Mês: outubro 2010

Drops | Mostra de São Paulo (9)

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'Carlos', de Olivier Assayas

Aurora| Cristi Puiu | 3/5 | Quem acompanha os filmes romenos recentes – pelo menos aqueles que são exibidos em nossos festivais – pode ficar com a impressão de que eles são assinados por uma mesma pessoa ou por uma comissão que define padrões visuais e narrativos a serem seguidos. De início, este Aurora provoca algum estranhamento ao distender esse modelo a um ponto tão exaustivo que pode provocar no espectador uma sensação de entorpecimento. Talvez essa, aliás, tenha sido a intenção de Puiu (de A morte do sr. Lazarescu), que sabota as convenções de uma típica “fita de serial killer” ao seguir quase solenemente um homem comum, inexpressivo, oco (interpretado pelo próprio diretor), que, nas três horas de duração do longa, mata quatro pessoas. Logo percebemos que Puiu está, de fato, fazendo o filme que esperamos dos romenos (do tema cotidiano à fotografia realista, incluindo aí um olhar muito duro para as relações sociais e as instituições do país), só que distorcido por uma lente-lupa, que amplia e satura cada imagem. No desfecho, quando Puiu mostra uma sociedade tão impassível quanto o próprio protagonista, nos perguntamos se o nosso esforço não teria sido em vão.

Você vai conhecer o homem dos seus sonhos | You will meet a tall dark stranger | Woody Allen | 3/5 | Allen deseja que tomemos este filme como uma comédia rasteira (a narração em off, por exemplo, trata a trama como se fosse uma grande bobagem), mas esse tom ligeiro diz muito sobre o momento do cineasta que, como no filme anterior (Tudo pode dar certo), elimina quase todos penduricalhos da narrativa para mostrar com muita precisão o que ele vê de patético e de encantador na vida. Muito pouco encanto, na verdade: para suportar o “som e a fúria” da existência, Allen recomenda uma dose diária de ilusão.

Carlos | Olivier Assayas | 3.5/5 | Esta minissérie francesa sobre a trajetória do terrorista venezuelano Carlos, o Chacal, carece da fluência do outro filme-maratona da Mostra, Mistérios de Lisboa. O formato da narrativa me parece até previsível, enfadonho: Assayas não renega muitas das obrigações de uma cinebiografia-padrão (talvez seja o filme mais convencional que ele dirigiu) e usa as 5h30 de duração principalmente para encenar os atos, a performance de Carlos (e dedicação de Edgar Ramirez impressiona) – daí que não será absurda a comparação com o Che de Soderbergh. As três primeiras partes do filme reconstituem os atentados (em ordem cronológica e com recursos de documentário, como a pesquisa de imagens de arquivo) com detalhismo que ressalta a mecânica do terrorismo internacional e o traquejo de Assayas para conduzir sequência de ação. Mas, apesar de todos os méritos (são muitos), essa estrutura se torna cansativa, um tanto redundante, para quem vê a série de uma vez só. Muitas das ideias do cineasta (a trilha sonora de punk e pós-punk, por exemplo) se diluem na imensidão da narrativa, ainda que Carlos me pareça um típico personagem do diretor: o homem que flutua livremente sobre um mundo, vencendo as fronteiras geográficas, a barreira dos idiomas – e, por fim, desaparecendo na paisagem. 

Drops | Mostra de São Paulo (8)

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'Minha felicidade', de Sergei Loznitsa

Jean Gentil | Laura Amelia Guzmán e Israel Cárdenas | 3/5 | Esta produção da República Dominicana é uma das boas descobertas da Mostra: a jornada de um homem comum, em agonia, cidade adentro. A câmera o acompanha de muito perto, mapeando ações, gestos, o cotidiano e os momentos de fuga. Num determinado momento, não sabemos se esta é uma fita de ficção ou um doc sobre o ator principal. Daria uma bela sessão dupla com Agreste, de Paula Gaitán.

Distantes juntos | Tuan yuan | Quanan Wang | 2.5/5 | Um drama familiar singelo que tem lá alguma graça, mas o fôlego é de curta-metragem. A trama se escora no impasse criado entre três idosos: uma dona de casa chinesa, o marido que retorna da guerra após 40 anos e o homem com quem ela vive. O inusitado é que esse conflito não chega a produzir explosões: ele se resolve com civilidade, à mesa de jantar, num acordo de cavalheiros. Nos subterrâneos da narrativa, todos os sentimentos que os personagens aprenderam a reprimir.

!!! Minha felicidade | Schastye moe/My joy | Sergei Loznitsa | 4/5 | Este road movie pancada provoca a incômoda sensação de que tomamos o desvio errado e nos metemos numa estrada sem saída. Georgy, um caminhoneiro quase sempre apático, é o nosso guia nesta viagem infernal que (não fosse por flashbacks que acomodam a trama dentro da história russa) poderia ser interpretada como uma fita de horror B conduzida por um documentarista de sangue frio (e Loznitsa, dizem, é um ótimo documentarista). Os contornos enviezados da narrativa, que vai cruzando e descruzando atalhos imprevistos, me parecem às vezes exageradamente obscuros (admito que me perdi em mais de um trecho), mas até esses momentos truncados, confusos, condizem com a aspereza de um filme que é duro feito cimento e, ao mesmo tempo, enigmático feito fábula dark. O olhar para os personagens e para a Rússia (o país de origem do diretor paira sobre o filme) é implacável, sem qualquer degradê, desagradável. A morte pede carona na Ucrânia ou Alice no país da brutalidade – você decide. De uma forma ou outra, há algo podre (e estranho) no ar desta nação.

!!! Tio Boonmee, que pode recordar suas vidas passadas | Apichatpong Weerasethakul | 5/5 | A revisão só confirma que esta é uma obra-prima tão sublime quanto Mal dos trópicos. No fim da sessão, alguém comentou que os fãs do filme não sabem como defendê-lo. Então vou tentar rapidamente, sem muita pretensão nem nada: o que mais me fascina neste filme é como o sobrenatural é tratado sem espanto, como uma entre tantas características do mundo. Espíritos e pessoas dividem uma mesa de jantar, um quarto de hotel – conversam e se tocam. No ambiente criado por Apichatpong, não se discute crenças, fé: o mistério está em cena, visível, material; logo, ele existe.

Para fechar os drops de hoje, um trecho da entrevista de Raul Ruiz, diretor do genial Mistérios de Lisboa, à Folha de S. Paulo: “A atitude de Camilo Castelo Branco (autor do romance que deu origem ao filme) é a seguinte: ‘Não creia demais no que estou narrando’. É como se dissesse: a vida não tem a coerência de um filme americano. A vida é incoerente e é um caos, ou seja, é um folhetim, mas sem ‘happy end'”.

Mixtape! | O melhor de outubro

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A mixtape de outubro foi gravada durante as minhas férias e, por isso, deve soar um pouco mais amena, um pouco mais leve, um pouco menos agoniada, um pouco menos pilha-de-nervos, um pouco menos tique-nervoso do que a de setembro. Ela até parece um pouco ensolarada, vejam só que coisa estranha.

Não é uma coletânea como as outras: a colagem foi feita não no fim, mas bem no meio do mês, antes da minha viagem a São Paulo (onde estou neste momento) e pouco depois da semana que passei no Rio de Janeiro. Portanto, o som remete muito mais a esse respiro carioca, do que à escala paulistana. A cor do som é mais azul do que cinza, portanto.

E só percebo isso agora, quando volto a ouvir o disquinho. As primeiras faixas evocam um souvenir de paraíso tropical – o mar, as moças de biquini, uma certa sensação de que as coisas vão terminar bem. Mas aí ele vai ficando um pouco estranho, um pouco torto, talvez você note climas cinematográficos, e (se você me conhece) talvez encontre nos versos e melodias muitas referências aos fatos que vivi, pessoas que conheci, sensações e incertezas… É, como sempre, uma mixtape muito pessoal.

Se existe uma palavra que define as minhas férias, ela tem quatro letras: fuga. Uma corrida louca, uma necessidade desesperada de ocupar o tempo (com filmes, palavras, discos, qualquer coisa) para que eu não corra o risco de ficar completamente sozinho, em silêncio, diante de mim mesmo. Não é simples.  

Ainda assim, apesar de ser tudo ainda sobre mim, dedico esta coletânea aos meus amigos mais próximos, que me ajudam mais do que eles próprios percebem. Principalmente ao Diego Maia, o bróder de São Paulo que, apesar de muito mais novo, é um exemplo pra mim: um dos sujeitos mais inteligentes que eu conheço, e não apenas por preferir músicas alegres às tristes.

Então esta é uma mixtape de músicas alegres. Ou quase. O disco preferido do mês foi The age of adz, do Sufjan Stevens. Mas, como ele acabou entrando na coletânea tortuosa de setembro, quem ilustra este post é o El Guincho, que gravou um dos discos mais vibrantes do ano. E um dos que me acompanharam durante estas férias estranhas. 

É uma mixtape com sabor de mate leão: tem, além de El Guincho, Delorean, Thurston Moore (interpretando Burt Bacharach), uma faixa emocionante do Clientele, Avey Tare, Manic Street Preachers, The Walkmen… A lista de músicas está logo ali na caixa de comentários.

Então faça o seguinte: tire a poeira da prancha, compre um bom protetor solar e faça o download da mixtape de outubro aqui ou aqui.

(E, depois, para alegrar o meu dia, não custa nada deixar um comentariozinho esperto sobre a coletânea. Não custa, custa? Não custa).

Drops | Mostra de São Paulo (7)

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'Mistérios de Lisboa', de Raúl Ruiz: obra-prima

!!! Mistérios de Lisboa | Raúl Ruiz | 5/5 | Esta adaptação gigantesca do romance de Camilo Castelo Branco (e vasta em todos os aspectos, a começar pela duração: 4h30) permite que nós, os espectadores, nos percamos num mundo de ficção que se desdobra cena a cena. Nesse ponto (e a comparação pode parecer inconsequente), ele me lembra a experiência de assistir a Inland Empire, de David Lynch: Ruiz conduz a narrativa com tanta autoridade, cria um sentido de encantamento tão intenso que, numa certa altura da viagem, não importa mais para onde ele está nos levando. Ainda assim, o filme me parece absolutamente rigoroso: não trai o romantismo de Castelo Branco (pelo contrário: ele o acentua, rejuvenesce, trata as reviravoltas e as coincidências folhetinescas com muito prazer) ou a estrutura labiríntica do livro: as tramas e personagens (dezenas deles) são como os tantos galhos de uma árvore cujo caule nunca ameaça tombar. É o monumento da Mostra: e daquelas sessões que não se esquece.

Um dia na vida | Eduardo Coutinho | 3/5 | No fim da sessão, Coutinho admitiu não saber ainda se este projeto deve ser classificado como uma obra acabada ou como uma pesquisa para um filme futuro. Lembrei de uma entrevista que fiz com ele, na época de Edifício Master: era época de Big Brother Brasil e ele comentou que gostaria muito de fazer um filme com os momentos do pay-per-view em que nada acontecia. Um dia na vida é algo próximo disso, ainda que muita coisa aconteça: uma “pilhagem” de imagens da tevê aberta, gravadas num período de 19 horas e editadas numa duração de 95 minutos. Coutinho diz que a colagem foi feita de uma forma quase automática (o filme não tem dono, é impessoal, ele diz), mas não posso (nem gostaria de) acreditar nisso: o que mais me interessa nesta provocação é o quanto do cineasta se revela na escolha desses trechos de programas. A febre da beleza feminina, a exploração da miséria humana, a grosseria kitsch dos folhetins e o mercado da religião são alguns dos temas que pipocam num zapping de bizarrices cotidianas que, infelizmente, não será exibido em lugar algum (e por uma questão de direitos autorais, nada mais). Coutinho seleciona cenas que, fora de contexto, nos perturbam por mostrar um país truculento e fútil, terrível de se ver. É uma comédia cruel – mas o tipo de argumento (resumindo: a tevê aberta é um lixo e um espelho do espectador) que não avança para além das velhas discussões sobre o tema. Talvez Coutinho tenha realmente um filme a ser criado a partir desta “pesquisa”: então, aí sim, veremos o que ele é.

Drops | Mostra de São Paulo (6)

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'Caterpillar', de Koji Wakamatsu

Filme do desassossego | João Botelho | 2/5 | Compreendo perfeitamente: qualquer adaptação do Livro do desassossego tenderá a tratar de uma forma mui respeitosa (resumindo: cheia de dedos) as palavras de Fernando Pessoa: mas, no caso deste filme-sonho de João Botelho, as imagens são aplicadas apenas para ilustrar, às vezes preguiçosamente, o texto declamado pelos personagens (nas divagações sobre sexo aparece um casal trepando; nos trechos sobre a língua portuguesa, o ator caminha dentro de uma biblioteca). Admito que, em alguns momentos, fechei os olhos para ouvir os versos sem a interferência de cenas quase sempre tão banais.

Como eu terminei este verão | Kak ya provyol etim letom | Alexei Popogrebsky | 3/5 | Se Na natureza selvagem, de Sean Penn, pode ser interpretado como um “filme de aventura”, este longa russo também aceita a classificação, e por um motivo mais ou menos parecido: é um conto sobre ritos de passagem (e o fim da adolescência) em que o ambiente (uma região gélida, isolada) cumpre um papel importantíssimo, já que catalisa os conflitos entre os personagens. É de se admirar, por isso, que o diretor Popogrebsky não se deixe seduzir por cenários tão fotogênicos e mantenha os protagonistas em primeiro plano. O filme é um belo exemplo de fé na narrativa clássica, linear, com todas as peças encaixadas nos devidos lugares, ainda que o terceiro ato tente criar uma atmosfera de tensão e paranoia que me parece tão fria quanto as paisagens filmadas.

!!! Caterpillar | Kyatapirâ | Koji Wakamatsu | 4/5 | Sou um iniciante na obra de Wakamatsu e, por isso, só consigo ver este Caterpillar como um comentário frontal, furioso, quase monocromático e grosseiro (num bom sentido), acerca dos horrores da guerra. E descrever o filme com simplicidade me parece apropriado, já que é com absoluta clareza e economia de efeitos que Wakamatsu cria este catálogo de atrocidades: mostra o horror no combate (nas primeiras cenas, uma mulher é estuprada por um soldado), o horror na volta para casa (o soldado retorna sem pernas e braços, como uma “lagarta gorda”), o horror psicológico (a relação entre o soldado e a esposa se torna uma espiral de loucura) e, finalmente, o horror das convenções sociais e religiosas (o soldado-lagarta, que não consegue nem falar, é consagrado deus). O contexto político aparece em frases curtas disparadas entre uma cena e outra. É o suficiente: a matéria de Caterpillar é a tragédia doméstica, física, pessoal. E, aí, não adianta remediar: a guerra não acaba quando termina.

PS: Não pensem que esqueci dela: a mixtape de outubro (também conhecida como a ‘mixtape das férias’) vem aí, e vai chegar mais cedo do que de costume. Vou postá-la amanhã cedo, por volta das 11h. Aí vocês fazem o download a tempo de curtir o feriado. Pode ser? Então vai ser.

Drops | Mostra de São Paulo (5)

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'Exit through the gift shop', de Banksy

Bróder | Jeferson De | 3/5 | Antes da sessão, o próprio Jeferson De resumiu: “Este não é um favela movie. É um filme-família.” De fato, Bróder adentra a periferia com um tom afetuoso, sem o punch provocativo de um Tropa de Elite, por exemplo. A violência urbana ocupa o clímax da narrativa, mas é um gatilho que o diretor aperta para testar as relações de amizade, cumplicidade entre os três personagens principais. Como muitos filmes de estreia, este também compensa uma certa afobação (a revelação final me parece apressada, atropelada pela montagem) com a energia de quem tem muito a dizer sobre um determinado ambiente e, principalmente, sobre as pessoas que vivem por lá.

Cleveland x Wall Street | Jean-Stéphane Bron | 3/5 | Em 2008, Cleveland entrou com processo contra os bancos que teriam implodido a economia da cidade. Mas o julgamento nunca chegou a ocorrer – uma pendência que este documentário francês “resolve”. Bron encena o teatro jurídico com os próprios personagens da crise financeira. A reflexão sobre o poder da retórica faz deste um filme lúcido, firme. Mas todo o discurso sobre o colapso econômico americano apenas perfila todos os argumentos que conhecemos sobre o assunto (e encontramos em outros docs sobre o tema, com ou sem Michael Moore).

Minha Perestroika | My Perestroika | Robin Hessman | 2.5/5 | Memórias sobre o ocaso da União Soviética. Os personagens certos, mas confinados num formato tão caduco quanto o velho regime político: depoimentos + imagens de arquivo = estagnação.

Exit through the gift shop | Banksy | 3.5/5 | Não é exatamente um documentário sobre Banksy, o provocador do grafite. Também não é apenas uma fita amalucada de ficção sobre um homem sem talento que, pelos poderes do hype, se torna um ídolo em galerias de arte. Exit through the gift shop tem um pouco disso e daquilo, lembra os clipes arruaceiros que Spike Jonze dirigia nos anos 90 (Praise you, por exemplo), tem a graça de um bom mockumentary, mas, principalmente, pode ser interpretado como um pequeno ensaio pop sobre as qualidades misteriosas que diferenciam um grande artista de um grande farsante – e sobre como essa diferença, maquiada por truques de marketing, às vezes não é sequer percebida. O próprio Banksy (um ás da autopromoção) e o público do filme (tão descolado) não são poupados.

Intervalo | 200 mil hits

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Há muito, muito tempo, o marcador de visitas deste blog marcou o número 100 mil. Imaginei, tomado pelo susto: “este blog doméstico, tão modesto, quase sempre inconsequente e ainda imaturo, foi acessado cem mil vezes?”. Daí que, empolgado com a notícia, escrevi um post pequenino chamado Intervalo para dividir minha alegria com as pessoas que têm fé no blog (e, consequentemente, em mim).

Pois bem: este site doméstico, tão modesto, quase sempre inconsequente e ainda imaturo, acaba de bater a casa das 200 mil visitas. Não sei se, no universo estatístico da blogosfera, isso conta como um número expressivo. Talvez não. Definitivamente não. Mas ele me impressiona. Quando olho para ele. E vejo: 200 mil. O que representa? Para mim, é espantoso.

A razão deste micropost é agradecer a quem, durante este tempo todo, visitou o blog mais de uma vez. Obrigado.

Who knows who cares | Local Natives

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O clipe novo do Local Natives é o álbum de férias dos amigos indies: sol, paisagens verdejantes e… guerra de comida! Quando o entardecer vai chegando, coisas estranhas começam a acontecer. A direção é de Eli Gunn-Jones.

Drops | Mostra de São Paulo (4)

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'O sequestro de um herói', de Lucas Belvaux

Entre as sessões da Mostra, leio O homem do castelo alto, de Philip K. Dick. Mais do que preencher meu tempo enquanto os filmes não começam, o romance me hipnotiza de tal forma que o sistema de cotações que vocês encontram nestes drops do festival poderia muito bem obedecer ao seguinte critério: a nota mínima iria para os filmes que provocam em mim a imensa vontade de abandonar a sala de projeção e voltar ao livro, enquanto que a nota máxima ficaria com aqueles que me expulsam por completo do mundo de K. Dick. Dito isso, todos os filmes que vi ontem me deixaram com saudades do livro.   

Lixo extraordinário | Lucy Walker, João Jardim e Karen Harley | 2.5/5 | O doc usa um formato informativo, pragmático, para registrar o processo criativo que envolveu o artista plástico Vik Muniz e catadores de lixo do Jardim Gramacho, no Rio de Janeiro. As ambições do filme não são extraordinárias: mostrar o projeto e as pessoas que participam dele.  É, digamos, simpático. Ainda assim, senti falta de um interesse menos superficial pela arte de Vik. Um longa mais forte certamente não precisaria usar trechos do Programa do Jô para orientar o espectador.

Agreste | Paula Gaitán | 3/5 | Este perfil siderado da atriz Marcélia Cartaxo mostra o quão retraída é a maior parte dos documentários sobre “figuraças” da cultura brasileira. Nas primeiras cenas, uma breve narração em off descreve tudo o que precisamos saber sobre a biografia da atriz. Imediatamente depois, Gaitán se deixa levar pelas sensações e impressões de Cartaxo. É uma divagação tão árida quanto as paisagens nordestinas do filme, por vezes tortuosa (e são muitos os que não resistem aos 78 minutos e abandonam a sessão). Não é uma experiência agradável, mas que me interessa mais do que um típico doc com depoimentos e cenas de arquivo. 

O sequestro de um herói | Rapt | Lucas Belvaux | 3/5 | O thriller de Balvaux me parecia apenas um exercício sem muita ressonância (um empresário é sequestrado, mas a empresa que ele preside se recusa a pagar o resgate e cria um impasse político em torno do caso), mas é desses filmes que, aos 45 do segundo tempo, nos obrigam a rever as opiniões que formamos a respeito deles. Mais pontualmente, a virada acontece nos 30 minutos que antecedem o desfecho. É quando a narrativa, até então à mercê da ação, abre uma discussão moral que justifica muitos dos malabarismos do diretor. Termina bem, ainda que o estilão cinzento de Belvaux me pareça genérico demais.

Sentimento de culpa | Please give | Nicole Holofcener | 1.5/5 | Num mundo dividido entre pessoas sensíveis e insensíveis, uma nova-iorquina altruísta tenta enfrentar o cinismo da vida moderna. Um conselho: se você arriscar este drama lo-fi sobre famílias disfuncionais, não invente de fazer uma sessão dupla com Cyrus. No caso, ficará a impressão (talvez equivocada, tenhamos fé) de que, neste momento, o cinema ‘indie’ americano é o mais insípido e infantil do mundo. Mas são tramas e personagens que, pelo menos, produzem algo de reconfortante: eles me fazem perceber que, no fim das contas, minha vida não é totalmente uma merda.

Drops | Mostra de São Paulo (3)

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'As quatro voltas', de Michelangelo Frammartino

Tudo vai dar certo | Alting bliver godt igen | Christoffer Boe | 1.5/5 | Numa reviravolta que só pode ser descrita como estúpida, o thriller de Boa esvazia sem piedade uma ideia mais ou menos instigante (ainda que desgastada: quantos são os filmes sobre pecados de guerra?). O estilão afetado do cineasta, com closes e cores quentes em profusão, me lembrou daquelas mobílias que encontramos em lojas caras e “sofisticadas”: design arrojado, mas pouco resistente.

A primeira coisa linda | La prima cosa bella | Paolo Virzi | 2.5/5 | Novelão italiano que soa como um contraponto melodramático (e menos imaturo) a Eu matei minha mãe, de Xavier Dolan. Tem momentos cômicos até fortes, mas por que gastar 124 minutos com o que pode ser dito em 80?

!!! As quatro voltas | Le quattro volte | Michelangelo Frammartino | 4/5 | Um dos mais elogiados na Mostra até aqui, e logo nas primeiras cenas entendemos o porquê: Frammartino compõe imagens a partir da observação de ciclos da natureza (em alguns momentos, o filme deixa a impressão de um documentário sobre os bichos e os homens de uma pequena aldeia), mas sempre com o rigor de um bom ficcionista. Uma narrativa absolutamente sob controle (e talvez polida demais, em alguns momentos): de supetão, o protagonista sai de cena; mas, na plateia, continuamos hipnotizados.

Os amores de um zumbi | The loves of a zombi | Arnold Antonin | 2/5 | Minha vontade, admito, é de elogiar qualquer fita trash haitiana que acompanhe o calvário de um zumbi romântico, perdido num país de mortos-vivos. Mas esta aqui me parece muito mais provocativa e engraçada na teoria do que na prática (imagine uma novela da TV Manchete TV Distrital de Brasília reeditada em 90 minutos; você se diverte nos primeiros trechos, se entendia logo depois). Apesar da precariedade também narrativa, não há como negar: o formato tosco (sem gore!) combina com um filme que cita Buñuel, mas parece mesmo é uma versão subdesenvolvida (e aí não vai nenhuma crítica, só uma constatação) do horror político de Romero.

PS: Comparei os zumbis haitianos às novelas da Manchete e logo depois me arrependi. Como o Rudá bem apontou na caixa de comentários, uma boa novela da Manchete editada em 90 minutos muito possivelmente renderia um filme interessante. Talvez eu tenha pensado nas novelas mais precárias da emissora, ou naquelas que são produzidas para a TV Distrital de Brasília, toscas e divertidas.

Os discos da minha vida (12)

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Diretamente de São Paulo, numa manhã ensolarada de segunda-feira, seguimos com a radiante saga dos discos que se instalaram na minha vida: os pestinhas que, às vezes sorrateiramente, chegaram e ficaram. Os 100 que eu levaria para uma ilha deserta.

Vocês sabem como funciona: os critérios para o ranking são duvidosos, muito pessoais e, por isso, nem adianta ficar pedindo por esse ou aquele disco que talvez tenha marcado a sua vida. Quando terminarmos esta louca viagem em torno do dedão do meu pé, prometo compor uma lista dos álbuns que considero os mais importantes – os que mais admiro. Mas adianto que ela não vai ter muita graça.

Os discos da minha vida é um top 100 ególatra. E isso me deixa um pouco envergonhado. Mas, para não torná-lo totalmente inútil, facilito o atalho a minhas lembranças com links de bons álbuns que, se você não conhece, deveria conhecer. Entenda assim: os links são a recompensa por sua infinita paciência, caro leitor.

Na edição de hoje (por coincidência?), dois discos que nada têm a ver um com o outro. Boa viagem.  

078 | Post | Björk | 1995 | download

Post será lembrado como o disco mais lúdico, mais colorido (a capa não mente), mais brincalhão (a palavra em inglês cai melhor: playful) de Björk. Depois dele, o céu da islandesa fecharia em cumulus cinzentos (um cenário de beleza incomum, como no  irrepreensível Homogenic). Para mim, no entanto, é um álbum memorável por outro motivo: ele resume o meu amor pelos videoclipes – um sentimento muito típico entre aqueles que viveram a adolescência nos anos 90, auge da MTV. Ouvir o disco é relembrar imagens: a graça naive de It’s oh so quiet, o preto-e-branco mágico de Isobel, o game melancólico de Hyperballad, o surrealismo pateta de Army of me; Spike Jonze e Michel Gondry. Um disco que inspira todas essas cenas inesquecíveis só pode conter, ele próprio, algo de fantástico. Top 3: Isobel, It’s oh so quiet, Hyperballad

077 | Off the wall | Michael Jackson | 1979 | download

Na minha vida, existe o Michael Jackson da infância (o branquelo marrento de Bad, que embalava os meus seis, sete anos) e o Michael Jackson de uma época em que a música já não me soava tão inocente. Foi nesse período – aos 20, 21 – que eu finalmente descobri Off the wall. Na minha adolescência, Michael era apenas um tipo excêntrico e afetado a ser combatido por meus ídolos. Depois percebi, principalmente nos primeiros discos dele, o menino amaldiçoado (já que imensamente talentoso e solitário) que se ocultava na euforia da disco music sintética. Sabemos como a tragédia termina: mas, em retrospecto, Off the wall continua a me fascinar como um dos ritos de passagem mais bonitos da história do pop: o garoto cresceu e venceu; apenas isso. Soa libertador. Top 3: Rock with you, Don’t stop til you get enough, Burn this disco out.

Drops | Mostra de São Paulo (2)

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'O estranho caso de Angélica', de Manoel de Oliveira

!!! O estranho caso de Angélica | Manoel de Oliveira | 4/5 | Os trechos mais fantasmagóricos talvez surpreendam os devotos de Oliveira (efeitos especiais!), enquanto que os mais verborrágicos e teatrais talvez entendiem o fã de filmes de fantasia. É, sim, um filme estranho, que nos obriga a lembrar de Méliès e Hitchcock (e até de Apichatpong Weerasethakul, outro que sai à procura de imagens mágicas) – e, nos melhores momentos, cria um túnel misterioso que nos leva a uma época distante, quando os filmes encenavam os delírios humanos de uma forma inocente, com truques singelos. Aos 101 anos, Manoel de Oliveira retorna a essa infância do cinema. Não podemos fazer muito além de acompanhá-lo, entre o espanto e a admiração.

!!! O mágico | L’Illusionniste | Sylvain Chomet | 4/5 | A animação do diretor de As bicicletas de Belleville poderia ter se contentado em ser apenas uma homenagem belíssima a Jacques Tati (o longa adapta um roteiro do escrito pelo mestre), mas vai um pouco além disso ao rever temas de filmes como Meu tio e Playtime (sobretudo as dificuldades de adaptação a um mundo moderno impessoal, frívolo; o personagem principal, um mágico à moda antiga, é uma réplica de Hulot) com um clima chuvoso, desencantado. Mais do que se inspirar em Tati, Chomet sente saudade.

Nostalgia da luz | Nostalgia de la luz | Patricio Guzmán | 3/5 | Num doc em primeira pessoa, que talvez queira nos lembrar algo de Chris Marker e Varda, Guzmán cria uma relação até curiosa entre os astrônomos que investigam os segredos do universo no Atacama e as mulheres que, naquele mesmo deserto, procuram os vestígios dos desaparecidos políticos da ditadura militar chilena. Mas, apesar da afetuosidade do projeto e da obsessão do diretor pelo tema (e desconte aí: eu sempre me rendo a esses discursos emotivos), a ideia me parece um tanto curta e forçada – e, no mais, uma desculpa para um desfecho supostamente poético, mas óbvio.

Cirkus Columbia | Danis Tanovic | 2/5 | O diretor de Terra de ninguém retorna ao lar… talvez cedo demais. Muito pouco me interessa neste folhetim sobre o cotidiano numa pequena aldeia bósnia à véspera da guerra. Pais, filhos, políticas, cor local etc. A última cena deveria dar um tom de gravidade ao filme, mas só reforça o esqueminha convencional que Tanovic nos 110 minutos anteriores.

Não me deixe jamais | Never let me go | Mark Romanek | 3/5 | Uma love story antiquada como aquelas que encontramos em adaptações de Jane Austen, mas encenada num contexto de ficção científica (nesta realidade alternativa, a clonagem de humanos é praticada diariamente). Não é com ingenuidade, no entanto, que Mark Romanek adota o visual rococó de uma típica fita de época: ele faz com que o espectador se sinta confortável o suficiente para entender o desconforto de personagens, que também ocultam um terrível mal-estar sob a aparência de normalidade. Quem adapta o romance de Kazuo Ishiguro é outro escritor: Alex Garland.

Yulia | Wolf Parade

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Com certo atraso (justificado pela dificuldade de encontrar uma versão decente no YouTube), eis o clipe novo do Wolf Parade. Um clipaço, aliás. Em Yulia, dirigido por Scott Coffey, um cosmonauta deixa a atmosfera enquanto uma mulher o acompanha pela tevê. Ou: de amores e viagens espaciais.

Drops | Mostra de São Paulo (1)

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'Cópia fiel', de Abbas Kiarostami

Cyrus | Jay Duplass e Mark Duplass | 2/5 | O tipo de drama indie aparentemente cru (mas que se torna apelativo, superficial) que a Fox Searchlight lança todos os anos para tentar indicações ao Spirit Independent Awards e, quem sabe, ao Oscar. John C. Reilly e Jonah Hill mereciam mais.

Símbolo | Shinboru | Hitoshi Matsumoto | 3/5 | Difícil descrever esta piração de Matsumoto, que começa como uma fita de Robert Rodriguez (cenário: o deserto mexicano) e logo se transforma num cartoon surrealista. Incrível é como o diretor consegue (e consegue!) amarrar essas duas pontas da narrativa. Um filmezinho bizarro sobre as bizarrices do mundo.

Fora da lei | Hors-la-loi | Rachid Bouchareb | 2/5 | Para Bouchareb, está claro que expor didaticamente a tragédia argelina interessa mais do que fazer cinema. Só fico me perguntando se filmar burocraticamente também conta como um ato político. As 2h20 passam como 6h20.

Abel | Diego Luna | 3/5 | Luna me incomoda um pouco quando se diverte com os traços cômicos da premissa (um menino traumatizado passa a se comportar como se fosse o próprio pai), mas vira o jogo na meia hora final. Pouco a pouco, a brincadeira literalmente perde a graça.

!!! Cópia fiel | Copie conforme | 4/5 | Pode deixar a impressão, principalmente nas primeiras cenas, de que se trata de um dos filmes mais simples de Kiarostami. Mas não: o conforto provocado por uma encenação familiar (um homem e uma mulher conversando nas ruas da Itália) é só o aquecimento para um dos jogos mais enigmáticos do cineasta. O que parece óbvio vai se dissolvendo lentamente: os personagens podem não ser o que aparentam, os papéis que interpretam estão sujeitos a alterações e até o tema principal do filme (aparentemente tão claro: as relações entre original e cópia) é colocado em xeque. Uma história de amor? Um ensaio sobre arte? Talvez as duas coisas. Kiarostami, como sempre, brinca com a nossa percepção – e não fecha a porta do mistério.

2 ou 3 parágrafos | Machete e Green Day

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Robert Rodriguez, 42 anos. Billie Joe Armstrong, 38. Poderiam ser meus tios. Mas posso usar a palavra maturidade (ou outra menos desgastada, com o mesmo significado) para descrever a fase atual de um cineasta e um rockstar que nunca abandonaram a adolescência? Por coincidência, assisti a Machete na manhã seguinte ao show do Green Day em São Paulo: são dois exemplos de arte juvenil pensada por gente grande.

No show, Armstrong cria um circo, um playground quase grotesco (há um momento especialmente kitsch que me lembrou as cafonices de Las Vegas), para assumir a vocação para entertainer. O espetáculo é tão populista quanto possível (em quase três horas, a banda toca praticamente tudo o que os fãs querem ouvir), mas até essa imensa generosidade  do trio vem carregada com um tom de farsa, de brincadeira venenosa. O “show de calouros” de Armstrong mostra com clareza a identidade da banda: mais afinada ao hard-rock excessivo dos anos 70 do que ao hardcore melódico dos anos 90.

Machete (4/5) é todo feito de conceitos também precisos, que definem um estilo. Rodriguez, que codirige o longa com o montador Ethan Maniquis, geralmente é atropelado pelas próprias ideias. Filmes como A pedra mágica e até mesmo Planeta terror (de que não sou grande fã) podem deixar a impressão de um moviemaker criativo porém frenético e desatento, sem paciência para consolidar todos os planos que faz na pré-produção. É uma surpresa, por isso, notar que Rodriguez finalmente conseguiu criar uma comédia sangrenta, à grindhouse, com alvos muito bem definidos (a esculhambação mal esconde um ataque feroz às instituições e às manias americanas) e um protagonista que representa a obsessão do diretor pelos heróis mexicanos (e Danny Trejo, antes coadjuvante, é um achado). E é um filme ainda mais “grosseiro”, mais popularesco quanto os primeiros projetos do diretor. A crianções como eu, Rodriguez e Armstrong alertam: pode levar muito tempo para que nos tornemos adolescentes verdadeiramente interessantes.