Dia: janeiro 2, 2008
Coisas que perdemos pelo caminho **
O trocadilho é pateta, mas não quero evitá-lo (aliás, blog é lugar de piadas prontas, ironia barata e outros guilty pleasures). O que me interessa não é se Halle Berry finalmente livrou-se da maldição dos projetos assombrados, nem se Benico del Toro continua interpretando brilhantemente Benicio del Toro, nem se este drama doméstico lembra uma colagem de vencedores de Sundance (de certa forma, é o que acontece). Vamos ao miolo da questão: quais foram as coisas que a cineasta Susanne Bier perdeu no caminho entre a Dinamarca e Hollywood?
Aos que estão ávidos para idenficar como a Grande Indústria corrompe a integridade de auteurs europeus, de talentos latinos, de gênios orientais, só tenho uma coisa a dizer: Bier não perdeu quase nada. Se bobear, ganhou. Haverá quem reclame da ausência da montagem truncada de Brothers, por exemplo, ou de uma certa crueza amarga que se nota em Depois do casamento. Mas eu, que não guardo lá grandes afeições pelos dois filmes, acredito que a mudança provocou uma urgência até então ausente no trabalho da diretora. O império agiu para o bem.
Na Dreamworks, sob vigilância do produtor Sam Mendes (Beleza americana), ela encontra o ambiente tenso ideal para tentar afirmar um olhar para conflitos familiares que, em linhas bem medíocres, pode ser definido como um Iñárritu sem tanta afetação ou reviravoltas apalermadas de roteiro.
Tal como em 21 gramas (e este é só um exemplo), Bier cola a câmera nos atores em busca de interpretações à flor da pele. Os personagens estão empacados em situações-limite, disparadas pelo dedo do acaso. Todos procuram conforto, e às vezes encontram em frases de efeito como “aceite o que é bom”, “cada dia é uma nova chance” ou outra bobagem qualquer.
Mais interessante que testemunhar essa fábula de reconstrução do lar é assistir à luta entre Bier e um roteiro com vocação para telefilme. Ela pode ter perdido a guerra, mas saiu bem de algumas batalhas. É ela quem, junto com o elenco, encontra o tom certo para a metáfora mais banal. Como aquela que explica o título original do filme – traduzido, Coisas que perdemos no incêndio. “A garagem pegou fogo, fomos obrigados a reformá-la. A boa notícia é que tivemos que recomeçar. A má é que nunca terminamos”, explica a viúva atormentada. Acredite: na tela, fica uma lindura.