Mês: julho 2011

Mixtape! | Julho, nas nuvens

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A mixtape de julho é um arraso: tecnológica, revolucionária, moderníssima, um evento. E por quê? É que, a partir deste momento mágico, vocês podem ouvir as coletâneas mensais do tio Tiago aqui mesmo no blog, clicando no box colorido que fica logo ali, no pé do post. Não é incrível?

Ainda existe, é claro, a boa e velha opção do download (e aí você pode guardar as musiquinhas no laptop, no iPod, etc). Mas a ideia é facilitar a vida dos amigos. Né não?

A novidade deve ajudar principalmente os leitores agoniados que, impedidos de fazer downloads na firma, se descabelam com medo de não conseguir baixar as mixtapes mais bonitas da cidade. Seus problemas acabaram, chapas!

O mais genial dessa história é que a seleção de julho está especialmente inspirada. Talvez seja a mixtape mais reluzente de todos os tempos: uma espécie de flash melodioso, um estrobo sonoro. O climão dançante pode lembrar um pouco a coletânea de junho, também conhecida como a “mixtape mais pop da história deste blog”. Mas existe uma camada de amargura que pode provocar pesadelos e arrepios. Por isso, atenção!

No mais, não vou explicar nada. Decifrem o disquinho por conta própria. Neste incrível algodão-doce envenenado, tem SBTRKT, Junior Boys (que está na foto acima), Foster the People, Cassettes Won’t Listen, Zomby, The Horrors, Yacht, Danger Mouse & Daniele Luppi, Eleanor Friedberger e Sleepmakeswaves. A lista de músicas está na caixa de comentários. Espero que vocês curtam.

E não esqueçam de fazer o download da mixtape-bônus superespecial com algumas das minhas músicas favoritas. Foi gravado com muito amor e carinho (e, de certa forma, soa como um complemento muito explicativo para esta mixtape aqui). 

Faça o download da mixtape de julho (e deixe um comentário simpático depois que ouvir, certo?).

Ou, se preferir, ouça tudo de uma vez aqui:

Vídeos do VodPod não estão mais disponíveis.

Crystalline | Björk

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Michel Gondry + Björk: não tem erro. Ou tem? Admito que eu esperava um pouco mais deste clipe, o primeiro do álbum Biophilia (que sai em setembro). Mas não dá para não reconhecer que existe uma boa ideia em jogo – a cantora está perdida numa espécie de pista de dança interplanetária, digamos. Escondida num globo turvo, Björk mal aparece. E os efeitos, como de costume, fazem cócegas nos nossos olhos. Mas é daqueles casos em que a música impressiona mais que as imagens.

Os discos da minha vida (top 10)

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A inebriante saga dos 100 grandes discos (da minha vida) se aproxima perigosamente do top 5. E isso não é bom sinal, amigos: para as próximas semanas, prevejo posts fracotes com parágrafos chorosos.

Aliás, hoje não é dia apropriado para escrever mais um textinho do ranking. O blogueiro faz aniversário e, soterrado em mensagens agradáveis de Facebook, está otimista, bobão e condescendente.

Antes de adentrarmos esta floresta de emoções, devo lembrar-lhes que postei ontem à noite uma mixtape especial com algumas das minhas músicas favoritas (ou quase isso: a ideia toda está explicada no post anterior, leiam lá). Um CDzinho sentimental que vai bem com este ranking sentimental.

E não sei se expliquei no post de ontem, mas gravei esta mixtape como uma espécie de presente pra vocês: não cometam a desfeita de jogar fora sem abrir o pacote, ok?

Voltando à corrida dos 100… Perdoem o trocadilho, mas o assunto é sério: quem não gosta do disco de hoje é doente do coração (download obrigatório, pois).

006 | Forever changes | Love | 1967 | download

Tal como Pet sounds, dos Beach Boys, Forever changes soa como um playground luminoso, girando em movimento perpétuo – até notarmos que esse parque colorido opera dentro de uma mente solitária.

É aí que a história pode ficar um pouco mais amarga, um pouco mais difícil.

No caso de Forever changes, estamos brincando dentro da percepção (delirante) de Arthur Lee, o “id” do Love. “Quando fiz o disco, eu pensei que morreria logo”, disse Lee. “Então essas seriam minhas últimas palavras.”

Parece complicado entender por que este disco perdurou enquanto vários outros da mesma época (de bandas que, como o Love, não deixaram um legado tão massacrante) esmaeceram. Talvez porque tenha o temperamento romântico, louco, de um testamento: Lee despede-se de uma época, de uma geração.

O disco seria produzido por Neil Young. E, como eu escrevi no post sobre After the gold rush, me parece uma daquelas obras que, apesar de refletir o “estado de espírito” de um período muito específico, encontram uma forma de contaminar meninos como eu, que ouviram este álbum já nos anos 90, contrabandeado via internet.

Ainda me pergunto: um Forever changes by Neil Young teria dado pé?

Acredito que Forever changes dê conta de ilustrar (e muito bem) qualquer seminário sobre a psicodelia sessentista. Mas, ao mesmo tempo, existe no disco um discurso subterrâneo, emotivo, que tem algo atemporal – que fala diretamente a qualquer um; ontem, hoje e amanhã. Porque, ao fim e ao cabo, o que ouço é um épico sobre um homem (Arthur Lee) tentando desafiar o pop.

O tipo de aventura louca que encontramos num disco como Sgt. Pepper’s, dos Beatles, e no próprio Pet sounds.

A diferença, creio é, é que Lee me parece um sujeito menos apolíneo que um Brian Wilson ou um Paul McCartney. Há trechos em Forever changes em que ele simplesmente se deixa levar. E é essa tensão entre o desejo de criar (e é um dos discos mais docemente inventivos que ouvi) e a vontade de se largar na correnteza de uma época que faz dele algo único.

E, mesmo quando abandonamos todo esse contexto (os anos 60, o rock psicodélico, a lisergia de Arthur Lee), ainda restam algumas das canções mais apaixonantes do rock: antes de soar estranhas (e, enfeitadas de exotismos hippies, elas destoam da cartilha beatle-stoneana da época), faixas como Alone again or, Andmoreagain e A house is not a motel nos conquistam de uma jeito mais primário. Como se já existisse beleza nos ossos dessas músicas.

É por isso que, quando sai a notícia de um relançamento de Forever changes, fico feliz: é como se Lee vencesse uma nova etapa numa jornada já muito longa. Quanto mais o tempo passa, nos livramos da obrigação de classificar este disco como o símbolo de uma época. É sim. Mas não é por isso que voltaremos sempre a ele, deslumbrados como crianças num parque de diversão. Top 3: Alone again or, Andmoreagain, Bummer in the Summer.

Após o pulo, veja os outros discos que apareceram neste ranking.

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Mixtape! | Música de estimação

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Numa época distante, quando o marcador de visitas deste blog mostrou o número 100 mil, este blogueiro carente ficou todo vaidoso e postou um textinho emocionado sobre o fato.

Cerca de um ano depois, o blog bateu a marca dos 200 mil “hits”. Este blogueiro, então, postou um parágrafo sobre o caso. Mas ali o tom era irônico: o que representava aquele número? Seria uma boa notícia (muitos visitantes na área!) ou uma má notícia (no mesmo período de tempo, um site mais concorrido talvez atraísse mais gente)?

Ainda não sei.

De qualquer forma, virou tique: o alarme deste blog dispara sempre que o contador mostra um número redondo e grandalhão.

Pois bem: chegamos aos 300 mil. Para comemorar, preparei uma mixtape especial.

Falando francamente: o acontecimento é apenas uma desculpa para a existência desta coletânea de músicas; que, diferentemente das mixtapes mensais, não têm nenhuma obrigação de apresentar faixas recentes.

A plano era usar uma certa amostragem (os CDs que tenho no meu apartamento; não são muitos) e, com ela, criar uma seleção de canções de estimação. É apenas uma parte muito pequena delas, adianto (já que muitos dos meus CDs não estão no meu apartamento; e, além disso, algumas das minhas músicas preferidas eu guardo apenas em MP3).

Dito isso, o disquinho acaba espelhando a minha reação à tristeza de amigos que terminaram namoro recentemente. É uma espécie de break-up record, portanto. Mas com melodias muito dóceis. Um disco levinho sobre temas pesadíssimos. Talvez seja um CD sobre o medo da separação, do ponto de vista de um sujeito que está vivendo uma relação muito tranquila e feliz.

A lista de músicas está na caixa de comentários, mas recomendo fortemente que você faça o download, e sem muita desconfiança – ao contrário das mixtapes mensais, que têm limites muito estreitos, esta aqui é a mais sentimental e pessoal de todas. Acho que vocês vão gostar.

No mais, ela foi feita especialmente para quem visita este blog com mais frequência. Sem vocês, não teríamos chegado aos 300 mil hits — para o bem ou, ainda não sei, para o mal.

(e vai ser interessante se vocês comentarem o CD, mas não vou cobrar muito desta vez).

Faça o download da mixtape-bônus

Trecho | Na galeria

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“Então. Haverá um período de nada e aí a próxima exposição. Victoria Hwang, em meio de carreira, subvalorizada, mas começando a atrair sérias atenções por razões que Peter não consegue decifrar totalmente: essas coisas podem ser misteriosas, algum consenso visceral entre um corpo pequeno, mas influente de pessoas, de que é hora, de que esses objetos de repente são mais importantes do que pareceram a princípio. São malucas, essas mudanças de ares. Não são calculadas, não no sentido de uma conspiração de marchands internacionais (às vezes ele gostaria que fossem), mas não são exatamente sobre arte também. São reações impossíveis de tão intrincadas a um bilhão de minísculas mudanças na cultura, na política, nos íons da maldita atmosfera; não podem ser previstas, nem entendidas, porém dá para sentir que estão chegando, como animais que se acredita serem capazes de sentir um terremoto horas antes de ocorrer.”

Trecho de Ao anoitecer, de Michael Cunningham

Os discos da minha vida (top 10)

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Neste episódio prateado da saga dos 100 discos que reluziram na minha vida, um great oldie que sempre vai soar jovem. Ou: nenhum top 10 faz sentido sem Bowie. Para quem não conhece, recomendo o seguinte: pule o texto (que está qualquer nota) e vá ao MP3. Em 3, 2, 1…

007 | The rise and fall of Ziggy Stardust and The Spiders from Mars
David Bowie | 1972 | download

Não ouço este disco já há algum tempo. A vantagem é que posso observá-lo com um certa frieza, sem que este texto se transforme num melodrama cósmico. Se bem que, no caso, todas as músicas começam a rodar no meu cérebro – uma jukebox alienígena – assim que leio o nome do álbum.

Ziggy Stardust and the Spiders from Mars. Ah. Este, para mim, é a piada mais sincera: um grande disco de rock e, ao mesmo tempo, uma perfeita caricatura daquilo que esperamos de um grande disco de rock. Uma farsa muito da esperta, às vezes cínica — mas que nos emociona, ô, sim.

No post anterior desta saga de 100 discos, tentei explicar meu amor por Doolittle, do Pixies. Não consegui. Este aqui me parece um caso mais fácil. É que o disco de Bowie consegue (naturalmente!) combinar ironia e afetuosidade, em medidas equivalentes. E essa alquimia é a poção mágica que sempre procurei em filmes, livros e que, mais tarde, eu tentaria (sem sucesso, eu sei) aplicar aos meus textos.

O que Bowie faz é complicadíssimo, mas às vezes parece tão jocoso — quase vulgar — que muitos fãs do sujeito preferem se escorar em álbuns mais respeitáveis: Low, até Aladdin Sane. Ziggy soa como uma troça, uma charge grotesca dos excessos de popstars. É ingênuo. É pueril. Parece até que pede para não ser levado a sério.

Mas vamos lá: é nesse formato teatral, camp, debochado, que Bowie encontra os balangandãs para cravar os dentes num pop melódico, fácil, maquiadíssimo. É desse desejo pelo chiclete mais doce que surgem canções como Moonage daydream e Suffragette City. Conheço poucos discos de rock que soam tão viciantes. Parece que ele ri da nossa cara: você vai ter vergonha de amar tudo isso com tanta intensidade.

Essa, no entanto, é só a parte mais rasteira da lenda.

Lembro que descobri o disco numa época em que eu estava fissurado em Daft Punk e Air — principalmente na forma como os franceses iam buscar no pop mais fuleiro, kitsch, as sucatas para converter em love songs futuristas, soft rock com coração, synthpop de morango (e aqui, meu irmão, não estamos falando em sarcasmo, mas em amor pelo sarcasmo). O disco de Bowie, naquele contexto, me parecia um elo perdido.

Daí que, quando descobri Ziggy Stardust, me vi abandonando todas as minhas bandas preferidas para dar um mergulho na gelatina de Bowie. Descobri álbuns extraordinários — e personagens que renderiam as mais surreais das graphic novels. Mas Ziggy permaneceu acima de todos: era o disco para onde eu voltava todas as tardes, faminto, como quem faz questão de exagerar na sobremesa.

São dois efeitos provocados pelo disco, e acho que eles se complementam: pode ser ouvido como uma das mais perfeitas coleções de hits (e existe outra tão adorável?), e também como uma sci-fi delirante sobre uma década que explodiu em glicerina, purpurina e teclados estridentes (no fim do disco, quando nosso herói sai melancolicamente de cena, começam os anos 80).

Dizem que o álbum ajudou na invenção de um gênero (o glam rock). Pode ser que sim. Minha relação com ele é descomplicada: desde a primeira audição, entendi onde eu pisava. Adolescentes gostam de implodir os clássicos, certo? Em mim ele provocou o mesmo impacto dos primeiros discos dos Beatles: antes que eu pensasse em avaliá-lo objetivamente, eu já estava hipnotizado, perplexo, flutuando no espaço sideral. Top 3: Moonage daydream, Ziggy Stardust, Soul love.

Após o pulo, veja os outros discos que apareceram neste ranking.

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Last summer | Eleanor Friedberger

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Perdão, amigos e (supostos) leitores, mas Eleanor é de casa. Ela frequenta este blog antes de vocês. Ela tem a chave da sala. Ela não precisa telefonar antes de dar uma passada aqui no quintal. Vocês deveriam respeitá-la, sabe? Ou, ao menos, tratá-la educadamente.

Mas, ainda assim, eu teria que apresentá-la novamente a vocês? Acho que não. Sim?

Ela, Eleanor, nasceu em Illinois, tem 34 anos e criou uma banda de rock com o irmão, Matthew Friedberger. O nome da dupla é Fiery Furnaces — e, se você ainda não a conhece, talvez não frequente este blog há tanto tempo.

Desde Blueberry boat (2004), um desses épicos extravagantes e maravilhosos que quase ninguém ouviu (porque o mundo é injusto), o Fiery Furnaces está entre as minhas bandas americanas de estimação. Eles gravam discos que soam às vezes como provocações, às vezes como jogos de armar, quase sempre como brincadeiras inconsequentes.

Num deles, a avó dos indies travessos narra longas histórias de juventude sob uma trilha de melodias e ruídos. É quase insuportável, eu sei, mas né.

O importante é que mano e mana quase nunca me decepcionam. Sei o que não vou encontrar num disco do Fiery Furnaces: o óbvio, o previsível. E, quando não encontro o que sei que não vou encontrar, fico empolgado. Eles soam cósmicos e estúpidos, simultaneamente. Se fosse um filme, o Fiery Furnaces seria uma versão de 2001 — Uma odisseia no espaço encenada pelos Muppets.

Mas entendo, é claro, por que quase ninguém dá a mínima para álbuns tão cheios de idiossincrasias. Os fãs do Fiery Furnaces (e me incluo entre eles) se afeiçoam por peças defeituosas e desafinadas. Notamos algo charmoso nas meninas que gaguejam diante da plateia – e nos cachorros de três patas.

Digo tudo isso porque (e agora chegamos à parte chata do post) o futuro do Fiery Furnaces me parece preocupante. Sério. E acredito que os outros fãs também deveriam coçar o queixo. Desde I’m going away, o disco mais recente deles, a banda ameaça soar… inofensiva. Gosh! Não queremos nosso cão briguento ceda às medonhas pressões da sociedade.

Gosto do disco. Gosto muito, aliás. No contexto criado pela banda, ele soa surpreendente — já que ninguém esperava do Fiery Furnaces um álbum tão dócil, às vezes quase singelo. E I’m going away é um pouco isso, ainda que um tanto tocante na forma desastrada como Matthew e Eleanor tentam sintonizar referências de pop rock setentista. São meninos arruaceiros tentando prender o riso (e o choro).

Uma baita mudança, de qualquer forma. Um desvio rumo à (argh) normalidade. Talvez a “culpa”, percebo agora, tenha sido de Eleanor.

Os discos solo de Matthew arregaçam as estranhezas do estilo-Fiery: puzzles sempre incompletos (e às vezes irritantes de tão incompletos, mas nós fãs gostamos das lacunas e dos hematomas). Last summer, a estreia solo de Eleanor, praticamente segue do ponto em que I’m going away havia parado. É o álbum mais acessível, mais agradável, gravado por um integrante do Fiery Furnaces.

E um projeto que talvez venha a representar uma ruptura para a banda (vamos torcer para que isso não ocorra). Hoje, o Fiery Furnaces soa como um ser dividido em dois — entre Matthew, o animal abstrato, e Eleanor, a guardiã das melodias aprazíveis. Não sei se eles ainda têm gana para nos surpreender (espero que sim), mas esses disquinhos on-our-own revelam com certa crueldade que os irmãos se distanciaram um do outro. Ainda que permaneçam, ambos, avessos a tomar caminhos simplezinhos.

Repare em Inn of the seventh ray, a segunda faixa de Last summer: soa como uma versão para uma velha música de Johnny Cash, mas fuzilada por raios violeta. Ou no desfecho do disco, que parece sugerir a imagem de uma lagoa plácida, mas tomada por neblina. Mesmo quando tenta soar absolutamente mundana (músicas gravadas entre o despertar e o café da manhã, digamos), Eleanor cobre essas canções com uma manta de estranheza — muito sutil, mas sempre presente.

São, por fim, crônicas de um verão mais ou menos ruim — mais ou menos um verão qualquer. “Você disse que não seria tão ruim. Mas foi pior”, ela canta, falando sobre o ano de 2010 em Glitter gold year. Unsexy como comprar cereal sem pentear o cabelo.

O objetivo mais superficial, no entanto, é o de formatar faixas simétricas, que descem macio. My mistakes, por exemplo, dá todas as coordenadas do passeio: versos em primeira pessoa, com a prosa de um diário (em que quase nada muito constrangedor acontece), e arranjos quase meigos. Mais Nashville skyline, (bem) menos Bringing it all back home.

Talvez a intenção da nossa musa tenha sido gravar um disco inteirinho no tom descomplicado de I won’t fall apart on you tonight, uma das canções inesquecíveis do ano. Facinho, bobinho, homemade, acolchoado por saxofones e violões folk: um disco solo na veia de McCartney (1970), digamos. Concebido para o mundo paralelo em que o Fiery Furnaces se sai como uma versão degenerada dos Beatles.

Ok, pra você esse mundo alternativo não existe nem nunca existiu. Mas vá lá, ouça o disco enquanto eu tento me colocar no seu lugar.

Primeiro disco solo de Eleanor Friedberger. 10 faixas, com produção da própria cantora. Lançamento Merge Records. 7/10

Get real, get right | Sufjan Stevens

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O clipe novo do Sufjan Stevens é brincadeira de criança: papel cortado, pinturas coloridas, anjos e naves espaciais. Tudo simplezinho (a arte é de Royal Robertson; a direção, do próprio Stevens), como que para contrastar com os climões do disco mais recente do homem, o ótimo The age of adz. O vídeo não me tirou do chão, honestamente, mas a música é a minha favorita do álbum (entrou até numa mixtape do ano passado). Então, cá está a belezinha.

Skying | The Horrors

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Tenho uma tese sobre o The Horrors e ela é simplória, bobinha, infantil mesmo: pra mim, a relação entre a banda e os admiradores (e aí inclua uma parte grande da imprensa inglesa) é de amor. E amor a gente sente, a gente vive, a gente curte. Amor a gente não explica, né mesmo?

Falando sério (mas nem tanto): quando leio uma resenha absolutamente elogiosa sobre um disco da banda, me pego diante de uma prosa que me lembra cartas apaixonadas. E o lugar-comum não mente jamais: sabemos que o amor, apesar de lindo, nos cega.

É um caso atípico nos arquivos do indie rock, creio eu. Tome Primary colours (2009), por exemplo. Há quem o encare com ceticismo desapaixonado. Eu, por exemplo. Reconheço a bravura da produção, mas me irrito quando a banda trata as referências de shoegazing e dream pop de um jeitão superficial e single-minded, como quem decora as letras do My Bloody Valentine para impressionar a namorada deprê.

Mas há os que veem no disco uma espécie de obra-prima britânica, um monumento que define sei-lá-o-que, ainda que eles não consigam oferecer argumentos suficientemente extensos ou (a meu ver) convincentes para justificar o afeto. Talvez porque (e que o clichê me ajude novamente) não dê pra explicar essa coisa que chamamos de amor.

Nada contra essa entrega louca, aliás. Amamos os discos e as bandas como amamos nossos animais de estimação e os programas de tevê favoritos. Com eles nos identificamos. A eles juramos fidelidade. No mais, quem sou eu para julgar esse tipo de relação obsessiva, radicalmente sentimental, com os nossos hobbies?

Este textinho apressado, portanto, não vai espezinhar quem vê no Horrors uma espécie de banda-dos-sonhos. Vou tentar algo menos cruel: o que me interessa neles, e agora mais que nunca, é esse talento para despertar paixões. Isso e quase apenas isso. Quando ouço Skying, começo a entender o fenômeno (ainda que não consiga ainda me importar terrivelmente por ele).

É um álbum que deve ampliar o fã-clube e aquecer o coração de quem ama a banda. Espero reações delirantes, superlativos enlouquecedores, tweets chorosos, acesso VIP nas listas de melhores do ano. E vou encarar tudo isso sem grande surpresa, porque o The Horrors é uma dessas bandas inglesas que não querem apenas um público: ela deseja um séquito.

Nesse ponto, é previsível o entusiasmo da crítica britânica, que há muito procura uma nova associação recreativa do porte de um Oasis, de um Stone Roses. Em Skying, o The Horrors assume de vez essa condição de mascote-de-estádios, e com franqueza, autoridade. Difícil acusá-los de hipocrisia. Não: eles nos conquistam principalmente porque entendem a nosso gosto por discos que pensam grande, e se dedicam ao ofício com gana, paixão. Suam a camisa, como dizem os boleiros.

O álbum, simplificando bem, é shoegazing e psicodelia amplificados aos padrões do rock oitentista: soturno, grandalhão e acessível. Alguém comparou a Simple Minds, e não devíamos dar risadinhas porque o caminho é esse mesmo: o Echo and the Bunnymen de Ocean rain seria outro atalho para Skying (e vai ser divertido ler os comentários positivos de gente que detesta The suburbs, do Arcade Fire, outro dos nossos novos discos oitentistas).

Acontece que, ao expor os músculos pop que estavam ofuscados pela maquiagem pesada de Primary colours, o The Horrors começa a soar mais convencional, ainda que mais (digamos) apaixonante. Skying é para ser amado intensamente: mais ou menos como se o Deerhunter decidisse assinar com a Warner, gravar um clipe com o Spike Jonze e jogar para a torcida.

O Deerhunter, aliás, é tudo o que o The Horrors quer ser e (talvez por ter nascido tão britânico) jamais conseguiria. Porque, no caso dos ingleses, existe uma ambição por grandiosidade. E uma ambição um pouco ultrapassada (da mesma forma como acontece no disco mais recente do Arcade Fire), que faria mais sentido numa época menos dispersiva. Skying é um disco de indie rock para plateias enormes — mas onde elas estão? E, no mais, elas se importam?

(E aí você responde: estão nos grandes festivais europeus, as plateias enormes. Sim, assistindo a Foo Fighters e Arcade Fire. Mas ainda acredito que Radiohead e Deerhunter representam melhor os anos 2000 do que Arcade Fire e The Horrors)

Quando olhamos para o rock contemporâneo, uma banda como o Deerhunter soa mais realista, mais urgente que uma banda como o The Horrors. Mas o Horrors entende a nossa necessidade de super-heróis, sabe que ainda gostamos de álbuns com início, meio e fim — e, no mais, percebem a saudade que sentimos de uma época que moldou nosso gosto por música pop. É uma banda que dialoga intimamente com a minha geração, com tanta fluência que nos parece adorável mesmo quando não sabemos explicar por que.

É o que sinto quando ouço I can see through you, por exemplo. Ou as ambiências de Still life. Por alguns minutos, elas soam como as canções mais empolgantes da minha vida. Quando, após 54 minutos, as caixas de som silenciam, percebo o entusiasmo era um tanto ilusório. Neste terceiro disco, o The Horrors ainda é a banda que me lembra outras bandas – são fãs dedicados, saudosistas, que calharam de tocar guitarras.

Às vezes emociona. E daqueles discos que soltam fumacinha do nariz, que não passam discretamente, que querem nos convocar para uma guerra. Mas por que ainda me deixa com a sensação de uma obra que deriva excessivamente de outras e que, por fim, não tem algo tão interessante a comentar?

Acho que desse amor fatal, incondicional, eu fui poupado.

Terceiro disco do The Horrors. 10 faixas, com produção da própria banda. Lançamento XL Recordings. 7/10

Harry Potter e as relíquias da morte – Parte 2

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Um amigo “pottermaníaco” tenta me convencer de que a saga de J.K. Rowling é uma grande metáfora subversiva sobre o horror da vida escolar. A ideia me atrai — ainda tenho pesadelos sobre semanas de provas. Mas sei não, meu irmão: os episódios finais da série — e principalmente este Harry Potter e as relíquias da morte – Parte 2 — me parecem muito mais comportadinhos que a nossa imaginação, adaptações literárias corretas, asseadas (e elegantes) como ensinam os cadernos de caligrafia mais amarelados do cinema britânico.

E, antes que puxem minha orelha, vou pular o parágrafo sobre os efeitos de catarse que este desfecho vai provocar nos fãs do herói. Porque o fã, é claro, vai gostar — e vai gostar porque é fã. O que me interessa, neste caso, não é chorar a despedida do bruxinho (eu até acho que ele demorou muito para sair de cena; os longas, ainda que rigorosamente eficientes, se repetem), mas lamentar o destino da franquia: o filme-de-colégio se transformou numa fantasia de guerra mais ou menos genérica, que me lembra O senhor dos anéis e As crônicas de Nárnia.

O problema, é claro, está no livro. Porque David Yates, o cineasta in command, não faz mais que isso: criar encenações pomposas, “épicas”, mas que não traiam o texto de Rowling. O que é uma pena, já que o texto limita o filme (ainda que o filme me entusiasme mais que o texto), obrigando o roteirista a incluir personagens secundários e palavrinhas codificadas que os leigos (ou, no linguajar da série, os “trouxas”) não vão entender. Aposto que Yates, o diretor de Harry Potter e o enigma do príncipe (o meu preferido da série, que se garante como uma fitinha dark sobre a adolescência), teria preferido começar o filme de outra forma, sem tantas preliminares truncadas. Mas falta a ele o fervor fantasioso de um Peter Jackson, aquela alegria louca de exterminar seres digitais. Talvez o sujeito até goste do que faz — mas não demonstra, possivelmente porque a intenção aqui é ir à luta com pragmatismo, sem inventar ou sonhar muito.

Os discos da minha vida (top 10)

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A maratona dos 100 discos que salvaram, infernizaram a minha vida segue no top 10. O destino: a minha ideia de paraíso. 

Uma viagem perigosa, sim. Voltar ao álbum desta edição, meus amigos, me deixou com muito medo do top 5. Porque, vocês sabem, perco um pouco a noção quando escrevo sobre o que amo loucamente.

008 | Doolittle | Pixies | 1989 | download

Antes dos Pixies eu já conhecia Nirvana, Beach Boys, Ramones, David Lynch, um pouco de Buñuel e um tantinho da Bíblia. Mas, ainda assim, eu não estava pronto para Doolittle.

Porque o álbum me parecia bizarro, só que de uma forma agradável. Ou, virando a frase de ponta-cabeça: agradável, só de que uma forma bizarra. Diante da criatura deformada (e bela), passei um tempo coçando a cabeça.

Eu conseguia, por exemplo, me identificar com a ansiedade de Black Francis (o homem, o personagem, o ogro, o serial killer, o comediante). E Doolittle é um disco ansioso. Ansiedade, esse sentimento que todo menino de 15 anos compreende intimamente.

Ao mesmo tempo, Doolittle soava como um disco que se esforçava para soar degenerado. Um jogo calculado para nos chocar. Trata de morte, surrealismo, suicídio em massa, macaquinhos mortos, Sansão & Dalila. Mas tudo acabava soando cômico, divertido. O horror convertido em farsa. “O conceito é entreter”, dizia Black, meio que para confundir as coisas.

Não sei ainda se entendo o cinismo do disco (ainda que me pareça muito clara a influência sobre Nevermind, outro álbum punk ultrasarcástico e juvenil, adulterado para soar pop), mas, mesmo polido, ele soa tão psicótico, tão esquizofrênico e lúdico quanto os versos de Black.

É um daquelas discos em que a produção colide (de propósito) com as melodias. As melodias, por sua vez, espelham as letras — que, por sua vez, compõem um território muito específico. É uma coleção perfeita, exatinha, de canções muito tortas. Um “tour” ordenado a uma mente caótica.

Começando pelo começo: descobri o disco em meados dos anos 90, numa época em que os CDs importados chegavam aqui a preços simpáticos (R$ 20, em média) e estavam disponíveis na lojinha da superquadra ao lado. Eu ia a pé (e, para isso, cruzava um terreno baldio, cheio de mato e barro) para visitar uma dessas lojas, quase todas as tardes.

Eu era um moleque enxerido e talvez curioso demais, que chegava mais cedo na Cultura Inglesa para ler os semanários de rock. Mas um moleque sem dinheiro. Um moleque tímido e sem dinheiro, mas enxerido e talvez curioso demais. Daí que, na loja de importados, eu pedia para ouvir os CDs antes de comprá-los. Pedia timidamente. Se eu gostasse dos discos, fazia anotações para pedir de presente de aniversário (ou de Natal).

Naquele período, anotei no caderninho: Slanted and enchanted, do Pavement, Mighty Joe Moon, do Grant Lee Buffalo, e Sister, do Sonic Youth. O balconista viu o papelzinho e soltou uma risada cruel. “Você só precisa de um CD. Este, irmão”, e apontou para Doolittle.

Não o levei muito a sério (o sujeito cantava numa banda de shoegazing, que na época eu detestava), mas, depois de ler um comentário muito positivo de Kurt Cobain sobre o disco, resolvi dar uma chance. Ouvi uma vez, achei engraçadinho, mas não comprei. Não me convenceu. Demorou para me convencer.

Alguns meses depois, cedi à insistência do amigo vendedor. E, graças a ele, a história começou.

Logo, fui fisgado. As músicas soavam imprevisíveis, cheias de surpresas, pecinhas de um quebra-cabeça genioso, o tipo de brincadeira que não cansa — e, claro, tão ansiosas quanto meu primo de cinco anos de idade. Mas o que me capturou foi o espírito enigmático da obra: decodificar o CD se transformou num hobby que ocupou praticamente um ano inteiro da minha vida.

Na pré-história da internet, antes do Napster e do Google, eu fuçava cada número amarelado des semanários à procura de informações sobre as músicas. Quando foi que Black Francis viu Um cão andaluz? O que representam as imagens fúnebres de Wave of mutilation? Monkey gone to heaven é mesmo uma canção ecológica? Perguntas e mais perguntas (algumas, resolvidas quase 10 anos depois).

Acabou que o disco foi perdurando enquanto outros passavam. Slanted and enchanted, apesar de fatal, passou. Mighty Joe Moon, que amo, não me intrigou de tal forma. E, aos poucos, fui criando uma relação com o Pixies que equivale ao fã de futebol: eu queria ter todas as camisas autografadas, todas as figurinhas (repetidas ou não), os singles, os pôsteres.

E, se o Nirvana era uma banda que me afetava na catarse, o Pixies alegrava minha imaginação. Era a trilha para Pierrot le fou, do Godard, que eu descobriria alguns anos mais tarde. Um e outro me pareciam obras aventureiras, destemidas, que iam ao inferno e voltavam com um sorriso e uma flor. E que, talvez contra minha vontade, soavam agradáveis. De um jeito louco que não consigo explicar. Top 3: Gouge away, Debaser, Tame.

Após o pulo, veja todos os discos que já apareceram nesta lista.

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Trecho | Itinerário do autor

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“O itinerário de um autor é sempre mais ou menos o mesmo: um cineasta, decerto conhecido mas incompreendido, ou invisível como artista em seu próprio país, é valorizado pela cinefilia parisiense. Seus filmes são vistos, notados, as revistas apoderam-se dele a golpe de críticas e filmografias comentadas e, logo, programações especiais são organizadas por algumas salas. Em seguida o próprio cineasta é contatado, convidado a ir a Paris por determinados cineclubes, convocado para longos encontros e entrevistas. A entrevista é publicada, acompanhada de um ou vários textos enaltecendo seu estilo, sua mise en scène marcante de filme para filme – publicação aguardada principalmente nos Cahiers du Cinéma, a pequena revista (5 mil exemplares) de capa amarela criada em abril de 1951, referência mais importante para os cinéfilos. E alguns meses, alguns anos mais tarde, depois de os jovens críticos dos Cahiers du Cinéma ficarem famosos, aqueles ex-artistas secundários de Hollywood ou de Roma, já cineastas em Paris, são revistos, depois defendidos e estudados nas universidades americanas ou italianas.”

Trecho de Cinefilia – Invenção de um olhar, história de uma cultura – 1944-1968, de Antoine de Baecque

It’s all true | Junior Boys

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Por que mantemos relações tão promíscuas com os indefesos, bem intencionados, inocentes discos de música pop. Hem? Por quê?

Ok, ó leitor, vou poupá-lo desta. Refazendo a pergunta: por que eu, o pecador no confessionário, trato a música pop desta forma inconsequente, como se este blogueiro regredisse à condição de um rapazote ansioso, deslumbrado diante das novas meninas da classe?

É um comportamento obsessivo que às vezes me perturba um pouco. Se eu tratasse as pessoas do jeito como trato a música, teria que trocar de amigos a cada semana. Meu trabalho me entediaria nos primeiros 15 dias. Minhas namoradas não durariam dois meses (felizmente, não é o que acontece; e, pelo menos com isso, ninguém precisa ficar encucado).

Já me perguntei mil vezes, e lá vai a milésima primeira: no pop, por que o que é desconhecido, novo, me estimula mais do que os sons familiares, os velhos chapas, os bróderes mui confiáveis? Por que estou investigando bandas que apareceram anteontem quando eu deveria estar testando o disco mais recente do Neil Young? O que elas têm? Por que eu preciso conhecê-las? Por que elas me empolgam?

Não faço ideia, meu irmão. Não mesmo. Só sei que sou um novidadeiro compulsivo e nada pode me parar agora (talvez exista cura se, talvez, que eu me obrigar a ouvir Paul Simon e R.E.M. a cada Cults/Washed Out).

Veja: não é muito agradável ser assim (escrevo este post um pouco envergonhado, acredite), porque corro o risco de perder bons discos simplesmente por me desinteressar nas primeiras audições – mais ou menos como o garoto hiperativo que abre o berreiro quando descobre que já tem o brinquedo que acabou de ganhar no aniversário.

Em muitos casos, eu sei que estou cometendo injustiças terríveis com discos que simplesmente não me animam por soar confortáveis aos meus sentidos. Começo a ouvir o novo do Eddie Vedder e paro na terceira música – já sei o que vem em seguida. O do R.E.M. me parece simpático, mas não vou perder muitas noites com ele.

Ouço com atenção, é claro. Se pretendo escrever algo sobre, sou sério feito um beagle. Tomo distância para notar se ele me agrada ou não. Uso todos os critérios objetivos e sentimentais a que tenho direito, sim. Mas logo me afasto e parto pra outra. Nesse tipo de relacionamento, me porto como um cachorrão.

Mas é uma pena, porque, como eu dizia, há vezes em que deixo passar love stories extraordinárias. Discos que, em alguns casos, acabam me pegando no contrapé, em situações inesperadas. Que coisa louca, né? A menina que já cafajestinho beijou e abandonou volta à classe para, aí sim, o conquistar de vez.

Em frente ao quadro negro, cá está It’s all true, do Junior Boys. Amor à terceira (talvez quinta) vista. Um discaço, mas que me parecia absolutamente ordinário.

A culpa, reconheço, é minha. E aposto que outros resenhistas, que também sofrem desta síndrome do consumo acelerado de cápsulas de MP3, trataram de descartar este pitéu assim que notaram que ele, aff, não soava tão surpreendente assim. Parece, num primeiro encontro, apenas mais um disco do Junior Boys.

Mais que isso: parece um disco que não avança muito se comparado a tudo o que os canadenses gravaram. Zona de conforto, entende o que digo? O anterior, Begone dull care (2009), já deixava certo sinal de estagnação. Nossas lembranças do ótimo So this is goodbye (2006) ficavam mais distantes, borradas na memória feito paixonite de cinco anos atrás.

Minha avaliação, totalmente cruel, era de que Jeremy Greenspan e Matt Didemus perderam o sex appeal. Gravaram um poderoso de um break-up record e depois foram se desintegrando na paisagem da música pop, satisfeitos com a condição de indietronica e synthpop para festas chiques, consultórios de dentistas antenados, elevadores (finos) e lojas de grife.

It’s all true parece dar sequência lógica a esta trajetória (decadente, desinteressante). Mas não quando nos aproximamos dele com mais cuidado. Aí, o disco acaba se revelando tão pungente quanto os melhores da dupla.

Admito que ouvi o álbum pela primeira vez enquanto digitava um texto sobre qualquer coisa. Não me concentrei. Na segunda vez, eu estava devorando frango xadrez. Na terceira, lendo um livro bacana. Na quarta, jogando boliche (ok, mentira). Acontece que só descobri de verdade o safado quando o gravei num CD e comecei a ouvi-lo, em volume alto, enquanto dirigia ao trabalho. Foi ali que o flerte barbarizou.

Acho que porque, no carro, todas aquelas canções já estavam incubadas no meu ouvido, prontas para desabrochar. E, quando a primavera chegou, o que ouvi foi um CD que pede gentilmente para que iniciemos um caso fixo, sério, monogâmico (se bem que aí seria pedir demais). Estaremos juntos na manhã seguinte.

Hoje, gosto tanto do disco que fico um pouco constrangido com meus comentários levianos sobre ele. It’s all true tem apenas nove faixas, mas eu não descartaria nenhuma. Os versos também me parecem viciantes (e sábios). É como se a banda acompanhasse o narrador, agora cético e gélido, de So this is goodbye em aventuras amorosas que quase sempre não dão muito certo. Me pego torcendo por ele.

Se os arranjos eletrônicos sugerem frieza quase metálica, as letras se revelam ora afetuosas, ora bem humoradas. “Me encare por um pouco mais de tempo, como os competidores fazem”, pede o narrador de Playtime (uma das canções mais estranhamente sexies do ano). Em Itchy fingers, o clima é de terror sentimental: “Eu preferiria te soterrar com um papel dobrado, só para ver você morrar”, e o tom impassível da interpretação tem algo de psicótico.

E, na desiludida A truly happy ending, aparece o desabafo que resume este capítulo: “Nunca vi, nunca estive num final feliz verdadeiro. Chego muito perto, mas ele sempre desmorona.” É tudo verdade?

A história de bastidores é um tanto óbvia (e monótona, vá): envolve uma viagem de dois meses à China que “revigorou” Greenspan. Ok, dá um bom material para a imprensa. O importante é que esse entusiasmo recém-adquirido, ainda que não represente rupturas para a banda, comprime o estilo do Junior Boys a um ponto em que sobrevivem apenas os elementos mais característicos de uma sonoridade agora em constante tensão, com sintetizadores que nos espetam sem cessar. Não à toa, as duas faixas do desfecho (ep e os nove intensos minutos de Banana ripple, arquiteturas impressionantes de vidro e aço) são as inesquecíveis: desta vez, não há como relaxar os músculos.

É chato falar em maturidade (discos “maduros” podem soar um tanto aborrecidos, como se não houvesse o que experimentar além de um lento aperfeiçoamento do template), mas o Junior Boys parece ter finalmente entendido o temperamento da banda. E aqui, como em nenhum outro disco que gravaram, eles criam canções que parecem inofensivas e artificiais até o momento em que violentamente cravam os dentes.

Não é tão agradável quanto parece (apesar de dançante, galante, e nunca enfadonho). Pode ser interpretado como uma espécie de So this is goodbye, parte 2. Se bem que, perto desses versos amargos, os daquele álbum parecem até um tanto juvenis. A primeira despedida, eles nos ensinam, é brutal. Mas a segunda… Quem tem a coragem de escrever discos sobre isso?

Na vigésima audição, It’s all true amedronta. Mas vou dar um belo de um desconto se você não chegar até lá, não sentir nada disso, parar na terceira tentativa e partir pra outra. Acontece. Na música pop, sei o que acontecem com os meninos que só pensam em ir atrás de um rabo de saia. E quem sou eu para passar lição de moral?

Quarto disco do Junior Boys. Nove faixas, com produção da própria banda. Lançamento Domino Records. 8/10

Os discos da minha vida (top 10)

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E não é que a interminável lista dos 100 discos da minha vida está chegando ao fim? Conforme o prometido, nada de textos pomposos antes dos álbuns propriamente ditos. Dois informes, apenas (e velhos informes, para quem já conhece esta brincadeira): 1. o ranking é absolutamente pessoal, então nem venham com a história de que o outro disco da banda é melhor; 2. recomendo, as usual, o download.

009 | Unknown pleasures | Joy Division | 1979 | download

Sombrio. Taí um adjetivo que deveria vestir o casaquinho e se retirar do salão (e sim, estamos falando no Grande Salão da Música Pop).

Há palavras que, de tão reprisadas, perdem o sentido. Reconhecemos a sonoridade, entendemos razoavelmente as emoções evocadas, mas temos a impressão de que elas podem se adaptar a todos os ecossistemas — para se referir a qualquer coisa, pessoa ou evento. Merecem, portanto, o ostracismo.

O termo tem tantas utilidades que me pergunto: o que não é sombrio? Há canções sombrias em discos do Green Day e da Beyoncé. Há quem observe, aqui e ali, a faceta sombria da Lady Gaga. Aposto que há dissertações sobre a fase sombria de Madonna. O visual de Trent Reznor é definitivamente sombrio. Radiohead circa Amnesiac? Sombrio de chorar.

A little bit longer, do Jonas Brothers? É um cadinho sombria, sim senhor.

Mas, se retornarmos à raiz musical da expressão, na pré-história do chavão, tropeçaremos em Unknown pleasures. Será um tombo inevitável – o disco praticamente criou um estilo (e de um clichê, de um lugar-comum) que perduraria nas décadas seguintes, aplicado como modelo para dezenas, centenas de álbuns sombrios.

Closer, o disco posterior do Joy Division, me parece ainda mais tenebroso. Quase insuportável de tão ocre. Ele poderia estar nesta lista. Mas Unknown pleasures me atingiu como uma tentativa de sufocamento. Quando ouvi pela primeira vez, a minha vontade era de não ouvi-lo nunca mais. “É o suficiente”, pensei. Me parecia uma viagem sem volta – a um lugar muito, muito escuro.

Na época (18 anos de idade) eu era fã de fitas de horror, e ficava todo prosa quando desenterrava um italiano mais medonho, obscuro. Mas o terror de Unknown pleasures me assombrou de uma forma mais incômoda que qualquer longa-metragem. Era uma história terrível, mas com que eu me identificava. Não era um tempo feliz.

Há quem trate Closer como uma carta de suicídio ou um bilhete de despedida. Ian Curtis morreu dois meses antes do lançamento do disco, aos 23 anos — o que só fez engrossar um halo macabro que nunca o abandonaria. Unknown pleasures, em comparação, é um álbum até vibrante: o som de uma nova banda inglesa ansiosa para registrar canções de punk rock (mas sem saber exatamente como).

Após o lançamento, a própria banda estranhou o disco. Ele soava ruidoso, abrasivo e abafado demais, como se gravado dentro de uma quitinete apertada, e sem janelas. Quando ouvi pela primeira vez, pensei em pedir outro CD para testar a qualidade do som – talvez o meu estivesse com defeito. Mas não. Em 1979, uma banda de rock tinha o direito de lançar um long-play com aquela sonoridade “errada” e, ainda assim, ser admirada em semanários. Obviamente, no entanto, o álbum foi um fracasso de vendas.

O que não reduz em nada (talvez só aumente) o desconforto que ele provoca. Se produzidas com polidez esmerada, canções como Isolation e She’s lost control estariam entre os hits da época. Existe algo corajoso, contudo, na forma como elas são esmagadas pela mixagem, afogadas num lodo instrumental de teclados, baixo e bateria eletrônica que, apesar de arrancar o couro das melodias, compõem um ambiente único, original, que distancia o Joy Division de todas as grandes bandas daquele período.

E talvez nem seria correto incluí-los entre os grandes, porque o Joy Division ainda soa como uma experiência. Que serviria de rascunho para uma ótima banda pop (o New Order) e de referência para grupos extraordinários, mas que não ousaram desafiar o público tão frontalmente (o Radiohead, por exemplo, não gravou um disco tão sujo, e taí uma adjetivo-clichê que também renova o sentido quando associado a um álbum do Joy Division).

Não bastasse isso, Unknown pleasures (tal como Closer) está entre os discos mais desencantados que ouvi. Não existe disfarces para a sofreguidão de Ian Curtis: ele materializa uma persona romântica, atropelada e arrebentada, em canções que desabam abraçadas a ele. Não existe alívio, não há remédio: o disco vai quebrando aos poucos, se segurando para não cair.

A diferença é que, ao contrário de Closer, este álbum ainda tenta se inscrever no salão da música pop. Tente tocar as canções no violão: elas têm início, meio e fim. As danadas, apesar de arredias, convidam os fãs a criar versões que as banalizem (Moby e The Killers, por exemplo, tentaram simplificar o jogo e se deram mal). Mas não, não há sensações iguais às que encontramos num disco do Joy Division. Eles nos machucam, é verdade. Mas álbuns sombrios não deveriam, pelo menos de vez em quando, nos ferir de verdade? Top 3: She’s lost control, New dawn fades, Disorder.

Após o pulo, confira os discos que já apareceram neste ranking.

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