Mês: maio 2011

Os discos da minha vida (42)

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Este é, senhoras e senhores, o quadragésimo segundo capítulo da saga dos 100 discos que fazem a tracklist da minha vida. Hoje, sem prólogo.

018 | Loveless | My Bloody Valentine | 1991 | download

Antes de ter cravado as garras na história do rock (e ele se transformou num disquinho influente, meus amigos), Loveless era apenas ruído rosa: durante toda a década de 90, um álbum que destoava de tudo o que ouvíamos na MTV e na rádio. Extremamente delicado e às vezes extremamente incômodo (e estamos falando numa obra de extremos), o testamento de Kevin Shields é um daqueles projetos destemidos em que um artista pop decide testar os limites das tecnologias de gravação (e em que, nesse processo exploratório, acaba declarando guerra à gravadora responsável por pagar pela festa). Mas isso tudo é história da música pop, certo? Para mim, o que fica de Loveless é a repetição infinita de Sometimes no porão do meu cérebro, indo e voltando como uma canção de ninar pré-histórica, transmitida por meus antepassados. A impressão é de que esta música sempre esteve aqui, entre nós. Ainda me espanto quando percebo que ela foi composta no período em que eu era um menino de 11 anos de idade. Top 3: Sometimes, Only shallow, To here knows when.   

017 | Grace | Jeff Buckley | 1994 | download

Lembro que eu já conhecia duas ou três músicas de Grace antes de comprar o CD. Jeff Buckley ainda não havia morrido, então estávamos livres da carga mitológica que passou a envolver este álbum. Comprei porque havia algo em Last goodbye que gelava meus nervos (a linha de baixo, acho que era isso), e convidei meu pai para a primeira audição. Ligamos o disco num volume alto talvez demais: foi engraçado notar como o estrondo da faixa título, logo após a introdução meio indiana, deixou o velho surpreso. “Uau”, ele disse (e parecia um menino diante de uma montanha-russa sofisticada), e ali eu consegui me identificar com meu pai como em poucas vezes. Nos anos seguintes, voltei a este disco muitas vezes, sempre com um destino diferente. A fase Lover, you should’ve come over foi a mais duradoura: era uma música romântica demais, que talvez tenha me estragado um pouco. Passei a procurar casos de amor que fizessem justiça à canção, mas eles não existiam. Coisa de adolescente. O disco, apesar disso, seguiu galante, the one and onlyTop 3: Last goodbye, Lover, you should’ve come over, Grace.

Após o pulo, confira os discos que já apareceram neste ranking.

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Mixtape! | Maio, primeira luz

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A mixtape do mês passado era sexy e pegajosa. Em comparação, a coletânea de maio soa como uma temporada na clínica de reabilitação. Parece um cdzinho calmo, tranquilo. Mas não é.

Não é mesmo.

Ele ficou do jeito que ficou (mais lânguido, digamos, mais arredio, mais tímido, fechadão) por dois motivos.

O primeiro: a ideia, como sempre, era criar um contraste com a mixtape anterior (que era de soul music, hip-hop); mas eu não queria gravar uma mixtape folk toda animadinha. Essas melodias adoráveis, portanto, estão cheias de lacunas desconfortáveis. Tratam de temas às vezes pesadões: frustração, arrependimento, medo, tensão sexual, hesitações tristes. Ouvindo novamente, acho que é a mixtape mais perturbada que gravei.

E uma das melhores. Vai ficando melhor, certo?

O outro motivo: ela, a mixtape, foi aparecendo numa época em que se falava muito aqui na cidade sobre o show do Jack Johnson. E eu sempre achei (continuo achando) que os fãs do homem só gostam muito dele porque ainda não foram apresentados a um Bon Iver, por exemplo. A um Fleet Foxes. Então este CD é um pouco pra eles, os fãs do Jack Johnson.

Ao contrário da coletânea de abril, esta aqui não conta uma história com começo-meio-fim e tem algo de autobiográfica. Foi um mês complicado.

Lá dentro você vai encontrar Six Organs of Admittance, Wild Beasts, The Antlers, Okkervil River, My Morning Jacket, Tune-Yards, Death Cab For Cutie, Bon Iver, Ron Sexsmith e, claro, Fleet Foxes, que ganhou a foto lá no alto do post.

Tem também faixa nova do Pinback, que é a minha favorita entre todas as que estão aqui. Ela está na primeira parte do CD, que vai criando uma onda que cresce até atingir o ponto máximo (lá no meio do disco). Depois, o aguaceiro vai se desfazendo aos poucos.

Acho que ficou bonito. O desfecho, pra mim, é emocionante.

Eu dedicaria esta mixtape a algumas pessoas, a amigos que não estão mais próximos como eu gostaria que estivessem, mas prefiro não anotar o nome de ninguém. Ouvindo mais uma vez, acho que é um CD com um quê de despedida.

Espero que, depois de ouvi-lo, você escreva duas ou três frases lá na caixa de comentários, onde está a lista de canções. Custa nada, né?

Vá lá, perca o medo, faça o download da mixtape de maio.

E, já que você está de bobeira, ouça também as fantásticas mixtapes de abril (minha favorita), março e fevereiro.

Os discos da minha vida (41)

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A saga dos discos que afligiram a minha vida chega a um episódio febril. No capítulo de hoje, este blogueiro (com a cabeça ardendo de preocupação) dá um pause na rotina tumultuadíssima e cumpre com certo atraso o compromisso amplamente babaca de listar mais dois discos de uma lista que contém 100 álbuns selecionados de acordo com critérios muito pessoais.

Há boatos de que estou perdendo meu tempo: sim, meus chapas, estou mesmo. E essa perda descontrolada de punhados e punhados de tempo me põe numa agonia sem fim. A impressão é de que, quando corro meus dedos neste blog, mexo num cadáver. Meio mórbido, eu sei

Minha vida anda tão complicada que renderia muitos posts sentimentais sobre temas que me deixariam envergonhado no dia seguinte. Prefiro ficar na minha. Meu coração vai bem, batendo e batendo feliz, mas o resto está quebrando. Espero que essa sensação ruim vá embora no fim dessa fábula dark. Por enquanto, o Tiaguinho aqui tá no meio da floresta. E é noite.

No entanto, vocês querem saber dos discos e está de hora de irmos de encontro a eles. Ok? A dupla de hoje é, pra mim, fundamental (obviamente). Abrimos o top 20 (oh! negrito!) com uma obra-prima e uma quase obra-prima. E nem vou perder meu tempo batendo na tecla de que são discos importantíssimos, que moldaram meu temperamento, que me educaram e que me deram de comer. Tudo isso tá se tornando muito repetitivo. Para nossa sorte, a jornada se aproxima do fim.

Nem demorou tanto assim, certo? Certo. 

020 | The queen is dead | The Smiths | 1986 | download

Passei tanto tempo congelado em I know it’s over, uma hit premonitório sobre os meus 15/16 anos, que só focalizei o disco muito depois, quando minha adolescência já havia terminado. E aqui, ainda, muito firme ao lado dos que consideram este álbum uma espécie de resumo da Mitologia do Rock Britânico, em tudo o que essa história tem de irônica, elegante, cruel, autodepreciativa e, se pensarmos em melodia/refrão, adorável. Conheci o disco mais ou menos na época em que eu ouvia Parklife, do Blur, e foi como descobrir Hitchcock em meio a uma paixão por Polanski. Primeiro senti algum receio, acho que assombrado pelo romantismo um tanto sufocante de Morrissey, depois entendi que não há muito como resistir. Encontrei nessas 10 músicas a minha balança para pesar cada um dos lançamentos do britpop: discos muito esforçados, sim, mas nenhum perfeito como este aqui. Top 3: I know it’s over, There is a light that never goes out, Cemetry gates.   

019 | Radio-activity | Kraftwerk | 1975 | download

Meu caso com o Kraftwerk começou muito antes da temporada eletrônica dos anos 1990. Ouvia Radio-activity já aos 10, 11 anos, uma época em que eu tratava a música pop com total despretensão. Nada mais era que um vinil tratado com orgulho por meu padrasto. O velho não sabia explicar absolutamente nada sobre a banda (“uns malucos da Alemanha”, ele dizia), mas considerava a sonoridade “estranha” e ao mesmo tempo “envolvente”. E isso, para mim, naquela época, era o bastante. Lembro de ter passado algumas tardes ouvindo o lado A do álbum, tentando decifrar o que aquilo representava. Muito tempo depois, num show da banda, meus olhos encheram de lágrimas quando eles tocaram Radioactivity. Foi quando eu percebi a importância da música e do disco para a minha vida. Voltei a ele, comprei uma cópia em CD, e sempre que eu ouvia era como assistir a um fantasma pairando. Uma pena: o vinil despareceu, e meu padrasto aparentemente não sente falta alguma dele. Top 3: Radioactivity, Antenna, Ohm sweet ohm.

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Suck it and see | Arctic Monkeys

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Sem tempo para matutar sobre o disco do Arctic Monkeys, vou recorrer ao infame Procedimento do Blogueiro Desesperado e meter o ctrl+c num textinho que escrevi pro jornal. Acho que é o suficiente, no caso. Não é daqueles discos que arrepiam os pelinhos da minha nuca.

Antes, uma intro necessária para que ninguém se perca  nos meus pensamentos tão sucintos (não vou reproduzir aqui matéria de jornal que acompanha a micro-resenha). O quarto disco do Arctic Monkeys dá sequência ao mais aventureiro da banda (Humbug, de 2009), que foi gravado no deserto da Califórnia com Josh Homme, do Queens of the Stone Age.

Eu curto aquele álbum, o considero um daqueles riscos saudáveis que bandas precisam correr de vez em quando. Mas muita gente boa o avalia como um erro e, no mais, a bolachinha vendeu pouco, frustrou a Domino Records, não produziu hits e deu nisto aqui: Suck it and see, também gravado em Los Angeles (mas longe do deserto), é descrito pelo quarteto como um disco mais pop, mais direto, mais “divertido”, gravado em poucos takes. A mim, soa como um detour apressado, uma virada brusca de volante para voltar à estradona da popularidade.

O que me parece um pouco frustrante, pra dizer o mínimo. E hesitante, medroso (o “miolo” do disco, por exemplo, parece ter sobrado de Humbug; como se a banda dissesse: “se nada der certo, pelo menos vamos agradar um pouco a quem gostou daquele outro álbum”).

Alex Turner, o vocalista e letrista, disse que começou a ouvir country rock e que aprecia o lado mais melodioso do Velvet Underground. Essas referências, de uma forma ou de outra, aparecem aqui.

Dito isto, o textinho é este:

Bom dia, melodia (por Tiago Superoito)

Depois da escuridão de Humbug, o “disco psicodélico” do Arctic Monkeys, Suck it and see soa como um banho de luz. A ideia pode parecer singela — afrouxar as ambições, pegar leve, gravar canções pop para o feriado perfeito –, mas combina com o perfil de uma banda que, mesmo ainda muito jovem, já sabe onde deve ou não pisar. Aventuras sonoras não são o forte deste quarteto. Limitações à parte, eles continuam a exercitar um estilo ainda eficiente, que condensa algumas das melhores tradições do rock britânico.

Da ironia doce de Alex Turner (que remete a Smiths, Blur) às guitarras sempre concisas de Jamie Cook (herdeiro de Kinks e Libertines), os Monkeys já encontraram um lugar no mundo. Em Suck it and see, o desafio é reforçar essas marcas e, ao mesmo tempo, amaciar a máquina com melodias afáveis, delicadas, mais para Paul McCartney que para Mick Jagger. Às vezes dá certo (como na ótima faixa de abertura, She’s thunderstorms). No entanto, esses momentos de sentimentalismo polido têm graça passageira, superficial. Hits? Certamente. Mas só até o próximo verão.

Quarto disco do Arctic Monkeys.  12 faixas, com produção de James Ford. Lançamento Domino Records. 6/10

Trecho | Estranho

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“Convencer Patty de que alguém se comportava ‘mal’ era um verdadeiro empreendimento. Quando lhe contaram que Seth e Merrie Paulsen iam dar uma enorme festa de Halloween para os gêmeos e tiveram o cuidado de convidar todas as crianças do quarteirão menos Connie Monaghan, Patty só comentou que era muito ‘estranho’. No seu encontro seguinte com o casal Paulsen na rua, eles explicaram que tinham passado o verão inteiro tentando fazer a mãe de Connie Monaghan, Carol, parar de jogar pontas de cigarro da janela do quarto na piscininha rasa dos gêmeos. ‘É muito estranho mesmo’, concordou Patty, balançando a cabeça, ‘mas, sabe, não é culpa da Connie.’ Mas os Paulsen não ficaram satisfeitos com ‘estranho’. Queriam sociopata, queriam passiva-agressiva, queriam . Precisavam que Patty escolhesse um desses epítetos e concordasse com eles que era aplicável a Carol Monaghan, mas Patty era incapaz de ir além de ‘estranho’, e em resposta os Paulsen se recusaram a acrescentar Connie à sua lista de convidados. Patty ficou tão irritada com essa injustiça que levou seus filhos, mais Connie e uma amiguinha da escola, a uma plantação de abóboras e um passeio de charrete na tarde da festa, mas a pior coisa que ela diria em voz alta sobre o casal Paulsen era que aquela maldade deles com uma menina de sete anos era muito estranha.”

Trecho de Liberdade, de Jonathan Franzen.

Os discos da minha vida (40)

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A saga dos 100 discos que traumatizaram a minha vida apresenta um episódio especialmente freudiano. Não sei exatamente por que, talvez meus sonhos expliquem (talvez seja algo que reprimi na infância), mas sempre tremo nas bases quando ouço os dois álbuns que aparecem neste quadragésimo episódio da saga mais geniosa e sensível do ciberespaço.

Algumas explicações possíveis: o disco de número 22 tem The fool on the hill, que resume o lado carente/autodepreciativo da minha pré-adolescência, e a instrumental Flying, que serviu de trilha sonora para o primeiro filme caseiro que dirigi (uma animação de fantoches inspirada livremente em Caminhos perigosos). 

Mais explicações: o disco de número 21 tem Disarm, que resume o lado psicótico/suicida da minha pré-adolescência (que, como vocês podem notar, foi um tanto contraditória e movimentada), e Soma, que me apresentou ao universo de Aldous Huxley sem que eu desconfiasse disso.

São dois ótimos discos, que eu gostaria muito de ouvir mais vezes, mas não consigo. O efeito de nostalgia e (às vezes) puro desespero que eles provocam é mais forte do que a revisão de fotografias antigas (sabe aquelas fitas empoeiradas de VHS, gravadas no aniversário da vó? pior). Por isso, faço o convite: ouça essas belezinhas, mas não me convide, ok?

E vamos em frente que esta segunda-feira está mais sonolenta que de costume. 

022 | Magical mystery tour | The Beatles | 1967 | download

Na história dos Beatles, está longe de representar um capítulo dos mais especiais. Na verdade, é uma loucura colocá-lo à frente de Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, lançado naquele mesmo 1967. Mas taí: esta coleção oportunista de singles (que abre com EP de trilha sonora) ainda me parece o bufê de sobremesas mais apetitoso do rock britânico, irrecusável do início ao fim. Algumas das minhas favoritas do grupo estão aqui (entre elas, a preferida de John Lennon, I am the walrus). No mais, o tempo mostrou que “sobras” de Sgt. Pepper’s como Strawberry fields forever e Penny Lane são mais poderosas, mais perenes que a maior parte das canções incluídas naquele discão. Sem querer forçar comparações absurdas (mas já forçando), é como se os Beatles tivessem decidido gravar uma alternativa pop, despreocupada, ao formato conceitual que estava em voga na época: um Help! com material de Sgt. Pepper’s. É claro que a história não aconteceu assim, mas a sensação de leveza genial é essa aí. Top 3: I am the walrus, Strawberry fields forever, The fool on the hill.

021 | Siamese dream | Smashing Pumpkins | 1993 | download

Você, caro leitor, não era um moleque de 14 anos quando este disco foi lançado? Então entendo por que Siamese dream talvez não tenha despertado empatia imediata. Antes de se tornar uma figura quase cartunesca (em alguns momentos, grotesca), naquela época, no inverno rigoroso de 1993, Billy Corgan era apenas um velho adolescente com muitos esqueletos (e algumas belas canções) dentro do armário. Poucos discos de rock do período (talvez apenas Nevermind) se comunicaram tão diretamente com uma juventude que não conseguia mais se conectar com o colorido eufórico e impessoal da MTV. Today, o single que estourou por aqui, talvez sintetize essa melancolia irônica, essa vontade louca de quebrar os brinquedos de plástico: o clipe se aproveitava de uma palheta agradável de cores, mas havia algo histérico, desesperado na interpretação de Corgan. Ele nos convencia que não, hoje não é o melhor dia de todos – e amanhã as coisas não vão mudar. O sofrimento do vocalista, naquela temporada grunge, soava tão overacted e tão plausível quanto o nosso. Se consumido depois dos 30 anos, este belo disco de teenage angst deve perder quase todo o charme (mas não sei, morro de medo de tentar de novo). Top 3: Disarm, Cherub rock, Today

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Smother | Wild Beasts

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Outro dia escrevi que música pop tem algo da urgência jornalística: discos e canções que flagram um momento e depois vão esmaecendo lentamente.

Mas não é só isso, é claro. As coisas não são fáceis assim.

A arte de um Tyler, the Creator, pra mim, tem algo de crônica, de blog. O sujeito encena uma confissão: e é como se estivesse num divã ou numa mesa de bar, num fórum de discussão. Vai lá e (perdoem a fineza, ok?) vomita o almoço e o jantar.

Conheço gente que menospreza esse pop informal, sem arremate ou ambições literárias/poéticas. Percebo o seguinte: deve dar um trabalho, uma trabalheira às vezes infernal, criar um discurso ao mesmo tempo franco e pungente, que nos emociona sem nos subestimar. Deve ser uma odisseia.

Pois bem. Para cada Tyler existe um Wild Beasts. E com o Wild Beasts, entramos na selva das bandas que rock que tentam rivalizar com romancistas, contistas. Os discos deste quarteto têm a densidade que esperamos encontrar, digamos, na literatura russa contemporânea. Smother (fui procurar no dicionário e signifca “sufocar”), o novo, é mais um tijolinho de ambição nesse casarão.

Nada contra as intenções nobres, os gestos mais pomposos, a procura pelo acorde mais sublime etc. Mas, antes de entrarmos com a faca neste filezão, lembremos de uma obviedade necessária: há obras-primas que soam simples porque querem soar simples (Plastic Ono Band, por exemplo) e há obras-primas que soam grandiosos porque querem soar grandiosos (Ok computer, por exemplo).

No pop, a meu ver, o disco “conceitual”, que se leva muito a sério, não ganha vantagem sobre o disco mais instintivo, espontâneo, que não tem nada a perder. Nesta partida, dá empate.

Dito isto, cá está um disco de rock que vai buscar nos livros de Mary Shelley (Frankenstein) e Clarice Lispector o vocabulário para ir fundo nas neuroses de personagens que sofrem por todo tipo de dependência e chantagem sentimental. “O que eu deveria pensar? Tiro você daí ou deixo você afogar?”, pergunta o narrador da primeira faixa, Lion’s share. Eis a questão mui sufocante.

Não estamos falando de uma narrativa linear, mas de uma espécie de fluxo de consciência que, nos momentos menos abstratos, sugere um passeio ao inferno das aflições sexuais. Há narradores que soam obsessivos, doentios (“Eu deitaria em qualquer lugar com você. Qualquer cama de pregos serviria”, diz o pobre coitado de Bed of nails), e há os que, num relacionamento talvez muito errado, admitem frustrações (“Os segredos que eu deveria ter dividido afogam dentro de mim”, lamenta o personagem de Albatross).

Há as vítimas (Em Albatross, por exemplo) e há os algozes (em Plaything, narrado por um sujeito que literalmente brinca com os desejos do amante). Fato é que, em Smother, os relacionamentos amorosos são florestas escuras de onde às vezes não se consegue sair sem arranhões. “É um medo terrível, mas é por isso que a escuridão está lá. Você não precisa ver o que você não consegue suportar”, aconselha o narrador de Lion’s share.

São versos aflitivos, em muitos casos femininos, que, somados, deixam claro o interesse do Wild Beasts pela literatura de Lispector. Também há um quê de Jane Campion (de In the cut, por exemplo) nesses relatos de brutalidade consentida, tortura entre quatro paredes. Se pensarmos apenas no conceito do disco, ele é o mais forte e bem resolvido de toda a trajetória da banda. Perto desse “script” tão sólido, Two dancers fica parecendo uma coletânea de curtas-metragens.

Mas resumir o disco a esse aspecto mais literário, ao conteúdo das letras, me parece muito pouco. Estamos falando, ao fim e ao cabo, sobre música pop. Ou ainda estamos?

Musicalmente, Two dancers era um disco mais desafiador, e com mais recompensas: não existe uma canção verdadeiramente impactante como Hooting and howling aqui, por exemplo, ou This is our lot e We still got the taste dancin’ on our tongues. Para adensar o conceito do disco novo, o grupo sacrifica as canções: Smother surte melhor efeito quando ouvido de ponta a ponta (e, mesmo com econômicos 42 minutos, pode soar um pouco maçante).

Essa é uma opção (consciente) da banda: nos sufocar com uma atmosfera… ahn… compacta. E parece preciosismo reclamar de um disco com melodias e arranjos tão elegantes, que alternam sintetizadores (sutis) com pianos (ainda mais sutis) e algo de experimentalismo no uso da percussão (quase minimalista, sensual, numa repetição do disco anterior). Hayden Thorpe e Tom Fleming não cantam: eles gemem.

Aqui, Wild Beasts toma uma posição e cobra um lugar entre as bandas importantes. Talvez façam por merecer, ainda que este disco (e os anteriores) me pareçam totalmente irrelevantes quando encaro o pop com um olhar jornalístico. Eles soam como que desconectados do tempo em que vivemos.

E (este mais recente principalmente) podem ser lidos como um drama psicológico de Virginia Woolf, um conto de James Joyce. Comparações que certamente deixariam este quarteto orgulhoso.

Mas Smother, o romance de 150 páginas, não me comove como eu esperava. Na verdade, sinto falta de um clímax, de uma canção que cumpra a promessa de imponência e grandiosidade de um disco que, francamente, é quase todo uma grande promessa.

As turbinas fazem barulho, sim, o corpo treme, a alma congela, às vezes dá arrepios. Mas esta máquina pesada (e muito bonita, repare a engenharia sofisticada, a polidez do acabamento!) insiste em não sair do chão. Um tanto frustrante, mas é algo que acontece com os melhores escritores russos.

Terceiro disco do Wild Beasts. 10 faixas, com produção de Richard Formby e Wild Beasts. Lançamento Domino Records. 7/10

What you need | The Weeknd

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A festa acabou: e aí começa este clipe do The Weeknd, um bom resumo dos climões de sensualidade em preto-e-branco do disco House of balloons, o meu preferido de 2011 até aqui. Desejo e perigo.

Os discos da minha vida (39)

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Hoje, na incrível novela dos 100 discos que levaram a minha vida ao delírio: sexo, violência, solidão, horror, êxtase, agonia, manhãs de domingo e o penteado do demônio. Entre outras atrações imperdíveis.

Ainda falta um tantinho para que este ranking chegue ao fim (para efeito de comparação: se estivessemos numa viagem de carro entre Rio de Janeiro e Brasília, este post seria Paracatu). Mas toda hora é hora de lembrar a vocês que esta é uma lista absolutamente pessoal. Ela obedece a critérios obscuros (e obtusos) e é de inteira responsabilidade de Tiago Superoito, o senhor soberano deste latifúndio. Todas as reclamações devem ser feitas diretamente a ele, portanto. E na caixa de comentários logo ali embaixo.

O cardápio do dia é o seguinte: um disco que já se tornou clássico (mas é daqueles clássicos que ainda mordem, atenção com ele!) e outro que vai acabar se tornando uma referência, um cânone, um álbum grandalhão daqueles que você guarda para mostrar aos bisnetos  – isso, é claro, se deus for justo com os homens de bem.

À colheita, irmãos!

024 | The Velvet Underground & Nico | The Velvet Underground | 1967 | download

O primeiro disco do Velvet Underground me acertou primeiro no peito e depois no cérebro. Hoje tenho certeza de que existe algo errado nessa ordem (é um disquinho de nariz empinado, certo?), mas foi o que aconteceu. Eu tinha 14 para 15 anos quando Sunday morning caiu no meu aparelho de som e ficou ali, deitada de monoquini, torrando na brisa. É uma canção tão adorável que, por muito tempo, evitei ouvir o restante do disco. Só depois, alguns meses depois (nota do revisor: na época Tiago tratava os discos com um pouco mais de discplicência, sem respeitar a ordem das faixas ou as intenções do autor; talvez ele deva recuperar o hábito, em minha opinião), percebi que as outras faixas tratavam de temas um pouco mais angulosos. E havia definitivamente algo macabro em Venus in furs, mas eu não sabia definir o conteúdo perturbador da canção. O disco acabou me seguindo por muito tempo, e me segue até hoje. É o meu favorito do Velvet, talvez por combinar com harmonia o delicado e o terrível, amor e morte. É daqueles álbuns que podemos começar a ouvir aos 10 anos de idade e continuar até o dia em que nossos dentes começarem a cair. Aposto que só vou entender The black angel’s death song quando eu fizer oitentinha. Top 3: Sunday morning, Venus in furs, I’ll be your mirror

023 | Odelay | Beck | 1996 | download

Um disco de adolescência. Ah, meus 14 anos! Nada de muito interessante acontecia. Talvez por isso eu tenha me apegado a álbuns superhiperativos, rios de ideias escorrendo pelas bordas. Odelay era a mais querida dessas jukeboxes: Beck Hansen era meu ídolo porque parecia possível ser alguém como ele. Não era um rockstar nos moldes tradicionais (e, aparentemente, ele também desenvolvia paixões platônicas as mais loucas) e sempre me soou mais como um nerd no controle de um painel preenchido por botões coloridos. De qualquer forma, ele sabia operar a maquininha como um jedi: quase tudo o que sei sobre colagem pós-pós-moderna de sons e ideias está contido aqui, em Odelay (depois, é claro, conheci Prince e as coisas começaram a ficar mais complicadas). Where it’s at é a obra-prima do sujeito, sem concorrentes à altura (sorry, haters). Ainda não fizeram nada nem remotamente parecido a The new pollution. Mas não vamos esquecer que é um disco também emocionante, e de um jeito mundano: ouça Jack-ass, uma das canções que aqueceram e adoçaram a minha ó-tão-friorenta juventude. Bateu até um tiquinho de saudade, viu. Top 3: Where it’s at, The new pollution, Jack-ass.

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Goblin | Tyler, the Creator

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Música pop também é uma questão de timing. O disco certo na hora certa. A canção que, de alguma forma, sintoniza o momento em que foi criada.

Um álbum como Dirt, do Alice in Chains, não nos atingiria com tanta força se lançado depois de 1992. Longe da primavera grunge, como ele teria se comportado? Não faço ideia. E de que modo ouviríamos a estreia de The fat of the land, do Prodigy, em 2005, em 2011? Talvez como uma nota de rodapé. Quem sabe?

Experimente “ler” a trajetória da música pop como quem vira coleções antigas de jornais: ele, o pop, conta a nossa história num acúmulo de flashes, de textos efêmeros, que logo se tornam datados. Cada disco colabora para esse grande arquivo. Mas há os que, por um motivo ou outro, ganham o peso de manchetes de primeira página: Nevermind, Parklife, Is this it, Kid A, esses abrem capítulos (goste deles ou não).

Existe uma hierarquia no pop, e estou cada vez mais certo de que ela é definida menos por conceitos imutáveis de “beleza” ou “rigor” (intrínsecas a cada obra) e mais pela forma como os álbuns enfrentam o mundo. Sinto que os melhores discos pop estão sempre querendo interpretar um “estado de coisas”, reportar (mesmo que por uma via introspectiva, totalmente pessoal) impressões e sensações que estão no ar.

É uma vocação mais próxima do jornalismo (da reportagem, da crônica, do artigo, da charge) que da literatura ou das artes plásticas ou do cinema ou da música erudita.

Bem. Mas essas são ideias meio ambiciosas que eu desenvolveria se tivesse mais tempo. E, é claro, se isto aqui não fosse um blog nanico, relutante, incompleto, que nunca chega lá.

No mais, este é apenas um post sobre Goblin, o disco novo de Tyler the Creator. Bom dia.

Tyler Okonma, vocês sabem, é um rapper de 20 anos que lidera o coletivo Odd Future Wolf Gang Kill Them All (também conhecido como Odd Future ou OFWGKTA). O grupo de Los Angeles — formado por oito MCs, além de produtores e ilustradores — se fez notar com um turbilhão de mixtapes (sempre de graça, no site oficial) e por shows no esquema panela-de-pressão (performance-zoeira, muito da agressiva).

O New York Times e o Guardian, por exemplo, escreveram artigos muito elogiosos sobre o combo de hip-hop: foram comparados ao Wu-Tang Clan e ao NWA. Mas, por enquanto, o entusiasmo em torno do Odd Future se dá na internet: os blogs de rap não o respeitam os garotos (eles têm entre 18 e 20 anos), mas os sites de indie rock dão trela. Nos discos, Tyler garante que não está nem aí para esse falatório: escreve músicas para ele próprio e mais ninguém.

“Os críticos não me conhecem, eles não entendem”, disse, em entrevista ao NY Times. “Eles não tiveram 18 anos em algum momento? Nunca pensaram só na diversão?”

O importante, acima de tudo, é que a saga do Odd Future é uma ótima história, jornalisticamente falando.

Qualquer repórter de cultura mais ou menos bem informado há de encontrar no Odd Future um quadro de sintomas deste início de século. Está tudo aqui: a atitude libertária em relação ao consumo de música (mixtapes de graça!) e ao próprio estilo (que vai do punk ao R&B), a naturalidade no trato com a web, as tentativas de quebrar (às vezes literalmente) a barreira que separa o palco da plateia, a noção de que o pop pode ser um happening, arte de rua, uma festa com acesso livre.

Goblin é o primeiro disco que leva esse “Odd Future Way of Life” a um patamar próximo daquilo que chamávamos de mainstream: ele sai pela XL Recordings, de Adele, Vampire Weekend e M.I.A.

E, como costuma acontecer nesses ritos de passagem, Tyler sente o baque.

Em parte, Goblin é um disco sobre escrever música para uma plateia grande demais. Também é um álbum que tenta condensar os mandamentos do Odd Future numa espécie de manifesto, uma carta de visitas: é longo (73 minutos), tem muitos convidados especiais e experimenta de tudo.

Simbolicamente, ele já nasce muito importante. Representa um momento para o música pop da mesma forma como, digamos, Kala, da M.I.A., representava em 2007. Parece inútil ir contra essa força do disco: goste ou não, ele é o elefante no meio da sala.

O bacana é (e isso pouco tem a ver com relevância) é que Goblin também se sai muito bem como um disco de hip-hop pós-Wu-Tang, pós-Eminem: é daqueles álbuns que comprovam o poder do gênero abrigar e amplificar discursos absolutamente francos e até inadequados, sem filtros ou autocensura. É um disco todo desgrenhado, sujo, feito de cuspe, pensamentos impróprios e vísceras. E que, não à toa, flui no formato de uma confissão do narrador (o próprio Tyler) ao terapeuta (que volta e meia dá as caras, com um vozeirão cavernoso).

E a beleza estranha de Goblin está aí: Tyler entende que tem novas responsabilidades (antes de Radicals, a faixa mais violenta, ele avisa ironicamente que o conteúdo da música é “ficção”), mas não quer abandonar o mundo narrativo que criou. E o que podemos fazer quando a encenação da vez tem as cores de uma HQ de Frank Miller?

Daí os dois movimentos do disco: Tyler controla o id selvagem (para explicar-nos que é tudo brincadeirinha) e deixa que ele se solte no interior das canções (as confissões domésticas de Nightmare e a dor quase romântica de Her são de doer). Algo se perde nesse processo, é verdade: aposto que os fãs vão reclamar de uma postura mais cautelosa do rapper. Mas, quando deixa claro que escreve contos de ficção (ou de autoficção, digamos), Tyler vai criando camadas no próprio discurso e nos guiando a um estilo denso, espertíssimo. Um conto de monstros (Transylvania) para sujeitos sem glória (Goblin).

Musicalmente, o disco é menos complexo: ele deixa transparecer os buracos no cenário, a fiação pendurada no teto, a origem “underground”. A produção, tocada pelo próprio Tyler, às vezes beira o singelo, muito aquém do que se ouve num álbum do Kanye West ou do The Weeknd, por exemplo: é como se, nessa opção por expor o orçamento reduzido do filme, Tyler criasse limites para o jogo. E aí acaba que fica muito bonito, por exemplo, quando ele encontra “soluções baratas” para dar estofo a faixas como Goblin (o filete de melodia triste, orquestrada, que invade o rap de vez em quando), Nightmare (quem odeia dubstep vai detestar: piano + som de batidas na máquina de escrever) e Radicals (que tem um quê de lounge, quando a pauleira sobre “matar pessoas, queimar merda e foder a escola” termina). Não é sempre que acontece, no entanto.

Nada que ofusque a fala de Tyler: o que nos hipnotiza de ponta a ponta do disco é o adolescente vaidoso, sexy, suicida, escatológico, carente, megalomaníaco, estúpido, engraçado, boca-suja, o rei das polêmicas vazias, o hype que não se sustenta, o moleque que organiza o movimento e pensa em mudar o pop, a América, o mundo. “Não sou modelo para ninguém”, ele avisa. Não?

Goblin está longe de ser o melhor disco de rap do mundo. Mas ele traz um desejo de relevância, e enfrenta o mundo com tanta graça, que o esforço compensa o que há de imaturo no processo. Imperfeito do jeito que é, talvez seja o disco perfeito para 2011: se você perguntar para mim o que há de mais urgente na música pop, vou apertar o play. E ficar quietinho.

Segundo disco de Tyler, the Creator. 15 faixas, com produção de Tyler e Left Brain. Lançamento XL Recordings. 8.5/10

Trecho | Diversão

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“A única coisa que nos consola de nossas misérias é a diversão. E no entanto é a maior de nossas misérias. Porque é ela que nos impede principalmente de pensar em nós e que nos põe a perder insensivelmente. Sem ela ficamos entediados, e esse tédio nos levaria a buscar um meio mais sólido de sair dele, mas a diversão nos entretém e nos faz chegar insensivelmente à morte.”

Pascal, em Pensamentos.

Superoito express (39)

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Burst apart | The Antlers | 7.5

Como seria nossa amizade com o The Antlers se esse trio tivesse nascido em Londres e lançasse discos por uma grande gravadora (a EMI, digamos)? Talvez eles seriam rotulados como uma aposta da indústria musical para reforçar o segmento ocupado pelo Elbow, pelo Wild Beasts: grupos que, em maior ou menor intensidade, satisfazem os desejos de fã trintão que ainda torce para que o Radiohead grave um novo Ok computer (ou, vá lá, um outro In rainbows).

Mas, já que eles são nova-iorquinos e lançam discos por selos muito pequenos, a tendência é que essa história seja lida de outra forma, com um pouco de condescendência. Ok. É uma banda que soa tão sincera, tão verdadeiramente à beira de uma convulsão (corações sangrando!), que dobra nossa ranzinzice e faz com que desviemos o olhar daquilo que está na cara: Peter, Michael e Darby ainda estão digerindo muito lentamente, e com deslumbramento, o som dos ídolos (e, enquanto isso, criando derivações lindas como No widows e Putting the dog to sleep).

Ó, irmãos, cá está o dilema: diante de um disco tão apaixonante (e também tão óbvio, para padrões do indie rock), como proceder? Para cada referência superficial (e para cada versinho rebuscado que não chega a lugar algum), o Antlers vai criando um novelo sentimental que nos captura por completo. É singelo, às vezes apelativo, mas irresistível: por isso muito parecido com o primeiro disco do Band of Horses, Everything all the time. Menos monocromático e deprimente que Hospice, de 2009, porém mais arriscado, e por opção (se eles quisessem, gravariam um disco inteiro de climões sinistros). Me ganharam. Só não me saiam com um Infinite arms daqui a seis anos, ok?

w h o k i l l | Tune-Yards | 7

Merrill Garbus, a voz do Tune-Yards, poderia passar apenas como a musa perigosamente imprevisível da estação – o equivalente às meninas do Warpaint (temporada 2010) e ao Micachu and the Shapes (temporada 2009). E, de fato, whokill é um álbum cuja estranheza colorida, frenética, nos seduz logo na primeira audição – é disco perfeito, por isso, para jornalistas que trabalham demais. Quando ouço com mais calma, encontro: lo-fi pós-tudo feito com autoridade (Gangsta, Es-so), lo-fi pós-tudo que desbota com o tempo (My country, Doorstep), certa obsessão por violência (Killa), uma linda canção triste no lugar errado (Wooly wolly gong) e ideias de afro-pop que soam ainda imaturas, mas que talvez rendam grandes coisas nos próximos discos. É um grude. Mas é só o início.

Hot sauce committee part 2 | Beastie Boys | 6.5

Há os que compararam à energia teen de Licensed to ill (1986), há os que lembraram do espírito noise de Check your head (1992) e Ill communication (1994). Eu, que ouvi todos esses discos muitas vezes, não arredo pé: pra mim, Hot sauce committee part two vem no mesmo feixe de Paul’s boutique (1989) e Hello nasty (1998), discos em que a zoeira de samplers, que piscam feito árvore de Natal, domina a festa. Ouça Ok, por exemplo: é ou não é um filhotinho de Intergalactic? Soa como se eles tentassem, com muita força, reprisar o lance mágico. Taí: percebo uma banda tentando se reintegrar à própria mitologia – como o sujeito que, depois de uma crise, retorna à cidade de origem. Talvez por isso o disco seja um pouco parecido com qualquer outro que eles gravaram: e também um pouco melancólico, já eles próprios sabem como, em 2011, já não fazem mais tanta diferença assim.

Wasting light | Foo Fighters | 6

É, de certa forma, quase um irmão desse disco novo dos Beastie Boys – já que o Foo Fighters também faz um flashback para recuperar algo que a banda perdeu. Os mais recentes (principalmente Echoes, silence, patience and grace) eram discos muito técnicos, álbuns polidos, para disputar campeonato de eficiência. O que eles procuram aqui é a virulência dos primeiros discos e algo do desespero de Kurt Cobain – mas parece uma busca inútil, já que, por mais que se tente reprisar a juventude, tudo o que nos resta no fim do espetáculo é um grupo de adultos entediados, ricos, famosos, tocando rock numa garagem. A produção de Butch Vig é pragmática (como sempre), evitando espaços em branco, e Dave Grohl segue abastecendo o repertório para arenas superlotadas. Mas, pronto-falei: não consigo acreditar numa única palavra que ele canta. E, no mais, isto aqui soa mais ou menos como os discos anteriores: eficiente. Só que mais enxuto. É o bastante?

Circuital | My Morning Jacket | 5

Para uma banda que começou a carreira como uma espécie de Grateful Dead para fãs de Flaming Lips, o My Morning Jacket não poderia ter se transformado em algo mais distante daquilo que esperávamos dele: Circuital soa como Fleetwood Mac para fãs do Wilco. Eu não consigo ir contra essa filosofia de mudar e surpreender a cada disco, mas, deus!, taí uma das poucas bandas que deveriam parar de tentar. Quase todas as reviravoltas me parecem desengonçadas ou, no mínimo, equivocadas. Em Evil urges (2008), que era medonho, eles acenaram para Prince e Radiohead. Desta vez, eles criam uma espécie de mashup com Creep e Sting, numa faixa-título que resume as fraquezas do disco. Algumas faixas ainda retêm a graça country-rock do primeiro disco, mas vêm embaladas numa produção inofensiva, higiênica. O crítico da revista pode até curtir (olha lá, eles são inquietos!), mas duvido que ouça pela quarta vez.

Trecho | Uncool

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“Quando falava com os filhos, Keith percebia que cool, legal, era absolutamente o único sobrevivente do léxico de sua juventude. Seus filhos usavam a palavra, suas filhas a usavam, mas a palavra tinha perdido sua conotação de graça-sob-pressão e queria dizer apenas bom. De forma coerente, ele nunca ouvia o seu antônimo: uncool.

Para alguém nascido em 1949, a palavra traz dificuldades adicionais. Envelhecer é muito uncool. Bolsas nos olhos e rugas são muito uncool. Aparelhos auditivos e andadores são muito uncool. Cemitérios são uncool demais.”

Trecho de A viúva grávida, de Martin Amis

2 ou 4 parágrafos | Thor

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Esta reportagem do New York Times explica por que, de alguma forma, os filmes produzidos até agora pelo estúdio da Marvel me parecem tão iguais uns aos outros, como que impressos numa mesma gráfica. “Quando Homem de Ferro vendeu US$ 585 milhões em ingressos no mundo todo, o sucesso validou uma estratégia: integrantes da equipe de quadrinhos passaram a interferir na produção dos filmes, com sugestões que levaram à criação de um comitê criativo”, escreve o repórter Dave Itzkoff.

Os dois episódios de Homem de Ferro e O incrível Hulk são filmes de comitê: os diretores são tímidos de doer (caso você tenha esquecido, eles atendem por Jon Favreau e Louis Leterrier), os atores principais são extrovertidos o suficiente para compensar todo o resto (Robert Downey Jr. e Edward Norton) e o tom das historinhas é, na medida do possível, realista – não preciso lembrar que ainda estamos no reinado de Christopher Nolan, certo?

Esse modus operandi aparece em Thor (3/5), mas pela metade, e sem um grande ator na dianteira: o que passa na tela é, na verdade, uma queda de braço interessantíssima entre um cineasta (Kenneth Branagh, de volta ao ringue) e um estúdio. É por isso, ó espectador de fim de semana, que aquele cinéfilo ranzinza, que implicou com a “impessoalidade” (que blasé!) de Homem de Ferro, vai se deixar dobrar por isto aqui. Thor é um choque de realidades, e muito explícito: quando o herói nórdico pisa o solo, o filme se transforma naquilo que a Marvel quer dele. Quando o poderoso sobe ao mundo da fantasia, é Branagh quem agarra o joystick, convertendo a saga a um modelo shakespeariano que conhece bem (entre os 12 filmes que dirigiu, seis são adaptações do inglês).

Em terra firme, o filme perde a verve, “no wit, no grace”, mas ganha movimentos atléticos, eficientes, uma love story banal e um alívio cômico constrangedor (os roteiristas escreveram Fringe, daí que dá para adivinhar o que nos espera). No “infinito e além”, ele se torna uma apoteose de CGI, um bloco carnavalesco, um Cirque du Soleil para fãs de Senhor dos anéis (tem até ponte de arco-íris!). Uma coisinha excessiva, mas condizente com o gosto de Branagh pelo estrondo, pelos conflitos trágicos, por som & fúria. Longe de ser grande e poderoso, Thor pelo menos passa como (em parte) um filme vivo, que tenta respirar dentro da máquina de fazer papel. Espero sinceramente que não fracasse.

Os discos da minha vida (38)

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Esta semana, a saga dos 100 discos que zoaram a minha vida chega a uma edição apocalíptica. Melhor: revolucionária. Antes disso: incendiária. Antes ainda: lancinante. 

Um contém os diabinhos frios da minha adolescência, o outro guarda um pedaço importante da minha infância lá dentro. Dois discos que, acima de tudo, me ensinaram o seguinte: tenho todo o direito de criar expectativas quase insuportáveis para a música pop; ela, a música pop, quase sempre me surpreende.

Dois álbuns de invenção, se é que podemos catalogá-los dessa forma. Dois álbuns que pedem para que criemos novas formas de catalogar álbuns. Um disco que abriu (tardiamente) os anos 1960, um que iniciou (pontualmente) os anos 2000. Duas obras-primas.

Muita gente boa (e muita gente ruim) já escreveu vários parágrafos bons (e vários parágrafos ruins) sobre esses discos, então vou me esquivar da responsabilidade e aproveitar este espaço para contar historinhas sobre a minha vida. Dica: não leve estes textos (e este ranking) muito a sério, ok? São apenas textos. E isto é apenas um ranking (e um ranking sem discos do Novos Baianos).

026 | Kid A | Radiohead | 2000 | download

Lembro que foi o primeiro disco que baixei via web, mas a conexão discada lá de casa era tão lenta que demorei mais ou menos uma semana para organizar todas as faixas numa pastinha virtual alaranjada. Quando fui ouvir a coleção, o espanto foi tão grande que eu não sabia quem culpar: se a banda, se o disco, se a conexão discada, se as minhas expectativas, se a web (como um todo). Admito que, cutucando aquela versão aparentemente inacabada de um disco aguardadíssimo, imaginei ter caído numa gozação. Esperei o lançamento do CD, comprei a bolachinha REAL e, bem, e nada: a internet nem sempre mentia (lição duríssima, aliás) e o som era mesmo quebradiço, às vezes bizarro, a trilha sonora vacilante para a era do gelo (e não falo em desenhos animados fofos, mas no apocalipse). Mais do que um álbum de transição, é uma tomada de posição: muito difícil de ser aceita de imediato (principalmente por um fã de Ok computer, meu caso), mas que nos empurra lentamente para uma paisagem de onde não conseguimos nos desvencilhar. Talvez um ambiente glacial, repugnante, mais pessimista do que qualquer livro do Philip K. Dick; também fascinante. Dali pra frente, aprendi rapidinho a baixar mp3. E tudo ficou nos lugares certos. Top 3: Everything in its right place, Morning bell, Optimistic.

025 | Rubber soul | The Beatles | 1965 | download

Meu pai, que nem sei muito bem onde está, gravou este disco para mim numa fita-cassete. Eu tinha acho que 10 anos, talvez um pouco menos. Lembro que era período de férias e eu detestava ficar desocupado, de bobeira na casa do meu velho, deitado no sofá, lançando osso pro cachorro, dormindo enquanto passava filme dublado na tevê. Antes de amar os Beatles, eles serviam para que eu preenchesse meu tempo. E Rubber soul é um dos discos que me levam àquelas tardes tão desalmadas: era como se não existisse mais vida alguma além daquela que saía do meu walkman. Ainda me impressiono como essas músicas acabaram se impregnando nas minhas lembranças, de tal forma que hoje choro quando ouço Drive my car e You won’t see me. Passei muito tempo negligenciando este disco, o trocando por outros (Revolver, por exemplo). Mas agora chega: Rubber soul, ainda que desperte memórias por vezes lamentáveis, até muito tediosas, guarda algo da minha infância que outros discos dos Beatles não têm. Talvez a sensação de que havia um playground lá fora enquanto eu estava preso lá dentro. Para minha sorte, havia um momento em que as férias com meu pai acabavam e, finalmente, eu apertava o stop. Top 3: Drive my car, You won’t see me, I’m looking through you.

Depois do pulo, confira os discos que já apareceram neste ranking.

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