Mês: dezembro 2010

In the New Year | The Walkmen

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I know that it’s true
It’s gonna be a good year
Out of the darkness
And into the fire
I’ll tell you I love you
And my heart’s in the strangest place
That’s how it started
And that’s how it ends

Feliz 2011 pra vocês.

10 discos brasileiros de 2010

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Escrever sobre discos brasileiros neste blog, para mim, é complicado. Faz algum tempo que não me meto com eles.

Com os internacionais, sinto que tenho uma liberdade maior para bolar os textos que bem entendo. Fico com a impressão de que, quando escrevo sobre os álbuns daqui, assumo uma responsabilidade que vai além das intenções deste blog.

O que pode ser uma grande bobagem, eu sei, mas é o que acontece. E estou bem assim. Este blog não é uma revista de música, não é um suplemento cultural, não é um release, não faz parte de nenhuma cena. É apenas o lugar onde estico as pernas quando volto do trabalho.

Mas, para não fugir totalmente da onça, fiz uma listinha com os discos brasileiros que mais gostei de ouvir em 2010.

Este ranking foi criado em dois momentos. Primeiro, a partir dos discos nacionais que ouvi durante o ano, no trabalho. Depois, durante o mês de dezembro, quando finalmente acertei contas com a montanha de álbuns que deixei passar nos meses anteriores. Eu poderia ter feito um top 20 – bons discos ficaram de fora. Mas preferi uma seleção um pouco mais rigorosa, só com aqueles 10 que mais me impressionaram.

Se eu fizesse uma lista de melhores do ano que incluísse discos nacionais e internacionais, apenas o primeiro colocado entraria no meu top 20.

Então vamos, que estou falando demais.

10 | Escaldante banda | Garotas Suecas

Um disco de soul music que, quando toma embalo (em faixas geniosas como Ela e Ninguém mandou), soa como o bootleg psicodélico que um discípulo talentoso de Jorge Ben poderia ter gravado no início dos anos 70.

9 | Do Amor | Do Amor

Talvez um passo maior que as pernas, mas e daí? Um disco que quer ser tudo de uma vez só, gravado com o entusiasmo e a ansiedade de quem quer nos conquistar completamente logo no primeiro encontro. Haja amor.

8 | Calavera | Guizado

De longe, parece um vale-tudo psicodélico. Quanto mais nos aproximamos do disco, no entanto, mais ele nos convence de que nenhuma loucura é gratuita. Firme tanto nos momentos de transe quanto de lirismo (e O marisco é uma das grandes canções do ano).

7 | Emicídio | Emicida

Tem tudo o que esperamos de uma boa mixtape de hip-hop: os exageros, as arestas, os projetos inacabados e as ideias brilhantes. O caderno de esboços de um rapper que não confunde contundência com sisudez. E que deixa a impressão de ainda estar se aquecendo para a briga.

6 | Aos abutres | Lestics

O country/folk rock abrasileirado do Lestics pode soar singelo, mas me espanta como a banda nos emociona com os elementos básicos da canção. Gravado em esquema caseiro, um disco sem data de validade. Nas nuvens é minha música preferida de 2010.

5 | Eu menti pra você | Karina Buhr

Se a delicadeza é a chave para a maior parte dos discos de cantoras brasileiras (de Vanessa da Mata a Tulipa Ruiz), Karina toma o caminho do atrevimento. Um disquinho corajoso até quando fala macio, e hilariante quando aplica o deboche para o bem da nação (no funk Ciranda do incentivo, delicioso copo de veneno).

4 | Watson | Watson

Não é um disco sobre Brasília, mas quem vive por aqui vai encontrar um retrato muito atípico da cidade, que se infiltra nas canções sem que percebamos. Um lugar estranhamente comum, com tardes silenciosas de domingo, conversas de bar e bandas que se apresentam para ninguém. Pena que o mercado independente brasileiro ainda é tão deslumbrado com o Sudeste: este é o álbum de rock mais franco do ano.

3 | Feito pra acabar | Marcelo Jeneci

É a unanimidade de 2010, mas prefiro encarar esta estreia apenas como a bela certidão de nascimento de um autor. Eu preferiria um álbum um pouco mais curto, com outra ordem de músicas (o início me parece um marasmo) e uma capa menos genérica. Mas esse sou eu reclamando por pouco. O que Jeneci conseguiu é o bastante: fez um disco muito pessoal, mas que parece conter todo o espírito de uma geração que ficou órfã do Los Hermanos, ainda flutuando em lirismo, gentileza e acordes amáveis.

2 | Efêmera | Tulipa Ruiz

É um début que me parece mais coeso e seguro do que o de Marcelo Jeneci, ainda que os dois pertençam ao mesmo mundo (até os títulos se complementam). Em todas as canções, Tulipa consegue criar uma atmosfera de leveza e intimidade que nos desarma. “Vou ficar mais um pouquinho para ver se acontece alguma coisa nessa tarde de domingo”, ela avisa, logo no começo. O álbum é esse entardecer.

1 | Amigo do tempo | Mombojó

Depois de um disco retraído, cuidadoso demais (Homem-Espuma, de 2006), o Mombojó volta a se largar no furacão. Amigo do tempo retoma as liberdades de Nadadenovo, mas nada de reprise: escrito por uma banda menos ingênua, mais lírica, ainda disposta a se perder e se reinventar. “Não sou mais quem fui. Sinto perigo em qualquer lugar”, dizem, em Casa caiada. Crescer é um mistério. E é exatamente nesse ponto que a história começa a ficar boa.

Mixtape! | O melhor de dezembro

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A mixtape de dezembro não é a mais coesa. Não é a mais tocante. Não é aquela que você vai levar para uma ilha deserta. Não é aquela que vai te levar ao espaço sideral. Não soa como um álbum (com todas as faixas amarradinhas umas nas outras). Mas tem um conceito muito forte e absolutamente original, que é: don’t worry, be happy.

Tá, é mentira.

Ou quase mentira. Meia verdade. Vocês sabem! Não consigo ficar contente 24 horas por dia! Não sou assim. Sou um sujeito mais blue do que o céu de Brasília em dia claro de verão, daí que este disquinho vai se tornando nublado até encerrar com uma canção que provavelmente vai fazer você chorar. Acontece.

A boa nova (e o que diferencia esta seleção daquela que você ouviu em novembro) é que toda a primeira metade da mixtape é bem risonha, quase abobalhada, com musiquinhas que me fazem sorrir. A abertura, com o Fujiya e Miyagi, é um achado. O Twin Shadow fala de um fantasminha que o persegue, mas é uma faixa pra dançar até o chão.

E tem até Kings of Leon. E aí vocês me perguntarão: mas Tiago, por que incluir uma música de uma banda de que você nem gosta? E eu explico de antemão: é que a faixa, além de simpática, resume todo o espírito da mixtape, que começa muito urbana e termina pra lá da roça (prestem atenção à letra da música, sobre um sujeito que quer levar uma mina de New York para o Tennessee). Mas tudo bem se você decidir deletá-la e seguir em frente.

Então sim, é a mixtape mais pop do ano. Muito agradável de ouvir. Muito oferecida. Muito dada. Você vai gravar e levar para curtir as férias sob o sol escaldante. E depois, em meados de janeiro, vai me agradecer. Anote aí.

Como não poderia faltar, tem Everybody needs love, do Drive-by Truckers. Que é autoexplicativa. E Fuck you, do Cee-lo Green. Que também é autoexplicativa, mas nada tem a ver com vocês, ó leitores tão simpáticos e educados.

O moço aí da foto é o Dan Bejar, que gravou meu disco preferido de dezembro (mas que só sai em 2011): Kaputt, do Destroyer.

O que mais posso dizer sobre esta coletânea? Talvez ela sirva de espelho para os meus dias (todas as outras serviram, por que não esta?). Talvez ela mostre que estou superando dramas e seguindo em frente. Talvez tenha algo a ver com o espírito natalino ou com o fato de que 2010 está finalmente evaporando (foi o pior ano da minha vida). Talvez seja apenas um disquinho com 10 músicas muito aconchegantes.

Enquanto vocês ouvem, tento me tornar um sujeito mais simples.

Antes do ano-novo, ainda devo aparecer aqui no blog com uma lista dos 10 discos brasileiros favoritos de 2010. Sejam pacientes, ok?

Vamos lá que só falta esta: faça o download da mixtape de dezembro aqui (a lista de músicas está logo ali na caixa de comentários).

E, se possível, depois de ouvir o CDzinho, invista cinco minutos do seu tempo para avaliar nossos serviços com um comentário gentil. Obrigado.

Os discos da minha vida (20)

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Semana delicadíssima para a saga dos 100 discos que estouraram o champanhe da minha vida: entre as festas de Natal e ano-novo, muita gente bronzeada está tirando férias, viajando, curtindo a praia, desligando computadores, afogando pen-drives e respirando ar puro. O que é triste: este blog, que costuma receber cinco ou seis visitas diárias, já se sente muito só.

Os que saíram pra curtir a vida vão perder um capítulo especialmente inspirado desta série interminável de posts. Vale por um dia inteiro de sol, mate leão e sanduíche natural (ok, não vale tudo isso, mas vamos fazer de conta que sim).

Por coincidência (e tudo aqui é mera coincidência, reparem), dois discos que me pegaram mais ou menos na mesma época, quando eu era um garoto de 14 anos que amava os Simpsons e a revista Rolling Stone.

Sim, eu vestia camisas de flanela meio pobretonas, adquiridas na C&A. Mas as coisas não eram tão estereotipadas assim (e o outro disco do post mostra que havia algo de complexo naquele tempo bom que não volta nunca mais).

062 | In utero | Nirvana | 1993 | download

A primeira audição foi um terremoto. Minha irmã trancou a porta do quarto, minha mãe avisou que eu estava passando dos limites e meu padrasto me chamou para uma conversinha. Eu mesmo demorei para sobreviver a um disco que soava como uma cirurgia dentária (sem anestesia). Era uma época em que as bandas de rock disputavam para ver quem gravaria o álbum mais enfezado. Kurt Cobain, mais uma vez, venceu. In utero registra com secura (saudades de você, Steve Albini!) o pessimismo dos depressivos, a agonia dos suicidas, a aflição dos obsessivos. Síndromes de uma geração. “A fúria adolescente rendeu muito bem, agora estou entediado e velho”, Cobain admitiu, aos 26. Era como nos sentíamos: velhos, e cedo demais. Top 3: Heart-shaped box, Serve the servants, Pennyroyal tea.

061 | Paul’s boutique | Beastie Boys | 1989 | download

O disco que adaptou o Beastie Boys aos anos 90 (Check your heads, de 1992) me levou a este álbum de 1989 que é, talvez sem chance de discussão, o manifesto do trio por uma colagem pop sem freios ou vergonha na cara. O medley final, B-boy Bouillabaisse, cria uma conexão entre o hip-hop dos anos 1980 e o lado B de Abbey Road, dos Beatles. Por que não? Produzido sem os padrões de polidez da época (saudades de vocês, Dust Brothers!), o disco é uma confusão de samplers e hinos adolescentes que primeiro nos sufoca e depois nos deslumbra. Uma prévia para Odelay, do Beck, e para todos os outros discos pop dos anos 1990 e 2000 que fizeram da reciclagem (e do contrabando de ideias) uma arte. Top 3: Hey ladies, Shake your rump, Shadrach.

Go-go boots | Drive-by Truckers

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O que faz um bom disco? De vez em quando me flagro inventando dogmas, equações mágicas que me ajudem a responder a pergunta. O que faz um bom disco?

Na minha lista de melhores do ano, percebo que sigo um padrão: prefiro os inventivos aos cuidadosos, os arriscados aos confortáveis, os confessionais aos impessoais, os surpreendentes aos previsíveis, os complicados aos rasteiros, os ambiciosos aos passatempos.

E assim vou levando este blog, apegado à certeza de que existe coerência nas minhas ideias.

Isso até o dia em que, é claro, chega um disco do Drive-by Truckers para bagunçar o Grande Esquema das Coisas.

E taí uma banda de rock que me mostra, de dois em dois anos, que devo ser um sujeito um pouco mais flexível. Que arte não é matemática. E que, antes de enfrentar e catalogar os discos, eu deveria tirar um tempo para experimentá-los.

Dito isso, devo alertá-los que Go-Go boots, o novo disco do Drive-by Truckers, é uma continuação de The big to-do, que eles lançaram no início de 2010. E reprisa um formato que, para a banda, se transformou num porto seguro. A moldura é a mesma. A aquarela também. Há alguma diferença, mas num detalhe ou em outro. Pensem num filme de Woody Allen e não em Stanley Kubrick.

Qualquer álbum do grupo reprova quando submetido ao meu questionário de exigências. Go-go boots não é inventivo, arriscado, confessional, surpreendente, complicado nem muito ambicioso. É, ao contrário disso tudo, um novo capítulo do western moderno que é a discografia dos Truckers.

Antiquado, vocês diriam. Talvez sim. As referências musicais da banda estão, em grande parte, no country rock dos anos 60/70. Eles defendem o vinil e os métodos analógicos de gravação. Têm fé na canção — com verso, refrão e uma longa trama a ser narrada. E amam o Álbum, esse bicho ameaçado de extinção.

Para quem os conhece, o efeito desse método que nunca se altera é a sensação de conforto e familiaridade. Logo na primeira audição, Go-go boots me fisgou sem que eu soubesse por que. Deve ser sido a voz de Mike Cooley, nosso caubói levantando areia no deserto. Ou os versos gentis de Petterson Hood, que não se deixam abrutalhar nem pelas tragédias mais terríveis.

O disco novo segue o projeto do anterior: conta, na maior parte das faixas, histórias de crime e castigo. Mas o conceito não é seguido rigorosamente. Uma das músicas que se destacam — talvez por parecer mais otimista do que todas as outras que eles já gravaram — se chama Everybody needs love. E não soa como uma ironia.

O que se nota no disco é um Patterson Hood trabalhando pesado, criando climas sinistros e narrativas espinhosas (Used to be a cop, sobre um homem que perde tudo, é um roteiro de curta-metragem; Assholes é o lamento cheio de alma que Ryan Adams queria ter escrito) enquanto Cooley e Shonna Tucker preferem apertar o botão do fucking around.

O bom é que, mesmo irresponsável (no bom sentido), Cooley acaba escrevendo algumas das faixas mais fortes do disco — e todas mais para o country do que para o country rock. Pulaski, por exemplo, é um belo conto sobre uma menina interiorana que se frustra e se perde na Califórnia.

Been there, done that.

Esses e outros clichês, lembrem-se, foram quase todos criados pelo próprio Drive-by Tuckers, em discos como Decoration day (2003) e a obra-prima Brighter than creation’s dark (2008), que Hood dedica a John Ford. A banda entende que alguns filmes devem parecer mais monumentais que outros.

Não gosto do termo, mas Go-go boots é o que chamam de “obra menor” (ainda que, com 14 faixas, tenha a dimensão de um longa-metragem). Quase nenhuma faixa se destaca no cenário e as referências de rhythm and blues acabam por se diluir quase que completamente, ainda que o conjunto da obra me pareça de uma dignidade acima de qualquer discussão.

O que acontece? Acredito que, no caso do Drive-by Truckers, o que me atrai é a convicção como a banda defende um ponto de vista. Se esse olhar não muda, por que os discos deveriam soar surpreendentes?

Quando ouço um disco do Drive-by Truckers, deixo meus dogmas de molho. Eles soam como álbuns envelhecidos, irrelevantes no meu Grande Esquema das Coisas, encalhados em lojas de discos decadentes frequentadas por fãs de Grateful Dead e Neil Young. E que, quando na vitrola, produzem ruído macio, acolchoado. Veludo puído. Película riscada. De alguma forma, matam a nossa saudade.

Bons discos também são feitos disso.

Nono disco do Drive-by Truckers.14 faixas, com produção de David Barbe. Lançamento ATO Records. 7/10

(noite de Natal, em casa, 21h)

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Minha irmã: Acho que no Natal as pessoas deviam cantar Parabéns pra você.

Eu: Parabéns pra Jesus.

Minha irmã: Isso. Parabéns pra Jesus. Nessa data querida.

Eu: E todas as musiquinhas.

Minha irmã (cantarolando): É big, é big! É hora, é hora!

Minha prima (cantarolando): Com quem será? Com quem será?

Eu: Essa eu acho que não.

Minha prima (cantarolando): A chuva cai, a rua inunda…

Minha irmã (cantarolando): ô Jesus Cristo, vou comer seu bolo.

Eu: Acho que não. Ele tem estômago pra piada babaca, vó?

(surda): Macio e molhadinho, Tiago. Uma loucura o peru.

That was the worst Christmas ever | Sufjan Stevens

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É uma espécie de tradição do blog: todo dia 24 de dezembro, um clipe do Sufjan Stevens. Este aqui foi feito em 2009 e é autoexplicativo.

Feliz Natal pra vocês.

Os discos da minha vida (19)

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Ninguém pediu, mas cá está ela. Depois de uma pausa mais ou menos longa, voltamos a sintonizar a saga dos 100 discos que sonorizaram a minha vida.

Notícia triste: o fim não está próximo.

Explicando as regras do jogo, mais uma vez: este é um ranking totalmente pessoal, cheio de idiossincrasias, serve tão somente para que você entenda quem eu sou. Há, por exemplo, mais discos dos anos 1990 do que de qualquer outra década — foi a época em que comecei a ouvir discos compulsivamente. Um lista que não faz muito sentido, entende? Que não ordena o caos. Que não orienta nada. Por isso, liberte-se da lógica e deixe a vibração fluir.

Neste capítulo, dois discos que não têm nada em comum além do fato de que voltei a eles recentemente, e com muito entusiasmo. Daí que confirmei o seguinte: além de importantíssimos para a minha vida, são obras-primas que poderiam estar em qualquer lista séria de grandes discos que você precisa ouvir antes de se mandar para a Lua.

Não que alguém esteja pensando em se mandar para a Lua, mas é um plano interessante.

064 | Ladies and gentlemen we are floating in space | Spiritualized | 1997 | download

Foi lançado na Inglaterra exatamente junto com Ok computer (16 de junho de 1997, anote no calendário dos Dias Que Abalaram a Música), só consegui ouvir muitos meses depois, quando o CD desembarcou na loja de importados. Acabei construindo uma aura em torno dele que a primeira audição quase destruiu. Quase. Talvez um garoto de 17 anos não saiba (ou não queira) entender o quão desesperado é o desejo de Jason Pierce por “um pouco de amor para mandar a dor embora”. Um pedido de ajuda, sim. Mas também um dos álbuns de rock mais imponentes da minha adolescência, que transportou o rock britânico dos anos 1990 a outras galáxias e nos deixou flutuando no ar. Top 3: Stay with me, Ladies and gentlemen we are floating in space, Electricity.

063 | American beauty | Grateful Dead | 1970 | download

Um dos discos mais queridos (e mais amáveis) do Grateful Dead talvez não represente tão bem o alcance da banda (Workingman’s dead, o anterior, talvez seja ainda mais redondo), mas é o meu preferido. A começar pela faixa de abertura, Box of rain, que contém tudo o que me atrai no country rock (e não é só um gênero musical, certo? É um estilo de vida). Um daqueles discos em que ouço o som de uma banda totalmente feliz com o som que consegue produzir. Dá um pouco de inveja: todas as faixas importam, e elas acabam retratando o clima de uma época sem que isso pareça um fardo, uma missão pesada demais. A perfeição pode ser doce. Top 3: Box of rain, Sugar Magnolia, Truckin.

Kaputt | Destroyer

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No espelho, não me reconheço. Estou mais velho, me sinto mais velho, mas a imagem é de uma pessoa cada vez mais nova.

Meu apartamento também virou outro ambiente: ele está mais vazio, ainda que eu não tenha me livrado de móvel algum.

Até os textos que escrevo – e escrevo todos os dias! – deixaram de sair dos meus dedos. Como que escritos por outra pessoa.

Algo mudou.

Há alguns dias, uma amiga enviou uma confissão via e-mail. Ela estava estudando para uma série de provas e, depois de passar por três ou quatro etapas, começou a se sentir confiante de que conseguiria uma vaga. Quanto mais recebia sinais positivos, mais criava planos, explorando mentalmente um futuro novo que se abria, se desdobrava. Chegou o resultado e ela não passou. “Agora não sei o que fazer. Me sinto perdida”, ela escreveu, no e-mail.

Eu a consolei, garanti que aquela fase ruim passaria. Disse também que entendia o que ela estava sentindo; e, desta vez, não precisei mentir. É tudo o que sinto desde que meu namoro acabou. Quando os meus planos foram interrompidos (e planos cuja existência eu nem mesmo conhecia), sobrou uma vida antiga que não parecia mais pertencer a mim.

Subitamente, me vi de volta aos meus 24, 25 anos de idade. Antigos medos, a insegurança de volta. E aí tudo começou a parecer dissonante: minha imagem no espelho, o apartamento (um espaço provisório berrando para ser tratado como definitivo), meu cotidiano, meus amigos, minha família, a forma como falo e escrevo, o jeito como levo a minha vida.

Algo mudou. E foi uma mudança principalmente de percepção. Comecei a me notar de uma forma diferente.

Foi até um pouco irônico, por tudo isso, ouvir o disco novo do Destroyer com esse estado de espírito. É um disco também de mudança. Sobre o momento em que Dan Bejar, o bandleader, começa a perceber a própria banda de uma forma diferente.

E um disco que também mostra desconforto com a imagem que o espelho reflete. Dan Bejar tenta mudar, precisa mudar, mas ao mesmo tempo hesita, e essa hesitação foi registrada, essa hesitação está no disco. E é essa hesitação, eu digo, que talvez me faça voltar tantas vezes ao álbum.

Nem sei se gosto tanto dele, do disco. São poucas as músicas que eu lembro depois que ele termina. Mas não é uma questão de gostar ou não gostar. Existe algo aqui, neste disco, que me diz respeito. Estamos, eu e Dan Bejar, entre um passado que pesa nos nossos ombros e um futuro totalmente indefinido, às vezes assustador. Não temos a mínima ideia de onde vamos chegar.

Discos (e momentos) de ruptura são sempre complicados, principalmente quando a banda (e o sujeito) tem um estilo (um dia a dia) já muito bem definido. E principalmente quando não se tem por que mudar.

Eu ficaria satisfeito se o Destroyer se contentasse em ser sempre a banda de Rubies, aquele grande disco de 2006. Ele concentra a personalidade musical de Bejar: o fã de Dylan que tropeça nas próprias palavras, o vocalista hiperativo que não consegue amarrar dois versos sem balbuciar frases sem sentido, o compositor surrealista, o trovador que esnoba a métrica do pop. O Bejar do Destroyer é o homem livre e louco que se esconde no hitmaker blasé do New Pornographers.

Por que mudar?

Em Kaputt, no entanto, a impressão é de que o Bejar que conhecíamos, bem… ele não está mais aqui. Ou que aquele Bejar se diluiu em outro, com novas roupas e novos sonhos. O anterior, Trouble in dreams (2008), soava como capítulo de história antiga (e a voz e os maneirismos de Bejar eram todos inconfundíveis). Já este é o primeiro dia num emprego novo (ou, para os mais novinhos: o primeiro dia no ensino médio).

Cada um dos discos anteriores tem uma atmosfera bem definida, que vai interligando as canções (em Rubies, posso apertar o play em qualquer faixa que me sinto imediatamente feliz, transportado para aquele mundo, aquelas sessões de gravação). Mas era como se, antes, a atmosfera de um disco apontasse para o passo seguinte. Não mais.

Desta vez, numa transformação anunciada desde o EP Bay of pigs (2009), Bejar experimenta criar uma mise-em-scene a partir do zero, mais Stanley Kubrick que Woody Allen. O que encobre as músicas é uma neblina cinzenta, com uma chuva de sintetizadores démodé, oitentistas, com relâmpagos de saxofones, flautas e solos de guitarra. Quase chillwave, quase ambient, quase Bowie vs Eno, quase um delírio numa noite de inverno. “Miles Davis dos anos 80… O último tango em Paris”, explica Bejar, no estranhíssimo texto de divulgação.

Acontece que, sob essa cenografia que define todos os limites do disco, existe a voz, o temperamento de Bejar. Nós a conhecemos. E, talvez para se adaptar ao novo figurino, ela parece um pouco mais arredia, um tanto mais desiludida do que de costume, ainda que ainda fale pelos cotovelos. A euforia que se ouvia em faixas como Watercolours into the ocean agora cede lugar para um olhar que já viu tudo e está anestesiado – um ponto de vista que nos leva aos momentos mais cabisbaixos da dance music de um New Order ou dos discos mais recentes de Leonard Cohen.

A eletrônica, aliás, não é um elemento que Bejar profana em vão. O disco é todo habitado por personagens que habitam a noite, que “perseguem cocaína nas portas de fundos do mundo” (na faixa-título), que vivem “noites selvagens na ópera, noites selvagens no club” (na ótima Savage night at the opera) e relembram histórias de amor tortuosas (e as guitarras cheias de ecos de Poor in love poderiam estar em Joshua tree, reparem). O narrador observa o mundo da sacada de um castelo decadente, com um pôster de Morrissey pendurado na parede.

Um disco sobre a “falta de sentido que existe no projeto de fazer música para os dias de hoje”, Bejar avisa.

Num dos trechos mais pungentes, Suicide demo for Kara Walker, o homem leva oito minutos para divagar sobre uma menina que entendeu “tudo errado, tudo de trás para frente”. O que segue é agonia. “Garota tola, você nunca vai conseguir chegar lá. Toda Nova York apenas quer te ver nua”, avisa. “Negociações brancas e translúcidas passam por amor nos dias de hoje”, lamenta.

As letras de Bejar seguem se equilibrando para não tombar no abismo, entre o realismo e o absurdo. Mas o conteúdo dos versos me parece mais claro, mais preciso do que nunca. O que Kaputt ressalta são as notícias tristes de um narrador que, decepcionado com o que vê, procura uma sonoridade capaz de dar conta de tanta melancolia. E por isso ele muda.

Talvez seja o disco mais difícil do Destroyer, já que totalmente desconectado do que acontece no indie rock americano e canadense (ele tem mais parentesco, digamos, com o pop espanhol de um Delorean, ou com os suecos). Mas também um dos mais fáceis, já que Bejar abandona quase todos os tiques antigos para interpretar esse novo papel. Ainda ele, mas totalmente diferente. E um pouco perdido. O que sobra do homem que conhecíamos?

Não sei. Ouço este disquinho sinuoso (mistério sem fim) enquanto tento me acertar com a imagem que aparece no meu espelho.

Décimo disco do Destroyer. Nove faixas, com produção de JC/DC. Lançamento Merge Records. 8/10

Os melhores filmes de 2010 (10-1)

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Bem-vindos ao top  10 de 2010.

Aos que chegaram agora, devo lembrar que este ranking inclui tão somente filmes que foram exibidos no circuito brasileiro de cinemas em 2010. Nada de trapaças, portanto.

E aí vocês vão fazer birra: mas Tiago, e agora, cadê o tio Boonmee? Calma lá. Antes da lista, cumprindo a promessa que fiz ontem, preparei um top 10 especial com os meus preferidos de 2010 entre os filmes que não entraram no circuito. Para mostrar que não guardo rancor, nada de eleger os piores filmes do ano. Pelo menos não por enquanto (ok, o campeão é Preciosa).

Os 10 que não entraram em cartaz: 1. Tio Boonmee, que pode recordar suas vidas passadas (Apichatpong Weerasethakul), 2. Mistérios de Lisboa (Raul Ruiz), 3. Cópia fiel (Abbas Kiarostami), 4. O estranho caso de Angélica (Manoel de Oliveira), 5. Somewhere (Sofia Coppola), 6. Homens e deuses (Xavier Beauvois), 7. O mágico (Sylvain Chomet), 8. Minha felicidade (Sergei Loznitsa), 9. As quatro voltas (Michelangelo Frammartino), 10. Armadillo (Janus Metz).

Agora, voltando ao mundo real, os primeiros da fila:

10 | Vincere | Marco Bellocchio

Bellocchio vê no fascismo um bombardeio de imagens: são panfletos, slogans, palavras de ordem, paixões, cenas de cinema que nos hipnotizam e atropelam. Um melodrama político dirigido com autoridade – e 40 graus de febre.

9 | Mother – A busca pela verdade | Madeo | Bong Joon-ho

Joon-ho quebra sutilmente as nossas expectativas (e um modelo de cinema policial) ao narrar uma trama de investigação pelo ponto de vista de uma personagem incapaz de analisar imparcialmente as pistas do crime. Um thriller maternal.

8Machete |Robert Rodriguez e Ethan Maniquis

O faroeste sangrento (e alucinado) de Robert Rodriguez é arte juvenil com alvos sérios. Quase nenhuma instituição norte-americana sobrevive ao herói bronco de Danny Trejo, orgulho latino.

7Ilha do medo | Shutter island | Martin Scorsese

Como se voltasse aos tempos de New York, New York, Scorsese cria um mundo artificial que está sempre prestes a ruir diante dos nossos olhos. É tudo ilusão. Não devemos, por isso, confiar totalmente nas imagens. Muito menos no narrador da trama.

6Guerra ao terror | The hurt locker | Kathryn Bigelow

Filmes de guerra nos chocam e perturbam, mas este parece ter outro desejo: com uma câmera curiosa, Bigelow quer apenas em identificar o que os soldados fazem, como fazem e por que. As respostas não são simples.

5 | Ponyo – Uma amizade que veio do mar | Hayao Miyazaki

Antes de um “filme infantil”, a criação de Miyazaki é um mergulho na imaginação das crianças. Sem barras de segurança (ou didatismo; aprenda aí, Christopher Nolan). Uma fantasia em tom pastel, uma fofura, e mais surreal do que qualquer brinquedo da Pixar.

4 | Film socialisme | Jean-Luc Godard

Podemos definir dezenas de itinerários para navegar neste novo filme caseiro de Godard. Eu, que preciso fazer a viagem novamente (o discurso me pareceu um enigma), por enquanto me deixo levar pelo poder superficial das imagens: o sublime num colorido digital.

3 | À prova de morte | Death proof | Quentin Tarantino

Uma homenagem aos filmes baratos exibidos em cinemas vagabundos, certo? Para mim, é o filme em que Tarantino desossa o próprio estilo até encontrar sua matéria fundamental: as palavras, a ação, a graça, o horror e o cinema. Nervos à mostra.

2Vício frenético | Bad lieutenant – Port of call: New Orleans | Werner Herzog

Esqueça que este filme nos foi vendido como um remake picareta. Não: ele é um documentário sobre a viagem de Werner Herzog a New Orleans, guiado por um ensandecido Nicolas Cage, aos becos de uma América alagada, despedaçada. Quem encarou como uma fita policial B perdeu o que ela tem de melhor: o olhar enojado de um cineasta que, como de costume, não se esquiva.

1 | Sempre bela | Belle toujours | Manoel de Oliveira

Os filmes de Manoel de Oliveira me parecem ao mesmo tempo cristalinos (a encenação está sempre visível) e misteriosos. A continuação de A bela da tarde, de Buñuel, ampliou essa impressão de que existe algo estranho, incompreensível, em um ambiente que me parece familiar. Mas por que, se está tudo às claras? Um homem e uma mulher, uma mesa de jantar, e toda uma história do cinema ao redor.

Os melhores filmes de 2010 (20-11)

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Em 2010, este blog tratou os filmes com descaso. Poucos parágrafos, ideias mortas na praia, bloqueio criativo, crises de identidade… O tipo de drama que você encontra em roteiros do Charlie Kaufman e em coletivas de imprensa do Lars von Trier. Mas, curiosamente, na soma dos rounds, o cinema venceu: foram 270 filmes contra 140 discos. Um punhado de película.

Assumo a culpa. Erro meu. Talvez as coisas melhorem em 2011. Daí que, até como uma forma de pedido de desculpas, eu não poderia esquecer o tradicional resumo da ópera. Ou: o ranking dos 20 melhores filmes do ano.

As regras são as de sempre: entram na lista apenas os filmes que foram exibidos no circuito brasileiro em 2010. Não contam, por isso, os que vi em mostras ou em DVD.

Esse método antiquado traz, é claro, algumas consequências desagradáveis. Por exemplo: como fazer justiça a Tio Boonmee, Mistérios de Lisboa, Somewhere e tantos grandes filmes que vi durante o ano? Para tentar resolver o problema, fiz uma lista com os longas de 2010 que ainda não entraram em cartaz. Ela aparece no post seguinte, aguardem.

Em compensação, este universo em retração — os filmes exibidos no nosso circuito — permite que este ranking não se torne excêntrico demais. A ideia das listas é organizar o caos, certo? Então comecemos o jogo.

Mas sem menções honrosas, que aí seria forçar amizade.

20 | A caixa | The box | Richard Kelly

O pai de Donnie Darko dirige um episódio alongado de Twilight zone. Que, sem temer o ridículo, faz justiça aos momentos mais delirantes da série de tevê.

19 | A fita branca | Das weisse band | Michael Haneke

O drama bergmaniano de Haneke: tão solene quanto um discurso de vencedor do Nobel da Paz. Mas não consigo desprezar um cineasta que produz imagens rigorosamente desconfortáveis.

18 | Invictus | Clint Eastwood

Uma ode a Mandela. Mais: uma fita de esporte dirigida serenamente. E, antes que esqueçamos, um comentário lúcido sobre relações políticas. Clint avisa: não é treino, é jogo.

17 | Toy Story 3 | Lee Unkrich

A animação que ensopou os óculos 3D não me comoveu como os dois episódios anteriores. Mas há como resistir? A fórmula sentimental/tecnológica da Pixar ainda tem seu encanto.

16 | A falta que me faz | Marília Rocha

Para descobrir por que os mineiros do coletivo Teia fazem alguns dos melhores filmes brasileiros deste século: um documentário sem certezas, e delicado da primeira à última cena.

15 | O escritor fantasma | The ghost writer | Roman Polanski

Polanski dirige um noir em azul e branco, gélido (e, para o meu gosto, tedioso em alguns trechos), que vale por um autorretrato. Bônus: a ironia perversa de sempre.

14 | Meu mundo em perigo | José Eduardo Belmonte

O longa que Belmonte dirigiu entre A concepção e Se nada mais der certo tem os olhos cheios d’água. Um pequeno guia: como se aproximar dos personagens (e de suas aflições) com total franqueza.

13 | Scott Pilgrim contra o mundo | Scott Pilgrim vs. the world | Edgar Wright

Um game que quase nos vence nas últimas fases (confesso que me senti anestesiado), mas com os 30 minutos iniciais mais hilariantes do ano. Edgar Wright, you win.

12 | O que resta do tempo | The time that remains | Elia Suleiman

Um dos maiores temas do século 20/21 (os conflitos entre israelenses e palestinos no Oriente Médio) tratado como uma questão pessoal. Um diário, e ele sangra.

11 | A rede social | The social network | David Fincher

Perfil impiedoso do criador do Facebook e de uma geração que criou um novo modelo de comunicação e de negócios (mas era isso o que queríamos para nossas vidas?). Fincher, contido, observa de longe.

Rolling blackouts | The Go! Team

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Terminamos o namoro há mais de três meses e ainda não consigo olhar os casais de namorados — principalmente os mais adoráveis — sem me sentir mal.

De umas semanas para cá, no entanto, algo mudou em mim. Antes eu olhava os casais e pensava: “que terrível, eles são felizes e eu não”. Hoje penso: “que pena, não tem final feliz.”

É um sentimento ruim: desencanto. Não me orgulho dele.

Daí que, talvez inspirado no espírito natalino, criei para mim um programa de 12 passos para vencer a desilusão. O primeiro: ir ao shopping center mais movimentado da cidade e enfrentar os casais.

Aconteceu anteontem. Cheguei meia hora antes da sessão de cinema e fiquei sentado num banco assistindo à comédia romântica que as pessoas encenam nos shopping centers. Triste.

Os casais tão satisfeitos e alegres admirando as vitrines e roubando beijos e dividindo sorvete e abraçando pela cintura e cochichando no ouvido e aqueles sorrisos que dizem ao mundo “estou sonhando, estou flutuando, não quero mais nada, minha vida está completa”.

Não aguentei 10 minutos (mas vou tentar de novo).

Outro desafio é ouvir discos otimistas. Por coincidência, comecei a escutar o novo do Go! Team exatamente no dia em que fui ao shopping ver os casais. Logo nos primeiros acordes — um mashup alucinado de gritos de cheerleaders, trilha de filme barato, confete e serpentina — notei que não era para mim. Voltei à névoa (ou: ao novo do Destroyer).

No dia seguinte fiz uma outra tentativa. Não de voltar ao shopping, mas de ouvir Go! Team. Antes, percebi que a minha lista de melhores álbuns de 2010 está cheia de lançamentos depressivos, que me perturbam, me servem de espelho.

Daí que voltei ao Go! Team num momento mais apropriado (um dia de sol) e consegui me simpatizar com este disquinho otimista, que mira o pop com a lente da euforia. Ian Parton, o compositor da banda, não consegue esconder o prazer que sente em relação à música, às próprias referências (homenageadas explicitamente), ao turbilhão sonoro que cria. Está tão satisfeito, tão empolgado com tudo isso que o disco possivelmente não entrará em nenhuma lista de melhores de 2011 (elas são feitas por sujeitos como eu, em eterna agonia, insatisfeitos e exigentes demais).

Ouvir o disco é como assistir a um casal se beijando, na praça central do shopping, num domingo à tarde. Um tipo banal de idílio.

Não é um disco pop da Robyn, por exemplo, que nos espezinha mesmo nos trechos mais agradáveis. É um disco pop da fase mais recente do Belle & Sebastian, que nos conforta e nos faz cócegas.

E um disco muito sortido e até um pouco adulto, já que, desta vez, o objetivo de Parton é criar canções mais redondinhas, que não nos soterre violentamente. Tem participações de Satomi Matsuzaki (do Deerhoof, na lindeza doce que é Secretary song) e de Bethany Constantino (do Best Coast, na minha favorita do disco, Buy nothing day). Não soa coeso, mas era essa a ideia.

Cada faixa é um brinquedo no playground: Ready to go steady, por exemplo, é a guloseima vintage que poderia estar num disco do Camera Obscura; Yosemite theme soa como trilha de desenho animado japonês; a faixa-título, Rolling blackouts, é dream-pop interpretado por fãs de Sonic Youth. O que não muda no disco inteiro é a sensação de que ele foi gravado numa semana em que tudo deu certo.

O problema (e aí entra o ouvinte exigente demais) é que esse clima desencanado, rasteiro, justifica certa preguiça de se esforçar. O sexteto acena para os ídolos sem encontrar um lugar no mundo para si própria. No primeiro disco, Thunder, lightning, strike (2004), o Go! Team parecia uma daquelas bandas que já nascem com um estilo arrematado. Agora ela passa a soar derivativa (talvez abalada pela reação desanimada ao disco anterior, Proof of youth, de 2007) e, por isso, deixa uma impressão menos forte.

Mas é um disco que, como os outros que eles lançaram, combina perfeitamente com os nossos dias felizes e periga nos machucar nos nossos momentos mais desiludidos. O Go! Team ainda é uma banda de rock que pisca incessantemente, como um letreiro luminoso de vinte metros de altura. Às vezes cansa.

Não é para qualquer um. Não é para todas as horas. Depois de um dia inteiro me engordurando de Go! Team, voltei ao disco do Destroyer e senti um pouco de alívio. Talvez o problema esteja em mim.

Terceiro disco do The Go! Team. 13 faixas, com produção de Gareth Parton. Lançamento Memphis Industries. 6/10

Trecho | Os combates de verdade

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“Um dos balconistas era um farmacêutico quase adolescente, extremamente magro e de olhos grandes, que de noite, quando a farmácia estava de plantão, sempre lia um livro. Uma noite Amalfitano perguntou a ele, para dizer alguma coisa enquanto o jovem procurava nas prateleiras, de que livros gostava e que livro era o que estava lendo naquele momento. O farmacêutico respondeu, sem se virar, que gostava de livros do tipo A metamorfose, Bartleby, Um coração simples, Um conto de Natal. Depois disse que estava lendo Bonequinha de luxo, de Capote. Sem considerar que Um coração simples e Um conto de Natal eram, como o nome deste último indicava, contos e não livros, era revelador o gosto daquele jovem farmacêutico ilustrado, que preferia claramente, sem discussão, a obra menor à obra maior. Escolhia A metamorfose em vez de O processo, escolhia Bartleby em vez de Moby Dick, escolhia Um coração simples em vez de Bouvard e Pécuchet, e Um conto de Natal em vez de Um conto de duas cidades ou de As aventuras do sr. Pickwick. Que triste paradoxo, pensou Amalfitano. Nem mais os farmacêuticos ilustrados se atrevem a grandes obras, imperfeitas, torrenciais, as que abrem caminhos no desconhecido. Escolhem os exercícios perfeitos dos grandes mestres. Ou o que dá na mesma: querem ver os grandes mestres em sessões de treino de esgrima, mas não querem saber dos combates de verdade, nos quais os grandes mestres lutam contra aquilo, esse aquilo que atemoriza a todos nós, esse aquilo que acovarda e põe na defensiva, e há sangue e ferimentos mortais e fetidez.”

Trecho de 2666, de Roberto Bolaño.

(terça-feira, biscoito chinês, à noite)

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Não tenha pressa, a prosperidade baterá brevemente à sua porta.

Os melhores discos de 2010 (10-1)

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Vamos ao top 10?

Não necessariamente os 10 Melhores Discos de 2010 (admito que o título do post ficou um pouco blasé: é pra chamar atenção no Google), mas aqueles que provocaram reações felizes neste blog e, simplificando de vez a metodologia, fizeram de 2010 um ano um pouco menos frustrante para o blogueiro que escreve estes posts confusos. Um sujeito que acha que entende sobre alguma coisa e que, de janeiro pra cá, sofreu um bocado.

Antes, as menções honrosas, para ouvir antes de morrer (em ordem alfabética): American slang, The Gaslight Anthem; Before today, Ariel Pink’s Haunted Graffiti; Broken dreams club, Girls; Cosmogramma, Flying Lotus; The fool, Warpaint; Forgiveness rock record, Broken Social Scene; Gorilla manor, Local Natives; Grinderman 2, Grinderman; Hidden, These New Puritans; IRM, Charlotte Gainsbourg;  Pilot talk, Curren$y; Public strain, Women; Treats, Sleigh Bells.

E, coming soon, a lista dos 20 melhores filmes de 2010 e, se tudo der certo e eu cumprir o meu cronograma apertado, os 10 discos brasileiros do ano. Mas não prometo nada, ok?

10 | The age of adz e All delighted people EP | Sufjan Stevens

I should not be so lost… But I’ve got nothing left to love – ‘I walked’

Sufjan no furacão (ou: a crise dos 30). “Quanto mais ouvimos o disco, mais fica claro que a provocação não é gratuita – ele foi criado como uma afirmação de princípios. É como se as faixas refletissem um compositor de pulsos abertos, afetado por decepções amorosas, desejo de espiritualidade, medo da passagem do tempo e outras crises que se enfrenta aos 35. A reação de Sufjan a esse cataclisma define a música que ele produz hoje, mais tensa e caótica do que de costume.” (14 de outubro, texto completo)

9 | The Monitor | Titus Andronicus

The enemy is everywhere – ‘Titus Andronicus forever’

Um épico americano, em lo-fi. “Um disco imenso e valente, que cria uma atmosfera de filme de época (sobre a Guerra Civil) para se aventurar na América de hoje. Nunca sem paixão, o Titus Andronicus entende os desafios de uma banda de rock independente: aproveitar as liberdades do mercado para brincar com as convenções, experimentar, criar monumentos de areia — nem que apenas para procurar um tipo diferente de diversão” (12 de fevereiro, texto completo)

8 | The ArchAndroid (Suites II and III) | Janelle Monáe

It’s a cold war… You better know what you’re fighting for – ‘Cold war’

Janelle, nossa heroína. “Sem querer forçar comparações absurdas (mas já forçando), a estreia de Janelle Monáe soa como se tivesse sido criado por uma menininha que, sem contato com os produtos mais mecânicos do pop, ouviu um disco dos Beatles (ou do Frank Zappa, ou do Love, ou uma ópera-rock do The Who) e decidiu escrever algumas canções. Nos 68 minutos de duração, a palavra que quica é liberdade.” (27 de maio, texto completo)

7 | Body talk | Robyn

Get a heart made of steel ‘cause you know that love kills – ‘Love kills’

Agonia e êxtase. “Robyn entende o que há de mais poderoso na música pop: cumplicidade e catarse. Com arranjos introspectivos, este seria um dos discos mais melancólicos da temporada (reparem nos versos sobre amores perdidos, crises de identidade, depressão e solidão). Mas o clima é festivo de doer. Os minidiscos são de provocar dependência química, mas este aqui é grande disco pop do ano.” (9 de dezembro, texto completo)

6 | Halcyon digest | Deerhunter

Walking free… Come with me… Far away… Every day – ‘Desire lines’

Um álbum de memórias, sobre juventude, mas Bradford Cox ainda vive cada disco como se não houvesse amanhã. “O vocalista se exibe em quase todas as canções. Ora melancólico (quase suicida), ora eufórico, otimista. Em todos os casos, leva às gravações um discurso franco, sem corretivos, que nos toma pelos braços. Somos cúmplices. Pode ser encenação – mas, nesse caso, a técnica só valoriza um álbum que soa como os posts desesperados (e ansiosos, e por vezes apressados) de um blogueiro que ouviu demais.” (20 de setembro, texto completo)

5 | The Suburbs | Arcade Fire

Sometimes I can’t believe it, I’m moving past the feeling – ‘The Suburbs’

Um grande disco de rock dos anos 70 para as tardes silenciosas da minha juventude. “O discurso do Arcade Fire se infiltra em nossas vidas, em nossas lembranças, em nossas aflições. Não existe conclusão em The suburbs porque nossas vidas também são imprecisas. E, se o disco parece se movimentar em círculos (com trechos de melodias e de versos que se repetem), é que estamos sempre retornando às nossas casas, aos nossos antigos problemas, aos nossos sonhos mortos, às nossas frustrações e à nossa adolescência.” (27 de julho, texto completo)

4 | Teen dream | Beach House

It is happening again – ‘Silver soul’

Jornada delicada sonho adentro. “Este é um daqueles álbuns em que uma pequena banda adapta um estilo sólido a certas convenções do pop rock. Soa como um problema? Não quando essa pequena banda está disposta a usar um ou outro truque para facilitar nosso acesso a um mundo ainda sutil, ainda misterioso. Que me perdoem os mais radicais: à luz rósea do pop, a história do Beach House fica ainda mais bonita.” (26 de dezembro de 2009, texto completo)

3 | Have one on me | Joanna Newsom

Hey, hey, hey, the end is near. On a good day you can see the end from here – ‘On a good day’

Visões de Joanna (num disco onde, se aceitarmos o convite, podemos morar por um bom tempo). “A sensação de liberdade, de não dever satisfações ou se obrigar a algum tipo de obrigação, contamina de tal forma este álbum triplo que, lá pelos 60 minutos de viagem, tudo o que eu consigo ouvir nele é beleza bruta, beleza estranha, beleza sutil, beleza que emociona, beleza nos detalhes mínimos, beleza que não se sabe de onde vem, beleza inclassificável, beleza difícil, beleza insuportável. Outra beleza.” (2 de março, texto completo)

2 | Expo 86 | Wolf Parade

A little vision come, come shake me up – ‘Ghost pressure’

Quatro velhos amigos numa sala (enquanto o mundo pega fogo). “Quando fazemos algum esforço, conseguimos visualizar, entre uma faixa e outra, uma banda correndo dentro do estúdio, excitadíssima com as próprias canções, com pressa para gravar, mixar, concluir o trabalho e mostrar-nos o resultado. É, apesar dos versos ainda muito agoniados, um disco que sorri para si mesmo e para o público. Nada como o som de uma banda de rock no auge, feliz com a imagem refletida no espelho” (16 de maio, texto completo)

1 | My beautiful dark twisted fantasy | Kanye West

We’re going all the way this time – ‘All of the lights’

No mundo parelelo de Kanye West, discos pop ainda nos deslumbram e espantam, ainda nos levam a lugares onde nunca estivemos. “A angústia de West, para nossa surpresa, acaba por energizar o disco, já que ele compõe e grava como se estivesse à beira do precipício. Como se houvesse apenas mais uma chance (não é o caso, mas o sujeito é uma pilha de nervos). Em sua discografia, não existe um outro disco que aposte tantas fichas, que mire tão alto e que tome caminhos tão arriscados. As faixas são grandiosas por birra, não por necessidade. Muitas delas caberiam em três minutos de duração. Mas West as alonga para explicitar o que têm de desconfortável. Uma obra-prima.” (16 de novembro, texto completo)