Mês: novembro 2009

Diário | Superoito no Festival de Brasília

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Anotações sobre os filmes do 42º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Minha semana será integralmente dedicada à mostra. Infelizmente, não terei tempo para escrever textos grandes. Se eu sobreviver, estarei dentro deste post até quinta que vem.

'Lula, o filho do Brasil': começamos mal

24/11

Premiação | Era o que se esperava do júri (formado por, entre outros, Caio Gullane e Flávio Tambellini): a consagração de um cinema de forte apelo popular. É proibido fumar levou oito prêmios do júri oficial (melhor filme, roteiro, atuações e crítica, entre os principais) e Filhos de João ficou com um prêmio especial de júri e júri popular. Evaldo Mocarzel levou o Candango de direção por Quebradeiras e A falta que me faz foi ignorado. Entre os curtas, uma surpresa: Ave Maria, de Camilo Cavalcante, levou o prêmio principal. Mas Recife frio, do Kleber Mendonça Filho, saiu com júri popular, direção, crítica e o Saruê, entregue pela equipe do Correio Braziliense ao melhor momento da edição.

23/11

A falta que me faz | Marília Rocha | 7 | A história do encontro entre uma equipe de cinema e quatro adolescentes da Serra do Espinhaço, no norte de Minas. Aparentemente simples (e plácido), mas de engenharia complexa, o doc impressiona pela relação de cumplicidade criada entre quem faz o filme e as pessoas que aparecem na tela. No fim da viagem, notamos que não há mais distância entre esses e aqueles: as incertezas das personagens são também nossas. O melhor longa exibido na edição do festival – e um que eu gostaria de ver novamente.

E os curtas Azul (5), de Eric Laurence, que me lembrou muito o lirismo calculado de Casa de areia, e o doc sobre o universo brega Faço de mim o que quero (4), de Sérgio Oliveira e Petrônio Lorena, que é uma colagem de tipos excêntricos.

Hoje sai o resultado. Espero que Recife frio e A falta que me faz levem alguma coisa.

22/11

É proibido fumar | Anna Muylaert | 6 | Uma crônica paulistana saborosa que, subitamente, desvia para uma trilha mais sombria e menos plausível. Soa como uma versão soft de Durval discos – aqui, também prefiro o lado A ao lado B.

E os curtas Carreto (6), de Marília Hughes e Claudio Marques, que acerta no tom de delicadeza, e A noite por testemunha (4.5), de Bruno Torres, que reconstitui um caso chocante (o assassinato de um índio em Brasília por um grupo de adolescentes de classe média) com perplexidade e truques visuais de fitas de ação.

21/11

Homem mau dorme bem | Geraldo Moraes | 4 | Folhetim de beira de estrada – truncado e ingênuo demais para ser levado a sério  (mas, em matéria de humor involuntário, é nota 10).

E os curtas Verdadeiro ou falso (5), de Jimi Figueiredo, que é uma piada cínica sobre relações amorosas, e o genial Recife frio (8.5), de Kléber Mendonça Filho, um falso documentário hilariante (e assustador) que imagina um futuro friorento para a cidade pernambucana. Um dos melhores filmes que vi no Festival de Brasília desde quando acompanho a mostra, em 1992 (e o Kléber usa extamente a mesma sinfonia de Beethoven que rola em Presságio: mera coincidência?).

20/11

Quebradeiras | Evaldo Mocarzel | 5.5 | Depois de dirigir uma dezena de documentários socialmente inflamados (com muitas entrevistas, diálogos), Mocarzel tenta uma “ruptura radical” e usa tom lírico, câmeras estáticas, planos longos, cenas de natureza exuberante, silêncios e tudo o que supostamente distancia a arte do jornalismo. Esforço curioso, mas fico com a impressão de que o cineasta troca uma fórmula por outra.

E os curtas Dias de greve (5.5), de Adirley Queirós, que tem o mérito de filmar Ceilândia de dentro para fora (mas a ficção parece genérica), e Ave Maria ou Mãe dos sertanejos (6), de Camilo Cavalcante, que edita imagens do sertão num fluxo musical que deixa tudo mais interessante.

19/11

Perdão, mister Fiel | Jorge Oliveira | 5 | Uma boa reportagem sobre o caso Manoel Fiel Filho e a tortura militar no Brasil – o depoimento do Lula, por exemplo, vale mais que todo o longa do Fábio Barreto. Mas a “aula de História” mostra total desinteresse pela linguagem do cinema e, por isso, parece deslocada no festival. A cenas de dramatização dos fatos, no estilo Linha direta, são risíveis.

E os curtas Bailão (6), de Marcelo Caetano, que é um doc com ótima ideia (dar voz a uma geração que nasceu e continua à margem de tudo) e só, e Água viva (4), de Raul Maciel, projeto universitário cheio de metáforas “criativas” e “sensíveis” sobre o desabrochar da sexualidade.

18/11

Filhos de João, admirável mundo novo baiano | Henrique Dantas | 5.5 | O filme não é tão sofrível quanto o título: existe uma qualidade doméstica, afetuosa neste doc sobre os Novos Baianos que quase compensa a superficialidade do projeto. Para iniciados, é dispensável (e o excesso de trechos engraçadinhos de depoimentos me lembrou Glauber, o filme – Labirinto do Brasil). Mas é um retrato arejado, leve, apesar de tudo.

E os curtas Homem-bomba (4), de Tarcísio Lara Puiati, que falha no salto do realismo para a fantasia, e Amigos bizarros do Ricardinho (5.5), de Augusto Canani, que é divertido e tudo, mas deveria se chamar Quero ser Wes Anderson.

17/11

Lula, o filho do Brasil | Fábio Barreto | 4.5 | Acompanho o Festival de Brasília desde 1992 e esta foi a sessão de abertura mais concorrida (e desorganizada) que vi. O Teatro Nacional, que lota com cerca de 1,3 mil pessoas, recebeu 1,8 mil convidados – com área VIP de 400 lugares para o governo federal. Antes da projeção, Luiz Carlos Barreto fez um discurso apocalíptico e avisou que todos os espectadores ali entulhados corriam perigo de tragédia. Ninguém deu bola para a recomendação, muitos o vaiaram e o filme começou nesse clima de excitação e feira-do-milho típicos do festival. O curioso é que, durante o filme, a plateia não se manifestou em nenhum momento – no desfecho, os aplausos foram protocolares. O que aconteceu?

O longa tem sim potencial para blockbuster (sabemos que o público adora ir ao cinema para conhecer histórias de pessoas que ele já conhece), é produzido com a “sofisticação” de uma minissérie da Globo e carrega no melodrama (volta e meia, acaba despencando no dramalhão mesmo). Muitos compararam a 2 filhos de Francisco e, de fato, o filme de Zezé & Luciano parece ter sido tomado como molde: a trama simplifica a biografia do presidente fechando o foco na relação entre Lula e a mãe, interpretada por Glória Pires. Mas acredito que, se Breno Silveira dirigiu aquele filme com visível comprometimento (é, apesar de tudo, um esforço que soa sincero), Fábio Barreto recorta e cola trechos da trajetória de Lula como quem soma peças de uma máquina numa linha de montagem. Não é tão emocionante quanto assistir a cenas de arquivo da posse (que, aliás, são usadas no filme).

Pior: a jornada toda é narrada de forma unidimensional e, por isso, enfadonha. A família Barreto faz uma ode tão escancarada a Lula (que representa todas as qualidades mais nobres do povo brasileiro: teimosia, determinação, capacidade de superação, etc) que, ainda que não tenha sido preparado como propaganda eleitoral, este filmezinho oficioso pode muito bem ser usado como tal.

Código de conduta

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Law Abiding Citizen | F. Gary Gray | 5

O triste é que poderia ter sido um thriller interessante: até uma certa altura da trama (e sem trocadilhos), o cineasta coloca os dois personagens principais numa zona acinzentada, oscilando entre os papeis de mocinho e vilão. Mas, para facilitar nosso trabalho, logo descarta as ambiguidades e, para justificar o jogo de gato-e-rato, apela para a grosseria banal: o plano mirabolante do vilão, de tão violento e absurdo, acaba lembrando as mutretas de Jogos mortais. E medo: o roteirista, Kurt Wimmer, assina o remake de O vingador do futuro, que vem aí.

Substitutos

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Surrogates | Jonathan Mostow | 7

Um filmezinho diabólico que eu colocaria na minha pequena lista de fitas de ficção-científica que tiraram meu sono em 2009 (junto com Presságio, por enquanto). O roteiro é inspirado numa graphic novel, mas poderia ter brotado de um livro do Isaac Asimov ou do Aldous Huxley. Num futuro até plausível, as pessoas ficam ilhadas dentro de casa, onde comandam (via parafernália tecnológica) versões robóticas de si mesmos. Como consequência, os índices de criminalidade despencam e o sedentarismo dispara (e o clima de bem-estar, vejam isto!, é inebriante). E se a Terra se transformasse num seriado teen norte-americano, habitado pelo elenco de Barrados no baile e por seres plastificados à superprodução de Michael Bay? Eis o elenco deste engraçadíssimo filme de horror que segue as regras triviais do gênero e, ainda assim, permite todo tipo de debate pessimista sobre a vida que levamos. Eu interpretei como uma hipérbole para o mundo pós-internet – e, fraco que sou para esse tipo de fantasia, me assustei com a ideia.

Vigaristas

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The Brothers Bloom | Rian Johnson | 6

Era mais ou menos o que eu esperava do diretor de A ponta de um crime. Uma comédia todinha artificial – da encenação extravagante às peripécias do roteiro, não há lugar algum para realismo -, mas que provoca o efeito de um longo espetáculo de fogos de artifício. Adorável em alguns momentos (trecho de diálogo favorito: “Você é a única plateia de que preciso”, diz o trapaceiro megalomaníaco ao irmão), mas efêmero. E as comparações com Wes Anderson me parecem equivocadas. Pendengas familiares à parte, Johnson tem vigor, mas por enquanto só fez modestos shows de mágica.

Diário de SP | Superoito no Planeta Terra

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Com lamentável atraso, aí vão meus comentários (incrivelmente curtos) sobre os shows do festival Planeta Terra, que rolou sábado passado no Playcenter, em São Paulo. Os shows não me tiraram do chão, mas admito que fechei os olhos no looping da montanha-russa.

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Surpresa: Etienne de Crecy fez meu show favorito do Planeta Terra

Móveis Colonais de Acaju | 7 | Como sempre, incansáveis (e o André está cantando cada vez melhor). A abertura do show foi, como diria Herbert Vianna, acima das palavras. Um pouco menos criativos no palco, no entanto.    

Maxïmo Park | 4 | Não tão vergonhoso quanto The Rakes, mas quase lá. No palco, o pior acontece: tudo o que a banda fez de decente está concentrado no disco de estreia. Infelizmente, eles parecem curtir muito os outros dois discos. Serviria como show de abertura do Franz Ferdinand (ok, talvez nem isso).

EX! | 4.5 | Vi um pedacinho de nada, mas me pareceu uma paródia de todas as bandas moderninhas de Nova York (com uma vocalista que me deixou com saudades do La Roux). Era?

Primal Scream | 5 | As lembranças do show ruidoso, violentíssimo que eles fizeram no Tim Festival há alguns anos pesaram contra este (morno) retorno. E, para piorar, soou desconjuntado: começou como uma colagem das referências punk da banda, terminou com hits fáceis e sensação de psicodelia requentada. Pouco.

Sonic Youth | 7 | O primeiro show do Sonic Youth a gente nunca esquece (e o Metronomy que espere). Tudo bem: não há como descrever a força estranha que move Kim Gordon no palco (num determinado momento, acho até que ela virou Monga, a indie selvagem). Também tenho que admitir que é intelectualmente muito excitante assistir a uma banda que vive no presente e não dá bola para os próprios hits. Mas é um show que deve ter deslumbrado especialmente os fãs do disco mais recente deles. Sei que seria pedir muito, mas eu preferiria ter curtido o repertório de Murray Street ou de Washing machine.

The Ting Tings e Iggy and the Stooges | Vi um pouco dos dois shows (a organização do festival, sádica, marcou as duas atrações para o mesmo horário), nem dá para avaliar direito. Ting Tings rendeu mais do que eu esperava: eles conseguem segurar o público por quase 60 minutos com apenas três hits e clima de programa de auditório (eu daria um 7, vai). Do Iggy vi só três músicas e me arrependi de não ter ficado mais tempo no palco principal.

N.A.S.A. | 4 | Picaretagem muito da vagabunda.  

Etienne de Crecy | 8 | Surpresa: quem procurava espetáculo visual encontrou um parque de diversão inteiro no show hipnótico do DJ francês. Dançando no cubo mágico. Fantástico.