Mês: setembro 2009
2 ou 3 parágrafos | Tá chovendo hambúrguer 3D
Simpático este Tá chovendo hambúrguer (6/10). São muitas as comédias de animação que tentam equlibrar doses de doçura e loucura — e esta aqui me parece até honesta, já que a premissa (sobre o dia em que uma máquina capaz de transformar água em comida perde o controle e faz do mundo num delicioso inferno) parece tirada de um episódio endoidecido de Tiny Toons — e taí uma coisa que me deixa com saudades da infância: Tiny Toons.
Mas, cá com meus miolos… Fico com a impressão de que o deslumbramento provocado pela nova técnica 3D tende a se esgotar, talvez rapidamente. Não quero dar uma de vidente, mas isso tudo cheira ao impacto efêmero provocado por brinquedos de parque de diversão: você paga, se diverte, volta, se diverte, depois se entedia e nunca mais aparece. Será que a novidade tem gás para cumprir, a longo prazo, as altíssimas expectativas dos estúdios? Não sei, possivelmente sim, quem sabe? Só sei que todas as animações lançadas no formato se sairiam bem com o visual “tradicional” (eu mesmo estou ansioso para rever Up em DVD).
Talvez aconteça só comigo, mas, da próxima vez, estou disposto a pagar um pouco menos para assistir a animações legendadas e sem efeito 3D. Se isso é “o futuro”, serei um nostálgico.
Superoito e o amor
Minha primeira namorada era branca e magra, tinha cabelos curtos e pretos, sorria de um jeito que me fazia rir, ouvia Janis Joplin, andava com calças de hippies e comia papinha de nenê com o ar provocativo e subversivo de quem estava muito doida para destravar uma granada.
Era 1992 e, naquela época, não havia nada de muito rebelde ou surpreendente a ser feito no mundo. Nada. Estava tudo acabado. The end was near. Mas, claro, havia as papinhas de nenê. As pessoas nos olhavam de uma forma estranha quando comíamos aquelas nojeiras e daí que nos sentíamos vingados, já que éramos jovens e ingênuos e (um pouquinho) estúpidos.
Vocês entenderam.
O namoro durou mais ou menos três meses. Talvez quatro, mas não mais que isso. Eu, que era um tapado, não fazia a menor ideia do que eu deveria fazer com ela, a minha namorada. E era cabeça-dura demais para reconhecer que eu precisava de duas ou três dicas. Meus amigos me encaravam respeitosamente (eu era o menino com namorada!), mas mal sabiam que eu não conseguia ir muito além de uma preliminar vergonhosa: no cinema, eu arrastava timidamente meu braço em direção ao braço dela. Quando os dois finalmente se encontravam, o filme já estava terminando. Já disse que eu era um tapado?
Mais: eu era desengonçado. Só que ela era mais desengonçada que eu e, de tropeço em tropeço, até que fazíamos um belo par. Algum tempo depois, descobri que eu e ela não aproveitamos absolutamente nada do nosso namoro – que certamente era muito mais excitante dentro das fantasias que nossos amigos criavam sobre nós. Ainda assim, o romance adolescente provocou algum tufão: eu estava completamente apaixonado por ela (e naquela altura já andávamos de mãos dadas) quando recebi um telefonema que durou mais ou menos um minuto:
ELA: Tiago, vou pra São Paulo.
EU: São Paulo?
ELA: Isso. São Paulo.
EU: Mas quando? Daqui a uma semana? Um mês?
ELA: Vou amanhã.
EU (que devia ter ficado quieto, mas já era muito dramático): Que coisa, hem? Amanhã? Já a-manhã? Amanhã? Quinta-feira? Amanhã mesmo? Sério? Isso quer dizer que, depois de ter perdido todos os meus amigos quando me mudei pra essa cidade, depois de ter quase morrido, depois de quase ter pulado da janela do meu quarto, depois de tudo o que aconteceu, então quer dizer que vou perder a pessoa que eu mais…
ELA: E acho bom isso acabar logo aqui. É o que tem que ser.
Eu juro que, naquela despedida surpreendente, senti alguma hesitação na voz da minha namorada. Mas talvez eu tenha criado a ilusão como uma espécie de conforto. Caso contrário, eu passaria os três anos seguintes batendo a cabeça na parede do meu quarto e me perguntando sobre o verdadeiro sentido da vida e do amor. Nada disso aconteceu, felizmente. Entrei para o ensino médio, me diverti com discos e os filmes, fiz novos amigos, namorei outras meninas, estudei como um monge e cresci. Minha vida foi isto aí: uma linha no fim de um parágrafo curto. Mas, em questões do coração, uma linha intensa, sublinhada e em negrito.
É que, para mim, o amor nunca foi simples. Nunca. Talvez o desfecho abrupto daquela minha primeira experiência amorosa tenha me moldado da cabeça aos pés. Formou um adolescente exagerado, excessivamente romântico, um galã kitsch de novela venezuelana, um ser démodé que acreditava na paixão sublime, nas duas metades da laranja, em almas gêmeas e que, por tudo isso, idealizava terrivelmente as mulheres. As melhores eram as impossíveis. E as impossíveis eram as melhores.
Fiquei nesse martírio até o início da idade adulta. Nenhum namoro era totalmente satisfatório, já que os únicos namoros totalmente satisfatórios eram os namoros que não existiam nem nunca existiriam. Eram os impossíveis. Os inviáveis. Os da mitologia grega. As da revista. As donas do meu coração eram as mulheres que me tratavam como, no máximo, um irmão simpático que trazia balas de menta no recreio.
Depois descobri que minha filosofia estava errada. Que não funcionava. Que era furada Que iria fazer de mim um sujeito infeliz e solitário. Mais que isso: descobri que aquele meu amor por amores platônicos era apenas e tão somente o gatilho da minha solidão. Da minha vontade de ser solitário. Do meu medo de arriscar-me. Era um tipo de álibi que eu havia criado para mim mesmo. Era a barreira que eu ergui para impedir que eu me decepcionasse novamente (e cá estamos de volta a meu primeiro namoro).
Foi, acima de tudo, uma opção. Isso aí. Ninguém me obrigou a ser daquele jeito. Aquele sujeito amargo. Mas eu era. Quando resolvi me aventurar na savana do amor real, logo percebi que não entendia nada sobre o assunto. Nada. Passei até a desconfiar que meu primeiro namoro tinha sido uma invenção mental – e que aquela minha namorada, tão distante, pertencia a uma casta de fantasmas que devoravam papinhas de nenê (ou por que então ela seria tão branca?). Minha hipótese foi desmontada quando encontrei com ela, ao vivo, quase dez anos depois, e a mocinha continuava exatamente igual. Branca, cabelos curtos e pretos. A única diferença (importante, pelo menos para mim) era que eu não sentia mais nada por ela.
Fiquei feliz com a minha reação. Orgulhoso de mim mesmo. Imediatamente, acho até que num soluço, minha vida amorosa mudou. Consegui tomar as rédeas do meu romantismo infantil, perdi alguns quilos (pergunte-me como) e, depois de dezenas de encontros e desencontros (alguns deles, especialmente ridículos, renderam conflitos e intrigas para dois ou três blogs), encontrei a namorada que amo e com quem vivo até hoje, sete anos depois.
Conheço gente que rejeita essa história de viver um namoro longo. Para mim, é um tipo de aventura. Um tipo de aventura épica, meio Apocalypse now, sangue e tripas e glória, mas um tipo de aventura. É impossível comentar esse tipo de situação sem cair num discurso derramado de autoajuda ou comentar lembranças que só parecem emocionantes para mim, que as experimentei. Namoros são fofos. São mágicos. E tudo que é fofo e mágico também pode soar irritante. Por isso paro aqui. Digo apenas que uma relação longa pode ser tão interessante quanto um daqueles bons romances de mil páginas, que ainda nos surpreendem e nos fazem chorar lá pelo vigésimo capítulo.
Tai uma lição importante: com minha namorada, aprendi a chorar. De ódio, nos nossos desentendimentos. Mas principalmente de saudade.
Aconteceu quando ela viajou e passou um mês inteiro longe. Aconteceu quando ela decidiu que precisávamos de um tempo. Aconteceu há duas semanas, quando ela trancou as malas e se mudou de vez. Para São Paulo.
É o que se vê em Brasília. As pessoas dizem adeus. As pessoas vão embora. As pessoas desaparecem. E, depois, as pessoas fazem ligação de longa distância. As pessoas mandam longos e-mails. As pessoas partem para novas amizades. As pessoas aprendem a reconstruir as relações. E há, sim, as pessoas que sobrevivem à sensação de que tudo está sempre por um fio. E, sortudas, levam a vida com alegria.
Quando souberam da notícia de que ela iria embora e de que eu ficaria, nossos amigos chegaram à conclusão de que o namoro havia chegado ao fim. De algum modo, todos eles têm certeza de que namoros à distância não funcionam, e talvez aprenderam essa regra em filmes europeus (não nas comédias românticas mais aguadas, por favor) e revistas para mulheres maduras e independentes. Namoro à distância é o túmulo da paixão, dizem. Não os condeno. Eu mesmo, menos romântico do que era aos 16, reconheço que, de um ponto de vista muito otimista, à Gaspar Noé, a distância corrói tudo. O tempo é cruel. Por essas e outras, eu já devia me considerar um viúvo melancólico.
É como me tratam. Olham para mim e abaixam a cabeça. Viram o rosto. Ou fazem comentários tristes do estilo “mas Tiago, então quer dizer que tudo acabou?”. Eu fico sem respostas. “O que vai ser de vocês, Tiago?”, e faço que não estou ouvindo. O clima é de velório por um amor que não acabou. De final de Big Brother. De clímax de Shakespeare. Não é inusitado? Tenho a certeza de que, em duas semanas, vou abrir minha caixa de correio e encontrar flores brancas. E cartas de apoio, compreensivas.Vou me sentir um Elvis. E um Michael Jackson.
Acontece que o amor não acabou. O filme pode ter acabado (e a plateia se despede), mas o amor continua. E duvido que acabe. De forma tão instantânea, não. Não é mais possível. Quando encontro minha namorada, por dois ou três dias (infelizmente, existe um componente dramático que faz parte de qualquer namoro à distância), é como se quase nada tivesse mudado. Eu mesmo fico surpreso. Essa sensação, simplezinha assim, provocou uma verdadeira revolução na ideia que eu fazia de amor. Já que, se amor não é só dependência emocional, se amor não é simplesmente uma forma de matar a solidão, se amor não é mero capricho, se amor não é só posse, se amor não é feito e cultivado exclusivamente na nossa cabeça, então o que mantém tudo isso vivo?
Não sei. Mas é algo mágico e fofo. E irritante. E, mais que tudo, ainda misterioso.
50 discos para uma década (parte final)
Em Brasília, são 22h. Vamos terminar esta novela?
Primeiro, devo lembrar (até para os que chegarem depois) de mais uma fornada de discos que ficaram de fora da lista. Infelizmente, não tem lugar para todo mundo entre os meus 50 favoritos da década. Mas vejam a situação com otimismo: se muita coisa boa foi limada da lista, isso significa que vivemos uma década (musicalmente, pelo menos) muito inspirada e devemos ficar felizes com isso. Certo?
E, também para a posteridade: os vencedores foram anunciados ao vivo, com o apoio de uma conexão precária e ao som do greatest hits do Blur.
São eles (em ordem alfabética): Boy in da corner, Dizzee Rascal, For Emma, forever ago, Bon Iver, From a basement on the hill, Elliott Smith (hors-concours), The Futureheads, The Futureheads, Good news for people who love bad news, Modest Mouse, Heartbreaker, Ryan Adams, The hour of bewilderbeast, Badly Drawn Boy, In search of…, N.E.R.D., Jim, Jamie Lidell, Microcastle, Deerhunter, Myths of the near future, Klaxons, Parachutes, Coldplay, The runners four, Deerhoof, Since I left you, The Avalanches (heresia ter ficado de fora!), The Carter III, Lil Wayne, Vampire Weekend, Vampire Weekend, XTRMNTR, Primal Scream.
E prometo não demorar muito entre um post e outro (sabe como é: tem muito texto, isto deu um trabalhão e eu gostaria de verdade que vocês lessem pelo menos a primeira frase de cada um dos comentários, por favor).
10. Smile – Brian Wilson (2004)
A história ainda parece inacreditável: quase 40 anos depois, Brian Wilson finalmente concluiu uma das grandes obras fantasmagóricas da música pop. Só por isso – esse esforço obsessivo, heroico – Smile já seria um monumento. Mas não fica nisso. Os fãs dos Beach Boys já conheciam as músicas que estão no disco, mas não faziam ideia de um detalhe fundamental: juntas, as peças do quebra-cabeças finalmente se encaixam numa sinfonia pop que, além de soar deslumbrante do início ao fim, esclarece as ambições do projeto e (ainda que tardiamente) leva adiante as loucuras de Pet sounds. Curiosamente, em tempo de Flaming Lips, Animal Collective e Fiery Furnaces, as experiências de Wilson soaram novas. De novo.
9. Discovery – Daft Punk (2001)
“O disco tem muito a ver com a nossa infância e com as memórias que temos daquela época. É sobre nossa relação pessoal com aquele período. É menos um tributo a uma era musical (de 1975 a 1985) e mais a forma que encontramos de focalizar o tempo em que tínhamos menos de 10 anos de idade. Quando você é criança, você não julga ou analisa música. Você gosta porque gosta. Você não quer saber se é cool ou não é. Este disco encara a música de uma forma brincalhona, divertida e colorida. É sobre a ideia de olhar para algo com a mente aberta, sem fazer muitas perguntas. É sobre a relação verdadeira, simples e profunda que temos com a música”, Thomas Bangalter (e só tenho duas coisas a acrescentar: é o grande momento do Daft Punk e um modelo para quase tudo o que foi feito em electropop na década).
8. Merriweather Post Pavilion – Animal Collective (2009)
Uma lista séria sobre a década deve conter pelo menos dois álbuns do Animal Collective, uma banda que gravou o primeiro disco exatamente em 2000 e chegou madura a 2009. Além de Merriweather Post Pavilion, que é a obra-prima deles, eu escolheria Feels, o auge da psicodelia folk que eles experimentavam desde o início da carreira (e que deu no também genial Sung tongs). Em Strawberry jam, outra cria excelente, a sonoridade pesou num tom áspero, mecânico e quase sempre perturbador. Difícil escolher um só. Mas Merriweather, dois passos a frente dos outros, consegue sintetizar tudo o que eles fizeram e apontar para o futuro. Um disco que brinca com uma eletrônica feérica, eufórica, e explora o lado mais emotivo dos versos, que, mesmo quando voltam-se às memórias de infância, não deixam de enfrentar as incertezas do mundo. Uma banda em progresso, crescida, segura de si mesma – e ainda sim, ainda estamos assustados.
7. Funeral – Arcade Fire (2004)
Visto de longe, o primeiro disco do Arcade Fire não parece muito complicado: conhecemos muitos álbuns sobre a morte. Além do mais, os canadenses não foram os primeiros a fazer indie com escopo e vocação para estádios. Ainda assim, Funeral ainda soa como um disco peculiar, inimitável (e não foram poucos os que tentaram imitá-lo). Poucas obras confessionais têm um conceito tão bem definido – e todas as cinco primeiras faixas soam como a trilha de um filme – e um desejo tão intenso de criar melodias inesquecíveis, perfeitas (e aí vale citar Pixies, U2, pop francês, space rock americano e o diabo a quatro). Uma marcha fúnebre que celebra a vida – eis a bela contradição deste belo disco, uma surpresa que a banda não conseguiu superar (no segundo eles seguiriam um caminho mais dark e épico).
6. Yankee hotel foxtrot – Wilco (2002)
Até o fim dos anos 1990, o Wilco era uma banda de country rock insatisfeita com a camisa-de-força do gênero. Em Summerteeth, eles brincaram com a psicodelia sessentista, mas o resultado ainda soava polido, como se faltasse coragem para dar o grande salto. Ele viria com Yankee hotel foxtrot, um disco de certa forma maldito, já que rejeitado pela gravadora (dizem até que os executivos ouviram e acharam uma porcaria), e que mostra uma banda em transe. Foi lançado só depois de ter virado objeto de culto na internet, e ainda soa como uma espécie de milagre. Cada vez mais interessado no art rock dos anos 1970 (um estilo, nos discos seguintes, seria lentamente diluído em soft rock), Jeff Tweedy aproveitou-se da produção de Jim O’Rourke para criar uma obra instável, tortuosa, imprevisível e desiludida – um instantâneo da América do início do século. Ainda parece frustrante que a banda tenha optado por, depois disso, seguir um caminho confortável (ainda que o seguinte, A ghost is born, seja todo espinhoso e também belíssimo). Houve um momento, no entanto, em que eles encontraram a sintonia perfeita com o tempo em que vivem.
5. The grey album – Danger Mouse (2004)
Por que não? Essa perguntinha meio banal deve ter motivado o DJ Brian Burton (Danger Mouse) a cometer a heresia mais brilhante da década: arrombar o cofre dos Beatles, pilhar o tesouro mais sagrado da música pop e combinar os clássicos do Álbum Branco com os hits do Black album, recém-lançado por Jay-Z. Dois discos separados por algumas décadas, mas que, um menos explicitamente que o outro, sugerem uma mesma atmosfera de despedida. A mutação genética não é perfeita (e há faixas truncadas, tortas), mas tem um valor histórico que ainda não conseguimos medir. O disco que esfregou a era da internet na fuça das gravadoras? Um ato de vandalismo artístico? Uma amostra de que nada mais é sagrado? Sinal dos tempos (e apenas isso)? Quem não se importa com esse tipo de análise ainda leva de brinde algumas das canções mais divertidas de todos os tempos. É aquela coisa: proibido é mais gostoso, né não?
4. White blood cells – The White Stripes (2001)
O White Stripes é a melhor gag da década: um homem e uma mulher que se vestem de vermelho e branco e soam como se uma banda de garage rock tivesse resolvido fazer versões toscas para o repertório do Led Zeppelin. A fórmula de Jack e Meg White ilustrou perfeitamente uma época que elegeu o minimalismo ruidoso como sabor da estação e contraponto aos excessos do rock do final dos anos 1990 (de certa forma, essa foi a nossa interpretação para o punk dos 70 e o grunge dos 90). E, para nosso espanto, White blood cells trazia algo além de contenção e explosão: revelava uma banda de rock com tutano e ambição – e capaz de citar Cidadão Kane em meio a um esporro pós-punk (cinco pontos só por isso!). Os dois discos seguintes são tão bons e relevantes quanto, mas esta aqui é a cápsula que contém todos os segredos e manias do casal 2000. E nem preciso comentar Fell in love with a girl. Preciso?
3. Stankonia – Outkast (2000)
Olhe para a década: os grandes discos de hip hop lançados nos últimos 10 anos são os musicalmente irrequietos, que forçam os limites do gênero e saem furiosamente para a aventura. Jay-Z, Kanye West , à frente deles, o Outkast. Depois de ter implodido dentro de um maravilhoso e louco álbum duplo (Speakerboxxx/The love below), o duo acabou perdendo parte do poder de influência que tinha no início da década. Mas não custa lembrar: até 2003, eles ditaram quase todas as regras, até dominar o pop por completo (com o hit Hey ya!) e deixar a cena sorrateiramente.
Há quem prefira os primeiros álbuns, também alienígenas, mas Stankonia hoje soa como o auge criativo de Big Boi e André 3000 — numa comparação ridícula, é o Sgt. Pepper’s deles (e, naquela época, não conseguimos antever o Álbum Branco). E um período de colheita generosa, com 24 faixas, 74 minutos e clássicos absolutos como Mrs. Jackson e B.O.B. Já estavam claras as diferenças entre André (o soulman insano) e Big Boi (o mano apegado a boas tradições) — mas, ali, elas se uniam numa química imbatível. Um daqueles discos imensos que nos deixam muito pequenos.
2. Is this it – The Strokes (2001)
Lembro a primeira vez em que ouvi um single do Strokes (acho que The modern age): apaguei o arquivo de MP3 e fui procurar outro. A qualidade de som parecia terrível. Depois, envergonhado comigo mesmo, notei que o jogo era aquele: a atmosfera ruidosa das gravações (que pareciam saído de uma fita demo largada num estúdio abandonado de Nova York por volta de 1967) contava tanto, talvez mais, que as melodias e as letras. De qualquer forma, todos os elementos se complementavam. Sabemos tudo sobre o hype criado em torno deles — e provocado por uma imprensa inglesa que ainda era poderosa nesse ramo —, mas (ao contrário de queridinhos como The Vines e Kings of Leon) eles sobreviveram heroicamente a tudo.
Hoje, fica claro por que: Julian Casablancas honra a tradição dos grandes band leaders, sempre prontos a se rasgar de angústia diante do público (e o disco posterior, o ótimo Room on fire, aprofunda o tom desesperado e pessoal das composições) e Albert Hammond Jr entende tudo sobre o poder hipnótico de um riff palatável (o projeto solo do sujeito não nos deixa mentir). Uma banda simplesmente real. E oportunista, no bom sentido. Nenhum outro grupo soube aproveitar com tanta gana o revival do rock de garagem e do pós-punk: endividados tanto com o Velvet Underground quanto com o Ramones, eles restauraram Nova York como um fervilhante laboratório de rock. Taí, então: um dos poucos discos da década que merecem entrar numa lista não tão longa de grandes álbuns de todos os tempos.
1. Kid A – Radiohead (2000)
Não importa se você ouviu ou não ouviu Kid A (ou se você prefere Hail to the thief – ninguém é perfeito): nenhuma discussão sobre o rock do início do século se sustenta sem alguma referência a este disco. É grande assim. Produzido num período de transição para a indústria musical, foi um dos primeiros a se integrar intensamente à onda da troca de arquivos via internet (na lista de melhores discos de 2000, a revista Spin deu o primeiro lugar apropriadamente para o hard drive dos computadores dos leitores, e em segundo ficou Kid A) — e, para muitos fãs, o “último suspiro” da era do álbum. De qualquer uma das formas, é um triunfo do timing. O disco certo para um mundo errado.
Se Ok computer se deixa afinar por tradições do rock — o progressivo, o pós-punk, o goth rock dos anos 80 —, Kid A derruba os dogmas e barras de segurança em busca de uma sonoridade nova, radicalmente atual (e, com o excelente In rainbows, a banda novamente confrontou ideias dadas como intocáveis). Com o esforço de se reinventar, o Radiohead renasceu como um projeto de eletrônica e jazz-rock capaz de compor canções fragmentadas, tortas, que transportam para o processo de composição toda a confusão que Thom Yorke sempre imprimiu às letras de canções. Antes, ele comentava a paranoia urbana, a opressão tecnológica. Com Kid A, converteu todas essas angústias em pura música. Dos sintetizadores sufocantes de Everyting in its right place à metralhadora eletrônica de Idioteque, tudo é agonia. E o mundo (da música, pelo menos) acordaria perturbado desse pesadelo.
2 ou 3 parágrafos | Che 2: a guerrilha
É o terceiro Soderbergh que vejo este ano e estou quase desistindo do próximo. Encheu meu saquinho.
Entendo esse cinema, sei onde ele quer chegar, mas descobri que nunca vou conseguir admirá-lo. E não adianta ficar tentando. É que o cineasta olha o mundo de uma distância tão segura, tão confortável, que é como se usasse luvas de plástico para lidar com os personagens e os assuntos dos próprios filmes. Aposto que se envolve com eles (caso contrário, não teria se metido no mato para filmar este Che, e aposto que foi uma experiência difícil e dolorida), mas não deixa que esse encontro apareça na tela. E, se o diretor parece não se importar profundamente com nada do que vê, por que eu deveria me importar?
E Che 2 (4.5/10), talvez o auge desse cinema sem sangue, merece um só parágrafo: juntando as duas partes, é impressionante como Soderbergh, em quatro horas!, não se arrisca a interpretar o personagem que dá nome ao filme. Che não tem direito a uma dimensão psicológica — é uma estampa de camiseta ambulante. Começa o filme como um herói íntegro e idealista — e termina exatamente do mesmo jeito. Pior: termina como uma espécie de Jesus Cristo latino, barbudo e sábio. Aposto que o filme segue à risca o relato dos fatos, o diário de Che, os livros de história etc: mas esse tipo de fidelidade não é o que mais me interessa no cinema. Na verdade, me interessa muito pouco. Quando revestida com esse tipo de frieza supostamente jornalística, apenas me entedia. Soderbergh: eu passo.
Remind me | Röyksopp
Já que o momento é de flashback da década (e volto com a lista dos melhores discos no início da semana que vem, prometo), aí vai um clipe que descobri recentemente e entraria seguramente num top 20 meu. Criado pelo estúdio francês de animação H5, o vídeo de 2007 explica o mundo, a vida e tudo o mais num punhado de infográficos.
Superoito e a turma de 92
Não me considero um sujeito saudosista, apesar de tremer quando ouço qualquer hit rasteiro de 92. Até os hediondos. How do you do, do Roxette, por exemplo. O efeito é quase sempre devastador: a enxurrada sentimental me atinge com a fúria de um velho álbum de fotografias.
Por isso me incomodei com a notícia de que a turma de 92 finalmente se reencontraria. Depois de quase 20 anos, os amigos perdidos de uma época perdida se reuniriam num sábado calorento para uma feijoada. Não seria bonito? Depois de uma intensa troca de e-mails, entramos em acordo sobre o horário (por volta das duas da tarde) e o local (um clube no início do Lago Sul). Nos dois dias seguintes, cerca de 20 pessoas confirmaram presença. Todos pareciam muito ansiosos e animados – queriam compartilhar fotografias e conversar sobre os bons tempos que não voltam mais.
Num primeiro momento, tentei escapar da obrigação. Fiz que não era comigo. Esse tipo de encontro, para mim, sugere um punhado de telefilmes chorosos dos anos 80. E nunca fui dos grandes fãs de John Hughes, after all.
Em 92 eu era um garoto de 12 para 13 anos de idade. Sem qualidades. Mas eu sobrevivia, obrigado. Não lembro como, mas fazia amigos e influenciava duas ou três pessoas. Eu era desajeitado e tímido. Eu era sentimental e ingênuo. Eu acreditava em Stephen King e Pedro Bandeira. Em resumo: num mundo de meninos invisíveis, eu era também invisível. Um serzinho ordinário – um detalhe no papel de parede do ambiente onde eu vivia.
Em muitos aspectos (quase todos), eu presumia que aquele Tiago não existisse mais. O menino inocente havia se transformado num homem feito, de 30 anos, calejado pela vida e tolerante feito um mestre tibetano. Pensei logo que não valeria a pena buscar conforto na imagem atualizadas de amigos que provavelmente se esqueceram de mim da mesma forma como me esqueci deles. A ideia soava falsa e despropositada – reencontrar para quê? Não seria melhor deixar as coisas como elas estão?
Ao mesmo tempo, havia um tipo quase mórbido de curiosidade que me empurrava de encontro à turma de 92. Não foi um período triste da minha vida, pelo contrário. Logo que cheguei a Brasília, eu era feliz quando cercado pelas grades de uma escola pequena e obscura, que se orgulhava de ensinar os alunos sobre as maravilhas da arte (aprendíamos teatro, literatura, um pouco de música e artes plásticas) e que afagava delicadamente o ego de cada estudante, sem exceções. Não à toa, todos nos traumatizamos quando demos o salto para o segundo grau, trancados em colégios que nos tratavam como números frios numa longa lista de chamada.
Daí que sábado, mesmo metido num semestre infernal (minha namorada estava a poucos dias de se mudar definitivamente para São Paulo, uma notícia que ainda me deixa desconcertado), resolvi arriscar o mergulho nesse lodo nostálgico. Não sei o que eu procurava (talvez um contato realista com uma infância que idealizo, não sei). Saí inteiro, mas não sem alguns hematomas.
Em tese, toda esta história parece muito simples: você vai ao clube, encontra os amigos de infância, conversa sobre assuntos que interessam à humanidade como um todo (trabalho, família, amores, vá saber), come um pouco da gororoba, vê as malditas fotografias e volta para casa com o espírito renovado, mais ou menos como um virgem de 30 anos. É isso, não é?
É. E não é.
E explico por que não é. Exatamente como eu e você, os velhos amigos crescem e se transformaram em pessoas diferentes. Mas continuam a revelar traços de personalidade que existiam desde a infância. Esse descompasso provoca uma sensação curiosa: ao rever um desses mortos-vivos, é como se você topasse numa pessoa que te lembra fortemente um amigo que ficou para trás. O detalhe aterrorizante é que essa nova pessoa, na verdade, é exatamente aquele amigo do passado.
Parece confuso, eu sei, mas foi o que aconteceu comigo. No grupo de 20 convidados, cinco deles eram mais ou menos familiares. De alguma forma, nos encontramos durante a adolescência ou no período da faculdade. Por isso, e mesmo com alguma remodelagem no layout (um deles estava quase careca), não nos estranhamos. O choque veio quando me encontrei com pessoas que foram extremamente importantes para mim, mas que haviam desaparecido da minha memória.
Logo que entrei no clube, um sujeito sorridente, baixinho e parrudo me recebeu:
– Tiago!
Eu o encarei com os olhos espremidos, como quem faz todo o esforço do mundo para encontrar um sinal, uma marca, um traço de fisionomia… Mas nada. Alguns segundos depois, quando consegui descobrir quem ele era, a imagem completa se formou com velocidade na minha cabeça. E notei que estava diante de um amigo que ainda se lembrava de fatos mínimos da minha vida – e que de certa forma sempre esteve lá, no avesso do meu cotidiano.
– É você! – eu disse, enfim
– Sou eu.
– É você.
E ficamos nisso por alguns minutos. Não havia o que dizer, mesmo quando sabíamos que havia muito a ser dito. Tomados por um transe, todos os antigos amigos se reconheciam e se abraçavam, gaguejavam algumas palavras entusiasmadas e lembravam de cenas irrelevantes e choravam enquanto trocavam fotografias amareladas. E tiravam fotografias digitais, para garantir que nada daquilo era apenas delírio. Fizemos poses para a câmera, trocamos telefones e combinamos que nunca perderíamos contato. Aposto que, num canto discreto do clube, duas amigas renovaram o pacto de sangue – dedinho com dedinho.
O lado patético da história é que ninguém saberia explicar o motivo daquela reunião. O que era? Queríamos de volta o gosto da nossa infância, que nos roubaram para sempre? Nosso desejo era pela certeza de que não estávamos sozinhos no mundo-cão? Ou tudo era apenas uma forma de renovar o compromisso com um período da vida que deixa saudades doloridas? Queremos provar para nós mesmos que estivemos lá, que experimentamos da infância doce?
Nós éramos, de certa forma, testemunhas uns dos outros. Ou quase. Uma das amigas, ausente, decidiu seguir o chamado e virar freira.
Eu não esperava por tantos momentos tocantes numa tarde de sábado, mas reconheço que me deixei levar pelo furacão. Quando a noite chegou, algo inusitado aconteceu: os amigos começaram a reviver literalmente os momentos da infância. O engenheiro civil e a psicóloga contavam piadas debochadas, o advogado mijava na latinha de cerveja do agrônomo e a professora de violino se contorcia no chão imitando uma minhoca com dores de barriga. Eu mesmo sorria como o menino imaturo que ainda sou. Por alguns momentos, me imaginei dentro de um episódio de True blood dirigido por David Lynch.
Mas foi divertido. De um jeito doentio, quase. O auge da comoção coletiva se deu quando o anfitrião disse ter uma confissão a fazer (a feijoada, nessa altura, era uma papa gelada e indigesta).
– Isso aqui… Isso aqui, minha gente… Isso aqui… Estou emocionado, gente.
Na terceira tentativa, o discurso decolou.
– Isso é um momento histórico. Histórico. Encontro em vocês tanto carinho, minha gente. Tanto carinho. Que é como… Nem sei. Não sei se vocês sabem, mas eu quero sair de Brasília. Quero sair pra sempre. Passei parte da minha vida longe da cidade, casei, separei e tive um filhotinho lindo. E agora, voltar para a cidade… É difícil. É que essa cidade vai devorando e maltratando. É tudo muito solitário e vocês sabem disso. É tudo fechado, e sou daquelas pessoas que deixam a porta de casa aberta. E os amigos entram. Sei que, de hoje em diante, vou poder contar com vocês, meus amigos. Vocês são mesmo… mesmo… Vocês são incríveis.
Depois dos aplausos e das conversas bêbadas e inconseqüentes, marcamos outro encontro e combinamos que aquele elo resistiria. Intimamente, sabíamos que era tudo mentira. Mas vivemos a mentira intensamente. Voltamos para as nossas casas. Sei de gente que não conseguiu dormir direito. No dia seguinte, chegaram as fotos. No outro, os comentários sobre o encontro (‘inesquecível’, alguém avaliou). No terceiro, os e-mails sentidos das pessoas que não puderam comparecer.
Mais tarde, as mensagens começaram a rarear. A onda bateu na areia e ficamos novamente em silêncio, seguramente a alguns quilômetros de distância uns dos outros.
Como se nada tivesse acontecido. Mas imagino que, de alguma forma, ficamos orgulhosos do que fizemos, do nosso pequeno ato de rebeldia. De verdade. Vá lá, conte esse como um final feliz. Já que, sem sentido ou explicação, algo aconteceu.
2 ou 3 parágrafos | Up
Sim, meus irmãos: gostei bastante, há trechos belíssimos, tive que enxugar os óculos 3D, não há concorrentes para a Pixar (com exceção de Miyazaki, que dá de lavada), etc e tal. Mas eu esperava um pouco mais deste Up (7.5/10).
Sinceramente, o filme me parece um pouco desconjuntado. Lembro que, num textinho antigo, escrevi que Wall-E mostrava o desejo da Pixar de arejar a animação digital com novas ideias, mas também deixava claro os limites dessas tentativas — já que, depois de uns 20 minutos iniciais bastante atípicos para o formato (cinema mudo e high-tech, com um pé no futuro e outro no passado), o longa ia se adaptando a uma narrativa convencional. Pois bem: Up é isso ao quadrado.
Pete Docter fez um curta-metragem extraordinário (a vida de um homem numa cápsula colorida, em melancólico 3D) que calha de servir de prólogo para um filme de aventuras exóticas que, aposto, minha prima de quatro anos de idade confundiria com Era do gelo 3. Nada tão trivial, no entanto. Ou esquecível, ok. Numa comparação muito estúpida, eu diria que a Pixar de Wall-E e Up é o Beach Boys de Today! (1965). Maravilha, mas ainda fico aqui no meu cantinho esperando dela um Pet sounds.
Eskimo snow | Why?
Alopecia não é um disco que eu colocaria numa lista de 10 mais. Não.
Quando ouço, sinto mais apreensão que admiração. Nos conhecemos assim: eu passava por um momento difícil, com menos de 50% da minha capacidade intelectual, no meio de uma daquelas crises amorosas que transformam o mundo inteiro num chalé friorento, sem luz elétrica, fincado numa cidadezinha monótona povoada por 50 habitantes que nunca saem de casa. Notem meu drama: naqueles dias, quando ouvi o disco, eu literalmente estava numa cidadezinha silenciosa sem luz elétrica. E fazia frio, vê?
Para quem não conhece (e tudo bem se você não conhece, não é uma experiência muito agradável), Alopecia é o diário ensanguentado de Yoni Wolf, o vocalista, compositor e cérebro do Why?, quarteto californiano de indie rock (e “alternative hip hop”, diz o Wikipedia). Um disco arrancado a fórceps. Um testemunho. Um “break up album”. Um template para cartas de suicídio. Um buraco negro no espaço sideral. Um inferno. E mais.
Na época, meados de 2008, muita gente notou que o disco sugeria uma transição para o Why?. Há bandas que ficam cada vez mais experimentais e caóticas. E há o Why?. Yoni vai na contramão: quer refinar o estilo, enxergar com clareza o rosto refletido no espelho. Isso sem abandonar uma sinceridade sem estribeiras, pontiaguda, brutal de verdade.
Alopecia é um disco de sons inquietos, mas o golpe duro é verbal. Chamar os versos de confessionais é pouco: são quase doentios. E aposto que, se Yoni decidisse recitar o álbum num confessionário, o padre perderia a voz. É uma poesia perturbadora porque, em muitos momentos, nos deixa sem saber se ouvimos arte ou um grito de socorro. Ou as duas coisas ao mesmo tempo. Devemos aplaudir ou ligar para o 911?
Daí a apreensão.
A história não termina aí. Na época em que gravou Alopecia, o Why? abandonou no estúdio um punhado de canções que pareceriam deslocadas dentro de um disco tão febril, esquizofrênico. E, de fato, Eskimo snow (o “álbum de sobras”) soa mais polido e coeso que o anterior. Quase não há ecos de hip hop, por exemplo. O que se ouve é um ciclo de baladas psicodélicas (que lembram um pouco o início do prog rock, fim dos 60) com algo de folk e melodias floridas e irônicas na linha do Eels e dos discos mais recentes do Of Montreal. Ou seja: comparando com o que já gravou, o Why? está parecendo até uma banda de rock “normal”.
O curioso é que o disco se segura — não soa como uma compilação de lados B. Mas a maior surpresa é que Yoni guardou versos ainda mais cruéis, melancólicos. Se Alopecia era diário, Eskimo snow é blog. E, detalhe importante, um blog franco, adorável — January twenty something é uma das faixas mais doces que já gravaram, linda de matar. Mais que nunca, é fácil se identificar com a dor de Yoni — e, nesse processo terapêutico, o objetivo dele parece ser exatamente este: compartilhar, compartilhar, compartilhar.
Ao nosso herói, não falta determinação. “Eu quero verdades afiadas em cada verso”, ele diz, em The blackest purse. “Eu queria me sentir próximo de alguém, mas não sinto nada”, conta, em Into the shadows of my embrace. E continua: “Acho que o vizinho de cima ouve quando me masturbo. E há outro me observando no vão da cortina.” Devo rir?
Desabafos e mais desabafos depois, e já cansado de enfrentar a morte e o medo da morte em cada estrofe (e de notar que sempre uma rosa floresce nos detritos, em momento clichê), se explica: “Eu deveria me sentir constrangido por dizer tudo isso em público, mas às vezes precisamos gritar algo que não diríamos a ninguém.”
Certo. Abra um blog, Yoni.
Taí, então: o disco mais violentamente honesto desde Hissing fauna, are you the destroyer?, do Of Montreal. Não tão brilhante. Mas imperfeito, bizarro e tocante. Não vai entrar na sua lista dos 10 mais, mas te acompanhará madrugadas adentro. Em dias difíceis. E nos dias bons, como uma espécie de alerta de que o bicho-papão está atrás da porta.
Cuidado.
Quarto álbum do Why? 10 faixas, com produção da própria banda. Lançamento Anticom. 7/10
The executioner’s song | Cass McCombs
Taí um belo clipe do Cass McCombs. Sugiro que vejam até o fim. É apenas perturbador — e combina perfeitamente com a canção, uma balada delicada e assombrada sobre trabalho.
Dirigido por Aaron Brown.