sobre o lirismo sutil do compositor. Pelo contrário. Oldham conduz com muita segurança uma banda enérgica, talentosa (com flauta, banjo, saxofone, violino, palminhas e coro), além de um time de convidados especiais (a exemplo de Neko Case, lembremos).
Será acusado de ter tomado o caminho mais amplo e fotogênico. Mas não se deve desprezar um disco capaz de evocar tanto o Bob Dylan sereno de Nashville skyline quanto a atmosfera folk transcendental do Van Morrison de Astral weeks. O álbum soa universal assim, mesmo quando excessivamente formal ou previsível (lembra um pouco o rigor de The greatest, de Cat Power).
Com títulos como My life’s work e I am goodbye, Beware serviria até como um belíssimo testamento para Billy – vamos torcer para que, em vez disso, abra uma nova fase (com novos desafios; quem fica parado é poste) para o Grande Compositor.
Sétimo álbum de Bonnie ‘Prince’ Billy. 13 faixas. Drag City/Palace Music/Domino Records. 8/10
Lost | The life and death of Jeremy Bentham
A estranha lógica de Lost: depois de um episódio sustentado numa Grande Revelação (o retorno dos sobreviventes à ilha), The life and death of Jeremy Bentham deveria ter batido como um longo anticlímax. Aqui, os roteiristas da série recuam para acompanhar as aventuras de John Locke entre os pobres mortais. Surpreendentemente, o flashback rende os melhores 40 minutos desta temporada.
E uma prova bastante sólida de que Lost, mesmo em dias frenéticos, ainda consegue se dedicar decentemente aos perfis dos personagens.
O episódio confirma a fé dos seguidores de Locke: o salvador da humanidade (podemos cravar logo isso de uma vez por todas?) é torturado, morto, enforcado e (oh!) ressuscita para liderar os irmãos bem-aventurados. Confesso que, num primeiro momento, desconfiei das metáforas religiosas da trama. Mas agora, devidamente convertido, deixo o futuro desta saga nas mãos de Damon Lindelof e Carlon Cuse. Amém.
É que, apesar do recurso fácil de citar a Bíblia em vão (estratégia para fisgar os leitores de O código Da Vinci?), a série sai-se bem num período em que organiza as peças do tabuleiro para compor uma temporada de guerras e revoluções. E sério: se John Locke é nosso Jesus Cristo, podemos esperar o apocalipse… agora?
Enquanto os heróis estão em transe, saltitando no tempo, o jogo dos vilões parece cada vez mais interessante. Qual é o seu favorito? Flor… Widmore, que até agora assumia o posto de Satã, começa a se revelar estranhamente adorável. Já Donate… Ben, bem, para esse eu não emprestaria dois reais.
Sorte a minha: fiz primeira comunhão e crisma. Caso contrário, ficaria perdidinho.
PS: Ao contrário do que acontecia na quarta temporada, fico com a impressão de que os posts sobre Lost são um desastre de audiência aqui no blog. Para não desgastar nossa amizade, volto a escrever sobre o assunto no final da temporada. Certo?
It’s blitz! | Yeah Yeah Yeahs
Aos que até agora não entenderam que o Yeah Yeah Yeahs é uma banda pop, It’s blitz! encerrará o assunto de uma vez por todas. O álbum serve como uma explicação didática, em amarelo fosforescente e gel cor-de-rosa, de que Karen O sempre esteve mais para Debbie Harry que para alguma das meninas do Sleater-Kinney.
O que nunca me pareceu um problema – até agora. Em Show your bones (2006), o trio saiu do casulo indie-punk para se remodelar como uma banda de arena, colorida e vibrante, numa reviravolta auto-irônica que me lembrou a fase Celebrity skin do Hole. Uma jogada que decepcionou muita gente, mas que me pareceu uma forma digna de escapar de alguns clichês que dominavam o rock nova-iorquino do início da década.
It’s blitz! acrescenta neon e sintetizadores ao figurino do disco anterior. Soa como uma versão remixada de canções que já conhecíamos. Pior que isso: um passo para trás. Já que o grupo se contenta com uma pegada indie-dance que nos leva de volta ao electroclash de Miss Kittin, a House of jealous lovers, do Rapture e ao primeiro álbum do LCD Soundsystem. Ou seja: a 2002, ou um pouco antes disso.
Ao contrário do Franz Ferdinand, o Yeah Yeah Yeahs veste o modelito dançante dos pés à cabeça. Pelo menos não fugiram da raia. O álbum inteiro, com produção corretinha de Dave Sitek (TV on the Radio), tem climas de dance musica setentista, ora saltitante (Heads will roll e Zero, os dois melhores momentos), ora um tanto dark (Skeletons).
Joy Division é uma das influências declaradas. Donna Summer é outra. Ambas são tratadas de forma rasa, com doses moderadas de angústia ou catarse, na linha inofensiva do remix que o The Killers gravou para Shadowplay. E as letras são qualquer nota (e tem gente interpretando Zero como uma canção sobre soldados em guerra, mas também pode ser sobre qualquer outra coisa).
Mais que nunca, o Yeah Yeah Yeahs soa como uma banda fashion, de grife – daquelas que se adaptam confortavelmente às cores da estação. Trocar guitarras por sintetizadores (pobre Nick Zinner) pode ser uma boa sacada. Convidar Tunde Adebimpe para fazer backing vocals também. No caso, porém, faltou timing. Tanto que, aposto dez reais, o álbum será comparado ao pop camaleônico (e unidimensional) do MGMT.
Em Show your bones, o trio brincou com os artifícios do pop. It’s blitz! é o próprio artifício. Uma bala de festim, uma decepção.
Terceiro álbum do Yeah Yeah Yeahs. 10 faixas, com produção de Dave Sitek e Nick Launay. Interscope Records. 5/10
2 ou 3 parágrafos | Ponyo on the cliff by the sea
O filme deve ser lançado aqui no Brasil só em outubro, por isso serei mais ou menos breve e bastante superficial (se bem que, no caso de uma animação de Hayao Miyazaki, isso é quase um crime). Lendo tudo o que escreveram até agora sobre Ponyo on the cliff by the sea (8/10), não consigo vê-lo simplesmente como uma tentativa de retorno do cineasta ao espírito de Meu vizinho Totoro, ainda que seja um projeto claramente identificado com o universo infantil. Apesar da premissa (que sugere uma versão oriental de A pequena sereia, o conto de fadas) e do visual em tom pastel, é um filme tão siderado quanto os três longas anteriores do diretor.
Em um resumo bem rasteiro e enganador, a trama narra a amizade entre um menino de cinco anos e um peixe que, depois de fugir do oceano, se transforma numa menina. Parece simplezinho, mas Miyazaki faz com que detalhes surrealistas alterem toda a nossa percepção da trama. A fábula é encenada num ambiente habitado por extravagantes deuses marinhos (e peixinhos com feições de criança) e atormentado por ondas em formato de imensos cardumes, que aprisionam cidades inteiras em bolhas gigantes. Um sonho bizarro, como os outros, só que em azul-bebê.
E um delírio (como de hábito) bastante lírico, coberto pela névoa que é a excelente trilha de Joe Hisaishi e com todo um subtexto de conflitos domésticos que rende uma das mais belas cenas compostas pelo diretor – com flashes de luz, o pai marinheiro se comunica com o filho, que o espera na janela de casa. Não é tão complexo quanto A viagem de Chihiro. Mas que deslumbra, deslumbra.
Lost | 316
Um episódio que, para mim, pareceu tão divertido (um exemplo: ele começa exatamente da mesma forma que a abertura da primeira temporada) quanto difícil de engolir. Todas as peças do jogo estão se encaixando, mas, a cada novo flash de luz branca, me pergunto se o trabalho dos roteiristas não anda fácil demais.
Cadê a reviravolta que mudará novamente toda a nossa perspectiva sobre a série, hem? (Tudo bem que ninguém está prometendo algo do gênero, mas fico na expectativa).
É até chato especular sobre o desenrolar da trama, já que (pelo andar da carruagem) muitos mistérios serão explicados no próximo episódio. Gostei da ideia de reconstituir o momento do embarque no Oceanic, mas eu ficaria mais satisfeito (chamem-me de sádico) com uma nova cena de queda de avião. Tudo menos o maldito flash de luz branca.
O número do vôo da Ajira remete a uma passagem bíblica que fala em vida eterna para aqueles que acreditam em Jesus Cristo. No episódio, um bilhete monossilábico de John Locke dá a entender que o salvador da humanidade é careca, rabugento e pode ter se sacrificado para salvar os “escolhidos”. Faz sentido, não faz? Mas como explicar o violão que Hurley leva na bagagem? Teria sido encomendado por um certo roqueiro drogado metido a Noel Gallagher?
Nada, nada, nada desvia a atenção dos fãs do programa. Por isso, o episódio começa pela grande revelação (o retorno de alguns dos sobreviventes à ilha) e é desenvolvido como um longo flashback. Lembra os melhores momentos da série – isso se excluirmos toda aquela explicação furada sobre um certo pêndulo gigante que me fez lembrar de Stargate e outras nerdices afins. Que aí já é abusar da minha paciência.
Happy up here | Röyksopp
Ontem foi um bom dia para videoclipes. Antídoto perfeito para o climão de Wrong, do Depeche Mode, este Happy up here imagina o mundo como um videogame tomado por outdoors multicoloridos e ameaçado pelas navezinhas do Space invaders.
Parece uma besteira, mas o diretor Reuben Sutherland compõe um universo de plástico que combina perfeitamente com a (ótima) música do duo Röyksopp. É o hit eletrônico angelical que o Air parece ter vergonha de gravar. E o vídeo desce feito iogurte de morango. Uma delícia, experimenta aí.
Wrong | Depeche Mode
Cruel, sombrio, sádico, chame do que quiser. Eu ainda não sei como encarar esta bad trip conduzida por Patrick Daughters (“um dos grandes auteurs da era do YouTube”, diz a Pitchfork). A influência de Karma police é clara, mas Daughters leva a paranoia do vídeo do Radiohead ao limite da tortura psicológica. A música nem é tãããão assustadora, mas a repetição robótica do refrão contribui para o compor o clima de claustrofobia sobre quatro rodas. Um pesadelo. Dos infernos. Estão avisados.
Middle cyclone | Neko Case
Na capa de Middle cyclone, sexto álbum da carreira, Neko Case está pronta para o ataque: ajoelhada sobre o capô de um carro antigo, descalsa, com um vestidinho preto e uma espada à Kill Bill, ela veste a carapuça de heroína do indie rock. Está bom pra você?
A capa diz (quase) tudo: pelo menos neste disco, as fábulas folk e os lamentos country serão substituídos por um repertório mais amplo de referências, que, até por falta de um rótulo preciso, poderá ser chamado de pop.
Sem medo de se queimar na própria ambição, Case vende este disco como o projeto mais ambicioso da carreira. Aparentemente, é a imagem que fica: o álbum tem 15 faixas, uma delas com 30 minutos de duração, e quase uma dúzia de convidados – entre eles, os colegas do New Pornographers, M. Ward, Calexico e Los Lobos.
Parece um registro inflado e superproduzido, não parece? Mas é uma impressão que passa logo quando notamos que Case trata o formato de “grande álbum” com ironia. Para começar, as participações especiais por pouco não se fazem notar. Muitas das músicas têm dois minutos de duração. E a faixa que dura meia hora é, na verdade, composta ruídos noturnos da fazenda onde o disco foi gravado. Ou seja: uma piscadela de olho.
O mais importante, no caso, é notar que Case cada vez mais se liberta das convenções de determinados gêneros (principalmente das amarras do alt.country) para explorar novos estilos e personas. São raras as cantoras que sabem soar tão atrevidas quanto delicadas (aí basta comparar a faixa de abertura, This tornado loves you, com a seguinte, The next time you say forever). Case nem faz força.
Quando sarcástica, então, não tem pra ninguém. O refrão de People got a lotta nerve é clássico instantâneo. “Sou uma devoradora de homens. Mas ainda assim você fica surpreso quando te como”, ela provoca, numa pérola da antropofagia pop. Na faixa-título, porém, ela soa tão desesperadamente carente quanto uma personagem de Aimee Mann. Um caso extraordinário de dupla personalidade.
O projeto do disco, gravado em quatro estúdios, prevê versatilidade (e, como consequência, uma certa falta de foco). Mas Case não nos decepciona até aí, com uma versão à Motown para Never turn your back on mother Earth, do Sparks, e uma cover assombrada, ao piano, para Don’t forget me, de Harry Nilsson. O resultado soa mais urbano e urgente que o anterior, o também ótimo Fox confessor brings the flood.
Apesar de uma ou outra tentativa estéril de acenar para ídolos como Loretta Lynn e Randy Newman (Magpie to the morning, por exemplo, ainda não desce) , Case acaba demonstrando mais coragem e personalidade que 90% das cantoras e compositoras em ação nos Estados Unidos.
A capa não mente: Middle cyclone é um álbum imprevisível; e sim, trata-se de uma espada afiada.
Sexto álbum de Neko Case. 15 faixas, com produção de Neko Case e Darryl Neudorf. Anti Records. 8/10
E o Oscar foi para…
… aquele filme lá. Vocês sabem qual.
Nada contra a delegação indiana, mas toda essa ideia de que Quem quer ser um milionário? aponta para uma temporada bollywoodiana em Hollywood soa um tanto quanto precipitada. Já tem gente dizendo que a performance do filme contaria a favor do cinema brasileiro, o que é uma grande bobagem (a menos que Boyle decida fazer um filme sobre um menino da Rocinha que se inscreve no Big Brother Brasil e sei lá o que).
Acima dessas divagações, foi uma noite dominada pelos britânicos, que venceram em mais categorias que os americanos (nove contra oito). O donos da casa, aliás, só levaram dois prêmios importantes: melhor ator e roteiro adaptado, ambos por Milk. Heath Ledger era australiano, Penélope Cruz é espanhola, o documentarista é britânico, A.R. Rahman é (um mala) indiano e dois japoneses saíram com estatuetas.
Isto é: na era do Obama, que venham os estrangeiros.
Como eu previa (eu e a torcida do Heath Ledger), foi uma cerimônia cheia de obviedades, com consagração de Kate Winslet e uma banana para Mickey Rourke (eu mesmo participei de um bolão e apostei em Sean Penn). O filme estrangeiro foi a única surpresa da noite, mas vai que é uma bomba? (O Rubens Ewald Filho a-mou, o que só pode ser um péssimo sinal).
Não me impressionei com a mudança de formato do show, talvez por não ter conseguido assistir decentemente à premiação. Posso afirmar com toda a certeza que ouvi o Oscar, já que não consegui escrever duas matérias, fazer uma cobertura em tempo real da entrega de estatuetas e, simultaneamente a isso tudo, ver o programa na íntegra. Ossos do ofício.
Mas testemunhei alguns desastres. Os números musicais de Hugh Jackman, que pareciam extras do DVD de Moulin Rouge. Os clipezinhos com trechos de sucessos de bilheteria (ao som de Coldplay e do Hives – este foi um Oscar para os netos dos integrantes da Academia, perceba). A participação do elenco de High school musical. E o desfile das escolas de samba, quando não aguentei o clima de seriado teen e decidi mudar rapidamente de canal.
Bons momentos? Os estrangeiros, maltratando o inglês a cada discurso de agradecimento (o que, para mim, soou como uma espécie de doce vingança). Sean Penn, em estado de graça. E o clipezinho do Seth Rogen com James Franco, que tinha lá algum tom de incorreção política que faltou ao script ameno de Hugh Jackman.
Parecia Bollywood. Ok. Mas ano que vem voltamos à programação normal, tá?
E o Oscar vai para…
… Quem quer ser um milionário, né? Compartilho do desânimo daqueles que tiraram o feriadão carnavalesco para se frustrar com o filmezinho de Danny Boyle. Depois de um ano assombrado pelas imagens de uma América no beco sem saída (Onde os fracos não têm vez + Sangue negro = os piores índices de audiência desde 1974), a Academia resolveu apostar numa edição feelgood. Hugh Jackman apresenta. E, se bobear, também canta e sapateia.
Eu espero por uma cerimônia das mais óbvias (e torço até por uma vitória surpreendente de Benjamin Button, que espantaria o marasmo). Os integrantes da Academia estão dormindo o sono da apatia profunda e não nos resta nada além de ficar resmungando. “Por que não colocaram O lutador entre os melhores filmes, por que O leitor não foi parar na grade do Hallmark Channel, por que Peter Gabriel não se aposenta, tralala”, etc.
Inspirado no post do Sérgio Alpendre, decidi imaginar o meu Oscar 2009 perfeito. Como diria o samba enredo, sonhar não custa nada. A lista (altamente improvável) de vencedores ficou assim:
Melhor filme
Milk, é lógico. Está longe dos melhores filmes de Gus Van Sant, mas dá uma aula para os outros indicados. Além do que, pensando em termos de espetáculo, a vitória do longa representaria um retrato muito mais interessante da América esperançosa de Barack Obama que uma fábula pop inglesa rodada na Índia. Certo? A menos que a ideia seja valorizar uma renovada política externa. E Oscar é política. Aí já viu.
Melhor diretor
Gus Van Sant. Por Paranoid Park. Tá, não se pode ter tudo. Mas ele nem tem concorrência, no caso. Van Sant é um cineasta. Os outros ainda estão tentando. Quer dizer: o Fincher pode concorrer por Zodíaco?
Melhor ator
Mickey Rourke. Respeito a performance de Sean Penn, mas Rourke corta a própria carne para interpretar… ele mesmo. Ou alguém muito parecido com ele. De qualquer forma, um trabalho extraordinário, à prova dos comentários do Rubens Ewald Filho.
Melhor atriz
Nem vi o filme, mas aposto que Melissa Leo faz bem melhor que as interpretações superestimadas de Kate Winslet (soterrada em maquiagem) e Meryl Streep (que parece ter levado ao pé da letra o papel da freira do quinto dos infernos). Anne Hathaway vai bem, e pelo menos nos lembra que o filme do Jonathan Demme (que não é um pastiche de Festa de família) não merecia ter sido esnobado dessa forma.
Melhor ator coadjuvante
Adivinha? Até eu, que não estou entre os fãs de O cavaleiro das trevas, ficarei na torcida por Heath Ledger. Por uma questão de justiça, já que a derrota por O segredo de Brokeback Mountain ainda está engasgada aqui. E Michael Shannon, o que fazes aqui?
Melhor atriz coadjuvante
Dúvidas, eu tenho muuuuitas dúvidas. A minha favorita, Marisa Tomei, é a que tem menos chances. Mas, mesmo nesse caso, não é uma grande atuação (já se falarmos em Antes que o diabo saiba que você está morto…). Eu não me espantaria com uma vitória da Viola Davis. Ou da Penélope Cruz, pelos poderes do marketing.
Nas outras categorias, espero que O leitor não leve a melhor fotografia. E que Hellboy 2 seja lembrado de alguma maneira, nem que pela maquiagem. E que as performances das canções indicadas durem menos de um minuto: são todas um saquinho, com ou sem M.I.A.
Day ‘n’ nite | Kid Cudi
Em Day ‘n’ nite, o rapper Kid Cudi não sabe muito bem se habita um mundo de seres humanos ou de desenho animado. Na dúvida, fica com os dois. Dirigido pelo artista gráfico Bertrand de Langeron (conhecido como So Me, o mesmo do ótimo Good life, de Kanye West), é um clipe elegantemente criativo, daqueles que Michel Gondry parou de fazer – e desde já um dos meus favoritos de 2009.
E, mudando de assunto, a Rolling Stone deu cotação máxima pro álbum do U2. A resenha, escrita pelo veterano David Fricke, trata No line on the horizon como “o melhor da banda desde Achtung baby“. Ouvi o disco umas dez vezes e ainda me parece menos confiante que All that you can’t leave behind. Mas infinitamente superior a How to dismantle an atomic bomb, disso não tenho dúvidas.
No line on the horizon | U2
No início dos anos 90, tratar o U2 como a maior banda de rock do planeta provocaria alguma controvérsia. Hoje em dia, soa como uma simples constatação. Ninguém mais parece interessado em dominar um mundo pop cada vez mais segmentado, rarefeito. Talvez o Coldplay, antiquado que é, ainda se importe com esse tipo de desafio.
O U2 pertence a uma outra época, em que o lançamento de um álbum provocava filas em lojas de discos e incontáveis audições coletivas. Eu estive lá. Quando comprei o CD de Zooropa, me vi tão estupidamente feliz quanto uma menina rica no primeiro contato com uma nova bolsa da Louis Vitton. Eu ouvi as faixas de Pop (e depois me decepcionei incrivelmente) como se fizesse parte de um culto planetário.
Para os antigos padrões da indústria fonográfica, uma banda do porte do U2 tinha um papel fundamental. Poucas souberam tão bem se aproveitar do marketing conferido aos discos-evento, aos blockbusters do vinil (depois, do CD). O impacto provocado por álbuns como The Joshua tree e Achtung baby não podem ser sequer imaginados pela geração alfabetizada pelos arquivos zipados do Strokes ou do Arcade Fire. De certa forma, eles abalaram o mundo.
Não é exagero. E ok se, hoje em dia, essa simples ideia ganhe a aparência de uma ficção-científica. Um disco com as pretensões de No line on the horizon soa imediatamente deslocado no nosso panorama. É um ET. Fica até difícil encará-lo ao pé da letra. Parece até uma heresia que um álbum tão im-por-tan-te chegue às nossas vidas via mp3, em downloads de 15 minutos. Cadê os fogos de artifício, minha gente?
Para vocês terem uma ideia do tamanho do bicho, o disco mais recente do Coldplay fica parecendo um workshop de técnicas criativas perto desta dissertação do U2. Em No line on the horizon, os irlandeses cumprem a promessa de retornar à fase mais imaginativa da carreira – aquela interrompida pela simplicidade (às vezes banal, mas sincera) de All that you can’t leave behind (2000) e do frustrante How to dismantle an atomic bomb (2004). É tudo isso.
Daí que o álbum experimenta com eletrônica, tenta arranjos de guitarra mais quebradiços e investe em um pop rock atmosférico que lembra tanto as estruturas de Zooropa quanto o ambient rock de Brian Eno. Nada disso soará como novidade para o antigo fã da banda. A diferença, aqui, está no verniz globalizado do projeto, gravado em vários estúdios (no Marrocos, em Londres, Nova York, Irlanda e Hanover) e com versos que evocam paisagens do Líbano, da África e de Paris.
A banda flutua sobre um planeta de fronteiras apagadas, e, musicalmente, se beneficia desse transe cultural. Num mexidão de ritmos que aponta diretamente para Achtung baby, o disco se inspira em ritmos orientais logo na faixa-título – que, como Mysterious ways, é conduzida por uma mulher que transforma radicalmente o ponto de vista do narrador, mas agora sob melodia de blues à Rattle and rum.
Se o curto-circuito de Achtung baby refletia as transformações sofridas pela Europa com a queda do Muro de Berlim, No line on the horizon tenta abraçar a nossa indefinição contemporânea. Não é que caia do cavalo (já que a ambição é imensa), mas o álbum só consegue sugerir algumas questões e cenários, sem paciência para um discurso mais contundente sobre o tema.
A maior dificuldade, para o U2 do século 21, é aliar o apelo comercial dos dois álbuns anteriores com esse espírito globetrotter. O disco fica no meio dessa estrada, tomado por canções de amor e hinos de estádio. Em alguns momentos, chega perto das baladas épicas do Coldplay (como em Breathe, levada ao piano). Um esforço compreensível: segurar o posto de maior banda do mundo, hoje em dia, requer trabalho dobrado e um punhado de concessões.
Outra via crúcis para Bono e cia é soar atual sem perder certas marcas imediatamente associadas à banda. Isso explica o clima de messianismo que encobre faixas como Stand up comedy (“Deus é amor. Vamos lá, defendam o seu amor”, convoca o vocalista) e Magnificent (“Apenas o amor une nossos corações”, diz a letra). Aí o U2 se afirma como uma espécie de “banda oficial para a humanidade”, com recados construtivos para o bem-estar do planeta. (Um porre, em resumo)
Essa carolice faz do disco um arranha-céu um tanto quanto oco, sem a ironia de Achtung baby e cheio de intenções nobres – menos o retrato do planeta em 2009, mais o espelho para quatro senhores com uma agenda carregada de compromissos políticos.
Os momentos mais espontâneos do álbum, por isso, são as narrativas de dramas urbanos (que, mais uma vez, revelam a influência de Lou Reed no trabalho da banda). Unknown caller, por exemplo, encena uma madrugada solitária, angustiante. “Dirigi para a cena do acidente. E sentei lá, esperando por mim”, canta Bono, bastante convincente. Já Cedars of Lebanon fecha o disco num tom rancoroso: “Esse mundo de merda às vezes produz uma rosa”, avisa o narrador, um repórter de guerra abalado por uma separação.
Sempre imaginei que, caso acertasse as contas com o cronista que existe dentro dele, Bono gravaria um álbum do U2 verdadeiramente novo. Em No line on the horizon, o talento começa a se revelar. Mas é pouco para um disco tão desfocado, tão indeciso (o single, Get on your boots, entrega logo de cara que a banda mal sabe para onde ir – e os versos serelepes, otimistas, são apenas risíveis).
Nada que tire deles o status de maiores do planeta, entretanto. Chris Martin vai morrer de inveja. Já o resto do mundo pop vai seguir vivendo como quem retoma as atividades diárias depois de ter assistido a um espetáculo de luzes, cores, discursos eloquentes e, bem, alguma música.
Décimo segundo álbum do U2. 11 faixas, com produção de Brian Eno, Daniel Lanois e Steve Lillywhite. Interscope. 6/10
Jason Isbell and the 400 Unit
Uma confissão: ainda não consigo ouvir o disco novo do Bruce Spirngsteen do início ao fim. Sempre paro lá na quinta música e troco pelo álbum do Jason Isbell.
Não são discos equivalentes, ainda que tratem de uma América esperançosa, em reconstrução (nos dois casos, Obama assinaria embaixo). Mas o escopo épico almejado por Springsteen soa como um rascunho bagunçado perto de tudo o que Isbell alcança – e sem drama ou esforço.
Quando deixou o Drive-By Truckers, em 2007, Isbell lançou um álbum de southern rock com aquela típica aparência de projeto solo: Sirens of the ditch expandia o repertório (blues, pop, soul) e ainda assim sugeria intimismo, informalidade. O novo disco dá um passo largo para frente – é um álbum de banda, ambicioso quando alia versos pessoais com narrativas sobre um país em transição.
Por isso mesmo, acaba dialogando com o mais recente do Drive-By Truckers, o excelente Brighter than creation’s dark. São discos povoados por personagens fascinantes, comr conflitos (pequenos e grandes) que renderiam belos contos. Também são álbuns que conjugam gêneros caros da música norte-americana no tempo presente, sem excesso de nostalgia.
É claro que, perto deste média-metragem de Isbell, o disco do Drive-By Truckers ganha a aparência de um longa de três horas de duração. As primeiras impressões podem prejudicar o disco de Isbell, que explora influências de country rock e de blues com um leve acento dark. Pode parecer um formato convencional demais, muito afinado ao alt.country de bandas como Wilco e Whiskeytown.
É e não é. Nos limites do gênero, Isbell explora praticamente de tudo. Good é uma faixa acelerada, com guitarras altas e versos sobre um personagem incapaz de praticar a bondade. Logo depois, Cigarettes and wine é um lamento amoroso de seis minutos de duração, que se arrasta lindamente como uma daquelas canções de dor-de-cotovelo que o My Morning Jacket não grava mais. Dois extremos.
A faixa seguinte é o hino que Mr. Springsteen gostaria de ter gravado em 2009: However long exorciza a longa noite para celebrar o raiar do dia. É comovente, mas a melhor canção do álbum já passou. Em Sunstroke, Isbell vê a América dos soldados em guerra e daqueles que os esperam. Em alguns trechos, porém, parece falar sobre as próprias frustrações: “Onde está sua obra-prima?”, canta, atormentado pelas cobranças alheias.
Na segunda metade, o disco (dividido por uma faixa instrumental chamada Coda), ganha um tom mais ameno, de baladas competentes (ainda que nada extraordinárias) como The blue e Streetlights (e Choice in the matter tem até um quê de John Lennon). O furacão se foi, mas o talento de Isbell para a composição segura a barra.
Nada que supere o impacto das primeiras faixas. Mas é aí que, na monumental The last song I will write, Isbell confirma a grandiosidade de um dos discos políticos mais afetuosos que ouviremos este ano.
Era mais ou menos o que Bruce Spirngsteen procurava, não era?
Segundo álbum de Jason Isbell. 11 faixas, com produção de Jason Isbell e Matt Pence. Lightning Rod Records. 8/10
2 ou 3 parágrafos | Sexta-feira 13
Até eu, um sujeito que não sofre tantas crises de nostalgia, senti saudades das chulices que Jason Voorhees cometia nos anos 80. Talvez esta nova geração não saiba (e me sinto adulto escrevendo isso), mas a série original sempre passou como um produto abaixo da crítica, invariavelmente tosco, apelativo e fiel a padrões risíveis de qualidade técnica. Daí que sim, concordo, este novo Sexta-feira 13 (4/10) é o mais “arrumadinho” de todos. Qual é a graça mesmo?
Perto desta versão clean para os três primeiros episódios da série (a mãe de Jason, coitada, só aparece nos primeiros minutos), até gozações como Jason X e Freddy vs. Jason me fazem mais feliz.
A culpa é provavelmente de Michael Bay (culpem-no por todos os problemas do mundo, eu deixo). Ou então trata-se de pura coincidência, já que a atmosfera de anúncio de xampu (repare nos cabelos esvoaçantes das atrizes) é exatamente igual à do remake de O massacre da serra elétrica, que o homem também produziu. Me acordem quando Wes Craven retornar ao metiê, ok?
Frost/Nixon
Frost/Nixon, 2008. De Ron Howard. Com Frank Langella, Michael Sheen, Sam Rockwell, Kevin Bacon e Matthew Macfadyen. 122min. 5.5/10
De 2000 a 2008, Ron Howard filmou uma fábula natalina (O Grinch), o perfil de um gênio esquizofrênico (Uma mente brilhante), a Grande Depressão (Cinderella man), um faroeste (Desaparecidas) e um best seller com pano de fundo religioso (O código Da Vinci). Com bastante esforço, talvez será possível encontrar relações entre os longas do cineasta. Mas acredito que ele queira apenas narrar as “boas histórias” – ou aquilo que toma por “boas histórias”.
Howard não será lembrado por nossos netinhos como um bom cineasta, mas sai-se bem como símbolo da eficiência hollywoodiana. Narrar “boas histórias” de forma correta – eis a especialidade do homem.
E o que faz uma “boa história”, Ron Howard style? Ela contém um conflito sem muita ambiguidade (a filha sequestrada, a miséria que aflige o homem de bem) e personagens carismáticos (o matemático extraordinário, o detetive interpretado por Tom Hanks). Frost/Nixon também é assim: um drama político de forte potencial simbólico adaptado a uma fórmula simplezinha (mas, repito, eficiente) de cinema de entretenimento.
O duelo entre Richard Nixon – o homem público carrancudo, mas dono de uma retórica assombrosa – e o apresentador de tevê David Frost – o zé-mané expert em futilidades, mas adorável de tão ingênuo – é reduzido por Howard a uma luta de telecatch. Mastigadinho, o drama perde os meios-tons quanto mais se adequa às generalizações típicas do cinema de Howard.
Entre os cinco concorrentes ao Oscar de melhor filme (e aí incluo Quem quer ser um milionário?), talvez seja o mais fluente e divertido. A narrativa é acelerada, mas nunca confusa. A inspiração teatral do roteiro se faz muito pouco visível (ainda assim, o roteiro de Peter Morgan, calcado em diálogos velozes, é prato cheio para os atores) e não há um único detalhe que fuja do padrão de qualidade técnico de um seriado transmitido pela HBO.
É um daqueles filmes que faz as pessoas afirmarem coisas como “nem vi o tempo passar!”. Ron Howard sabe trabalhar a arquitetura do entretenimento palatável. Frost/Nixon é todo assim, agradabilíssimo. Cerradas as cortinas, é exatamente com isso que ficamos: dois grandes personagens pelo preço de uma matinê.