Mês: janeiro 2008

‘Odelay: deluxe edition’ Beck ****

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odelay.jpg…E aí passo a notar que estou ficando velho. Edição de luxo para Odelay? Começo a entender o que meu padrasto sente toda vez que decidem comemorar algum aniversário de Dark side of the moon.

Dizem que definimos inclinações musicais até os 20 anos de idade. Ouvi este álbum pela primeira vez quando eu tinha uns 15. É um daqueles discos que nunca conseguirei escutar de uma forma distanciada, como quem analisa os movimentos de um hamster. O mesmo acontece com Nevermind, Siamese dream e Achtung baby!, para ficarmos nos casos mais sintomáticos.

Este pacote deluxe inclui Deadweight (da trilha de Por uma vida menos ordinária) logo no primeiro CD, no finalzinho da versão remasterizada do álbum original. Uma opção polêmica, já que a faixa diz mais sobre os climas tropicais de Mutations que sobre a colagem frenética (e genial) de Odelay. Tudo bem. Depois dela, incluíram uma bagunça chamada Inferno, que se junta a outra faixa meio desconhecida e ótima: Gold chains.

O segundo CD, com sobras e curiosidades, é balaio de gatos. Mostra, acima de tudo, como Beck esgotava as possibilidades de cada canção em diferentes formatos, do punk ao funk. Tal como as edições mais recentes da discografia do Pavement, o curioso aqui é tomar o disco como uma espécie de caderno de rascunhos para uma obra-prima. Eu me emocionei. Mas esse, meus caros, sou eu.

Onde os fracos não têm vez ****

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O Oeste está tomado por traficantes de drogas e assassinos implacáveis. O velho xerife olha para esse nosso mundo caótico e não encontra solução. “Os crimes que vemos hoje são difíceis de compreender”, conclui.

Mais tarde, ele avisa: “A idade simplifica os homens”. O filme é prova de que sim, simplifica, mas às vezes para o bem. Este é o melhor trabalho dos irmãos Coen, e quem diz isso é uma putinha de Fargo e Barton Fink.

Como eles conseguiram? Difícil explicar, mas vou tentar (e tentar sob o impacto provocado pelo filme é, no mínimo, um malabarismo à Cirque du Soleil). Quando optaram por uma adaptação ao pé da letra do romance de Cormac McCarthy, os Coen fizeram uma opção corajosa. Tal como o filme, o livro começa como uma peça de gênero e aos poucos abandona todas as convenções para se perder com os personagens. Seguida à risca, a proposta do livro praticamente obriga os cineastas a explorar em profundidade o humanismo sombrio de Fargo. O que é bom para todo mundo.

O filme, um western moderno, lamenta o ocaso do Oeste. O narrador, deslocado nesse ambiente, poderia ser um colega de Clint Eastwood em Os imperdoáveis. Ele simplesmente desistiu de tentar entender de onde vem essa nova onda violência, que anda em picapes de traficantes de drogas. O mal é personificado no serial killer vivido por Javier Bardem (melhor atuação de 2007, sem concorrentes próximos) – não é à toa que a composição over do personagem (é o demônio com cabelo escovado) destoe da encenação sóbria e silenciosa do filme. Entre o herói e o vilão, existe o espectador, representado pelo “homem comum” vivido Josh Brolin.

De início, os Coen fazem o de sempre: brincam com gêneros, experimentam com humor negro, jogam com uma trama de perseguição. Aos poucos, implodem essas fórmulas e derrubam nossas expectativas. Em um determinado momento, o xerife melancólico se assusta quando o parceiro ri de notícias trágicas. Mais adiante, os Coen suprimem o clímax do filme, transformado em uma elipse construída (como na literatura) apenas na imaginação do espectador. O terço final da narrativa, quando todas as certezas deixam de fazer sentido, é um dos meus momentos favoritos do cinema norte-americano recente.

Lá quase no fim, o assassino joga uma moeda para decidir o destino de uma vítima. A vítima tenta argumentar, e os dois descambam em um debate sobre o acaso e livre-arbítrio. Depois da conversa, o destino entra em ação. Os Coen poderiam ter parado aí, nessa conclusão simétrica, à conto de fadas. A forma como encerram o filme, porém, é bem outra. Daquelas que tiram o sono.

‘Brighter than creation’s dark’, Drive-By Truckers ****

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Durante o segundo semestre de 2007, perdi quase todos os meus amigos. Alguns deles, da forma natural como acontece com todo mundo – o distanciamento lento dos que viajam e se casam, o desinteresse gradual dos que entram em outra sintonia. Outros, de modo um pouco mais abrupto – naqueles instantes em que opções precisam ser feitas, em que situações-limite te obrigam a colocar tudo em uma novas perspectivas. Sofri com as perdas. Mais que isso, porém, experimentei uma sensação ainda mais dolorida: a de me pegar deslocado, excluído do meu próprio mundo, como quem não recebe o convite para ir à festa onde todas as outras pessoas conhecidas estarão.

Um sentimento juvenil, bocó, mas que acabou me sequestrando aos 28 anos de idade. Shit happens, já dizia o sábio.

Nessa fase de extremo desconforto, valeu quase tudo. Me peguei soluçando no primeiro parágrafo de O caçador de pipas, para vocês terem uma idéia. Mas agora, que está quase tudo bem, começo a despertar para aquela impressão de que os trilhos voltaram a amparar as rodas do trem.

Não recomendo a experiência a ninguém, essa estranha puxada de tapete. Mas costuma acontecer – e, quando acontece, você começa a notar que quase todo mundo passa por meses muito ruins. E que, no fim das contas, estamos todos sempre perdidos em nossas próprias vidas sem nos darmos conta disso (por mais simplória e chorosa que esse tipo de conclusão possa soar, me perdoem).

Há muitos discos sobre o breu – e o mais recente do Of Montreal, por exemplo, recomendo com força, ainda que não tenha coragem de voltar a ouvi-lo. Poucos são os que retratam com maturidade o mal-estar vivido por essa cambada de outsiders sentimentais. Fiquei muito surpreso quando descobri que Brighten than creation’s dark é um álbum inteirinho, e brilhante, sobre o tema. E também um raro disco com a disposição (a fome, na verdade) de narrar histórias e compor personagens – algo que caiu de moda, e nos leva a Bruce Springsteen, Tom Petty e a poucos seguidores dessa tradição, como o Hold Steady (e, em escala bem menor, o Against Me!).

É um álbum de alt country e southern rock, o que provavelmente irritará 90% dos leitores deste blog. Mas recomendo que deixem o preconceito de lado. Tal como em Being there, do Wilco, o Drive-By Truckers filtra as referências mais típicas por um viés melancólico, que só fica claro quando se presta atenção às letras. Aí você conhecerá Bob, o homem que abandonou todas as ambições para viver com gosto uma rotina de poucos desafios (na ótima Bob), ou o pai apreensivo com a idéia de morrer e deixar para trás a família (Two daughters and a beautiful wife). Há contos de soldados perdidos em delirantes fluxos de consciência (The man I shot), de corruptos por necessidade (Goode’s field road) e, finalmente, uma ode ao cinema de John Ford (The Monument Valley) que diz muito sobre a filosofia da própria banda. “Quando a poeira baixa, aí percebemos que a História é escrita à margem da estrada”, ressaltam.

Longo, em widescreen – o grupo alterna faixas de dois compositores complementares, Peterson Hood e Mike Cooley -, o álbum apresenta uma sucessão de imagens de desamparo, de impotência diante de um mundo que cobra demais e oferece pouco. É um épico de heróis feridos, como o protagonista de Daddy needs a drink, que pede um trago para “enfrentar toda a beleza”. Ou o narrador de Perfect timing, que, ácido, nota: “Eu costumava odiar o idiota em mim, mas apenas às manhãs. Agora o tolero durante o dia todo.”

Sei como é.

Across the universe *

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Ganha um doce quem adivinhar que música toca quando o herói introspectivo dá um trago no cigarro de maconha e olha para um punhado de morangos. Hem? Hem?

E quando a menina chamada Prudence, meio deprê, se recusa a sair de um quartinho fechado? Ahn? Ahn?

E quando os meninos e meninas de Nova York decidem fazer uma revolução, já que todos nós queremos salvar o mundo?

Extremo oposto de I’m not there, aí está um filme que fará o admirador mais relapso dos Beatles acreditar que sabe absolutamente tudo sobre o quarteto de Liverpool. Não é um musical sobre os Beatles, nem a partir dos Beatles, nem ao redor dos Beatles, nem através dos Beatles. É um musical que ilustra as letras dos Beatles, e parte do princípio de que Lennon & McCartney escreviam canções tão genéricas que podem ser usadas ainda hoje para remeter a cada um dos estereótipos sobre uma certa década de 60 que talvez nunca tenha existido.

Não deixa de ser ambicioso, bem-intencionado. Mas sabemos que reduzir a arte dos Beatles ao conteúdo das letras é mais ou menos como limitar o gênio de Bob Dylan ao talento para a construção de melodias. Os arranjos da trilha sonora às vezes lembram versões de hard rock farofa (à The Darkness) ou prog rock de quinta categoria – o que é, no mínimo, um pecado.

Juno ***

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Na confusão de nichos e clichês musicais, um dia me perguntaram o que significa twee e eu não soube o que responder. Há quem use o termo como sinônimo para indie pop (se você digitar a palavra no Wikipedia, encontrará essa definição). No dicionário, aparece como adjetivo para o que é “excessivamente bonito, agradável”. Seria um estado de espírito? Uma afetação? Um valor positivo? Um xingamento?

Outro dia li um texto sobre Sufjan Stevens (que cabe nos dois conceitos de twee) em que o resenhista, enfurecido, afirmava que o som do compositor não poderia ser catalogado como twee pop. Então tá. Ninguém pode. Mas sejamos simplórios, pelo menos para efeitos de passatempo: twee, tudo indica, é aquele roqueiro sensível que sussurra canções tristes ou exageradamente alegres ao violão. O twee não se assume como twee, da mesma forma como o emo não é nunca emo. Já os punks adoram ser chamados de punks, os straight edge não bebem cerveja e os metaleiros deixam o cabelo crescer.

O twee, dizem, curte grupos suecos que usam cello e bandolim. Bom saber, por que talvez eu (que odeio rótulos) seja um desses. E agora, meu pai? Aplique essa fórmula ao cinema e não haverá filme mais twee que Juno. Acabei me identificando com esses personagens tão espertos, tão descolados, tão carentes, tão desorientados por qualquer coisa. Eles são como a trilha sonora, cheia de melodias que correm risco de cair no chão e quebrar. Para ficar mais twee, só faltava Belle and Sebastian. Ops, mas aquela canção ali não seria Expectations?

Filmes que se apropriam de um fetiche pop não devem ser levados a sério, e Juno é um desses. Parece criado para a mesma geração que aprendeu a ouvir rock independente graças à trilha de The O.C., que acompanhou as temporadas de Gilmore Girls e decorou as canções de Joanna Newsom. Se eu me sensibilizo com tudo isso, é que sou um pateta. O humor auto-depreciativo, aliás, faz parte do imaginário twee.

É assim: Juno é nosso Sid & Nancy, o nosso Senhor dos anéis (metaleiros são mesmo patéticos, não são?). Ellen Page, símbolo sexual de uma nação de rapazes melancólicos, é a versão em carne-e-osso da Daria, aquela personagem de desenho animado que aparecia de vez em quando na MTV. Ela transa com um bobalhão, engravida, decide não abortar, sai à procura de pais adotivos para a criança e, ainda assim, não deixa de disparar frases de efeito simultanemente sarcásticas e sensíveis. Detalhe: ela é fã de punk rock, mas encara o estilo com aquele distanciamento de quem pesquisa uma enciclopéia na biblioteca da universidade. Ai ai.

O filme, aviso, não vale um disco inteiro do Sufjan Stevens. Jason Reitman ainda dirige daquela forma exibida de quem ainda tem muito a provar. Como em Obrigado por fumar, a narrativa vem picotada em um misto de cartoon, clipe e colagem publicitária. Nada muito novo (e Domingos de Oliveira já tirava esses truques da cartola lá em Todas as mulheres do mundo). O roteiro de Diablo Cody tem uma queda irritante pela filosofia de livros de auto-ajuda. Mas nada disso tira o mérito de um filme adorável. Excessivamente bonito e agradável. Talvez a culpa seja dos bons atores, ou de uma composição de personagens à história em quadrinhos, caricaturas cheias de vida.

Para mim, o segredo está no tipo vivido por Michael Cera. O bobalhão. O twee por natureza. O garoto viciado em balinhas Tic Tac. O herói que ama terrivelmente, mas o faz em silêncio, com absoluta discrição. O filme só deixa de soar como um episódio menor de Anos incríveis, por isso, nos momentos finais. Aí descobrimos que trata-se, acima de tudo, da crônica sobre o momento em que as meninas decidem apostar nos caras decentes e legais. Você, que não teve o coração partido em três, vai sair da sala de cinema sem ter entendido nada.

Feist: ‘I feel it all’

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Numa nova tentativa de emplacar videoclipes neste blog desértico, aí vai o incrível passeio da Feist pelo terreno baldio onde testam os fogos de artifício do reveillon de Copacabana. O clipe de Patrick Daughters, todo em um take só, começa bem simples e termina como uma bagunça tão estranha, mas tão estranha, que chega a parecer poética. Tente aí.

O gângster **

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Aos fatos: em uma fase muito complicada da carreira (e isso é o mínimo que temos a dizer de um álbum magrelo como Kingdom come), Jay-Z assistiu ao filme O gângster e se identificou terrivelmente com a saga de Frank Lucas – o traficante negro que, nos anos 70, se transformou em poderoso chefão às custas de heroína importada no embalo das tropas norte-americanas da Guerra do Vietnã. O rapper curtiu tanto o filme que escreveu um disco inteiro com uma mistura das história de Frank com, como de costume, as encrencas Jay-Z.

A apropriação enviesada, vocês sabem, rendeu um dos belos álbuns de 2007: um thriller cantado, uma graphic novel sangrenta sobre a ascensão e a queda de um barão do pó. Para remeter ao auge do sucesso de Lucas, por exemplo, Jay-Z fez Roc boys, uma canção que passa toda a excitação que um sujeito podre de rico e entupido de pó e rodeado de moças generosas (ok, vocês imaginaram o lugar-comum) deve sentir.

Qual não foi minha surpresa quando descobri que… o disco é melhor que o filme!

Claro, são projetos muito diferentes e cá estou eu delirando novamente sobre asneiras (e é nessas horas que fico muito feliz de lembrar que ninguém lê este blog), mas não consigo deixar passar o fato de que o álbum tudo tem, absolutamente tudo o que falta ao filme: pegada, tesão, feeling, punch, alma, culhão ou a palavra que você quiser usar para descrever essa característica abstrata. Muito fácil analisar um filme a partir da combinação de elementos técnicos e supostos conceitos estéticos, mas e quando nada disso dá conta de explicitar o sentimento de insatisfação? Apelemos, então, a comparações esdrúxulas e ao que mais for preciso.

A trama do filme é mais ou menos a mesma do disco. Com uma diferença fundamental: enquanto Jay-Z se concentra exclusivamente em Frank Lucas (é o alter-ego, o homem que sobe ao céu e desce ao inferno e rappers adoram essas metáforas bíblicas), Ridley Scott e o roteirista Steven Zaillian filtram a história real em um embate entre bandido e mocinho – esse último, representado pelo policial Richie Roberts (Russell Crowe), talvez o único tira honesto de Nova York.

Quando um filme gasta quase três horas de duração para empurrar o herói de encontro ao vilão – e aí perceberemos, então, que um depende do outro, que são figuras complementares -, impossível não lembrar de Fogo contra fogo. Mas O gângster me pareceu mesmo um primo de Os infiltrados, com o retrato meio over de uma América corroída pela corrupção.

É possível encontrar alguma profundidade psicológica nesses personagens, mas você terá que se esforçar um pouco. O Frank Lucas de Denzel Washington é a encarnação do individualismo ianque, a face perversa do sonho americano. Já Richie está aí para provar que a honestidade dá pé. Scott filma esse embate de códigos morais com mão pesada, esquematismo que dói de ver (a primeira metade de filme não faz muito além de alternar didaticamente as trajetórias dos personagens). Felizmente, esses podres anos 1970 são fotografados pelo ótimo Harry Savides – e daí as boas lembranças de Zodíaco, que dão rasantes aqui e ali.

Mas filme de gângster com pompa e circunstância? Deixem para Jay-Z.

A lenda do tesouro perdido 2 *

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Nicolas Cage é um explorador de tesouros que descobre, com muito susto e indignação, que um tatatataravô é acusado de ter tramado o assassinato de Abraham Lincoln. Algumas sequências depois e ele estará em um museu de Inglaterra, em busca de uma pista escondida debaixo de uma mesa valiosa. Mais adiante e Cage invadirá a Casa Branca atrás de um livro que contém todos os grandes segredos do mundo. De lá, cairá em um caverna tosca à Indiana Jones, entupida de barras de ouro.

Que conexão há entre esses eventos? Nenhuma, eles apenas sucedem uns aos outros. Assim caminha o cinema de entretenimento pós-Piratas do Caribe: zapeamos as cenas como quem salta de brinquedo em brinquedo num imenso parque temático. O problema é que nunca podemos escolher as atrações de nossa preferência. E, no caso, não temos a opção da montanha-russa nem do trem-fantasma.

E não é que…

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Sabe o que é pior? Esse lobby do Conduta de risco pode transformar um candidato mediano no estraga-prazeres inofensivo que incomoda muita gente. Taí: não conheço ninguém que defenda apaixonadamente esse filme (no máximo, ouvi coisas como “o George Clooney tá bem”). Irmãos Coen? Paul Thomas Anderson? Sei não, hem.

A lista completa (e previsível) de indicados está aqui.

Jukebox #03

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Fui ali tomar um cafezinho e trouxe algumas impressões rápidas, cruéis e desencontradas sobre discos que já saíram ou estão para sair (e este espaço agora tem nome, vejam só). Antes de mandarmos nossos ídolos ao paredão, dois comentários breves sobre discos que já passaram por estes cantos: 1. Por mais que eu tente, não consigo encontrar em Distortion, do Magnetic Fields, o grande retorno à forma que andam descobrindo por aí. De qualquer forma, é o melhor disco que poderiam ter tirado de uma homenagem superficial ao Psychocandy, do Jesus & Mary Chain. 2. O álbum do Atlas Sound melhora a cada audição, mas ainda não consigo dizer se é uma fraude muito ajeitada ou algo autêntico, digno de muito interesse. Tento de novo e já digo.

catpowerpeq.jpgJukebox, Cat Power

O segundo álbum de covers de Chan Marshall é um livro didático sobre como o Cat Power operou a transição do lo-fi descompromissado para os climões supostamente sofisticados da soul music, do country e do blues. O que estava nas entrelinhas de The greatest ganha nome e sobrenome: Bob Dylan, James Brown, Joni Mitchell, Billie Holiday e daí em diante. Mais desafiador é quando Marshall revê uma canção própria (a ótima Metal heart) ou quando arrisca uma inédita, Song to Bobby. Decepciona como os arranjos são convencionais e até um tanto monocromáticos – e deixei de falar do talento da moça para se apropriar da poesia alheia, mas isso vocês já sabiam.

mountaingoats.jpgHeretic pride, The Mountain Goats

Depois de afundar em depressão no confessional (e acinzentado) Get lonely, John Darnielle tenta um álbum mais arejado e eclético – tanto musical quanto tematicamente. Abre com empostação teatral que chega a lembrar The Decemberists (Sax Rohmer #1), e depois segue por uma variedade de temas que chega até a incluir um delírio sobre o vilão de Halloween. Com menos faixas, provocaria mais impacto. Mas, para os padrões do grupo, tem tudo para constar como um belíssimo álbum. O problema é comigo: por mais que eu entenda e admire a poesia obtusa de Darnielle, não consigo me importar com muito do que ele escreve. A sensação, acho, tem a ver com o distanciamento que ele imprime a belas canções como Tianchi Lake.

honeydrips.jpgHere comes the future, The Honeydrips

É o típico álbum sueco recomendado pela Pitchfork. Ou seja: apesar de sair em busca do pop perfeito, Mikael Carlsson tem muitos esqueletos no armário. Não consegue amarrar uma canção de amor sem incluir nos versos lamentos de solidão e de romantismo juvenil. Tudo bem, mas não chega a ser algo tão especial (dá pra lembrar outros exemplos recentes muito parecidos, como Loney, Dear). De qualquer forma, o álbum tem canções muito fortes, que se sairiam bem como singles – como, por exemplo, Trying something new -, além de uma divertida resposta ao Joy Division (Lack of love will tear us apart). Quando Mikael decide trabalhar seriamente com eletrônica, em Fall from a height, o coração finalmente pega fogo.

radarbros.jpgAuditorium, Radar Bros

São poucas as bandas desconhecidas (pelo menos por mim) que sobrevivem ao duro teste da primeira audição. O Radar Bros, de Los Angeles, venceu a prova com este quinto disco. Toda vez que ouço, ainda torço para que se sustente como um álbum tão consistente quanto eu gostaria que ele fosse. Mas, se não podemos ter tudo o que queremos, eis o trabalho de um grupo que sabe muito bem o que quer – construir uma ponte entre o Pink Floyd de Wish you were here com o alt-country do Wilco. Parece indigesto, mas a combinação dá certo em faixas como Warm rising sun e Hills of stone. As letras são até risíveis de tão absurdas, mas as melodias felizmente brigam bem e ganham a batalha.

Eu sou a lenda ***

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O que faz o último homem do planeta? Joga golfe na asa de um avião de guerra, caça animais silvestres nas ruas vazias de Nova York, assiste aos vídeos de uma locadora abandonada, acena para manequins, decora os diálogos de Shrek, pratica exercícios matinais, arrisca o enésimo karaokê em cima de Three little birds, de Bob Marley. E mata zumbis – já que, caso contrário, este seria um filme de Béla Tarr.

Você diria, com certa razão: os zumbis não são lá muito bem-vindos. Talvez não completamente, eu diria. Eles funcionam como o fator “pé-no-chão” para um filme que, nos primeiros 40 minutos, demonstra muito bem como Hollywood ainda nos deslumbra quando encontra formas inteligentes de usar truques de CGI para deslocar detalhes do nosso mundo a um ambiente de fantasia, de sonho. Não sei por você, mas eu ficaria as duas horas de filme diante daquelas primeiras imagens, em que Will Smith – o último homem do planeta – cumpre atividades banais na companhia de um cachorro-fiel-companheiro (N.E.: Tiago Superoito ficou envergonhado com a observação de foro íntimo, mas o bichão parece muito com o cão dele, Simba) em uma cidade com abundância de tempos mortos.

Will Smith sobreviveu, fazer o quê? Até por falta de opção, ele sai por aí em busca de contato. Transmite uma mensagem em todas as frequências radiofônicas, à espera de que alguém escute e o encontre. À noite, se protege dos zumbis ao ladinho do cão-amigo (perceba que nosso herói solitário não consegue dormir direito) e, de vez em quando, se enfurna em um laboratório para procurar antídoto para o vírus que provocou o apocalipse. O filme se chama Eu sou a lenda, e não à toa: descobriremos que, se a narrativa toda soa meio absurda (três anos de caos e ainda temos água encanada e energia elétrica?), não poderia ter sido diferente. Lendas não obedecem parâmetros realistas, e são moldadas de acordo com os humores de quem as narra.

Pensando bem, este é quase projeto perdido de Shyamalan. Mas sem excessos sentimentais, graças a Jah.

Paranoid park ***

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Revi Paranoid park como quem retorna a uma canção que ouviu apenas uma vez. Como quem tenta, numa segunda audição, criar intimidade com a melodia, a harmonia o refrão. Azar o meu: não foi ontem à noite que consegui contato imediato com esta nova faixa de Gus Van Sant.

O pior é que sou daqueles sujeitos que não se cansariam de, por horas a fio, cantarolar os acordes de Elefante e Last days, que eu jogaria no repeat do meu aparelho de DVD todas as manhãs. Por isso me surpreendo com a dificuldade que tenho para cair de amores por este filme aqui. Fico até constrangido toda vez que ouço alguém dizer que, enfim, Van Sant teria voltado a um discurso mais acessível, mais afetuoso. Acessível para quem? Para mim, parece uma esfinge.

Fiz questão de revê-lo no cinema (e, infelizmente, em exibição digital), na esperança de ser soterrado pela experiência em surround. Nada. Ou quase nada. Sim, consegui admirar o filme como quem admira, digamos, o álbum do Panda Bear. Beleza que está ali, entendo, mas não consigo alcançá-la. Pelo menos desta vez percebi, finalmente, que, se a trinca Gerry-Elefante-Last days divide um mesmo quarto, este longa habita um cômodo diferente. Fez-se mais clara, por exemplo, como a encenação está mais aberta ao imprevisto – este é um filme que oscila maravilhosamente entre a videoarte, o videoclipe experimental e o cinema narrativo. Com aquela trilha sonora de zumbidos mínimos e melancólicos, as cenas borradas de skatistas em slow motion poderiam estar numa galeria de arte contemporânea. Ninguém reclamaria.

O que acontece, então? Talvez, para mim, o arco dramático do filme ainda pareça um tanto simplório (mesmo que Van Sant faça o possível e o impossível para desviar nossa atenção de uma trama sobre crime e castigo, Dostoiévski em remix dubstep) e a câmera ande em círculos ao redor do protagonista, sem arriscar o abraço. O cineasta ainda trata a adolescência como um grande mistério (e aqui voltamos a Elefante, que lida com essa crise de modo mais explícito), mas agora o distanciamento me soa assumidamente mais improvisado, mais torto – um rascunho de canção, uma fascinante fita-demo.

Algo está errado, porém. E não sei ainda o que é.

P.S. Eu te amo **

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Nunca vi tanta gente chorando ao mesmo tempo numa sala de cinema.

E a sala estava lotada e era quinta-feira e o ingresso não estava em promoção. Ou seja: temos um hit. Mas que hit absolutamente cruel! Ele consegue tocar praticamente todos os 68 pontos fracos do espectador que viveu uma história de amor e revirar uns 42 traumas de quem perdeu alguém querido. O público-alvo é, perceba, vastíssimo.

A trama abre com uma longa (e até bem estranha, para filmes do gênero) cena de amor/ódio entre quatro paredes, e depois dos créditos iniciais somos logo jogados em um velório. Sem gelo. O lado masculino do par romântico foi para o espaço, e assim o filme começa. Dali em diante, veremos um conto de viuvez que levará à estratosfera a idéia de que o amor não acaba com o fim da relação – o que faz do filme um complemento mórbido a O passado.

Navegando nesse mar de lágrimas está Holly (Hilary Swank), que se começa a se afogar em luto quando descobre que, antes de ser derrubado por um tumor cerebral, o maridão (Gerard Butler) deixou um plano engenhoso para se fazer presente depois da morte – via cartas, presentinhos fofos, viagens pré-agendadas. Em vez de superar a perda e seguir em frente, a mulher ganha a opção de simplesmente adiar o desfecho da história. Aceita a proposta com todo o entusiasmo do mundo. Não é a atitude mais correta, mas quem faria diferente?

Para cada momento de felicidade da viúva alegre haverá um contraponto dolorido. As sequências são filmadas deste jeito: começam melancólicas e, do nada, descambam em piadinhas tolas. É uma comédia de fantasmas, macabra que só. Mas também uma metáfora até bem sensível (mas duvido que vá agradar a todos os públicos) para a imensa dificuldade de nos desligarmos de alguém muito próximo.

Diante dessas imagens, não temos muito a fazer além de chorar. Chorar por medo de morrer, chorar por medo de perder alguém, chorar com lembranças que vêm e vão. É um filme que joga sujo, como uma terapia de grupo. Mas que me surpreendeu por enfrentar um tema difícil, necessariamente triste, sem abandonar um projeto cômico.

Não é o romance ideal (eu tiraria uns 20 minutos de flashbacks chorosos, para ficarmos apenas em um problema). Mas que é um bicho esquisito, é.

P2: sem saída **

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Enquanto a executiva desesperada quebra as câmeras de vigilância do estacionamento, o guardinha obsessivo mata (literalmente) o tempo com uma performance delirante de um clássico de Elvis Presley.

Combinemos: qualquer filme com uma sequência dessas não será ruim.

‘Real emotional trash’, Stephen Malkmus & Jicks ***

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malkmus.jpgHá dois tipos de fãs do Pavement.

O número 1 torce muito que Stephen Malkmus deixe quieta essa tal carreira solo (que, acusa o fã inconformado, nunca decolou mesmo), que retorne ao rock melodioso e bem-humorado das antigas e, de preferência, chame os velhos chapas para um cafezinho em que eles todos, muito alegremente, decidirão pelo retorno do grupo. O álbum da ressurreição se chamaria Oh you pieheads! e seria um fiasco.

O número 2 entende que os saltimbancos do alt-rock encerraram as atividades na hora certa (e poderiam até ter terminado antes, notam alguns admiradores mais realistas) e aos poucos começa a compreender que a carreira solo do sujeito é até bastante digna, já que Malkmus faz o possível para não escrever canções que o Pavement gravaria. Contra as vontades dos fãs, seguiu um caminho inusitado: o de uma aproximação sutil com o rock psicodélico do início dos anos 1970, às vezes com solos de guitarras tão longos que beliscam o progressivo.

Estamos falando de uma opção estética, perceba, já que Malkmus continua o mesmo poeta do absurdo, capaz de narrar crônicas domésticas como quem nos avisa sobre a descoberta de uma nave espacial. Esse contraste entre uma sonoridade cada vez mais elaborada e um discurso ainda descompromissado marca álbuns como este Real emotional trash, que está para sair.

Depois de ouvir e ouvir de novo a versão expandida de Crooked rain, crooked rain, tenho que admitir: não quero que o Pavement volte. Deixem como está, ok? É daqueles casos que, se melhorar, estraga. E, depois de ouvir Real emotional trash com o coração aberto, começo a perceber que Stephen Malkmus já está longe demais dos fãs que insistem no retorno do morto-vivo. Não há volta, pelo menos não do jeito como eles querem. Quando estamos diante de um disco elegante e seguro como este, essa parece até uma boa notícia.

Talvez seja o melhor álbum solo de Malkmus. Mas entenda, antes de acusá-lo de qualquer coisa, que o disco existe estritamente dentro dos parâmetros defendidos pelo compositor desde Pig lib, de 2003. Ou seja: os solos de guitarra continuam longos e exibidos (e a cozinha do Jicks mais uma vez ajuda que é uma beleza) e os arranjos estão mais limpos que nunca. Mas nada disso representa uma queda por uma cartilha mais convencional e “adulta”. Ao contrário, soa como uma progressão natural do que ele fez até aqui. E sério: se o fã do Pavement, qualquer fã do Pavement, não sair com o coração partido depois de ouvir We can’t help you, Out of reaches ou o refrão de Dragonfly pie, ele perdeu o fio da história. Ficou para trás.

Malkmus, bom saber, não está nem aí para nada disso.