Mês: fevereiro 2008

‘Mountain battles’, The Breeders **

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breeders.jpgSei que só se comenta sobre Big Brother e Fidel Castro, mas querem saber o que eu achei do novo disco do Breeders? Um lixo. Pronto. Falei.

Antes da avacalhação, uma importante verdade absoluta: Kim Deal nunca conseguirá, nunca na vida, gravar um álbum ruim. Nem que decida se juntar ao produtor Rob Cavallo para compor uma ópera punk sobre um adolescente paranóico e idiota. Não. Não conseguirá. Ela concebeu Gigantic, e poderia ter se aposentado depois disso. Ganharia bonificação eterna por serviços prestados ao indie rock. Daí que o novo disco do Breeders é um lixo muito interessante. Mas um lixo.

Quando eu tinha 15 anos de idade, carregava um walkman com uma fitinha cassete onde estava gravado Last splash. Uma obra-prima, antes que me perguntem. Pois bem. Durante uns oito meses, ouvi essa maldita fita repetidamente. Decorei absolutamente cada acorde desse álbum. Se me pegarem de surpresa e começarem a tocar no sistema de som do shopping No aloha ou Invisible man ou Saints, furo meu olho. De emoção. É um dos discos mais importantes para a minha vida, ainda que, num contexto menos umbilical, não tenha taaaaanta importância assim.

Em Last splash, Kim Deal não tinha medo do pop. E aqui estamos falando no pop mais adocicado. O pop papel-de-carta. O pop chiclete-de-morango. O pop namorinho-no-portão. Naquele álbum, a baixista do Pixies abraçava todas as lembranças do pop mais inocente e aprazível e desavergonhado. Claro que, musa do sarcasmo que sempre foi, Deal tratava essas referências com um misto de carinho e distanciamento. Como uma mulher de 40 anos que descobre um antigo urso de pelúcia no baú do quarto e se pega ao mesmo tempo comovida e constrangida com as memórias de infância. Era essa a cereja do sundae.

Não sei o que aconteceu com Deal, mas, depois de uma longa pausa, ela começou a tratar o próprio Last splash como uma lembrança meio vergonhosa. Vá entender. O álbum seguinte, Title Tk, trocou o canhão de luz pela lanterninha de 1,99. Era uma época em que o indie rock parecia cada vez mais acessível e confortável, daí que é possível compreender essa guinada de Deal rumo ao rock tosco, fragmentado, produzido porcamente. Ousado? Provocador? Sim, mas não o gravaria em fitinha cassete para ouvir no meu walkman.

Para azar dos mais saudosos, este Mountain battles é uma continuação de Title Tk. Cada vez mais, Last splash soa como uma exceção na discografia da banda. Chamem de oportunidade desperdiçada ou do que preferirem, mas Kim Deal e a irmã Kelley continuam anti-sociais. O que elas acham? Que gravar um belíssimo hit dá câncer? Não entendo, mas respeito a opção de manter-se na surdina. Talvez elas continuem respondendo uma cena independente que… Hmm, não sei se a desculpa vai colar desta vez.

O que acontece é que o Breeders mudou, e só nos resta aceitar essa realidade. E tentar nos afeiçoarmos ao álbum dentro desses parâmetros. Ok, vamos tentar.

Na primeira faixa, Overglazed, parece até que os bons tempos voltaram. Sob uma melodia bem grudenta, Deal grita: “I can feel it!”. Mas fica nisso. Depois de um minuto de canção, dá vontade de responder com um “But I can’t!”

A segunda, Bang on, é tão minimalista quanto. Mais espirituosa, porém. E aí começamos a perceber que Deal continua a cantar do mesmo jeito de sempre, com aquela voz de menina de cinco anos de idade. “Não amo ninguém, ninguém me ama”, ela revela. “Sinto falta de deus”, continua. É um piscar de olho, e pronto.

Em seguida, o álbum enfileira duas baladas decentes, ainda que nada espetaculares. Prefiro a segunda, We’re gonna rise. Mas sério? Depois de dois golpes curtos, duas baladas rasteiras? Não deixa de ser ousado.

Aí vem uma faixa cantada em alemão. Que, mais adiante, é complementada por uma outra, em espanhol. As duas parecem existir para brincar com a idéia de interpretar canções estrangeiras com pronúncia sofrível. Bem. Ok.

Lá no meio, duas faixas mais experimentais e sombrias. Spark lembra Velvet Underground. Já Istanbul é mais alegre, com um corinho feminino para ensolarar o transe percussivo. Detalhe: uma vem logo atrás da outra. Ousado?

E então, muito discretamente, Deal joga no fim do álbum duas canções que parecem sobras de Last splash. Walk it off e It’s the love são tão superiores a qualquer outra do Mountain battles que chegam a destoar do conjunto. Engraçado é que, se você tirar todas as outras faixas e deixar só essas duas, ainda assim teremos um bom disco!

Mas que eu não rodaria obsessivamente no meu walkman. Não.

‘Diamond hoo ha’ Supergrass **

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supergrass.jpgConversa imaginária com meu primo imaginário de 15 anos, carioca da gema, fã de Paramore. A partir das 20h35 do dia 27 de fevereiro de 2008, no Soul Seek.

[thundercatsarego] e aí, rapaz? tudo jóia?

[riot!] faaaala escroto

[thundercatsarego] ouvi um troço que vc vai curtir: supergrass

[riot!] que porra é essa?

[thundercatsarego] supergrass. nunca ouviu falar?

[riot!] boiei

[thundercatsarego] vc tem uma banda e nunca ouviu falar de supergrass?

[riot!] nunquinha

[thundercatsarego] nunca? nem alright? we are young, we are free lalala?

[riot!] pfffff

[thundercatsarego] então. procura aí. o disco novo deles, diamond hoo ha

[riot!] merda de título, hem?

[thundercatsarego] vc curte paramore, nem pode falar merda nenhuma

[riot!] riot!!!!!!!

[thundercatsarego] viado

[riot!] bichona

[thundercatsarego] mas escuta: ouvi o disco e lembrei de vc, acho que vc vai gostar. de verdade, sério

[riot!] o que tem de bom? já te disse que não tô pra rock de velho

[thundercatsarego] não é rock de velho. quer dizer. eles pegam o rock de velho e o revitalizam

[riot!] lá vai vc falar difícil, depois reclama que ninguém lê seu blog

[thundercatsarego] foi mal. é tipo white stripes

[riot!] white stripes tá caído

[thundercatsarego] eles são um pouco mais velhos que os white stripes. dos anos 90

[riot!] nussa

[thundercatsarego] eles tocaram num festival junto com os smashing pumpkins

[riot!] daquele véio careca?

[thundercatsarego] isso

[riot!] mas o que eles tocam? o supergrass

[thundercatsarego] eles são beeem despretensiosos, graças a deus. eles entraram numa fase mais ambiciosa, que não deu certo. aí foram voltando aos poucos à fase mais simples, do início da carreira. eles têm um disco muito bom que vc devia ouviu, in it for the money, conhece? é lá dos anos 90. esse novo é o melhor deles desde aquela época. o mais solto. o menos preocupado com opiniões alheias. mas pena que ninguém vai dar a mínima

[riot!] ué, se o disco é bom…

[thundercatsarego] mas eles ficaram um pouco no passado. quer dizer. eles ficam correndo atrás de ondas novas. aí soam como uma banda ultrapassada imitando white stripes. mesmo quando eles imitam muito bem

[riot!] e vc quer que eu ouça?

[thundercatsarego] mas é divertido! vc tá me entendendo errado

[riot!] vc tá confuso, primo

[thundercatsarego] não! quer dizer. sim! ouvi o disco pela primeira vez e achei a coisa mais divertida do planeta, me lembrou da adolescência, quando eu era jovem e eu era livre e tudo estava bem. aí depois eu ouvi de novo e percebi que… não sei… bateu uma sensação estranha

[riot!] de se sentir velho?

[thundercatsarego] também. ainda que eu não me sinta tão velho. mas é estranho. sabe o fã do iron maiden que usa aquelas camisas pretas aos 50 anos de idade?

[riot!] ridículo

[thundercatsarego] e ramones, que tocam i wanna be sedated com 80 anos no meio da fuça?

[riot!] ramones é massa

[thundercatsarego] e vc é incoerente

[riot!] vai se foder

[thundercatsarego] uma banda como o supergrass tem data de validade. dois discos e adeus planeta terra

[riot!] o police tá aí até hoje

[thundercatsarego] …

[riot!] …

[thundercatsarego] mas ok. é um bom disco. provoca o efeito de uma bomba de chocolate. prazer e culpa

[riot!] vc não pode comer bomba de chocolate?

[thundercatsarego] posso, mas

[riot!] q?

[thundercatsarego] vc vai entender quando tiver 28 anos de idade

[riot!] vc tem tudo isso? nem parece

[thundercatsarego] é o aparelho nos dentes. 29 em julho

[riot!] ah. mas acho que não tem problema vc ouvir o supergrass. tipo. vc não tá velho. não tá tão velho

[thundercatsarego] ok

[riot!] se bem que vc ainda ouve rock e anda de bermuda e vê lost e tem um blog e

[thundercatsarego] e tenho um emprego fixo, e um carro. sei lá, também não é assim

[riot!] primo, posso fazer uma pergunta chata?

[thundercatsarego] manda

[riot!] vc leva na boa? é uma curiosidade

[thundercatsarego]manda

[riot!] quando é que a gente sabe que cresceu?

Mulheres sexo verdades mentiras *

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mulheressexo.jpg

Sex and the city encontra Jogo de cena, os dois saem de mãos dadas pelas galerias do Leblon, dão uma esticada no calçadão de Copacabana, torram os neurônios sob sol carioca e terminam o dia num boteco de Ipanema jogando conversa fora sobre putaria.

Parece genial, mas vale apenas como curiosidade mórbida. E é tudo o que eu tenho a dizer sobre o assunto, antes que alguém da equipe técnica comece a tradicional corrente de hate mail.

Control *

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Descobri o Joy Division cedo demais. Talvez por isso, não entendi nada. Eu tinha uns 17 anos quando comprei a caixa Heart and soul, encalhada numa loja de discos, e engoli a banda numa garfada só. Bateu pesado, quase me afoguei no lamaçal sonoro. No belo texto do encarte, se fala de uma Inglaterra sombria, intransitável. Uma imagem precisa para ilustrar aqueles acordes duríssimos.

Mas eu era novo demais. Recomendo o Joy Division para quem tem mais de 25. Para quem já sofreu a primeira grande desilusão amorosa (e conseguiu superá-la), para quem já superou a maior parte dos delírios de adolescência. Já nos primeiros singles, não havia esperanças. O segundo e último álbum, a obra-prima Closer, ainda está trancado em algum porão inacessível. Ainda parece impossível tentar aproximação com o porta-voz dessa triste poesia: Ian Curtis.

Como filmar essa presença fantasmagórica? Para uma cinebiografia de Curtis, eu convidaria o Alexander Sokurov. Ou o Paul Thomas Anderson desalmado de Sangue negro. Daí o estranho choque provocado por Control: trata-se de um longa que, apesar de rodado em branco e preto (uma opção até meio óbvia para um diretor que já rodou zilhões de videoclipes nesse formato), ilumina a vida privada de Curtis com a riqueza de detalhes banais que esperamos de um telefilme sobre Lindsay Lohan.

Confesso que descobrir esse personagem dessa forma tirou um pouco do mistério que sempre pairou sobre aquele outro homem, enclausurado nas canções do Joy Division.

Inspirado em um livro escrito pela mulher de Curtis, que também produz o longa, Control é um perfil quase doméstico, dedicado exageradamente à tensa relação entre o compositor e a esposa. Dentro desse parâmetro limitadíssimo, é uma produção correta. Mas queríamos realmente saber tanto assim sobre o longo caso extraconjugal do músico com uma repórter belga? Estávamos interessados na dificuldade que ele enfrentava para conciliar turnês e afazeres do lar?

Mais frustrante é quando Anton Corbijn (que começou a carreira com fotografias da banda para revistas inglesas) tenta explicar a origem das músicas do Joy Division a partir de situações vividas por Curtis. Exemplo: ele tem uma discussão violenta com a mulher e, em seguida, ouvimos Love will tear us apart. É só isso?

Até o suicídio de Curtis – até então, um grande ponto de interrogação até para quem o acompanhava de perto – é “resolvido” pelo cinema. Tudo, explica o diretor, uma questão de perda de controle, de não saber lidar com uma sucessão de ataques epiléticos, de deixar a vida escorrer entre os dedos – numa referência simplória (mais uma!) à faixa She’s lost control. O ator Sam Riley vive a agonia do ídolo, mas não encontra respaldo numa narrativa cartesiana.

Tento ser otimista, mas não dá: Control é um filme pequeno para Ian Curtis. Faz esforço para tirar o mito do pedestal, mas não sabe muito o que fazer com ele. No fim das contas, o banaliza. E, mais ou menos como a versão do Killers para Shadowplay, se faz de cúmplice – mas soa como espectador desinteressado de uma tragédia desinteressante.

Oscar II

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Somos só eu e o Jon Stewart ou vocês também passam essa cerimônia inteira com aquela cara de quem poderia estar fazendo algo mais produtivo da vida? Dormindo, para ficarmos num exemplo.

Foi um Oscar previsível. Felizmente. O que vocês queriam? Juno melhor filme? Não, né.

Tudo muito correto, aliás. Até a premiação pra direção de arte de Sweeney Todd, justa. Tilda Swinton não tem muito a ver, mas não posso reclamar. Marion Cotillard é mesmo a melhor atriz, e até quem odeia ler legendas sabia disso. O discurso do Javier Bardem foi ótimo, e eu tinha completa certeza de que ele acabaria surtando em espanhol.

As canções, todas tenebrosas. Como de costume. Não me convenci da beleza da musiquinha vencedora, mas ainda tenho que ver o filme. E Rubens Ewald Filho, estranhamente controlado. “O tempo simplifica os homens”, já diziam os Coen.

No mais, até os irmãos pareciam um pouco entediados. E o Ethan realmente é o mais caladão, se é que alguém precisava confirmar isso.

Na natureza selvagem ***

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Um filme de aventura. E eu poderia parar o texto aqui (na verdade, eu deveria fazer isso, já que meus textos parecem cada vez mais vagos e inúteis, culpa da idade ou provavelmente do excesso de exercícios físicos).

Mas que filme de aventura bonito! Ele dura quase 2h30, mas eu – que implico adoidado com filmes longos – poderia ter passado mais de cinco horas no encalço de Christopher McCandless, o garotão de classe média que abandona o conforto de uma vida previsível para cair na estrada rumo ao Alasca. Como nos melhores road movies, este depende muito do interesse do cineasta pelas experiências vividas pelo protagonista durante o percurso (é fácil notar os casos em que o diretor só quer saber do ponto de chegada, os mais artificiais e entediantes). E Sean Penn trata essas aventuras com tanta propriedade que, na maior parte do tempo, parece estar fazendo um filme sobre as fantasias juvenis de Sean Penn.

Mas que filme fascinante sobre as fantasias juvenis de Sean Penn! Hoje em dia, admiro mais o cineasta que o ator. A promessa já era ótimo, mas este vai um pouco além quando demonstra entender profundamente sobre os desejos e frustrações de jovens deslocados no próprio mundo. O apanhador no campo de centeio seria a referência óbvia, mas Na natureza selvagem faz o possível (apesar de algumas interferências exageradas na narração em off) para preservar o mistério em torno desse herói bem-nascido. Por que livrar-se dos bens materiais para testar os limites em um ambiente desolado? Qual o sentido da fuga? E depois de cumprido o objetivo, o que fazer?

Até por tratar de um personagem real, o filme não o limita a um estereótipo, nem a um símbolo. Muitos verão em Christopher a encarnação do idealismo. Outros, da dificuldade de adaptação à vida urbana. Um terceiro grupo desconfiará da imaturidade do sujeito. Todos estão certos, mas ainda assim esse mochileiro consegue escapar de definições. Enquanto segue viagem acompanhado de adoráveis desconhecidos – nessa fauna de coadjuvantes, a narrativa apresenta traços de conto de fadas -, Penn se supera: exibe uma leveza e um frescor poético até agora desconhecidos.

Em algum momento da sua adolescência, você perdeu o ônibus de propósito e, talvez tomado por aquele tipo de melancolia que ninguém explica, seguiu caminhando sem destino definido. O filme recupera esse sentimento. De certa forma, é todinho sobre ele.

Eis a grande injustiça do Oscar (ficaria muito bem no lugar de Conduta de risco, que tal?). E terem ignorado Emile Hirsch, um baita pecado da Academia.

Oscar e Alfred

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A estatueta principal só não fica com Onde os fracos não têm vez numa condição: se a Academia se lembrar de que é uma instituição com queda pelos bons costumes, que já premiou amenidades como Uma mente brilhante e Carruagens de fogo. Então vamos torcer para que não lembre, certo?

Estranhíssimo sinal dos tempos, aliás: se o público tivesse a chance de escolher o vencedor, provavelmente a briga seria feia entre Desejo e reparação e Juno. Ou seja: passos para trás. O que mais ouço à saída das salas do filme dos Coen (e do Paul Thomas Anderson, ainda que em menor escala) é “isso que dá confiar na crítica!”. Quem diria: crítica e Oscar, nascidos um para o outro.

Agora, sério, quem precisa de Oscar quando se tem o Alfred? O prêmio da liga de blogues de cinema tem uma lista de indicados que quase me levou aos prantos. O mundo tem solução, meus amigos. Meu voto é para Império dos sonhos, claro, mas eu ficarei muitíssimo feliz com a vitória de qualquer outro concorrente. Mandamos bem.

Persépolis ***

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Torço para Ratatouille, mas seria bacana acompanhar, no Oscar, a vitória de uma animação como Persépolis. É um filme que tem tudo o que agrada à Academia de Hollywood – principalmente a disposição de ilustrar, de forma quase didática, alguns dos conflitos políticos do Oriente Médio -, mas ao mesmo tempo parece muito deslocado em uma competição dessas. Pode soar como um paradoxo, mas trata-se de uma obra simultaneamente aberta e introspectiva. As impressões universais permitem nosso contato com uma trajetória muito particular.

É como um diário de adolescente que, entre uma e outra página, depois de encontrado debaixo do colchão, foi preenchido com descrições históricas, contextualização política, detalhes culturais, cor local. A protagonista desta história testemunhou a rápida transformação do Irã em um país de trevas e intolerância. Não há como crescer nesse ambiente sem ser agredido ou contaminado pela política. O filme ressalta as janelas políticas de um texto confessional.

Se Persépolis às vezes remete a um descolado instrumento educativo sobre a história iraniana, o recurso não é empregado à toa. A própria estética do filme, goste ou não, é feita do equilíbrio entre o tom de peça informativa (ele quer sim nos informar sobre um país pouco conhecido) e de um perfil psicológico, autobiográfico, que não se deixa limitar à condição de sintoma de uma determinada situação. A vida corre paralelamente à política, mas corre.

Se há um conflito principal na trama, é a batalha entre essa heroína contestadora e um país autoritário, truculento. Quando a menina deixa o Irã e se perde em uma Europa de valores que não compreende (mas também em dores tipicamente juvenis, de amor perdido e solidão), sente falta da família, lembra da infância. Ao retornar, percebe que aquele país não a aceita mais. Para onde ir?

Não é uma personagem que simbolize perfeitamente a condição feminina no Irã, felizmente. Mas ela habita um filme que carrega a missão de abrir nossos olhos para uma certa realidade. Essa dupla-face faz de Persépolis uma animação muito oportuna, politicamente correta – e também pontiaguda, artisticamente incomum.

Eggtown **

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Pobre Kate. Em um futuro não muito distante, os sobreviventes do vôo United (baixou o Oliver Stone) Oceanic retornam ao mundo real estranhamente transformados: Jack se afundou em depressão, Hurley intensificou os delírios paranóicos e Sayid, de escova feita, ingressou na carreira de matador profissional. E Kate? Se tomarmos este episódio como prova, a indecisa, enigmática musa da ilha continua na mesma, às voltas com os crimes que cometeu no passado. Pobre Kate.

Até o momento em que não encontrarem uma forma decente de desenvolver a personagem – que, até hoje, parece dar rodopios em torno de conflitos que não interessam a quase ninguém -, todo capítulo dedicado à bandida sexy será uma zona morta. No caso de Eggtown, a trama toda se contrói para justificar a cena final (e o método de assustar o espectador aos 45 do segundo tempo periga virar uma muleta mui oportuna para a série). Pena que a trama dependa dos velhos dilemas de Kate, e isso significa principalmente um retorno ao caquético triângulo amoroso entre Jack e Sawyer. Quando no consultório sentimental, sabemos, a moça consegue ser mais inconstante que muita personagem de Eric Rohmer.

O desfecho, como sempre, abre portas que só serão fechadas (se tivermos sorte) daqui a uns dois anos. Paciência. Até agora, a temporada parecia interessada em resolver algumas das grandes questões sugeridas desde o primeiro capítulo da série – mas, nesta altura, duvido muito que se chegue a alguma conclusão crucial tão cedo. Aos poucos, os personagens de Lost percebem que dependem da ilha, onde podem se destacar como pessoas minimamente interessantes (na vida real, eles todos se consideram simplesmente insignificantes). E, se é assim, o que resta da série? Uma disputa entre dois grupos (o dos sobreviventes e a conspiração Dharma) pelo domínio da ilha? Por enquanto, fico com essa hipótese.

O som do coração °

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Equivale a uma balada de Jon Bon Jovi. Adaptada para o italiano, e interpretada por Celine Dion. Com dor de barriga.

Medo da verdade ***

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Não sei se já contei esta história (minha memória anda um lixo), mas enfim: conheço uma garota que escolhe o filme pelo cartaz. Literalmente. Estou falando sério. Ela aceita o convite dos pôsteres mais coloridos e leves, e rejeita aqueles mais sombrios. Já viu praticamente todos os longas com fotos de divulgação em tom pastel. Se arrumou toda para assistir a O labirinto do fauno, mas jogou a toalha no saguão do Cinemark. Escuro demais.

É um exemplo extremo de como, no fim das contas, nos aproximamos dos filmes de formas muito particulares. Carregamos para a sala de exibição um sem-número de tabus, precauções, temores e traumas. Já tentei convencer três pessoas a tentar Embriagado de amor, mas todas desanimaram quando citei o nome Adam Sandler. Paciência. Um amigo meu, que detesta musicais, abandonou a sessão de Sweeney Todd nos cinco minutos iniciais. O que fazer? Estamos numa democracia.

Toda essa ladainha me ajuda a entender a rejeição que Medo da verdade sofreu e sofrerá em alguns cantos. Pode parecer um filme muito fácil de se gostar, talvez por ter sido inspirado em um livro de Dennis Lehane (autor de Sobre meninos e lobos), mas não é. Para começo de conversa, ele é dirigido de uma forma muito desengonçada, às vezes aos trancos e barrancos, com falhas aparentes. É o que costuma acontecer em estréias. E, no mais, trata-se do debut de…ahn…er… Ben Affleck.

Mas, como eu dizia, há formas e formas de se aproximar de um filme. Medo da verdade me atrai sobretudo pela ambição de Affleck, que não aceita caminhar em terreno seguro. É fácil elogiar filmes despretensiosos que cumprem com competência expectativas mínimas. Difícil é peitar as limitações de projetos que se esforçam para ir além do mero exercício de gênero. Filmes ambiciosos, quando desabam, caem feito bigorna de desenho animado. Mas não me importo. Para mim, eles são mais interessantes.

Quando optou por filmar Sobre meninos e lobos, Clint Eastwood se inspirou no livro consagrado, em que Lehane refina o tratamento dos textos anteriores em uma obra madura, cristalina, com aquele desejo intenso de subverter as regras do típico romance policial. Escrito dois anos antes, Gone baby gone ainda revela um autor em processo de construção dessa identidade.

Os protagonistas, um casal de detetives particulares, já apareciam em outros três livros – que, juntos, funcionavam como misto de pulp fiction e laboratório de idéias para Lehane. Medo da verdade, o filme, também oscila entre esses pólos – e o faz de forma inquieta, imperfeita, sem abandonar as complexidades da trama original.

O que está em jogo é a mutação de uma investigação policial num belo conto moral. Em histórias de detetive, é comum que se descubra aos poucos uma teia de sujeira maior do que, no início, suspeitávamos existir. O filme tem isso, o livro também. Mas, para além de identificar o nome do culpado, aqui os personagens se modificam quando se deparam com situações imprevisíveis, inclassificáveis.

Se adaptada por um cineasta experiente, essa história provavelmente perderia o tom indeciso e agoniado como foi narrada por Lehane. Sem querer, Affleck vai à alma de um livro torto. Surpreendentes, tanto um quanto o outro.

Antes de partir °

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Meu padrasto avisa que, depois de experimentar o auge mais monumental, o império norte-americano desabará feito farelo de pão. Eu e vocês, meus irmãos, ainda estaremos vivos para testemunhar esse incrível acontecimento, que mudará nossas vidas por completo.

E ele diz esses absurdos com tanta convicção que eu até acredito.

Só sei que, se meu padrasto estiver certo (e ele sempre está), filmes como Antes de partir poderão ser usados como amostras dos valores de uma decadente sociedade norte-americana. “Veja a que ponto chegaram”, dirão. Não pretendo tecer teorias sobre consumo desenfreado, mas o que dizer de um filme sobre dois doentes terminais que, massacrados pelo câncer, associam a idéia de “viver plenamente” a skydiving, corrida de carros e pacotes turísticos caríssimos?

Sem gozação: este filme deveria ter sido produzido pela Stella Barros. Aí a gente até imagina: a premissa será desmontada aos poucos, para justificar que felicidade não tem preço etc e tal. Mas não. Rob Reiner, materialista que só ele, celebra o passeio milionário como um recurso capaz de preencher qualquer lacuna existencial. Sim, há os amigos, a família. Ok. Mas, para não deixar dúvidas, o filme abre e fecha com um cartão-postal do Everest.

Até o anúncio do Mastercard tem mais sangue nas veias.

Um filme que meu padrasto adoraria odiar. Por tudo o que representa e por tudo o que não representa e por todas as paranóias insensatas que desperta em cidadãos preocupados. E eu concordaria com ele, desta vez muito sinceramente.

Jukebox #06

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O mundo anda acelerado. Enquanto escrevo sobre estes disquinhos aqui, já estou afogado nos novos do The Kills, do Be Your Own Pet, do Clinic e do Kelley Stoltz, entre muitos outros. Para dar conta de comentar tudo o que ouço (e ok, tem coisas que ouço sem tanta atenção assim), eu teria que escrever uns três posts desses por semana. Como não tenho tempo, então os menos memoráveis acabam sobrando – e outros discos que mereceriam atenção, como as trilhas de Juno e Sangue negro (muito melhor no filme que no iPod, aliás), eu me limito a dizer que ok, gostei, mas não tenho muito a comentar.

lights.jpgFalling off the Lavender Bridge, Lightspeed Champion

É a nova sensação do indie rock britânico, e desta vez eles têm alguma razão. Apesar de emular o Gnarls Barkley nas fotos de divulgação, o projeto de Devonte Hynes, ex-Test Icicles, faz uma ponte interessante entre o alt.country norte-americano e o brit pop mais delicado, confessional. A poesia explícita, de confronto, combina com um projeto calculado, cerebral, que chega a lembrar os atentados de Jarvis Cocker. Há ótimos singles, como Galaxy of the lost, Tell me what it’s worth e a longa Midnight surprise. Pena que perca quase toda força na segunda metade, prejudicada por baladas mornas. Mas que tem futuro, tem.

blackmountaincapa.jpgIn the future, Black Mountain

Sobre essas bandas que trabalham influências de hard rock e psicodelia dos anos 1970, eu deveria fechar meu bico. São poucas as que conseguem provocar em mim algo além de indiferença (White Stripes e mais quantas?). Estou penando com o álbum do Constantines exatamente por conta dessa minha resistência. In the future soa mais palatável e melódico que o anterior do Black Mountain, e isso me coloca alguns passos mais próximo do grupo. As jornadas mais progressivas, admiro, mas não voltarei a ouvir tão cedo. Reconheço, porém, que esses são poucos momentos em que a banda dá algum sinal de personalidade em meio ao pastiche. Competente, digamos.

wallacapa.jpgField manual, Chris Walla

Como Meaningless, de Jon Brion, é um típico álbum de produtor. Walla, do Death Cab for Cutie, ficou conhecido no circuito indie pela produção de álbuns como Give up, do Postal Service, e Picaresque, do Decemberists. É típico porque soa como um portfólio das experiências em estúdio, com ecos de várias bandas com que trabalhou. Essa diversidade rende um álbum arejado, bom de se ouvir, mas que carece de marca, de assinatura. Se sai melhor quando não repete a fórmula (já muito batida) do Death Cab em baladas sem sabor. Mas está longe da tragédia que andam espalhando por aí.

bobm.jpgDistrict line, Bob Mould

Quando o vocalista do Hüsker Dü começa a soar como um híbrido de Foo Fighters com Death Cab for Cutie, há algo de podre no reino indie. Dizem que o álbum representa com precisão uma fase alegre do compositor, que não deve mais nada a ninguém e, perto dos 50 anos, se sente muito tranqüilo ao narrar aventuras gays e crises de meia-idade da forma mais direta possível. Bom para ele, não tão bom para os fãs. Junto com as angústias da adolescência, Mould perdeu a agonia em relação ao rock, tratado de uma forma automática, sem ousadias.

marsv.jpgThe bedlam in Goliath, The Mars Volta

Er… Por mais estranho que possa parecer, escrevo sobre o disco pelo mesmo motivo que comentei sobre o novo Jack Johnson: para extirpá-lo do meu organismo. Entendo quem gosta do Mars Volta, e serei o primeiro a defender os shows da banda (vi um espetacular no Tim Festival). Mas a experiência em disco, para meus pobres ouvidos, continua exaustiva, mesmo quando eles tentam livrar-se de antigos maneirismos e se aproximar de uma pegada mais acessível. Pior: ainda não consigo levar a sério o vocal esganiçado. Em matéria de álbuns inspirados em mesas de ouija, fico com Widow city, do Fiery Furnaces.

Os indomáveis **

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Onde os fracos não têm vez: um filme a partir do faroeste. Os indomáveis: um filme de faroeste.

O guia dos Coen: a literatura de Cormac McCarthy. A (inesgotável) cartilha de Mangold: apostila com lições de Syd Field.

Nada contra, são duas opções, duas escolas. Mas é curioso quando os cartazes dos dois filmes se exibem lado a lado na vitrine do multiplex. E, ao lado deles, para confundir o coreto definitivamente, mora o Sangue negro do Paul Thomas Anderson.

Dizem que a Academia de Hollywood é instituição conservadora por excelência. Pensamos novamente: se assim fosse, Os indomáveis estaria no lugar de Onde os fracos não têm vez. O filme de Mangold é, esse sim (e não Sweeney Todd, pelamordedeus), conservador. Mais que isso, é esteticamente limitado. O conto do Elmore Leonard renderia um longa excelente, mas não quando adaptado por um cineasta que não faz muito além de arrumar imagens fáceis para ilustrar roteiros. Acontece que Mangold tem uma boa noção de ritmo, de fluência narrativa. Faz bons passatempos, e aí tem gente que respeita. Faz filmes divertidos, mas o que podemos tirar de Johnny & June?

O filme dos Coen é, de certa forma, sobre como o faroeste se transformou num gênero inviável – não há como filmar o Oeste hoje com os símbolos do passado, já que aquele ambiente (e a imagem meio romântica que se fazia dele) se modificou radicalmente. Quer dizer: há, mas o que teremos em troca será mortos-vivos como Os indomáveis.

Não é um filme sobre o mundo em que vivemos, ainda que trate o matador vivido por Russell Crowe como uma espécie de ícone da pré-história da cultura de celebridades. Um Jesse James. Todos o admiram, o temem. Quando esse cafajeste superstar encontra alguém que rejeite as regras do jogo – o zé-ninguém desesperado de Christian Bale -, algo muda. Finalmente, acha um interlocutor.

Essa tensão que se cria entre os dois, misto de camaradagem e brutalidade, desemboca em um desfecho movimentadíssimo. Os Coen encerraram o deles com um longo anti-clímax. Mangold prefere o show protécnico, com tiroteio, chacina, corre-corre, bois desembestados e um trem que chega-não-chega-chega-não-chega.

Poderia ter sido um filme tão bom, não poderia? Eis a diferença entre Mangold e os Coen. De um lado, o diretor correto. De outro, os artistas.

The economist ***

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Nem tenho muito a filosofar sobre o episódio, já que ele parece um prolongamento dos dois anteriores – no sentido de estabelecer uma narrativa paralela “no futuro” e investir muito no destino dos personagens que conseguiram escapar da ilha. O diferente, no caso, é que os flashforwards jogam com uma estética também paralela, a de um thriller de espionagem. É como se Sayid, agora na pele de um assassino profissional, tivesse caído num capítulo de 24 horas.Esse contraste entre as narrativas de dentro e fora da ilha, que caiu como bênção na primeira temporada, retorna afiado.

E hoje, ironicamente, a ação na ilha parece até tímida perto do que acontece no “mundo real”.

Particularmente, fiquei um pouco decepcionado com a forma como decidiram tirar do ostracismo o Sayid, meu personagem favorito da primeira temporada. Para quem não lembra, a “missão” dele na ilha parecia ser a de confrontar um passado de torturador com a necessidade de agir em prol da coletividade. Quando condenam o anti-herói novamente à condição de um monstro violento, quase um pit-bull, os criadores da série limam toda a complexidade do personagem. Na lógica determinista de Lost, é como se ele carregasse o gene da brutalidade. Hmm.

Agora, retornando a 24 horas, a cena final lembra o tipo de desfecho deliciosamente cruel que virou marca registrada das piruetas de Jack Bauer. É uma baita revelação, devidamente acompanhada de um efeito sonoro nada sutil (eu pensei que o teto do meu quarto estava desabando) e que confirma, mais uma vez, como a série acelerou incrivelmente desde o final da terceira temporada. Eu, o mais aborrecido dos seres vivos, ainda não tenho do que reclamar.