Mês: maio 2009

2 ou 3 parágrafos | Anjos e demônios

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angels

Não sei se captei corretamente a lição deste thriller meio apalermado, mas acredito que ele nos ensina algo importante: toda igreja é formada por seres humanos, todos os seres humanos são falhos e alguns padres sobrevivem a extraordinárias quedas de helicóptero. É por aí?

De qualquer forma, Anjos e demônios (5/10) é um avanço tremendo se comparado ao sorumbático O código Da Vinci. Ron Howard, o faz-tudo, finalmente parece ter entendido que os livros de Dan Brown devem ser tratados unicamente como pretexto para filmes B que não valem um tostão. Com padres voadores. Bombas que contêm chaves para a origem da vida. E um simbologista preparadíssimo, mais atento e sagaz que centenas de oficiais da pateta polícia italiana (já os guias turísticos, meu bom deus, têm doutorado e o diabo a quatro).

Os personagens são divididos em dois grupos: os que pensam rápido demais e os que têm segundas intenções (e jacas no lugar dos cérebros). Ewan McGregor capta o espírito da coisa, hilariante como uma espécie de Gugu Liberato do Vaticano. Imagino que, com um diretor mais delirante (John Woo?) e tramas escritas pelos roteiristas de Lost e 24 horas, teríamos uma bela franquia (televisiva) de ação. Mas Ron Howard é carola demais para tratar a santa casa como parque de diversão. Daí o mea culpa com a Igreja (todos somos falhos, sim, mas o ponto nunca foi esse, meu irmão!) e uma reviravolta final que manda todo o resto do filme ao quinto dos infernos. Estúpida, mas não no sentido espertinho da coisa.

Os falsários

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counterfeiters

Die fälscher/The counterfeiters, 2007. De Stefan Ruzowitzky. Com Karl Markovics, August Diehl e David Striesow. 98min. 5.5/10

Vi Os falsários ontem pela manhã acompanhado de três adoráveis senhoras que frequentam religiosamente as sessões de cinema organizadas para a imprensa.

Conheço o trio de sexagenárias suficientemente bem: elas gostam de 90% dos filmes a que assistem. Rejeitam furiosamente os 10% que contêm sexo explícito ou cenas grotescas de violência — mas fazem questão de ver até esses, sabe-se lá por que razão misteriosa.

Uma delas fazia 61 anos naquela segunda-feira. O clima estava especialmente agradável. Levaram bolo e, numa garrafa térmica, chá de camomila. “Cinema até no dia do aniversário, é?”, perguntei, irritadiço. “Cinema é meu maior presente”, ela respondeu, delicadamente. Fiquei desconcertado.

Nós costumamos discutir muito sobre filmes. Eu interpreto o papel do rapazinho imaturo e emburrado, que encontra defeito em tudo. Elas atuam como as generosas espectadoras que (coração do tamanho de um balão!) encontram comoventes lições de vida nos filmes do Moacyr Góes. Nos damos bem — quando não estamos nos mordendo feito cachorros. Quando com sono, sou insuportável. As sessões geralmente ocorrem às dez da manhã.

Os falsários, que não contém sexo explícito nem cenas grotescas de violência, agradou ao trio. Elas saíram felizes da sala de exibição. Satisfeitas, como costuma acontecer. Eu, ainda metido numa espécie de bloqueio que me impede de escrever decentemente sobre filmes, sugeri que elas criassem três textos para este blog sobre o longa-metragem que venceu o Oscar de filme estrangeiro em 2008. Blogs não devem ficar parados por muito tempo.

Elas rejeitaram a proposta.

— Não sei escrever nem receita de bolo, meu filho — a mais sincera comentou.

Teimoso, pedi então que elas simplesmente falassem sobre o filme. Eu gravaria a nossa conversa e transcreveria os comentários em forma de parágrafos. Novamente, elas não aceitaram. Tinham medo de passar vergonha num mundo virtual complicado, uma rede de computadores malvados e frios. “Já me basta bater boca com minha neta sobre tecnologia”, ouvi dizerem. Pronunciaram a palavra “tecnologia” como quem diz “astrofísica” ou “paralelepípedo”. Um palavrão. Ficamos assim. Nada de gravação. “Mas posso escrever sobre nosso debate?”

Concordaram.

E aqui transcrevo trechos embaçados daquilo que talvez tenha sido dito no fim da sessão (já se passou um dia e minha memória é curta). Antes, uma breve sinopse do filme: Os falsários, produção alemã dirigida por um austríaco, resgata um episódio histórico inusitado que ocorreu no final da Segunda Guerra Mundial. Com a intenção de salvar uma economia em colapso, oficiais nazistas convocaram judeus talentosos para fabricar notas falsas de dinheiro. O plano funcionou por poucos anos, mas foi o suficiente para entrar na história como o maior esquema de falsificação de todos os tempos. O ator principal, Karl Markovics, interpreta o maior falsário judeu do planeta — ou algo do gênero.

VOVÓ 1: O Oscar escolhe filmes com histórias bonitas e eu já sabia que esse –

VOVÓ 2 (interrompendo): Filmes sensíveis.

VOVÓ 1: É. Sensíveis.

VOVÓ 2: E importantes.

(30 ou 40 segundos de silêncio)

VOVÓ 1: Eu sei que você quer ver arte, Tiago. Você quer ver arte, essas coisas que você escreve no jornal. Mas não é. Não é o –

VOVÓ 2 (interrompendo): Não é o mais importante.

VOVÓ 1: É importante, mas a história vem na frente. Você às vezes passa por cima disso.

VOVÓ 3 (que estava quieta até então): Você vê o cinema de uma forma diferente e eu sei bem o que você está pensando.

EU: No que estou pensando?

VOVÓ 3: Que somos um bando de velhinhas ignorantes.

EU: Isso não passou pela minha cabeça. Quero saber o que vocês acharam do filme.

VOVÓ 3: O filme é isso aí que você viu, meu filho.

EU: Eu sei. Sejam mais específicas.

VOVÓ 1: É um drama histórico, um filme de época, sobre uma coisa importante. Um filme sobre o nazismo. Sobre judeus que foram obrigados a colaborar com o nazismo. Imagina isso.

VOVÓ 2: É impressionante, né não?

VOVÓ 1: É uma coisa!

EU: Eu sei, mas isso é o suficiente? A trama do filme?

VOVÓ 1: É.

VOVÓ 2: É.

VOVÓ 3: No caso, é.

EU: Então tudo bem.

VOVÓ 1: Não somos burras.

EU: Eu sei.

VOVÓ 3: Meu filho, você cobra demais dos filmes. Um filme é um filme. Um filme às vezes não quer muita coisa. Esse aí quer contar uma história que aconteceu e pouca gente conhece. Não é aquela cooooisa que você chama de arte. Não é David Lynch, entende?

EU: Não é David Lynch.

VOVÓ 3: Não é arte! Eu vejo filme há uns cinquenta anos e sei a diferença.

EU: E por que você vê filmes?

VOVÓ 3: Não dá pra explicar.

EU: Não quer tentar?

VOVÓ 3: Tem a ver com a história, eu acho. Essas coisas. Cada filme é diferente. E discutir filme é que nem discutir religião. Não dá em nada. Nunca deu em nada.

VOVÓ 1: O que você achou do filme, Tiago?

EU: Não sei ainda. Tenho que pensar.

VOVÓ 1: Sem pensar, o que você achou?

EU: Eu gostei. Um pouco. (Silêncio) É um caso bastante curioso, e nisso concordo com vocês. É um episódio de Além da imaginação no holocausto. Mas… Muitas vezes, quando vou ao cinema, me sinto soterrado por filmes medíocres sobre temas importantes. Filmes que poderiam ser panfletos ou programas de rádio ou canções de protesto porcamente produzidas. O tema me interessa. O filme não me interessa tanto assim.

VOVÓ 1: Não é um filme medíocre, Tiago.

EU: É medíocre. A câmera treme gratuitamente o tempo todo, a fotografia é aquele cinza banal, o diretor se faz refém de um roteiro que é, no máximo, correto, convencional. O filme tem personagens ambíguos, sim, talvez isso conte como um acerto. Trata de dilemas morais. O ator é muito bom. Mas, pra mim, só prova que o Oscar está interessado em episódios históricos obscuros, de preferência ambientados na Segunda Guerra Mundial. Nada além disso. Fico impressionado como vocês, que assistem filmes há meio século ou algo assim, não conseguem se sentir irritadas com isso. Eu comecei há uns 18 anos e já me sinto um velho!

(Silêncio profundo)

VOVÓ 1: Vamos cortar o bolo?

EU: Eu não queria incom –

VOVÓ 3 (interrompendo): Não incomodou, Tiago.

VOVÓ 1: Vamos cortar o bolo.

VOVÓ 2: É de chocolate amargo. O recheio é de morango.

Cortamos o bolo. Nesse caso, concordamos: estava delicioso. Nos despedimos com sorrisos: muitos anos de vida! Fiquei sozinho por um tempo. Quantos filmes elas já assistiram? Será que elas fazem a conta? Do que elas verdadeiramente gostam quando vão ao cinema? No caminho de volta, eu era um menino com as bochechas sujas de glacê.

Two weeks | Grizzly Bear

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… E é isso o que acontece quando se vai à igreja excessivamente.

Ok, talvez não (eu, que frequentei mais de uma dúzia de missas, não lembro dessa parte). O novo clipe do Grizzly Bear é um dos melhores do ano: o diretor Patrick Daughters, no auge, vai do bizarro ao sublime com alguns closes e (quase) nada mais.

(Assisti a alguns filmes no fim de semana, mas, apesar das tentativas de escrever sobre eles, terminei totalmente desmotivado. Não é culpa dos filmes — por exemplo: redescobrir Playtime na tela grande contou como uma das cinco sessões mais emocionantes da minha vida  —, talvez apenas um misto de preguiça e desinteresse. Ou algo mais grave que isso. Ainda não sei. Preciso esperar um pouco para ver o que acontece)

Superoito express (9)

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manic

(Numa noite fria)

Journal for plague lovers | Manic Street Preachers | 7.5 | Desde o sumiço de Richey Edwards, que abandonou o Manic Street Preachers e (possivelmente) o planeta Terra em fevereiro de 1995, a banda britânica passou a carreira tentando resgatar a fúria meio irracional que produziu o espinhoso The holy bible, de 1994. Sem sucesso. Antes do desaparecimento, Richey deixou um caderno de versos malditos que, quase 15 anos depois, são editados e musicados neste Journal for plague lovers. Podemos enxergar oportunismo e morbidez nessa ideia, mas não podemos esquecer o quão arriscado e até mesmo insano é um projeto desses (imaginem Dave Grohl e Krist Novoselic compondo novas melodias para letras de Cobain). James Dean Bradfield evita muitas (mas não todas) as firulas à hard rock oitentista da fase pós Everything must go (e aí incluo o superestimado Know your enemy, de 2001) para concentrar-se numa crueza extremamente sincera que nos leva ao rock americano do início dos anos 90. Com as letras à mão, é uma pancada – que nos maltrata nos momentos mais diretos, como All is vanity, Pretension/Repulsion e a carta de despedida William’s last words. O disco mais poderoso dos Preachers desde 1996 – e a culpa é toda de Richey, esteja ele onde estiver. 

Further complications | Jarvis Cocker | 7.5 | Tal como o mais recente do Manic Street Preachers, o segundo álbum solo do vocalista do Pulp tem a assinatura de Steve Albini – por isso não assusta a quantidade de referências musicais que, não por coincidência, ajudaram a formatar o grunge no início dos 90 (T-Rex, hard rock setentista, Iggy Pop, atitude punk). Os momentos de graça e estranheza de Further complications estão nessa negociação constante entre a grife de Albini e as ambições de crooner sombrio típicas de Cocker, que soa ora como Scott Walker, ora como Nick Cave e, na maior parte do tempo, como o Pulp super-irônico e quase cruel de This is hardcore. As canções não são tão fortes quanto as do álbum anterior (exceção: I never said I was deep, essencial), mas a produção finalmente traz o peso e a convicção que faltavam.      

Outer south | Conor Oberst and the Mystic Valley Band | 6.5 | Não é tão medíocre e superficial quanto soa nas primeiras audições, muito menos tão imponente quanto Oberst talvez tivesse planejado (The basement tapes, do Dylan, paira sobre os 70 minutos do disco como um fantasma sádico). É apenas uma tentativa de construir uma “banda caótica, mas de verdade” à Grateful Dead e Buffalo Springfield, com um detalhe inconveniente: Oberst é tão superior aos outros compositores da Mystic Valley Band que o disco acaba com a aparência de um projeto solo (a exceção é Big black nothing, de Nik Freitas). Mas se poderíamos ter ouvido um álbum inteiro de canções tão inspiradas quanto White shoes (Elliott Smith choraria litros), por que gastar tempo com bobagens?

Yours truly, the commuter | Jason Lytle | 6 | Falando em Elliott Smith… Se o álbum derradeiro do Grandaddy era uma tristíssima carta de despedida (um tipo estranho de disco de suicídio), a estreia solo de Lytle devia soar como um hesitante, imperfeito (e talvez adorável) primeiro disco. Mas não. É, como eu esperava, uma versão stripped-down do Grandaddy, que troca as experimentações de estúdio por canções ainda mais pessoais (seria possível?) e mundanas. As primeiras faixas mostram um compositor revigorado (Brand new sun e I am lost são ótimas), mas o álbum logo se afunda num mar de lamentações. A vida é difícil. A vida após a morte é especialmente complicada. Mas controle-se, rapaz.

2 ou 3 parágrafos | Uma noite no museu 2

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museum

Acabei de sair da sessão do Tarantino e admito que… Ok, não vou conseguir enganar ninguém. Não estou em Cannes. Não vi Anticristo. Não estou emburrado com o Almodóvar. Você clicou no blog errado.

Continuo em Brasília. Especificamente: em 2006. Os cinemas da cidade exibem um thriller sobre conspirações na Igreja Católica, uma sequência de X-Men e uma aventura inocente sobre estátuas de museu que ganham vida e atormentam Ben Stiller. Meu namoro começou há apenas um ano, moro com meus pais e este blog que você está lendo ainda não foi criado.

(Falta um parágrafo, mas vou conseguir resumir tudo sem transformá-lo num capítulo de Saramago) Uma noite no museu 2 (4.5/10) é uma continuação bastante típica: uma versão amplificada do filme original. A quem gostou do primeiro filme, oferece mais (efeitos!), mais (comediantes de apoio!) e mais (galerias no museu!). Àqueles que, como eu, viram no sucesso de 2006 uma extensão vagabunda de fitinhas inocentes e fantasiosas como Jumanji e A chave mágica, também há mais (ingenuidade!), mais (piadas tolinhas!) e mais (comediantes desperdiçados em papéis minúsculos!). Gosto quando as fotografias clássicas da galeria de arte ganham vida e atormentam Ben Stiller. Cenas que me distraíram por alguns segundos do desejo de partir para Cannes, para longe, para 2012, para qualquer lugar.

Wilco (The album) | Wilco

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wilcoalbumAndo obcecado com a idade dos rockstars. O Green Day, sabemos, é uma banda de trintões. O mais experiente dos Jonas Brothers tem 21. Julian Casablancas é um ano mais velho do que eu (fez 30 em agosto de 2008). Caetano, que também deveria contar como uma espécie de rockstar, tem 66. E Jeff Tweedy, 41.

Legal, né? Mas são informações que, quase sempre, não nos ajudam em nada. O Green Day, sabemos, ainda soa como um bando de moleques de 16 anos. O mais experiente dos Jonas Brothers é virgem. O Julian Casablancas vive tão aceleradamente que já deve ter entrado na crise da meia idade. E Caetano, depois do tombo que tomou no show de sábado aqui em Brasília (aos sádicos, o vídeo está aqui — aguardem até o fim, ok?), levantou-se alegre e faceiro.

E Jeff Tweedy? Bem. Taí uma exceção. A arte do sujeito parece reverberar a idade que ele tem. Sempre foi assim. O Wilco é uma banda que envelhece (ou amadurece, a depender da perspectiva) a cada disco.

A.M. (1995) é o disco dos 25, jovial e ironicamente despretensioso. Being there (1996) preserva o bom humor e a leveza, mas já com a ambição de soar como um clássico álbum duplo dos anos 70, à Grateful Dead. Juventude em marcha.

Missão cumprida, já alçado ao posto de porta-voz do country alternativo, Tweedy começa a entrar numa suave crise de identidade (no ensolarado e agoniado Summerteeth, de 1999), que desemboca na obra-prima dos 30: o aventureiro (mas já desencantado) Yankee hotel foxtrot (2002). O que segue é o furacão: A ghost is born (2004) trata de períodos de depressão e desespero. O sonho acabou — ruídos versus melodia, amores perdidos, um deus ausente, traumas e saudades da juventude (e espero não sentir algo parecido quando chegar aos 36).

A boa notícia é que sobreviveremos. No álbum seguinte, de 2007, Tweedy recupera-se parcialmente da maré de desastres pessoais e vê um céu azul. Em Sky blue sky, tomado por uma nostalgia doce que as pessoas talvez sintam aos 39, relembra os sons que ouvia no rádio quando criança. A tensão que comprimia e perfurava os discos anteriores do Wilco quase desaparece no ar: às vezes perigosamente colado a um tipo inofensivo de soft rock, mas ainda absolutamente franco (a lição de Neil Young aplicada à risca).

Prolongamento dessa fase, Wilco (the album) é decepcionante para quem aguarda por um retorno mágico da juventude de Tweedy, mas um lembrete de que os álbuns da banda são retratos de vida. E a vida do homem anda mansa, aparentemente.

Já no título, eis um álbum contente, satisfeito, sem peso sobre os ombros. Na primeira faixa, Wilco (the song), Tweedy oferece um “ombro sonoro” para que choremos nossas tristezas. É só.

Deveríamos cobrar mais? A canção seguinte, Deeper down, é uma balada sôfrega de A ghost is born em versão diet, sem angústia.Agradável. Nas seguintes, a banda tenta cristalizar uma sonoridade ora suave e confortável (One wing, You and I), ora levemente experimental, com guitarras nervosas e brincadeiras de estúdio (o piano repetitivo de Bull black nova é um aceno para o Spoon?). Um rock ameno, que belisca mas não morde. Nos versos, Tweedy narra histórias tortas (O surto de Bull black nova deixa até sangue no sofá), mas sem convicção, como se interpretasse versos de outra pessoa.

É uma marolinha. Mas fico feliz por ele. Sério. Eu estava lá, acompanhei os capítulos mais duros dessa história, sei que foi árduo, uma luta, uma jornada, um colapso nervoso. Só que, sinceramente (perdoem minha imaturidade!), ainda não consigo ficar tão alegre com a perspectiva de, em 2039, ouvir um tranquilo disco de bluegrass chamado Wilco (the old age).

Oitavo álbum do Wilco. 11 faixas, com produção de Jim Scott e Wilco. Nonesuch Records. 6/10

Lost | Quinta temporada

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lost

A vida me ensinou que (hum, pareço um velho, vamos começar de novo).

A experiência me ensinou que escrever textinhos opinativos sobre séries de tevê é um tiro que frequentemente sai pela culatra. Como devemos analisar um produto cuja autoria é diluída entre um punhado de roteiristas e diretores? Como tentar um olhar distanciado para um programa que, ao entrar na nossa rotina com a intensidade de um hobby (um hábito!), nos conforta mesmo quando tropeça nos 40 minutos mais desajeitados da história da teledramaturgia? Desisto.

Acompanho Lost há cinco anos e aposto que, se somarmos o tempo gasto nessa atividade totalmente improdutiva, eu poderia ter escrito dois ou três romances parrudos sobre tipos agoniados e crises existenciais. A quinta temporada (7.5/10) me parece a mais desastrada de todas: a necessidade de esclarecer mistérios é tamanha que muitos dos episódios soam simplesmente como explanações didáticas para fãs aflitos por entender de onde veio, o que significa isso ou aquilo. Mas não me arrependo: hobby é hobby, com ele vou até o fim.

O curioso é que, quanto mais responde as próprias perguntas, mais mirabolante a série parece. O que era insólito tomou proporções delirantes. Agora, os personagens saltam no tempo, morrem e ressuscitam, falam latim, alteram eventos do passado e atualizam trechos bíblicos com a naturalidade de quem vira páginas de gibis.

Lost pode ser acusado de tudo, vejam bem, mas taí uma série que lançou as próprias ambições à estratosfera. Nesse ponto, está à altura de Arquivo X, que definhou depois da quinta temporada. Em cinco anos, fomos obrigados a aceitar o que há de menos plausível no mundo da ficção-científica (se é que podemos chamar isso tudo de ficção-científica). E o que ganhamos em troca?

Quase nada, é verdade. Fico com a impressão de que, desde o início da quarta temporada, assisti a um longo aquecimento para o desfecho da série. Na quinta, essa sensação ficou um pouco mais intensa. Aceitar a premissa à De volta para o futuro, admito, foi o mais complicado: se os personagens podem voltar indefinidamente no tempo à mercê das vontades dos roteiristas, onde fica o mistério? Trata-se de um truque velho: mergulhar no passado da saga não resolve o que ela tem de inconsistente nem avança a trama. Só parece um flashback tamanho-família. Na maior parte do tempo, a narrativa girou em falso.

O episódio final resumiu os problemas da temporada (e não siga adiante neste texto se você ainda não assistiu ao episódio): o personagem mais abstrato da série ganhou corpo e os roteiristas gastaram parte do tempo explicando as relações entre aquele homem e alguns dos passageiros da Oceanic. Precisava? Como de praxe, os minutos finais deixaram ganchos forte para os próximos episódios (e o que foram as cenas tresloucadas envolvendo uma bomba meio enferrujada?). Mas, apesar de aguardar ansiosamente, ainda temo por eles.

Next time around | Little Joy

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Neste clipe em 8mm, os chapas do Little Joy tira férias num Rio que nunca existiu. Passeiam num fusquinha, entornam latinhas de Skol e transformam o bondinho do Pão de Açúcar num point hippie. O clima de alegria é tão contagiante que… alguém pode me informar que substância eles andam tomando no café da manhã?

2 ou 3 parágrafos | Relapse

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eminem

Não retiro nada do que escrevi naquele outro texto sobre o retorno de Eminem (foram frases apressadas e meio toscas, mas, ei, você acabou de ganhar seis parágrafos pelo preço de três!). Modéstia à parte, notem como o Tiagão aqui conseguiu prever quase tudo sobre este álbum – e, se vocês tiverem alguns trocados sobrando, posso sugerir na caixa de comentários os números quentes da mega-sena. Só errei num detalhe: ainda que pareça um blockbuster de ação programado para se destruir em cinco semanas, Relapse (5/10) me incomodou menos do que o esperado. A premissa é até decente, ainda que o roteiro, a produção e a direção banalizem a história toda.

A trama vai mais ou menos assim: depois de vender trocentos álbuns, ficar milionário e afundar-se na esbórnia (sexo, drogas e clínicas de reabilitação, as usual), Marshall Mathers tenta voltar ao batente, mas descobre-se possuído por Slim Shady, a entidade psicopata sem-noção que tocou o terror no primeiro álbum do rapper, de 1999. Relapse deveria soar como um transe esquizofrênico: Slim Shady mata, estupra, prega peças em celebridades e inferniza Marshall Mathers — mais do que nunca, a cria devora o criador. Num determinado momento, Mathers toma a dianteira para vingar-se. Quando pensamos que o Mathers do álbum é uma versão de ficção para o Mathers real, as coisas começam a embolar. Mas ninguém deve se preocupar com isso: o disco é uma versão aguada (e interminááááável) para o freak show que existe na cabeça de Eminem.

Aguada sim, já que o confronto sangrento entre Shady e Mathers é mera desculpa para que o rapper dê uma maquiada em fórmulas de diferentes fases da carreira, sem espontaneidade ou graça — um tipo bem picareta de superprodução. Não sem consciência do próprio ridículo: a melhor faixa se chama Déjà vu.

Links | Festival de Cannes

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Um dia, talvez por volta de 2020, prometo abandonar tudo, comprar uma mochila confortável e, de carona, seguir de bicicleta/carro/navio à França para acompanhar o Festival de Cannes. Enquanto isso não acontece, me contento com formas mais prosaicas de participar do evento. Aí vão os links que me ajudam (e talvez o ajudem) a imaginar os filmes que ainda não posso ver.

Revista Cinética – O incontornável diário de Eduardo Valente, que exibe este ano no festival (fora da competição) o longa-metragem de estreia No meu lugar. No primeiro dos textos, ele nos lembra que a palavra “cabotino” ainda tem significado. Ou seja: nada de confissões constrangedoras à Fernando Meirelles, infelizmente.

Cinemascópio em Cannes – Kléber Mendonça Filho retorna à croisette com uma câmera fotográfica na mão. Fatos e (desta vez, muitas) fotos.

Twitter do Mike D’Angelo – 140 caracteres ácidos. E ele também parece ter adorado Up (uma nota 77, no caso, é o paraíso).

Nuvem preta – Promete uma “cobertura pessoal” da mostra. Por enquanto, nada. Mas não custa esperar.

Tio Merten – The bright side of Cannes, se é que vocês me entendem. Meio chocho, mas coloca as outras coberturas numa perspectiva diferente.

Para links interessantes que não estão nessa lista, caixa de comentários, ok?

Beyond here lies nothin’ | Bob Dylan

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Dirigido por Nash Edgarton, o novo clipe de Bob Dylan dá um sentido todo novo à canção que abre o álbum Together through life. Então era sobre isso que ele estava murmurando? Pancadaria gratuita, casais à beira do precipício e amores enlouquecidamente violentos? Não exatamente, mas a faixa até que parece combinar com esse tipo de rompante. Os atores são Joel Stoffer e Amanda Aardsma. E Dylan? Not there.

21st century breakdown | Green Day

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greendayGreen Day é uma das maiores bandas de rock do mundo? Ainda não me acostumei com a ideia. O que aconteceu com o mundo, afinal?

Fico com a impressão de que poderia ter sido qualquer um. Quem cresceu nos anos 90 talvez sinta a mesma cosia. E se o Offspring, depois do sucesso de Americana (1998), tivesse gravado uma ópera-punk sobre a saga de um anti-herói adolescente massacrado por uma América apocalíptica? E se o Weezer, em vez de abraçar o power pop eufórico e autoirônico, tivesse optado por fechar o sorriso e mirar coração e mentes da juvenília desesperada? E se…

Não, sério: não poderia ter sido qualquer um. Não. Ao contrário do Offspring e do Weezer (e do Foo Fighters e do Korn e do My Chemical Romance e do Oasis etc), o Green Day descobriu o milagre do rejuvenescimento. Mais que isso: o trio parece habitar indefinidamente uma bolha de adolescência. Depois de 22 anos de carreira, Billie Joe Armstrong (37 anos!), Mike Dirnt (37 anos!) e Tré Cool (36 anos!) ainda são três moleques de 16 anos.

Não sei como. E também não me decidi se isso contaria como uma qualidade. Tomemos como um fato, um traço de personalidade. Recorro a Caetano Veloso, Verdade tropical: “Alguém já disse que os homens que fixam seu espírito nos temas enfrentados na infância produzem obras profundas, enquanto os que repetem indefinidamente as questões e ilusões da adolescência estão fadados a girar nessa zona periférica em que se discute repressão, definição sexual e satisfação dos anseios de liberdade. Eu me situo no segundo grupo.”

Se Caetano é uma personalidade atormentada por inquetações de adolescente, preciso fazer uma correção: o Green Day é uma banda de rock pré-adolescente.

Talvez esse espírito de juventude sirva de explicação para as duas ressurreições da banda: depois de ocupar o vazio deixado pela queda do grunge com a despretensão de um punk californiano arejado, divertido (Dookie, 1994), o grupo combateu o cansaço da fórmula e voltou à briga com uma balada pop de sucesso (Good riddance, de Nimrod, 1997). Já ali, Armstrong se mostrava um band leader duro-na-queda, sem vocação alguma para o underground.

O segundo retorno, depois do morninho Warning (2000), viria com American idiot, a ópera-punk inspirada em The Who que, apesar de recebida com críticas desanimadoras (a produção automática de Rob Cavallo e as baladas derramadas pesaram contra — e ainda não consigo ouvir o álbum sem sentir saudades de Dookie), começou a história da estaca zero: conquistou um novo público, virou fenômeno e fez do Green Day um monstro de arenas. Ninguém grava uma parceria com o U2 em vão.

Essa história longa e enfadonha nos leva a 21st century breakdown — que, se dependesse do histórico de altos e baixos do Green Day, seria um projeto fadado ao fracasso, a um (novo) desagaste de uma (nova) fórmula. Mas, pela primeira vez, o trio avança furiosamente na oportunidade de manter-se no topo. Como um summer movie de Hollywood, o disco é uma continuação segura do blockbuster American idiot — mas trata-se de uma sequência que preserva elementos do longa-metragem original como um template para novas criações. Homem-Aranha 2, digamos.

E, bem, devíamos ficar felizes por isso! Ao trocar Michael Ba… Rob Cavallo por Sam Raim… Butch Vig, o Green Day encontrou finalmente o produtor certo para o projeto pop que eles sempre sonharam. Pode parecer tardio, mas 21st century breakdown ergue-se como o manifesto definitivo do Green Day: um álbum tolo, escancaradamente comercial, repleto de baladinhas para seriados de tevê, mas igualmente poderoso no acúmulo de referências de glam e classic rock. Um disco assumidamente comercial, popular, que faz tudo para agradar e, não sem forçar a barra, consegue despertar uma alegria pré-adolescente no ouvinte. Em qualquer ouvinte.

Procurar alguma transgressão no discurso de Armstrong é caçar vanguarda em fita de ação. Dividido em três atos, o álbum acompanha a fuga enloquecida de um casal de outsiders: Christian e Gloria. As canções atacam instituições religiosas (sem citar nomes), governo (e aí cita pelo menos um nome: Nixon), a “opressão da sociedade” (trademark punk) e um inimigo que pode estar em qualquer lugar. Não é uma narrativa tão clara quanto a de American idiot: a paranoia que move os personagens embaça as cenas e situações. E que ninguém esqueça de que, nas bordas do roteiro, existe uma história de amor.

A faixa-título, inspirada em Queen, é ambientada na virada do século. É um flashback adequado, já que o álbum pertence àquela época: é um tipo de superprodução que nasce datada, como um exercício de nostalgia, uma peça à antiga (coloque na mesmo arquivo de Stadium arcadium, do Red Hot Chili Peppers, The black parade, do My Chemical Romance, Viva la vida, do Coldplay, e No line on the horizon, do U2). O formato do disco recicla clássicos como The Who sell out como um cineasta que recorta cenas de Easy rider e cola num videoclipe da Shakira.

Mas existe uma força ingênua no disco que acaba por justificar essa colagem superficial: em quase 70 minutos, o Green Day usa todos os recursos a que tem acesso para manter o público atento, entusiasmado. É uma banda limitada — Bohemian rhapsody, do Queen, já instigou experiências mais ousadas (Paranoid android?) —, mas disposta a testar o próprio fôlego. Daí a forma meio desengonçada como eles tentam expandir um som quadrado e se aproximar do power pop (Last of the american girls é quase Fountains of Wayne), do pós-punk da geração 2000 (Horseshoes and handgrenades copia Main offender, do Hives), e de soft rock levado a sério (o Foo Fighters teria feito uma balada como Last night on Earth, mas com algum sarcasmo).

Estou certo de que o Green Day planejou este álbum como um resumo da ópera — o último grande disco de rock. Soam até preocupados. Na pele deles, eu não me incomodaria. Depois desta geração de adolescentes haverá outra, e depois outra. Quando se tem 16 anos para sempre, essa imagem de futuro deveria servir de conforto.

Oitavo álbum do Green Day. 18 faixas, com produção de Butch Vig e Green Day. Reprise Records. 7/10

Star Trek

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trek

Star Trek, 2009. De J.J. Abrams. Com Chris Pine, Zachary Quinto, Simon Pegg, John Cho, Leonard Nimoy e Eric Bana. 126min. 6.5/10

Um amigo meu, um tanto perplexo com a situação toda: “A campanha de marketing de Star Trek é tão eficiente que estou me roendo de ansiedade pelo retorno de uma série que sempre desprezei.”

É o sonho de toda equipe de publicidade, não é? Já nos primeiros trailers deste filme, quando bati o olho naquele azul-pastel meio rosado rasgando a tela, admito que comecei a sentir saudades de um hobby que nunca tive, de um passado que nunca vivi – de sensações que talvez tenham evaporado da minha memória para ceder lugar a lembranças mais interessantes.

Fatos: não sou trekker. Não conheço nenhum trekker. Não acompanhei os episódios da série original, criada por Gene Roddenberry em 1966. Não me interessei por nenhum dos longas-metragens inspirados no programa de tevê. Eu poderia ter movido minha bunda e assistido a filmes como Generations, de 1994, ou First contact, de 1996. Preferi ficar em casa. Provavelmente assisti a algum deles há muito tempo: quando penso nessa saga de ficção-científica, tudo o que lembro é de um grupo de homens uniformizados conversando sobre assuntos complicados demais, ou pueris demais, ou tolos demais – temas e manias que, somados uns aos outros, nunca me interessaram.

Quando eu era pequeno, usavam Star Trek como um argumento infalível para ressaltar as qualidades de Star Wars. Sabe-se lá por que razão, o tempo fez justiça aos fracos e renegados. Veja só: o novo Star Trek pode sim ser empunhado como arma por aqueles que desejam desancar os Star Wars mais recentes. É uma atualização jovial de (mais) uma franquia envelhecida.

Rejuvenescer a tripulação da Enterprise permite ao filme a criação de um elo firme entre antigos fãs e um público novo e/ou desinteressado. Em vez de zerar o placar e criar novos paradigmas para a franquia, o novo capítulo preserva antigos métodos como uma forma de “respeitar” o original. Os efeitos visuais seriam mais modestos, mas cenas de abertura poderiam estar em qualquer um dos filmes anteriores: lá estão os homens uniformizados dentro de uma nave, flutuando no espaço, combatendo um vilão monstruoso que poderia habitar nossos pesadelos mais infantilizados.

Depois dos créditos iniciais, porém, vem o primeiro golpe de J.J. Abrams. Mais para Missão: impossível III que para Lost, a sequência de ação (embalada por Sabotage, dos Beastie Boys) acompanha as estripulias de um pequeno James T. Kirk com vocação para Vin Diesel. É o suficiente para convencer-nos de que aquele não será mais um Star Trek. E talvez o bastante para explicar aos antigos fãs de que os tempos mudaram. O que se vê a partir daí um jogo de estica-e-puxa entre a intenção de homenagear a série dos anos 60 e o projeto de renová-la.

De uma forma ou de outra, o filme funciona. É uma palavra adequada, já que Abrams filma com o pragmatismo de quem produz um episódio-piloto que precisa dar certo. Cada um dos elementos do filme é formatado para agradar a uma determinada fatia da audiência (dos nerds, que provavelmente adoram os longos diálogos sobre buracos negros, às adolescentes animadíssimas com a cena em que o rebelde Kirk aparece só de cueca). O truque usado pelo roteiro para justificar a trama – viagens no tempo, ora! – parece conter duas ou três piadas internas que só os fãs da quinta temporada de Lost entenderão.

Abrams filma o roteiro de Roberto Orci e Alex Kurtzman (ambos de Transformers, anote aí) como uma aventura de ação. Os conflitos são desatados na velocidade da luz e, muitas vezes, resolvidos no braço. A Enterprise é recauchutada como um parque luminoso, de cores que cintilam na tela como a vitrine de uma loja de doces. Os atores recuperam as fragilidades de personagens que já soavam como caricaturas. Construir a relação de amizade entre Kirk e Spock parece tão importante para o roteiro quanto desenvolver sucessão de eventos que pode dar na destruição do planeta Terra (mas que ninguém espere a angústia provocada por Presságio, ok?).

O novo Star Trek reinicia a franquia com bastante competência. Abrams ainda me parece filmar de modo excessivamente técnico, impessoal, um produtor com uma câmera. É um filme correto. Que se beneficiará das baixíssimas expectativas de quem nunca entendeu os trekkers (e de quem assistiu ao trailer do novo Transformers, aparentemente tenebroso). E que contará com a torcida dos fãs. Mas aí nem vale: eles sobreviveram a filmes que, colocados em perspectiva, transformam qualquer episódio de Lost em obra-prima.

Superoito express (8)

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Ou: Pitchfork edition.

Passei a semana digerindo quatro disquinhos indicados pela seção Best new music, a vitrine do site. Talvez por coincidência (talvez não), eles soam como farinha do mesmo saco: poderiam ter sido embalados em cartolina e vendidos numa edição especial dedicada ao novo lo-fi da América do Norte. São produções de baixíssimo orçamento, precárias e sujinhas de propósito, mais ou menos como os primeiros do Pavement e o mais recente do No Age. Bons discos (um deles superou minhas expectativas), mas fico me perguntando: elegê-los não seria também uma estratégia usada pelo site para marcar posição à margem de uma “grande indústria fonográfica” que talvez nem assuste mais?

Aos álbuns.

Post-nothing | Japandroids | 8 | O duo canadense (formado pelo guitarrista Brian King e pelo baterista David Prowse, ambos também vocalistas) lançou esta estreia apenas em vinil e download digital. Entendo a jogada: o som da banda remete a antigos álbuns de pós-punk (os primeiros do Hüsker Dü, por exemplo) e à novíssima onda noise. Isto é: a gerações pré e pós CD. Mas o que surpreende no álbum é como ele vence essas referências de nicho e consegue se aproximar dos interesses de qualquer fã de rock. São canções para o fim da juventude, chocantes de tão sinceras, interpretadas como se fosse a última chance. “Não quero me preocupar com a morte”, filosofam, na excelente Young hearts spark fire. Simplezinho, mas há como não se identificar terrivelmente com eles?

Wavvves | Wavves | 7 | Demorei um pouco para escrever sobre um dos hypes do ano, e admito que (ops) por total desinteresse. Nas primeiras audições, não vi autenticidade nas experimentações de Nathan Williams – elas soaram como isca para fãs do Liars, do Deerhunter, ou de qualquer outra banda que intercala melodias noise com ruminações instrumentais. Aos que também se decepcionaram, um aviso: com o tempo, as coisas melhoram. A fusão de elementos de surf music e noise não é exatamente original (nem tão empolgante quanto parece), mas Nathan parece empenhado em quebrar as tradições do rock californiano – esforço que rende faixas verdadeiramente fortes (So bored) e um punhado de esboços mais ou menos intrigantes.

Songs of shame | Woods | 7 | Um dos principais nomes da Woodsist Records, que lançou álbuns do Vivian Girls e Wavves, o Woods é elogiado por expandir a cena noise com influências folk e clima neo-hippie. É um pouco de partida interessante. Mas, superada a estranheza inicial, o resultado não parece tão ousado quanto, digamos, um álbum do Blitzen Trapper (mal chega perto do que o Animal Collective, Panda Bear fizeram com o gênero). De qualquer forma, lamentos rústicos como Born to lose não nos abandonam facilmente, e podem levar às lágrimas uma cambada de fãs de Bon Iver (se é que eles existem).

Why there are mountains | Cymbals Eat Guitars | 7 | E, por último, nos resta o álbum mais ambicioso (e convencional) deste pacote: o quarteto novaiorquino faz uma viagem de classe econômica ao rock de arena do início dos anos 70, largado em estradas largas e paisagens épicas – um álbum para ser ouvido logo depois de It still moves, do My Morning Jacket, e Real emotional trash, do Stephen Malkmus. Não deixa de soar corajoso: um disco de nove faixas (uma delas se chama Indiana), 62 minutos, lançado sem gravadoras… O começo é um assombro, com And the hazy sea e Some trees, mas o álbum abre espaços amplos demais para uma banda ainda em formação. Faltou um bom montador a este belo road movie.

PS: Ontem vi o show do Oasis. Pela tevê. Não sei se vocês sabem, mas, num passado distante, madruguei numa loja de discos aqui da cidade para comprar Be here now no dia do lançamento. Vocês sabem, não sabem? Eu era fã. Daí minha frustração (que já vem de muito tempo, aliás) com uma banda que, sem saber o que fazer da própria vida, passaria a se apegar desesperadamente aos dois primeiros álbuns e gravar mediocridades em série. O show retrata perfeitamente essa falta de rumo: anos 90 no repeat. Nunca me senti tão velho.