Mês: setembro 2008

Busca implacável

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Taken, 2008. De Pierre Morel. Com Liam Neeson, Maggie Grace e Leland Orser. 93min. *

Busca implacável é como um episódio rejeitado de 24 horas produzido por Luc Besson. Liam Neeson interpreta um experiente agente secreto que – nas palavras dele! – destruiria até a Torre Eiffel para salvar a filha adolescente das garras de traficantes albaneses.

A guria, talvez não por coincidência, se chama Kim.

É o tipo de filme a que assisto por obrigação e que recebe comentários maldosos até das assessoras de imprensa da Fox. “Achei o Jack Bauer um pouquinho caído”, comentaram ao fim da sessão.

Mas vamos supor que Besson tenha produzido (e co-escrito) uma espécie de paródia à européia da série de tevê. Nem assim ficará mais fácil digerir esse thriller de segunda mão que, nos melhores momentos, parece ter algo a dizer sobre a vida de celebridades da música pop. “Depois que acaba o glamour, é só aeroporto e quarto de hotel”, confessa a cantora superfamosa protegida por Neeson. Depois disso, ela é abduzida da trama.

Na longa seqüência de tortura (à Jack Bauer, claro), comecei a desconfiar das intenções do filme. Mas aí inventam de encenar o clímax num iate com decoração à Mil e uma noites com um sultão safado à espera de virgens norte-americanas vestidas de branco e… tá, não é engraçada, mas saquei a piada.

We are beautiful, we are doomed | Los Campesinos!

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Gravado em onze dias, lançado apenas oito meses depois do álbum de estréia e empacotado em 32 minutos de duração: We are beautiful, we are doomed é polaróide fresca. Fica parecendo até um experimento – concebido a partir da hipótese de que, para o Los Campesions, a espontaneidade vale mais que mil firulas de estúdio.

Mas vale?

Obra sem acabamento, tosca for fashion, o álbum nos transporta ao lo-fi do início dos anos 1990. Miserabilia cita diretamente os riffs de Weezer de Undone (The Sweater song). E há as canções com pontas soltas e dissonâncias que lembram o Pavement de Slanted and enchanted (All your Kayfabe friends, que fecha o disco). A diferença é que o Los Campesinos trabalha com uma estética de acúmulo de efeitos – de excessos e detalhes que não combinam com um formato à punk rock. De propósito, a banda faz rock superextravagante transmitido por um radinho de pilha.

Talvez seja por isso que tanta gente os abandone na primeira audição. Ouvir um álbum do Los Campesinos exige predisposição a uma sonoridade sempre over, sempre estridente. Mas garanto que, depois de um tempo, quando a estranheza desce pelo cano, os galeses se destacam por algo bem mais simples: o entusiasmo com que vomitam refrãos fáceis, versos irônicos e referências pop.

O primeiro disco, Hold on now, youngster, levava essa urgência ao pé da letra – a banda passava pelas próprias canções como um trator descontrolado. Agora (e depois de receber críticas por um disco “disforme”), a hora é de aceitar algumas convenções, esculpir o pedregulho na medida do possível. We are beautiful é mais redondo que o anterior, com faixas que oscilam entre a empolgação da estréia (Ways to make it through the wall e a faixa-título são tão poderosas quanto qualquer coisa que já gravaram) e momentos até introspectivos, com vinhetas ruidosas que amarram uma canção a outra.

Para quem se acostumou a esta bagunça organizada, soa como um álbum mais palatável, domesticado e – apesar do processo acelerado de gravação – menos arriscado. Como eles próprios avisam num dos versos, uma “versão soft porn do fim do mundo”. Está feito – agora vamos à carnificina?

Segundo álbum do Los Campesinos! Dez faixas, com produção de John Goodmanson. Wichita/Arts & Crafts. **

Êxodo

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Alguém aí não foi pro Festival do Rio?

(Boas coberturas da mostra na Paisá, na Cinética e no blog do Filipe. Até o Guilherme Alves parece ter abandonado o estilo telegráfico por um tempinho, então é bom que aproveitemos. E, claro, tem um certo quadro de cotações que nos ensina anualmente que a vida é dura e nem tudo é festa)

Gênero (He’s leaving home)

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No meu caso, é drama. Sempre um drama.

Foi assim que aconteceu quando, como quem desembrulha um presente de alguns bons metros quadrados, minha família apresentou a casa. Ontem pela manhã. ‘Só temos um mês, vamos correr com a mudança. Vida nova, vida nova’. E eu, dramático que só eu, perdido, tonto, elétrico naquele fim de mundo. Tanta terra. Uma casa à margem da civilização.

O que seguiu o espanto foi um diálogo patético (é o que acontece por aqui):

– A gente vai poder criar galinha.

– Galinha?

– É. Galinha.

– Galinha, mãe?

– É, Tiago. Galinha. E plantar umas árvores. Naquele terreno ali.

– Mas galinha?

A pergunta que cacarejava na minha cabeça: como foi que não percebi, durante invisíveis cinco meses, as movimentações da minha família para amarrar as trouxas e se mudar para um cantinho aprazível no fundo do nada? Em que universo eu estava durante esse tempo todo?

Primeiro fiz gênero (como eles tiveram a coragem de não me avisar sobre uma mudança esdrúxula para uma casa tão distante de tudo, quase no entorno do Distrito Federal, quase no interior do Amapá?), depois caí na real (eles não têm a obrigação de me avisar, a vida é deles, eles são adultos, crescidos etc), em seguida percebi que aquele era o momento: vou morar sozinho, pensei. Depois avisei: ‘vou morar sozinho’.

E foi um drama. Não sei se é o que acontece com todo mundo. Talvez não. Minha tão adiada decisão de sair de casa foi finalmente definida graças à imagem de umas trezentas galinhas esfomeadas, trancadas num cercadinho insalubre. Depois imaginei os mosquitos. E, finalmente, o silêncio. O silêncio mata.

Engraçado que ninguém aceitou bem o meu surto à J.D. Salinger. De sair de casa assim, num susto. Nem eu aceitei – meia hora depois, comecei a calcular o quanto seria penoso pagar mais de duas contas por mês. Minha família não aceitou – mas fez que aceitou, com aquele discurso dúbio no esquema “esta é a oportunidade perfeita pra você batalhar pela liberdade que você sempre desejou, filhão, mas vamos esquecer esse assunto por um minuto e conversar sobre os móveis do seu quarto novo?” Ficou um impasse, estranho impasse.

E, como prova definitiva de que há pelo menos outros três reis do drama na minha casa, passamos o sábado sob o domínio de uma pesada lei do silêncio. Ninguém falou. Nada. Nem na hora do almoço, anunciado com uma série de sinais familiares, grunhidos e barulhos. Nem na hora em que minha mãe pede religiosamente para que fechemos as janelas e, em seguida, dispara o apito do alarme. Ela fechou as janelas por conta própria.

No dia seguinte, de manhã cedo, meus pais já estavam de volta à rotina – catavam caju, brincavam com os cachorros, comiam mamão. Mas minha rotina já estava em outro canto, boiando nas palavras minúsculas dos classificados. No início da tarde estávamos todos conversados. ‘Você vai morar sozinho mesmo? Está decidido?’, ainda perguntaram, à espera de uma resposta terrivelmente agradável, do estilo ‘não, não vou, nós vamos viver juntos num cubículo sem ventilação até o fim do mundo’.

Mas aí respondi que sim. Em um mês. Trinta dias e estou fora. Até porque não existe outra possibilidade. Há os motivos práticos incontestáveis (custo com gasolina, engarrafamentos quilométricos para chegar ao trabalho, incompatibilidade com a vida tranqüila na floresta, fugir das galinhas), mas há o argumento que todos entendem mesmo quando não é pronunciado. A hora é essa. Já vou tarde. Meu tempo era ontem. Entre os filhos que deixam a casa dos pais, sou um retardatário. Estou na contramão do curso da vida.

Agora à noite, me pediram para fechar as janelas, ligar o alarme, apagar as luzes da sala, lavar os copos sujos e recolher os jornais de ontem, amontoados na mesinha da sala. Por antecipação, senti saudades. E, dois minutos depois, alguma vergonha do drama que ainda virá.

Aquela velha canção

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Estou convencido: nenhum texto, nenhum comentário, nada consegue me preparar para a experiência de assistir a um filme de Alain Resnais.

É um cinema que não se descreve, se vê.

Ontem assisti a Amores parisienses. Estou maravilhado até agora. É que eu esperava encontrar esse ou aquele filme, e o cineasta – que já se definiu como o mau aluno da classe, que nunca cumpre os deveres da forma como queremos que cumpra – me entregou outra coisa. 

E, teoricamente, eu estava preparado para o filme. Li a sinopse, as críticas. Sabia que o diretor tomava emprestado um recurso do inglês Dennis Potter, em que atores dublam canções populares. Ouvi falar que era um dos “mais leves” (e, para alguns, “mais tolos”) do cineasta. O que encontrei foi, simultaneamente, um dos filmes mais experimentais e mais afetuosos de Resnais.

Não me pergunte como isso acontece. No caso, só vendo. Há textos excelentes sobre ele, mas nenhum dá conta do choque provocado por uma narrativa que alterna freneticamente momentos em que nos distanciamos e nos aproximamos dos personagens. Talvez essa não seja a função da crítica, a de transcrever sensações. Como isto aqui não é uma crítica nem nunca vai ser, me sinto bem livre para perguntar: como explicar os momentos em que os personagens fazem karaokê com melodias alheias como quem sintoniza uma estação ultrapassada de rádio? E o modo abrupto com que essas canções são interrompidas, às vezes com dez ou quinze segundos de interpretação? Não dá. Fica parecendo mais um musical. Pior: fica parecendo muito banal, descartável.

Resnais fez um filme sobre a forma muito particular como canções pop às vezes traduzem nossos sentimentos. A música, no filme, é a voz do inconsciente, da alma dos personagens. Talvez por isso o longa seja tão desdenhado pelos fãs do cineasta, que preferem um Resnais ou francamente emotivo (Medos privados em lugares públicos) ou explicitamente provocador (Na boca, não). Amores parisienses é o encontro desses dois mundos. A fusão dos elementos. Com faíscas e tudo.

Loyalty to loyalty | Cold War Kids

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Um bom vocalista às vezes faz toda a diferença. No caso do Cold War Kids, ele se chama Nathan Willet.

Sem Nathan, esta seria apenas mais uma banda que recicla um certo rock setentista (de Led Zeppelin, Rolling Stones) em arranjos crus, esvaziados por lacunas e silêncios. Resumindo: mais um candidato ao trono de Jack White.

Com Nathan, a banda encontra um tronco, uma personalidade. Quando o vocalista assume a dianteira – e isso acontece quase sempre -, é como se ele transformasse canções mais derivativas em confissões descontroladas, altamente expressivas. Não consigo imaginar os refrãos de Welcome to the occupation e Against privacy interpretados de uma forma menos atormentada. Eles simplesmente não fariam sentido.

Os agudos rasgados de Nathan, com um quê de Jeff Buckley e de Robert Plant, às vezes ofuscam o principal problema do álbum: a polidez da produção. As melodias são aparadas com tanto esmero que o resultam em números quase radiofônicos, quase sem cheiro e angústia, como se um DJ intrometido tivesse decidido limpar todos os ruídos do álbum mais recente do Walkmen.

É um band leader à procura de uma banda – que surpreende muito pouco, e só chega a entusiasmar no single Something is not right with me, igualzinho ao Spoon. Não ouvi o álbum anterior deles (dizem que é muito bom, e não duvido disso), mas já passou a hora de Nathan encontrar músicos que acompanhem o grau de intensidade dessas interpretações. Trata-se de um cantor que agarra cada oportunidade com os dentes, que parece disposto a tudo.

Escuto este Loyalty to loyalty um pouco insatisfeito, incomodado, mas certo de que não deixarei de acompanhar esta banda. Um bom vocalista às vezes move montanhas.

Segundo álbum do Cold War Kids. 13 faixas, com produção da própria banda. Downtown/Mercury/V2. **

Controle absoluto

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Eagle eye, 2008. De DJ Caruso. Com Shia LaBeouf, Michelle Monaghan, Rosario Dawson e Billy Bob Thornton. 118min. *

Falando em mediocridade, nada como uma manhã de quarta-feira na companhia de DJ Caruso.

DJ Caruso. Vejam isso. Um nome, mil piadas prontas.

Então olha lá: depois de samplear Hitchcock em Paranóia, agora o sujeito faz um remix poperô farofa-fa esquema Ibiza de uma infinita lista de genéricos do cinema de ação. De Inimigo de estado a Duro de matar 4.0, o espectador mais desocupado pescará uma série de semelhanças entre Controle absoluto e filmes que nunca fizeram tanta diferença assim.

A primeira hora, por exemplo, é quase idêntica à de O procurado. O típico caso do zé-ninguém que se descobre no meio de uma conspiração internacional, extraordinária, perigosa, excitante e apocalíptica. E a segunda metade… Bem, aí o filme vira meio que uma auto-paródia, quase uma versão de 2001 – Uma odisséia no espaço dirigida por David Zucker.

E lá no material de divulgação vem escrito que Steven Spielberg tenta emplacar essa premissa há nada menos que uma década. Duvido. Deve ser intriga da equipe de marketing.

Em Controle absoluto, os personagens vivem as mais incríveis perseguições quando se descobrem alvo de uma voz feminina que tudo pode, tudo faz e tudo quer. Me pergunto: se ela pode absolutamente tudo, não haveria como capturar o Shia LaBeouf sem provocar quase que uma guerra civil em pleno perímetro urbano?

Tem mais. Num certo momento da trama, um personagem diz a seguinte frase: “Algumas medidas usadas pelo governo para garantir a liberdade do povo acabam ferindo essa mesma liberdade.” Ok, acho que até o George W. Bush captou a mensagem.

Eu gosto de nonsense, e sei que você gosta de nonsense. Mas como é que DJ Caruso dirige esse filme B? Com a atmosfera impessoal e descolorida de um episódio de seriado policial. Com um olhar robótico que acaba combinando com os vilões da trama. Com a eficiência de quem vai lá e faz o trabalho. Com alguma frieza, apatia, distanciamento – duvido que intencional. Controle absoluto é um hit que já nasce requentado, cambaleando na pista vazia.

Mediocridade

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Hoje descobri que, contra a minha vontade, não serei o William Faulkner do Planalto Central.

No máximo chegarei num Dave Eggers ou num Nick Hornby. Mas isso daqui a uns quinze, vinte anos. Por enquanto, não estou nem pros livrinhos policiais do Tony Belloto. Ou pras colunas da Martha Medeiros.

Triste.

Cinco anos, me dê cinco anos e eu juro que alcanço a Lya Luft.

O segredo do grão

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La graine et le mulet, 2007. De Abdellatif Kechiche. Com Habib Boufares, Hafsia Herzia e Farida Benkhetache. 151min. **

Decidiram exibir O segredo do grão na abertura da Mostra de Cinema Europeu, que começou ontem aqui em Brasília. Uma escolha bastante segura, já que o tema do evento é Diversidade e multiculturalismo (a trama acompanha o cotidiano de uma família de tunisianos na França). Mas também arriscada: assistir a este longa de 2h30 de duração numa sala sem ar-condicionado e cheia de mosquitos só fez ressaltar um dos problemas mais enervantes do filme: taí uma narrativa que se orgulha da própria flacidez.

Para mim, foi uma imensa decepção. Nem consigo comparar muito com A esquiva, já que ficaria parecendo um retrocesso terrível. Naquele filme, Kechiche não quer apenas retratar a vida de adolescentes de subúrbio, mas compreender profundamente os códigos daquele grupo social (e a experiência seria interessantíssima mesmo se reduzida a um making of). Já O segredo do grão deixa a impressão de obrigar que os personagens se adaptem a certas marcas supostamente autorais que soam artificiais (no sentido de não revelar naturalidade) em quase tudo.

Até a seqüência mais elogiada do filme, que envolve um almoço de domingo, não me convenceu tanto assim. O cineasta dá espaço para que cada personagem grude na película, e por aí realmente filma seqüências belíssimas como a da conversa do padrasto com a menina (e esse é o grande mérito do filme, daí as duas estrelinhas muito tímidas lá em cima), mas apela para um falatório histérico que, antes de parecer autêntico, deixa a impressão de uma fórmula aplicada a fórceps.

Mas o pior mesmo chega na metade final da trama, quando o roteiro dá marteladas na encenação relaxada que Kechiche ia construindo até ali. São golpes grosseiros que, ao mesmo tempo em que transformam o filme numa comédia de erros, condenam os personagens a uma via crúcis extremamente calculada, fria, que ofende a inteligência de qualquer um. O plano final, antecipado pelo filme em quase quinze minutos, é o momento em que Kechiche esgota todas as possibilidades da narrativa. É exaustivo. Tudo o que consegui sentir foi calor (por causa da falta de ar-condicionado), fome (haja cuscuz) e uma saudade danada de A esquiva.

Dig out your soul | Oasis

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Dig out your soul é o melhor álbum do Oasis desde… quando? Desde o rinoceronte Be here now, de 1997? Provavelmente sim, já que o disco novo soa como um Be here now que não se deixa triturar pela própria gradiloqüência.

Mas quem sou eu pra chegar a esse tipo de conclusão? Quando o assunto é Oasis, ninguém deveria confiar em mim. É daqueles casos em que eu mesmo desconfio deste que vos escreve. Em 1994, Definitely maybe era o álbum que eu mais amava em todos os tempos. Em 2002, Heathen chemistry era álbum que eu mais desprezava em todos os tempos.

Pois bem. Minha relação nada sadia com o Oasis divide-se entre antes de Be here now (devoção) e depois de Be here now (frustração).

E, me matem, ainda não sei o quanto gosto de Be here now (se bem que eu era um dos cinco fãs enloquecidos que esperaram a loja de discos abrir no dia do lançamento mundial).

O que eu não esperava era que Noel e Liam retornassem justamente a ele, a Be here now, um álbum massacrado por tentar abraçar o mundo com as pernas. Não há como negar que a produção do disco é um daqueles equívocos que ninguém sabe explicar direito. De tão apoteóticas, compactadas numa pilha grosseira de efeitos, são faixas que perigam destruir as janelas do quarto se ouvidas em volume muito alto. De qualquer forma, aquele foi concebido como o disco mais ambicioso do Oasis – o testamento de uma banda de rock transformada em monumento.

Nas entrevistas de divulgação de Dig out your soul, os irmãos-encrenca falaram no desejo de criar um álbum exibido, elétrico, exagerado e jogado aos seus pés. “Queremos duas orquestras ao mesmo tempo”, ameaçou Noel. O porte gigantesco combina com o reinado do Glasvegas, mas não deixa de parecer surpreendente para uma banda que tentava se adaptar a um som mais contido desde Standing on the shoulders of giants, de 2000. Nos últimos três álbuns, tudo o que o Oasis fez foi buscar uma forma de colocar os pés no chão – de preferência, a alguns bons quilômetros de distância dos excessos de Be here now.

Mas e se eles descobrissem que os excessos e as ambições fazem bem ao Oasis? Dig out your soul é o retrato dessa descoberta. E, por sorte, não estamos metidos no fluxo de consciência de um megalomaníaco.

Os problemas do Oasis, hoje, são outros. O maior deles é recuperar o prestígio perdido depois de um período de estiagem criativa, de pobreza de idéias, de auto-reciclagem, de baladas mornas e psicodelia de segunda mão. O novo álbum sofre com o rescaldo dessa fase de vacas magérrimas (e foi mal, mas eu não consigo ver Don’t believe the truth, de 2005, como um retorno à forma), mas encontra uma banda novamente confiante, pronta para recuperar de vez o foco perdido há alguns bons dez anos.

Quem espera um grande disco será obrigado a relevar alguns clichês típicos da discografia do grupo. As referências a Beatles continuam frágeis (os acordes de Dear Prudence ao final de The turning, o início à Helter skelter de The nature of reality, o “love is a magical mystery” em The shock of the lighting) e o conceito todo do álbum evoca Exile on main street com uma atmosfera psicodélica que lembra tanto The Doors quanto T-Rex. Nada novo. Mas nada tolo. É um disco sóbrio e cauteloso, próximo de um formato de “rock clássico” e quase-quase adulto – eles chegam ao ponto de gravar um blues lisérgico em (Get off your) High horse lady.

Contaminado por uma nostalgia que eles tratam sem pudores (e, nesse ponto, lembra algumas experiências do Stone Roses e do Primal Scream com influências setentistas), o álbum enfeita cada canção com distorções, corinhos, pequenas sinfonias e outros apetrechos de estúdio que, no caso do Oasis, combinam com uma banda que só faz perfeito sentido quando diante de multidões. Soará muito bem ao vivo, como o próprio Noel notou. Não é uma vitória a ser menosprezada.

Sétimo álbum do Oasis. 11 faixas, com produção de Dave Sardy. Big Brother. **

Alice

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Sei que é arriscado comentar episódios-piloto, mas Alice não merece a onda de comentários negativos que anda recebendo. Não digo que eu tenha caído de amores pelo projeto de Karim Aïnouz e Sérgio Machado (a campanha de marketing quer que eu me apaixone, e tudo o que está rolando é uma paquera tímida), mas taí uma série capaz de transportar para a tevê muito do que se tenta de mais interessante no cinema brasileiro contemporâneo.

Muito longe de bobagens como Mandrake, que não fazem nada além de chover no molhado, Alice é outra história, um outro Brasil, um outro cinema (sim, cinema). O olhar sensível de Aïnouz e de Machado para o ambiente que cerca os personagens (que vimos em O céu de Suely e em Cidade Baixa, por exemplo) se deixa revelar logo nas primeiras cenas, rodadas em Palmas, Tocantins. Quando a câmera se desloca para São Paulo, o que vemos não é uma cidade à cartão-postal nem à filme de horror, mas uma terra estrangeira filtrada pela percepção da personagem principal, entre o pânico e o deslumbramento.

Nas matérias de jornal, o que comentam é uma suposta inverossimilhança do roteiro (ninguém reparou as referências a Lewis Carroll?) e uma tese de que Karïm e Machado fizeram concessões demais. Por quê? Por terem optado por uma montagem mais acelerada, sem longos planos-seqüência? Por terem mergulhado numa narrativa urbana e fluorescente, como quem descobre um Brasil que já foi descoberto?

“Acho que a autoralidade está muito mais ligada ao olhar que às escolhas temáticas”, comentou Aïnouz. Alguém discorda? No fim das contas, a forma como os cineastas observam e encenam o país é mais importante que detalhes de dramaturgia – e tudo o que vi parece bastante coerente com o trabalho da dupla no cinema. Se eles conseguirem levar essas possibilidades até o fim, Alice será a primeira série brasileira da HBO digna de um box de DVDs. Estou acompanhando.

Mallu também chora

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Sem querer estressar quem tem dor de barriga só de ouvir falar em Marcelo Camelo e em Mallu Magalhães (mas já estressando), este é ou não é um seríssimo candidato ao momento-ternurinha do pop nacional em 2008? Camelo dedilha, os fanáticos deliram, Mallu chora. Taí uma cena que mataria o Noel Gallagher de inveja.

A minha vaidade

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Se eu fosse diretor de cinema, seria um sub-Spielberg. Ou um sub-Fernando Meirelles. Por causa dessa minha mania tola de tentar agradar a todo mundo. No meu caso, pra receber elogios. E quer saber?, tanto faz, até os elogios falsos acabariam valendo. Tudo para que eu pudesse dormir feliz comigo mesmo.

Daí que eu enjoaria dos meus próprios filmes. Abandonaria as minhas próprias sessões. Sabotaria as retrospectivas da minha obra. E diria às pessoas na fila: “não, não entre nesta sala não, é um filmezinho sentimental dos diabos.”

O insuportável

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Deu na Folha:

Nós, disco de Camelo, beira o insuportável. O que o Los Hermanos tinha de pior – a inútil idealização de uma época que não volta mais; a melancolia auto-indulgente; letras tão idílicas que fariam João Gilberto passar por contestador; arranjos que vão na direção do samba-canção e na tradição MPBística, mas que tateiam sem chegar a lugar nenhum.

Em seguida, o colunista de música pop elogia o projeto do Rodrigo Amarante (Little Joy) pelo “clima de total descontração” e recomenda os novos do TV on the Radio e do Glasvegas como “lançamentos incontornáveis” do ano (para quem assina o jornal, o link para o texto é este aqui).

Eu acho jóia o exercício da crítica, mas diz aí: que argumentos são esses?

Na primeira frase, fica claro que o jornalista não deu trela pro álbum (“beira o insuportável”). Nas seguintes, tudo o que ele consegue é (nas palavras dele, aliás) tatear sem chegar a lugar nenhum.

Quase ninguém leva esse tipo de análise publicada em jornais diários a sério, mas vale tentar: qual seria essa época-que-não-volta-mais idealizada inutilmente pelo Los Hermanos? A bossa nova (já que ele comparou com João Gilberto)? O samba-canção? A Tropicália? O auge de Dorival Caymmi? Chico Buarque? Mas que Chico Buarque? Aliás, o que ele quer dizer por “tradição MPBística”? O que significa isso? O que entra ou não entra nesse rótulo? Seria interessante que ele identificasse esse período histórico, ou pelo menos algumas referências, já que estamos falando de momentos e às vezes de décadas diferentes.

O engraçado é que, minutos depois, o colunista libera o Amarante para caminhar pelo “reggae, pelo pop californiano dos anos 60”. Ok, o compositor tem todo o direito ao flashback que ele bem entender, mas me explica: o pop californiano dos anos 60 não seria um gênero de uma época que não volta mais? Mais adiante, ele compara TV on the Radio com Pixies e My Bloody Valentine. Também concordo. Mas, nesse caso, por que os nova-iorquinos teriam permissão de remeter tão descaradamente ao passado?

O textinho dá a impressão de que todos podem sentir saudades, menos Marcelo Camelo. Curioso que, entre todos os álbuns comentados pela coluna, o dele é o único sobre saudade. Mais que insuportável, o disco do hermano parece uma objeto esquisito que o colunista não se dá ao trabalho de decifrar. Seria mais fácil se o álbum tivesse optado por um clima de descontração. Ou, claro, matado de inveja o Noel Gallagher.

Nights out | Metronomy

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Joseph Mount é um DJ de electropop. Aí você me pergunta (com bons motivos): mais um? E aí eu respondo (com convicção): é, só que agora é pra valer.

Lá nos rincões da imprensa inglesa, um tanto decepcionada com o ataque morno do Hot Chip, o segundo do Metronomy (trio comandado por Mount) é tratado como o último pub no deserto. Seria mais chique e estiloso refutar o hype, mas não desta vez: Nights out é um álbum POP (taí em maiúsculas pra ninguém ficar me pentelhando) que, cheio de pontas soltas e crises de identidade, merece ser comemorado.

Se somarmos as 12 músicas e tirarmos uma média, o Metronomy será enquadrado como mais um projeto europeu com ecos dos franceses Justice e Daft Punk. Mas, aqui, a média é exatamente o menos instigante. E aí basta notar que este álbum tão fácil começa mais ou menos como uma piração do Beirut, como que encontrada num porão empoeirado de algum cafofo de país do leste europeu.

Quer mais? Heart rate rapid e Holiday distorcem os vocais de uma forma tão grotesca que chegam a se aproximar de um single cavernoso do The Knife. Não é uma comparação sem nexo. Joseph Mount fez um álbum repleto de hits, mas, acima de tudo, criou um senhor álbum – que nunca soa como uma compilação de sucessos e que, segundo ele, foi concebido como uma obra conceitual sobre noitadas nas ruas inglesas.

E sim, há as faixas que vão estourar nas pistas em alguns meses. Quando elas chegam, é como se a faceta mais experimental do disco ganhasse um contraponto grudento. Difícil esquecer Heartbreaker, Radio ladio e On the dancefloors – e são canções tão escancaradamente superficiais, tão doce-de-leite, tão suspiro-com-morango que poderiam estar num álbum da Kylie Minogue, da Annie ou do Cut/Copy.

Depois de uma estranha madrugada no sereno, o álbum termina como começou: num transe que parece pertencer a um outro disco, a um outro continente. Joseph Mount não sabe muito bem o que quer, mas é de tentativa em tentativa que ele monta um disco capaz de abrir uma porta diferente a cada faixa. As reações serão divididas (já que os ingleses inflaram o hype do moço), mas duvido que alguém se lembrará dos remixes que o sujeito fez para o U2 e o Franz Ferdinand.

Aqui em casa, pelo menos, não tem pra ninguém: Joseph Mount é o DJ de electropop.

Segundo álbum do Metronomy. 12 faixas, com produção de Joseph Mount. Because Music. ***