Mês: abril 2008

‘Evil urges’ My Morning Jacket **

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Não sou o responsável pelo diagnóstico, mas me sinto obrigado a concordar com ele: você ouvirá alguns álbuns esquizofrênicos este ano, mas poucos parecerão tão arriscados quanto este Evil urges, o quinto trabalho do My Morning Jacket. A aparência é mesmo essa aí – a de um disco robusto e inventivo, uma jornada sem destino definido. Mas preciso contar um segredo antes de seguirmos adiante: depois de algumas audições, ainda não consigo enxergar o fiapo que une essas 14 canções. E nem estou certo de que exista algum.

Outro dia elogiei o álbum do Dodos por motivo parecido: ele me conquistou por apontar várias direções musicais para um grupo ainda em processo de formação. O caso do My Morning Jacket é um pouco diferente. A banda que consagrou um certo estilo (o alt.country com ecos e delírios psicodélicos) e agora faz um esforço danado para negar essa marca e se firmar como uma gangue de artistas-garimpeiros, inclassificáveis, livres de obrigações estéticas, movidos pela curiosidade.

Esta é a intenção que tentam colocar em prática desde Z, de 2005. Como continuação daquele projeto, Evil urges não frustra em nada: é, por definição, irregular. “Meu objetivo é apresentar às pessoas estilos diferentes de música”, comentou o vocalista Jim James à Rolling Stone. Na entrevista, ele se compara a Wilco, Pearl Jam, Björk e Radiohead. Fiquemos com Pearl Jam e Wilco, bandas que tentaram se reinventar dentro de certos limites, sem abandonar por completo o aconchego do lar. O My Morning Jacket segue essas instruções à risca, o que faz de Evil urges uma intensa (e às vezes exagerada) demonstração de tudo o que a banda pode e quer fazer neste exato momento.

Como o anterior, é um disco que consigo admirar, mas com certo distanciamento (o que não acontece com o caloroso e relativamente simples It still moves). Só existe uma música que me tira do sério, e é uma balada até convencional (Smokin’ from shooting, com uma viradinha genial de bateria). As outras exibem belos conceitos, mas sem a substância que pelo menos eu esperava deles.

Não chega a ser uma decepção, já que as provocações do My Morning Jacket soam mais interessantes que a dúzia de grupos parecidos que eles acabaram apadrinhando. E não dá para negar o impacto de um álbum que começa com climas à Radiohead (a faixa-título), segue rumo aos anos 70 do Fleetwood Mac (Touch me I’m gonna scream), descamba num funk que parece uma mistura de Prince com Talking Heads (Highly suspicious), presta homenagem declarada aos Carpenters (Librarian), passeia pelo Neil Young rural de Comes a time (Sec walking) e ainda arruma espaço para baladonas que caberiam num disco do Lionel Richie (Thank you too) ou do Ryan Adams (Two halves). Uma infinita jukebox.

Não duvide: qualquer texto sobre Evil urges será longo e abarrotado de nomes de outras bandas. Estou impressionado até agora. Mas é essa a missão de um grupo que quer soar diferente de todos os outros?

24 horas

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Gosto de 24 horas, o seriado, por ser igualzinho à minha vida. Tudo. Tudo igual.

Ok, não sou agente especializado em causas tenebrosas, minha família não é seqüestrada de cinco em cinco minutos e não estou no alvo (até segunda ordem) de nenhum plano terrorista de alcance mundial. Mas, de resto, as semelhanças são inacreditáveis. São tantos eventos, tantas reviravoltas emocionais, tantas surpresas e pentelhações mil que produtores atentos poderiam muito bem escrever uma temporada inteira com os tantos desastres que cabem num dia inteiro vivido por este aqui, euzinho da silva.

Até meu café da manhã daria o trecho de um episódio três-estrelas. De cinco e meia da manhã às cinco e quarenta e cinco, vejam o script: deixo o pão esquentando, pego manteiga na geladeira, abro o suco de laranja, quase derrubo a geléia, desligo o alarme enquanto procuro o presunto, corro para recolher o jornal, tiro o pão do forninho antes que ele queime, engulo o pão em duas mordidas, sinto a pontada no intestino, meu olhar dá um corte rápido para o relógio, estou atrasado, estou atrasado, a cena pula para a porta da geladeira aberta, volto correndo para fechá-la e, lá dentro, surpresa, horror, percebo que há algo podre. Há algo podre. Há algo podre. E agora? É aí que minha vida se divide em três telas pequenas e retangulares, simulatâneas. Bip. Bip. Bip. 5:45.

Precisando, Kiefer Sutherland, estou aí.

P.S.: Mudei o layout ali do alto do blog, não sei se ficou bacana nem estiloso nem rock ‘n’ roll. No meu computador está um pouco pesado para carregar, mas não consigo que fique mais leve (entendo os mecanismos do WordPress só até certo ponto). Se alguém souber como me ajudar, por favor.

Go, Speed Racer

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O Diego, que não mora na roça, foi ver a pré-estréia do Speed Racer hoje pela manhã. Perguntei por e-mail: ‘E então, o filmezinho presta?’. E ele me respondeu mais ou menos assim (e aqui não entra uma música do Raul Seixas, calma aí):

Puts, gostei!

Bobinho de tudo, mas visualmente espetacular e com um calor humano muitíssimo bem vindo das atuações de Susan Sarandon, John Goodman e Christina Ricci. A trilha do (Michael) Giacchino é ótima e cita a canção-tema original em diversos momentos. Tô com ela na cabeça até agora.

O Emile (Hirsch) tá apagado, visivelmente não aguenta o tranco de segurar um filme desses. Mas os Wachowski conseguiram se livrar do Matrix com facilidade, até. Mandaram bem aproximando filme e desenho animado de uma maneira arriscada, deixando os efeitos com uma cara 2D/psicodélica/colorida feito um episódio do Teletubbies e com transições de cenas que homenageiam diretamente a série.

(Assim: se aquele episódio do Pokemon fez estragos com epiléticos, esse filme vai transformar todo mundo em zumbi, no mínimo).

Sério mesmo? Mesmo-mesmo? Então me animei.

Vida pessoal

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Está no top 5 das piores sensações do mundo: acordar às cinco da manhã. Por qualquer razão. Dá vontade de enfiar uma bala na cabeça. Explodir junto com uma estação de metrô. Voltar pro útero da mamãe. Pular da janela.

Bom dia pra você também.

Três vezes amor **

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Comédias românticas também te deprimem?

É que, vejam bem, a vida não funciona assim. Você não se muda para Nova York e, num estalo, ganha dinheiro, faz milhões de amigos, influencia pessoas e vira um bom partido. Você não perde o emprego, cai na pindaíba e curte um longo período de depressão num apartamento bonitão (cujo aluguel, aqui em Brasília, sairia por uns R$ 900). Você não veste o pullover mais estiloso para passear no parque às tardes. Você não corta o cabelo todas as manhãs para mantê-lo aparado e moderno. Você não sabe exatamente como combinar todas essas roupas caríssimas de marca que usa com tanta graça – terno com gravata com calça com camisa e o maldito pullover. Pior: você não tropeça dia-sim-dia-não em mulheres maravilhosas que, quem sabe!?, se transformarão no grande amor da sua vida. Não. E não.

O herói de Três vezes amor se divide entre mulheres maravilhosas. O acaso afastará os pombinhos, mas o importante é que elas, as mulheres maravilhosas, nunca irão virar para ele e cobrar detalhes que todas, todas as mulheres cobram – estabilidade financeira, estofo emocional, unhas religiosamente cortadas, papo interessante, bom humor e o que mais? -, já que o sujeito é simplesmente um bom partido. Elegante e estiloso. Ao sortudo da vez, será garantida toda a estrutura financeira e psicológica que eu e você nunca teremos em nossas vidas. Satisfeitos? Ou já caíram no choro?

Tenho que admitir, porém, que Ryan Reynolds veste com competência esse papel inverossímil (como todos, em comédias românticas). Ele parece boa-praça. E, em comparação a um Keanu Reeves, merece até um Bafta. É fácil ficar do lado de um ator que torrou milhagens em comédias grosseiras e irrelevantes para chegar até aqui. Ao vencedor, os ternos impecáveis.

Reynolds contracena com Abigail Breslin, a pequena miss sunshine. Ela interpreta a criança faladeira e sabichona que sempre existe em comédias românticas (quando não são substituídas pela melhor amiga neurótica). É a filha tão perfeita que, se bobear, não ronca nem faz birra. É sapeca e divertida, nunca inconveniente. O pai retribui o carinho contando histórias emocionantes sobre a própria vida. De quando, por exemplo, trabalhou na campanha presidencial de Bill Clinton servindo café.

Pois é: trata-se de um filme de época, para o desespero de quem viveu os anos 90 e hoje se sente velho (talvez precocemente).

Para fazer justiça ao período histórico retratado, os personagens ouvem Come as you are e usam telefones celulares do tamanho de walkie talkies. Sorte a deles, que são endinheirados e modernos e estilosos. Uma das três mulheres é uma repórter talentosíssima. Outra é uma globetrotter que, mesmo depois de dar a volta ao mundo, aparece sempre muito bem vestida. A terceira não faz nada de muito importante, mas parece saída de um anúncio de colar de diamantes. Se um desses tipos calhasse de se revelar um alienígena, eu não me surpreenderia. Não dá para acreditar em nenhum deles. Mas a gente acredita.

Por exemplo: quando Reynolds dá o último suspiro de desânimo diante das recusas da mulher que ama, a gente sofre junto. É sempre assim. Há o momento em que um personagem corre de encontro a outro, e corre com o entusiasmo de quem se apressa para sacar o prêmio da loteria. E a gente quase se emociona, ou desaba logo, já que esse simples movimento da corrida de um personagem (ao aeroporto, à estação de trem) evoca tantos sentimentos que, raios, tanto faz a falta de lógica da trama ou a cara-de-pau do roteirista. Estamos todos lá, de quatro para a velha fórmula.

Para mim, o resultado da experiência é sempre deprimente. Me sinto um pouco vulnerável todas as vezes. Meu coração é de papelão. Ao final da sessão deste Três vezes amor, a senhora de 70 e poucos anos da poltrona à frente enxugava as lágrimas. Mas por quê? Será que ela sabe o motivo? Será que ela se pergunta sobre isso? Assistimos a filmes assim para quê? Para automaticamente nos emocionarmos? Ou são eles, os filmes, que sempre nos pegam de surpresa ao despertar nossas fantasias mais tolas, mais inocentes, mais improváveis e também mais tristes? Na próxima comédia romântica, tento uma resposta.

‘In ghost colours’ Cut Copy ***

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Primeira impressão: hmm, é um pastiche do pop dos anos 80. Segunda impressão: ei, é um pastiche do pop dos anos 80. Terceira impressão: é um pastiche do pop dos anos 80! Quarta impressão: é um pastiche do pop dos anos 80, viva!

Mas não, o segundo álbum deste trio australiano – comandado por Dan Whitford, que co-produz o disco um little help do amigo Tim Goldsworthy, da DFA Records – não é mero pastiche do pop dos anos 80. Isso fica bastante claro lá pela quinta audição, quando notamos que a graça do projeto está em dar um Ctrl+C em cacos musicais do passado e adaptá-los, com um clique no Ctrl+V, a contexto bastante atual. O nome da banda é exato, não duvide dele.

Whitford, que saiu em turnê com o Daft Punk, aprendeu com os franceses que existe uma arte de copiar e colar, e que dominar esse processo é mais tortuoso do que parece. O Cut Copy tem sim aparência de New Order, gosto de Duran Duran e o perfume barato de canções que você ouvia, aos cinco anos de idade, em estações de rádio AM. O importante é como o grupo trabalha essas lembranças: com a doçura e o bom humor de álbuns como Darkdancer, do Les Rythmes Digitales, ou D-D-Don’t stop the beat, do Junior Senior.

Mais surpreendente é – lá na décima audição – descobrir que, quando a maquiagem escorre, o Cut Copy deixa à mostra canções nada magrelas. Feel the love, Lights and music e Hearts on fire são hits para um mundo perfeito. Mas o melhor é quando, entre uma e outra tentativa de mirar a perfeição pop, Whitford se diverte. É dessas despretensiosas experimentações que saem os momentos mais memoráveis do disco. Como na ensolarada Unforgettable season, que empapa gel e confete no power pop do Phoenix, na psicodélica So haunted e na tola Far away, que a Madonna venderia a alma para ter incluído em Confessions on a dance floor.

É um discão (até em largura, com 15 faixas e 50 minutos de duração). Mas isso você só vai perceber por volta da vigésima audição.

Peso do mundo

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Num fim de semana em que nada deu certo, ainda tive que enfrentar o fato de que eu talvez seja uma das cinco pessoas do país que não estão nem aí para quem jogou ou deixou de jogar a menina da janela.

Isso faz de mim um monstro?

The shape of things to come ***

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Há o grupo dos que vêem esta quarta temporada como uma espécie de ressurreição criativa de Lost – não sei ainda se faço parte dele. Não discuto, porém, o fato de que estamos num momento de transformação para a série, que se viu obrigada a abandonar um certo modelo narrativo para se adaptar a um formato mais compacto, de poucos episódios. Em outros carnavais, as temporadas eram divididas em três grandes blocos: à da introdução do conflito principal, seguiam o desenvolvimento e a conclusão. Agora, quase todo capítulo já chega com a pompa de uma season finale: carregados de reviravoltas, ação desembestada e desfechos bombásticos. Os que fogem dessa regra acabam soando simplesmente desnecessários (e até o anterior, com o perfil redundante do Michael, terminava com uma explosão).

Chamem-me de nostálgico ou do que for, mas não sei se prefiro esses novos tempos. Para abraçar a quantidade de personagens sem lapsos de lógica ou soluções forçadas de roteiro, uma narrativa mais folgada faz mais sentido. De qualquer forma, essa mudança trouxe uma nova pegada para a série, mais urgente e bruta. O tom, ainda que sem sutilezas, combina como uma temporada de conflitos violentos, molhada de sangue.

É por essas e outras que este novo episódio me parece um dos mais importantes da safra: ele finalmente banca essa nova direção da série, à Mad Max 2. Esta é, acima de tudo, uma história de guerra, de salve-se quem puder. E, maniqueísta como uma HQ de super-heróis, polarizada entre duas forças: o maquiavélico Ben e o milionário excêntrico Charles Widmore. Todos os conflitos da temporada (e talvez os das próximas) gravitarão em torno dessa dupla de personagens. A maior missão dos roteiristas, daqui em diante, é nos convencer de que valeu esperar tanto tempo para isto: testemunhar um jogo de gato e rato. Aos que esperavam respostas místicas e mirabolantes às questões mais obscuras sobre a ilha, pode parecer uma guinada até frustrante.

Mas não aqui, não neste capítulo. Coerente com o espírito truculento da temporada, o episódio vai direto à carnificina e, nos intervalos do tiroteio, explora a psiquê de alguns dos tipos principais da trama. A perversidade de Ben (o centro da série, cada vez mais) leva um golpe cruel com a decisão de brincar com a vida da própria filha. Enquanto isso, a confiança de Jack nos forasteiros desaba numa cena que, curtinha e dolorida, diz muito sobre o futuro do personagem. Isso sem contar os detalhes do encontro entre Ben e Sayid, quase um “acordo de cavalheiros”. O capítulo poderia até ter terminado sem a explicação para o “monstro de fumaça” ou a ótima cena do encontro entre Ben e Widmore, mas tudo isso acaba confirmando que esta é a temporada do excesso de informações. Vale lembrar que o grande enigma da primeira temporada era saber o que havia dentro de uma escotilha.

Contanto que essa overdose não dê num daqueles episódios esquizofrênicos de Heroes, vamos bem.

Post do exílio

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Não lembro, mas acho que foi o Renato Russo quem observou: Brasília é a cidade dos que dizem adeus. Conheço gente que anda sofrendo com isso. Num período curtíssimo (uma semana, menos), dois grandes amigos dessa pobre alma anunciaram a partida. E para longe. Não foram os primeiros, não serão os últimos. Deveríamos estar preparados. Mas nessas horas me engasgo. Aí recorro, como sempre, ao chavão. Brasília é a cidade dos que dizem adeus, é assim mesmo e sempre foi, culpe JK, Renato Russo já dizia e ele estava certo e estava certo como em poucas outras vezes ainda que eu não saiba se ele realmente disse isso nem quando e lalala.

Outro dia pensei em escrever um livro sobre Brasília em que cada capítulo seria fechado com a despedida de um personagem. E teria uns 70 capítulos. Parágrafo, parágrafo, parágrafo, parágrafo e despedida. Parágrafo, parágrafo, parágrafo, parágrafo e despedida. Eu avisaria na introdução: cada capítulo terminará com uma despedida. Bem didaticamente. Tipo Nick Hornby.

Sei que é burrice revelar esses planos num blog, nesse planeta de espertinhos. O primeiro malandro que digitar no Google ‘tiago superoito’, ‘projeto de livro’, ‘brasília’ e ‘despedida’ chegará a este post, roubará a idéia e se transformará no próximo Daniel Galera ou, na sorte, num Paulo Coelho teen. Se acontecer, espero que vocês testemunhem a meu favor. Ou, na pior das hipóteses, deixem um comentário de solidariedade.

‘Elephant shell’ Tokyo Police Club **

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Agora que meio mundo já se decepcionou terrivelmente com o álbum de estréia do Tokyo Police Club – os que esperavam por um novo Strokes e ficaram fulos por terem recebido um novo Hot Hot Heat -, um aviso: o disco, ainda que nada maravilhoso (e nós, habitantes deste mundão a mil por hora, só queremos saber dos discos maravilhosos, entendo), merece muito ser descoberto. Digo isso porque ele periga ficar perdido entre tantos bons álbuns de bandas bacanas que, a cada semana, são vítimas de nossas exageradas expectativas.

Não serei eu a negar os fatos. Eles ainda estão longe do paraíso – o disco é curtinho e quase rasteiro, mas o que incomoda mesmo é a produção previsível, que molda a sonoridade do grupo de forma a agradar emos e troianos. As semelhanças com o Strokes também soam brutais para uma suposta revelação do rock. Mas quando os canadenses se inspiram, eles compõem canções tão francas (e emocionantes) quanto precisas, sem floreios e com letras nada constrangedoras. Sejamos específicos: eles voam alto nas graaaandes Tessellate e Nursery academy (essa última, enternecida pelo lamento “quero voltar para casa”). Que, depois de eu ter ouvido umas 567 vezes no volume quase máximo, já estão entre as minhas favoritas de 2008.

Os reis da rua *

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Ver este filme foi uma absoluta obra do acaso.

Assim: estava eu no shopping comprando umas camisetas quando percebi que faltavam exatamente três minutos para o início da sessão. Hesitei. Contei até cinco, técnica que uso para espantar os pensamentos mais tolos. Imaginei tudo que eu estaria perdendo naquelas duas horas, até mesmo o delicioso sundae de chocolate que eu não tomaria para não maltratar meu pobre intestino. Pensei na minha avó de 85 anos, que provavelmente estaria precisando da minha companhia, mas possivelmente teria saído para uma daquelas aulas de dança fogosas à Chega de saudade. Entrei na sala contrariado. E saí assim, quase do mesmo jeito. Meus instintos, eu devia começar a confiar mais neles.

É que, não é por nada não, um filme “dirigido pelo mesmo roteirista de Dia de treinamento” e com Keanu Reeves no papel principal exerce um poder de atração tão forte sobre mim quanto o novo álbum da Mariah Carey ou um episódio de Grey’s anatomy. Nada. Zero. Sério mesmo. Eu ficaria até mais interessado se fosse algo “dirigido pelo mesmo roteirista de Dia de treinamento e co-escrito pelos criadores de Todo mundo em pânico“, com Jack Black no elenco.

Mas tudo bem, estou acostumado a encarar qualquer filme com as expectativas mais otimistas. Quando entro numa sala de exibição, sou praticamente uma Polyanna (na maioria das vezes, prestes a perder violentamente a inocência). Minha vontade de encarar a experiência aumentou um tanto quando notei a participação de James Ellroy (o autor de Dália negra) no roteiro. Só que eu ainda estava cético. E não sei o que aconteceu – se David Ayer (que, além de Dia de treinamento, escreveu Velozes e furiosos) é só um péssimo cineasta ou se os outros roteiristas melaram o trabalho de Ellroy -, mas tudo quase tudo no filme soa ou mecânico ou despropositado. A trama, por exemplo, leva ao limite do absurdo todos os chavões de fitas sobre corrupção policial. Sem bom humor.

Em certa medida, o longa pode até ser tomado como um argumento para os defensores de Tropa de elite. Enquanto José Padilha usa o subgênero como ponto de partida para aventuras menos óbvias, Ayer trata a cartilha cinematográfica com os excessos de uma tragédia grega. Pena que sem impacto. As reviravoltas são quase todas muito patéticas (os dez minutos finais, desde já os mais implausíveis e cínicos e delirantes do ano, chegam a provocar gargalhadas – e são eles, exatamente eles, os responsáveis pela estrelinha lá de cima). No mais, entregar um protagonista tão dúbio a um sujeito tão inexpressivo quanto Keanu Reeves é como oferecer o papel do Capitão Nascimento ao Dado Dolabella. Um equívoco.

E não entrarei nas questões morais e éticas que o roteiro acaba respondendo de forma um tanto quanto duvidosa (o passado de Ellroy me faz levar a cena final como ironia). Quando o próximo filme “dirigido pelo mesmo roteitista de Dia de treinamento” for exibido na cidade, estarei tomando sundae.

‘The age of the understatement’ The Last Shadow Puppets **

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A equação toda, creio eu, se resolve de um jeito bastante simples: Alex Turner nunca deixará de soar como Alex Turner, e é por isso que qualquer projeto do rapaz fatalmente soará como uma derivação de Arctic Monkeys. Talvez o sucesso de Turner tenha vindo por merecimento – ele é dos poucos compositores da geração 2000 que podem se gabar de ostentar uma marca. O jeito de cantar, as letras mirabolantes (e exageradamente rebuscadas), o fôlego para não perder a respiração nos versos quilométricos… São talentos que não se copia.

Daí que a primeira sensação deixada pela estréia do Last Shadow Puppets (projeto de Turner com Miles Kane, do Rascals) é a de um álbum do Monkeys com robustos arranjos de orquestra e letras surreais, deslocadas do dia-a-dia de meninos e meninas britânicos. O interessante do disco está sob essa superfície: na forma precocemente madura como a dupla trabalha referências psicodélicas dos anos 60 com a despretensão de quem brinca de Ennio Morricone e Burt Bacharach. Um tique do vocalista é uniformizar as faixas dos álbuns que compõe até criar uma massa compacta e sem sutilezas. Aqui, ameniza o problema sem alarde. E também sem muito brilho, o que iguala este álbum aos dois do Monkeys. Tão bom quanto, não tão bom quanto os ingleses insistirão em espalhar.

Ensinando a viver *

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Não vou gastar dez linhas com isso, prometo.

Este filmezinho do roteirista de A cor púrpura quase exige do público esse tipo de desprezo. Quem teve a idéia de uma versão mirim para K-Pax (aquele em que Kevin Spacey faz um homem que diz ter caído de um outro planeta)? Provavelmente o mesmo sujeito que conseguiu arrastar John e Joan Cusack para um projeto que quase descamba numa hilariante ficção-científica, mas acaba soando como um desses aguados dramalhões sobre pais e filhos, típicos de madrugadas de tevê aberta.

Marmeladas à parte, o carisma de John Cusack garante alguma credibilidade ao papel mais improvável (no caso, um romancista famoso e viúvo que decide adotar um menino esquisitão). Mas o melhor mesmo é o perfil psicológico do “menino de marte”. O moleque odeia sol, é branco feito um boneco de neve, só se alimenta de cereal, adora mexer com insetos bizarros, se esconde numa caixa de papelão, tem medo de sair flutuando por aí e fala uma língua confusa. Em resumo: é o Michael Jackson. E integrar o Michael Jackson ao nosso mundo deve ser uma tarefa dificílima, mesmo para um pai herói feito John Cusack.

Talvez seja um filme sobre isso. Mas não sei. E já extrapolei as dez linhas, então tchau.

Cannes ’08

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Quando li a lista dos filmes selecionados para Cannes, tomei um baita susto. Que nada teve a ver com a inclusão do novo de Walter Salles ou com exclusão do novo de Fernando Meirelles, mas… O Che do Soderbergh tem mesmo quatro horas de duração? Ou foi erro do sujeito que digitou o comunicado para a imprensa?

(Digam que foi erro, digam que foi erro, digam que foi erro).

Atualização: O Ed avisou a este desinformado aqui que, na verdade, serão exibidos num combo os dois filmes novos do diretor, Guerrilla e The argentine. Ainda assim…

‘Hard candy’ Madonna **

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(Agora o blog vai bombar le-gal)

Er. Oi.

Você caiu aqui ao digitar as palavras ‘madonna’, ‘hard’ ou ‘candy’ no Google? Não tem que ter vergonha alguma disso. Meu nome é Tiago, moro em Brasília desde os 12 anos de idade, tenho um problema sério com chocolates (que fazem mal a meu intestino) e vejo alguns filmes de vez em quando. Sou um sujeito que gosta de meter o bedelho em assuntos que não me dizem respeito. Por isso mesmo, se você quiser informações mais detalhadas sobre as palavras ‘madonna’, ‘hard’ ou ‘candy’, por favor, clique aqui, ou aqui. Se preferir puxar uma cadeira e ficar um pouquinho neste modesto site, não reclamarei.

Apresentações feitas, a ressalva: não sou um fã enlouquecido por Madonna, daqueles que arrancam os cabelos para descobrir o e-mail do professor de ioga da moça. Não. Eu nem me qualificaria exatamente como fã (ter visto as fotos do Sex conta?). Vocês detonariam meu blog com um vírus diabólico se eu confessasse que curto apenas dois ou três discos assinados pela mãe da… hmm… não sei o nome da menina, só sei que é um nome esquisito (N.E.: é Lourdes Maria, Tiago). Então não confesso nada. Ela confessa, eu ouço.

Aos fatos: demorei bastante para me interessar pelo álbum anterior e, quando finalmente consegui, Madonna resolveu dar uma outra guinada na carreira. Taí uma mulher que entende o complexo mecanismo do rejuvenescimento no showbusiness. A partir do momento em que ela se assumiu como uma espécie de comentarista do mundo pop (para cada tendências do pop dançante ela parece ter uma resposta na ponta da língua), encontrou o segredo da eterna relevância. Em entrevistas, explicou que o “conceito” de Hard candy é absolutamente simples: ela decidiu convocar os produtores dos álbuns que mais gostava de ouvir. Só isso. E é só isso mesmo.

Acontece que Madonna, nessa pesquisa compulsiva do gosto popular, reparou que as pistas de dança passaram a ser dominadas por elementos de hip hop. E, naturalmente, chegou aos nomes de Timbaland e do Neptunes (representado por Pharrell). Não é a primeira a recorrer ao truque. Antes dela, já havia Nelly Furtado e Kelis. Mas Madonna é Madonna: ela tem o poder de amplificar qualquer modismo num megafone poderosíssimo, e encorpá-lo com discurso supostamente pessoais (mas diga aí, ó fã xiita: nesse quesito, ela também é rainha de lugares-comuns, de sentimentalismo torpe, de romantismo de auto-ajuda etc).

Hard candy pode parecer diferente de tudo o que ela já fez (pelo que lembro, ela não tem outro álbum tão ancorado numa certa tradição do hip hop), mas também é muito igual. Madonna se aproveita dos produtores como uma sedutora viúva-negra, e faz com eles o que bem entende (e eles, felizes da vida, agradecem com faixas boas de verdade). Parece até um projeto surgido de um desejo secreto da musa: bolar uma seqüência para Justified, do Justin Timberlake. Ganhou mais que isso. O que Pharrell e Timbaland fazem não é repetir aquele disco, mas dar continuidade à mescla de black music dos anos 70 com um balancê mais contemporâneo (faixas como Give it 2 me e até 4 minutes olham para frente).

A ode ao pop mais palatável, mais doce, também é notícia velha para Madonna. Há pontos de contato entre este conceito (vago, como sempre) e os de Confessions on a dance floor e Music. E, apesar das ironias de praxe (o álbum contra-ataca, na mesma moeda, a brutalidade masculina do rap), a estratégia comercial do disco cai até bem previsível. Jogue qualquer uma dessas músicas ao lado de qualquer sucesso do Kanye West ou do Timberlake e pronto, vai vender feito pirulito. Mas entenda: não é pirulito de R$ 1,99. Há todo um padrão de qualidade. Por isso retornaremos sempre, feito cachorrinhos, a novos álbuns da Madonna.