Mês: agosto 2008

Superoito ainda superexposto

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Hoje, por volta das 14h30, enquanto cortavam meu cabelo.

“Você saiu numa revista, não saiu? Um coquetel, né?”

“Não. Não era eu. E pode tirar o topete, por favor.”

TROVÃO TROPICAL

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Tropic thunder, 2008. De Ben Stiller. Com Ben Stiller, Robert Downey Jr e Jack Black. 107min. ***

Tiremos logo o rinoceronte da sala: como paródia de superproduções, Trovão tropical está longe de representar alguma grande ousadia. Não é uma comédia tão demolidora quanto O jogador, de Robert Altman (até por optar pela caricatura em absolutamente todos os detalhes). E só deve incomodar àqueles que vêem como material explosivo numa cena que sugere a morte de um urso panda.

Então não dê trela para a equipe de marketing do filme: como brincaderia com os clichês de fitas de guerra, aliás, o longa de Ben Stiller poderia ter se assumido como um filhote tardio de M.A.S.H. Um eco distante. Uma homenagem. Um aceno.

Nos venderam este metablockbuster de uma forma equivocada por que, para o próprio bem, o filme me parece menos mega, menos ambicioso do que dá a entender. Os ataques de Stiller às manias de astros milionários (e aos chiliques de cineastas metidos a deuses) não devem ser levados terrivelmente a sério. Quando muito, a comédia ri da imagem grotesca que fazemos das celebridades – em revistas de fofoca, fotos de tablóides e programas apelativos de tevê.

Dito isso, não seria mais interessante encarar Trovão tropical como uma entre as comédia de turma, um tanto arruaceiras e bagunçadas para padrões de grandes estúdios, na linha de Ligeiramente grávidos e Quem vai ficar com Mary? Foi com esse espírito que entrei no cinema – e saí bastante convencido, muito satisfeito.

Ben Stiller não é um ótimo diretor – e ele tem perfeita noção disso. Logo no início da trama, o cineasta arrogante que comanda o filme-dentro-do-filme (uma espécie de Apocalypse now for dummies) é mandado para os ares. Para que esta comédia funcione, nos avisa Stiller, é preciso explodir o diretor e conceder todo o poder aos atores. Uma decisão que faz toda a diferença quando se tem Robert Downey Jr (que aqui vai muito além do Homem de Ferro) e Jack Black.

Se as gags são inconstantes (e há paródias mais eficientes, vide Chumbo grosso), não encontraremos em nenhuma outra comédia do gênero tiques tão divertidos quanto os dos personagens de Downey Jr (um ator australiano de prestígio que interpreta um oficial negro – e não consegue abandonar o papel) e de Black (o comediante viciado em crise de abstinência). E será difícil encontrar tiradas de Chris Rock tão perfeitas quanto as discussões entre Downey Jr e o rapper Alpa Chino (Brandon T. Jackson, também excelente). Stiller não é autor: é o técnico que valoriza os talentos dos jogadores em campo.

Com a estrutura de teatro de variedades, Trovão tropical metralha piadas na esperança de que alguma nos acerte. É excessivo, acelerado – mas menos caótico do que eu gostaria. A overdose começa logo nos trailers falsos à Grindhouse e atinge o cúmulo do patético nos créditos finais, com um Tom Cruise rebolando num figurino asqueroso. Mas Stiller, depois de empurrar o trem para fora dos trilhos, consegue chegar ao destino sem baixas, e amarrar um roteiro que, de surpresa, se revela circular, até polido.

Esse humor gonzo filtrado para o gosto do espectador de sitcom acaba rendendo a superprodução da Dreamworks mais feliz desde Shrek. E não é que os dois filmes, sátiras hilariantes e inofensivas, têm muito em comum?

MR. VINGANÇA

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Boksuneun Naui Geot/Sympathy for Mr. Vengeance, 2002. De Chan-wook Park. Com Kang-go Song, Ha-kyun Shin e Du-na Bae. 119min. ***

Semana passada me convidaram para participar um debate num cineclube. O filme a ser discutido: Mr. Vingança, a primeira parte da trilogia da vingança de Chan-wook Park (depois dele, vieram Oldboy, que acho uma beleza, e Lady Vingança, que ese engasga com os próprios excessos). “Sei que você acompanha o cinema oriental, filmes inspirados em quadrinhos, todo esse universo mais pop”, e foi assim que me abordaram. Não sou grande fã de quadrinhos. Não tenho esse conhecimento todo de cinema oriental. Odeio falar em público. Mas aceitei o convite – como quem se alista numa espécie de missão humanitária de alto risco.

O detalhe constrangedor é que eu, o expert em cinema oriental, não havia assistido ao filme. Pior: quando finalmente consegui ver o longa, me descobri numa situação delicada – eu não havia me interessado muito por ele. Na verdade, comecei a desconfiar que meu caso com Oldboy teria sido uma exceção dentro da filmografia de Park. Mr. Vingança, numa primeira olhada, me pareceu talentoso mas simplório – um conto de vingança narrado com um estilo espalhafatoso, que chama atenção para si como uma banda de heavy metal mediana que se destaca graças ao figurino extravagante.

Fui ao debate assim, sem chão, sem argumentos, meio sem saber o que debater – para mim, não havia o que tirar daquele filme. Foi aí que me surpreendi com Mr. Vingança e comigo mesmo. No final da exibição, eu estava diante de um outro filme: mais robusto, seguro de si, incômodo e bem diferente de tantos contos de vingança que nos vendem por aí.

É um filme como tantos outros, já que vê na vingança um círculo de agressões sem vencedores. Mas é um filme diferente dos outros, já que essa tese vem acoplada à forma do filme – ao modo como Park filma os violentos atos vingativos. Em Oldboy, ele levaria esse olhar ao extremo na cena em que uma sessão de pancadaria (à videogame) é alongada até provocar nauseas. Em Mr. Vingança, os planos longos e os silêncios pesados corrompem os clichês de fitas policiais, emprestam um sentido diferente a eles. Não há recompensa para a violência. A narrativa às vezes beira o surrealismo, mas a dor é real.

No debate, uma experiência menos sangrenta do que eu esperava, os convidados (todos estudantes universitários) atentaram para outros traços do filme: a brincadeira com gêneros (o filme oscila entre o melodrama e o thriller policial), os homenagens do diretor ao cinema americano (especialmente a Hitchcock, quando o protagonista é praticamente abandonado na metade da trama) e a mania que ele tem de aumentar a potência de cada seqüência até o ponto mais exagerado. Nos créditos finais, um personagem explica a “moral da história” tão didaticamente que quase nos obriga a desprezar qualquer outra forma de entender o filme. É um grande cinema? Não sei, talvez seria melhor enxergar nele um cinema em construção – mas capaz de provocar quase duas horas de boa conversa.

Fiquei com vontade de rever Lady Vingança. De preferência com um debate logo em seguida.

THE HAWK IS HOWLING | Mogwai

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O novo álbum do Mogwai sugere um flashback. Onze anos depois da estréia, Mogwai young team, o escoceses voltam a trabalhar com o produtor Andy Miller. Apesar de recorrer a alguns elementos de música eletrônica, retornam a um formato mais econômico de pós-rock. Escoradas em guitarra, bateria e piano, as faixas são sempre instrumentais (lá se vão os vocais de Rock action, de 2001) e que se espalham em longa duração (lá se vai o esquema compacto de Mr. Beast, de 2006). São orgulhosos passos para trás.

Esse ajuste ao modelo original provavelmente fará com que The hawk is howling atenda às expectativas dos fãs e de parte da crítica. É como se a banda tivesse criado o álbum para responder a resenha da Pitchfork sobre Mr. Beast: “O Mogwai acerta quando deixa a própria música fluir, respirar”, escreveram. Se é assim, então o novo disco é um acerto.

Mas um acerto calculado. Para quem esperava um novo Mogwai young team, o disco faz o possível para provocar lembranças agradáveis. As duas primeiras faixas contêm o álbum inteiro: I’m Jim Morrison, I’m dead é esparso, belo e triste. Já Batcat revida com um rolo compressor de guitarras. Lá no final do disco, I love you, I’m going to blow up your school alia os dois humores e chega perto do clima sombrio de Come on die young (1999), que ainda vejo como o grande momento deles.

Ainda bem que o Mogwai divulgou o nome das músicas com bastante antecedência, ou elas roubariam a cena. Para quem os conhece bem, The hawk is howling sai-se como uma demonstração competente, ainda que previsível (mas não é isso que os fãs querem? Que eles parem logo de tentar novidades?), de que esses radicais também sentem saudade. Play it again, Mogwai.

Sexto álbum do Mogwai. 10 faixas, com produção de Andy Miller. Wall of Sound/Play It Again Sam. **

Casa nova, vida nova

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Ainda não arrumei todos os móveis nos devidos lugares, mas já começo a me adaptar ao layout novo do blog. Essa imensidão branca. Essas fotos com molduras cafonas. Esses textos sem nexo (ok, eles sempre foram assim). Daqui a pouco começo a colar cartazes na parede e adesivos na janela.

OH (OHIO) | Lambchop

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Entre as cinco ou seis pessoas que idolatram o Lambchop, é uma espécie de consenso que Nixon, de 2000, foi a álbum que colocou a banda entre as mais importantes do novo country alternativo dos Estados Unidos. Ao mesmo tempo em que desdobrava o som apresentado por Uncle Tupelo no início dos 90, o disco parecia mais amplo até que o próprio gênero, com referências de soul music, rock psicodélico e das confissões sombrias de um Leonard Cohen.

Pois bem. Como uma das cinco ou seis pessoas que idolatram o Lambchop, não tenho como discordar muito disso. Mas o tempo provou que, para o futuro da banda, o álbum seguinte a Nixon seria ainda mais decisivo. Em Is a woman, o crooner Kurt Wagner liderava um time de quase 20 músicos numa espécie de orquestra de silêncios. Ouça o disco com pressa e você pensará que Kurt se faz acompanhar apenas do próprio violão. Aumente o volume a, aos poucos, você reconhecerá os sopros, as cordas, os efeitos eletrônicos, os pianos, os sussurros.

Talvez seja uma aventura tão impresssionante quanto o próprio Nixon, mas, talvez por exigir o cuidado com que se trata uma peça de porcelana, confinou definitivamente o Lambchop num nicho preservado por cinco ou seis fãs muito dedicados. Como aconteceu com o Tindersticks, pagou o preço por burilar um estilo que não parece oferecer atrativos ou facilidades aos não-iniciados. O Lambchop é o que é, goste ou não: a banda de música ambiente mais agoniada que conhecemos.

Os dois álbuns mais recentes – o ótimo Damaged, de 2006, e este Ohio – não fazem absolutamente nada para satisfazer quem procura neles um novo Wilco. Estação errada, amigo. A faixa-título abre o disco mais para os standards interpretados por Frank Sinatra que para Neil Young. “Green doesn’t matter when you’re blue”, cantarola Wagner, satisfeito com o trocadilho. A seguinte, Slipped dissolved and loosed, soa ainda mais bucólica. “Um pássaro canta uma canção para mim”, avisa, numa onda mansa de melodia que parece nunca, nunca, nunca mesmo será capaz de se fazer maremoto.

Se Is a woman é uma obra-prima da tensão represada, e Damaged ainda comovia com o lado cronista de Wagner, Ohio é de um otimismo frágil, desconfiado. “Acredito no amor, acredito em bebês, acredito na mãe e no pai, e acredito em você”, canta, como uma criança, em I believe in you. Antes disso, o cantor afirma ter perdido a fé nas primaveras (enquanto repete frases musicais de Is a woman) e, em Popeye, emenda sha-la-las com a pergunta desesperada da vez: “Você pode me sentir agora?”.

Quem precisa da multidão? Em Ohio, o Lambchop nos avisa que talvez não seja tão trágico assim escrever álbuns que serão idolatrados por cinco ou seis pessoas. Cada vez mais, uma banda satisfeita com o mundinho acinzentado que criou para si.

Nono álbum do Lambchop. 11 faixas, com produção de Mark Nevers e Roger Moutenot. Merge Records. **

LINHA DE PASSE

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Linha de passe, 2008. De Walter Salles e Daniela Thomas. Com Sandra Corveloni, Vinícius de Oliveira, João Baldasserini, João Geraldo Rodrigues e Kaíque dos Santos. 113min. ***

Acredite nas expectativas criadas por Cannes: este é um dos melhores filmes de Walter Salles.

Talvez o melhor, com Terra estrangeira. Por isso mesmo, impossível menosprezar a presença de Daniela Thomas. Como a diretora afirmou, o longa foi desenvolvido como um processo coletivo, aberto a alterações de última hora – um filme de colaborações. Ao mesmo tempo, uma produção que depende de um roteiro de arquitetura complicada, uma trança de histórias sobre uma família que, quando nada mais dá certo, é capaz de formar uma teia de resistência e fraternidade.

Já adianto uma reclamação que aparecerá nas resenhas de quem vê uma alma postiça no cinema de Salles: as tramas são amarradas umas às outras com tanta precisão e assepsia que esse novelo narrativo chega a parecer incoerente com um projeto tão apegado à origem documetnal. Os atores vivenciaram as experiências dos personagens de tal forma que se perdem neles, mas como aceitar esse “retrato da realidade” sem notar as pressões exercidas pelo deus do roteiro?

Que ninguém confunda essa estrutura, porém, com os mosaicos de Iñárritu & Arriaga. Além de não apelar ao discurso apocalíptico, Linha de passe não condena os personagens à condição de sintomas para uma doença social ou para um mal-estar do mundo contemporâneo ou para qualquer uma dessas bobagens que encontramos em filmes como Babel e 21 gramas. Pelo contrário: cada trama se move numa direção e todas elas são concluídas (ou não) com o mínimo de dignidade. O futuro dessa gente é um mistério que o filme não quer e não pode resolver.

Apesar de aparentemente simples, é um projeto mais ambicoso que Central do Brasil ou até Diários de motocicleta. Salles e Daniela não querem menos que interpetar o Brasil contemporâneo – um desafio nada modesto. Conseguem desenhar esse ensaio sobre a nossa cegueira com muita habilidade, já que, além de desmontar estereótipos (as figuras do evangélico e do motoboy, tão banalizadas em todo canto, ganham em complexidade), se dedicam a uma idéia muito profunda sobre as relações humanas no país: a de uma “vida na horizontal”, em que o auxílio mútuo muitas vezes compensa a ausência do Estado.

A dupla consegue arredondar esse discurso sem pesar a mão numa narrativa que é ágil mesmo quando se esforça para nos mostrar que nada de muito importante acontece (as cenas filmadas no trânsito de São Paulo e em campos de futebol são exemplos dessa falsa simplicidade do longa). Se algumas soluções manjadas do roteiro quase prejudicam essa direção sensível, o trabalho do elenco compensa quase todos os deslizes.

E já que falamos em elenco… Provavelmente não havia outra atriz melhor que Sandra Corveloni na seleção de Cannes – ela interpreta a mãe com tanta convicção que consegue se infiltrar mesmo nas cenas em que não está presente. O clímax do filme, por exemplo, é todo dela – fora do plano, mas no coração de um filme que sobrevive ao próprio esquematismo e, afinado aos melhores momentos do cinema de Salles, vence o obstáculo da polidez com um olhar sentimental e sensato – para os personagens e o país onde eles vivem.

Superoito superexposto

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Meu pior pesadelo se transformou em realidade: virei uma celebridade local.

Aconteceu de uma hora para a outra, sem que eu percebesse. No coquetel de lançamento de um livro, não notei a presença de um fotógrafo profissional, desses que andam de colete cheio de bolsos para guardar lentes. Só lembro de ter ouvido algo como “ei, juntem-se vocês cinco aí pra uma foto”. Imaginei que seria uma recordação, daquelas que os amigos tiram e perdem entre as 550 outras fotos guardadas na memória da câmera digital. Mas não era isso. Muito extraordinariamente longe disso.

Mal sabia eu que, uma semana mais tarde, aquela imagem estaria na página 86 de uma revista duvidosa e medíocre, daquelas que se sustentam às custas de matérias pagas e flashes de socialites. Logo eu, o tímido, o bicho-do-mato, o recluso, o zé-ninguém, numa pose para a página 86. Eu, sem vocação para Britney Spears, na página 86.

Não que eu tenha me importado com isso – pelo menos não num primeiro momento. Não comprei a revista. Não li, não vi, não sabia da existência. É uma publicação muito comentada por frequentadores de salão de cabeleireiro e jantares beneficentes, então não li. Mas aí, no trabalho, me avisaram sobre a novidade. “Tá na revista, hem”. E eu pensei “que coisa” e esqueci da história. Dois dias depois, a notícia estava na boca do povo.

Primeiro aconteceu no multiplex. A atendente da bombonière me reconheceu, sabe-se lá como. “Você é famoso, né?”, ela quis saber. Eu respondi “não, não sou”. Ela insistiu: “É sim, é famoso”, e eu soltei um sorriso meio nervoso e desorientado e completei com um “você está me confundido com outra pessoa, normal, acontece, fique com o troco”. Ao notar que não teria como me convencer de outra forma, ela sacou o argumento indiscutível. “Te vi na revista. Numa foto. Uma foto do tamanho do meu dedão, mas uma foto”, e eu lembrei logo da página 86 e disse “obrigado, mas aquilo foi um lapso”. E completei: “Não sou famoso”.

Minhas explicações não adiantaram. No dia seguinte, em plena praça de alimentação do shopping, uma outra mulher me abordou no minuto anterior àquele que em que eu avançaria no sanduíche de mortadela. “Te reconheço de algum lugar”, e eu imaginei mil possibilidades antes de que ela fizesse referência a uma certa página de uma certa revista.

“Ah. Aquilo foi um erro. Me confundiram com outra pessoa”, eu disse.

“Mas seu nome não é Tiago? Você não é jornalista?”, ela tentava uma confirmação, a pobre alma.

“Não. Não sou nada disso. Meu nome não é Tiago”, e encerrei a conversa, perdi a fome, quase comprei um boné nas Lojas Americanas. Eu queria meu anonimato de volta.

O mais estranho aconteceria uns dois dias depois. Eu já estava tranqüilo com meus dias de celebridade instantânea. Já estava à espera de uma comunidade no Orkut, de um fã-clube em Taguatinga. Dos males o menor: o destino daquela edição seria a lata do lixo, e assim página 86 seria esquecida para toda a eternidade, junto com os vestidos de noiva da página 85 e o antes-e-depois da 87.

Mas seria mesmo? Não quando cheguei em casa e, na minha cama, descobri um recorte de revista. Daquela revista. Da página 86. Estava lá, muito bem cortado, com um post-it amarelo colado na minha testa. “Ficou lindo, filho. Estou orgulhosa”, informava o bilhete, assinado pela minha mãe. “PS: Tirei xerox. Ficou mais bonito ainda”, completou. Em oito anos de jornalismo, minha mãe deve ter lido umas três matérias que escrevi. Juro. Umas três matérias. E duvido que tenha lido alguma delas até o fim. Mas aquela fotografia meio que roubada, publicada numa revista vagabunda, do tamanho de um maldito dedão, foi o suficiente para justificar meus quatro anos de faculdade e minha carreira profissional inteira.

Eis a moral desta fábula urbana: minha imagem numa revista, em qualquer revista, vale por mil palavras (e fotografia em coquetel, nunca mais).

Rebeldia

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Eu. A 140 quilometros por hora. Cheiro de gasolina. Asfalto queimando. Eixão vazio. Volume máximo. Ouvindo Jonas Brothers.

Comigo ninguém pode.

EXIT STRATEGY OF THE SOUL | Ron Sexsmith

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Ron Sexsmith faz sempre o mesmo disco. Mas quem há de reclamar? O canadense que queria ter nascido com os genes de Paul McCartney e de Elvis Costello está ainda, e sempre, em busca do álbum perfeito.

Não é, aviso, a idéia que eu ou você fazemos de um álbum perfeito. Tudo o que ele quer é reproduzir a precisão pop e a elegância discreta de canções como Junk (de McCartney) ou Painted from memory (que Costello compôs com Burt Bacharach).

A punição para compositores que não compreendem o grau de dificuldade que existe nessas referências é brutal: música de elevador, trilha para consultório de dentista. O canadense nunca se fez descartável. A obra de Sexsmith é plácida, mas não é burra. E, claro, soa redundante – mas isso só percebe quem acompanha todos os discos, um a um, a espera de algum tremor de novidade.

Apesar de um timbre de voz que às vezes lembra Rufus Wainwright, ele nunca quis aparecer. Apesar de ter composto com Feist (Brandy Alexander está no novo disco), não tem porte de atração principal. Ele fica lá, no canto dele.

Exit strategy of the soul não muda essa condição. Talvez seja um dos mais perfeitinhos que gravou – mas como comparar com os tão iguais Blue boy, de 2001, ou Other songs, de 1997? As referências de country rock continuam todas lá, apesar de Sexsmith ainda demonstrar certa indecisão entre o lado mais tradicional (a ótima Poor helpless dreams) e o contemporâneo (Traveling alone). Abusa de sopros e arrisca faixas instrumentais, mas não sabe se está mais para Jeff Tweedy ou para Ryan Adams.

E talvez não queira nem saber. Sexsmith é tão low profile que faz pouco caso de uma qualidade que poucos têm: a capacidade de soar despretensioso e (sim) reconfortante sem escorregar em banalidades. Um especialista em pequenos belos discos, se é que alguém ainda se interessa por esse tipo de coisa.

Décimo álbum de Ron Sexsmith. 14 faixas, com produção de Martin Terefe. Yep Roc. **

O MISTÉRIO DO SAMBA

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O mistério do samba, 2008. Documentário de Carolina Jabor e Lula Buarque de Hollanda. 90min. **

Sou ruim da cabeça e doente do pé. Tenho carnavalfobia. Odeio paetê e outras frescuradas. Ainda assim, qualquer produto com as histórias, as músicas, as vozes e as rugas da Velha Guarda da Portela conta com o meu apoio sincero. Nem me preocupo tanto assim com jogadas comerciais: são canções, causos e pessoas que merecem algum registro, que merecem (e não me perguntem exatamente por que) um lugar nas prateleiras da megastore.

Então tanto faz: pode ser em box de DVD, em CD, em revista em quadrinhos ou em especial da GNT. Precisamos apanhar a Velha Guarda antes que ela escape por entre os dedos do mercado. As cantoras de MPB devem se contaminar com a poesia da Velha Guarda – antes que saiam por aí gravando duetos com o primeiro Ben Harper que aparecer. Daí que, nesse processo penoso de dedicação ao passado, é preciso reconhecer a arqueologia carinhosa de Marisa Monte, que foi à fonte para recuperar as melodias que talvez nunca chegariam aos nosso iPods.

Tudo bem. Está reconhecido. Apesar disso, não entendo o excesso de Marisa Monte em O mistério do samba, uma espécie de especial da GNT sobre a Velha Guarda da Portela.

Não seria meio que um Buena Vista Social Club carioca? Nada contra, mas a nossa Ry Cooder exagera um pouco na dose. Logo ela, que prefere a penumbra, assume múltiplas funções: é produtora, responsável pela direção musical, entrevistadora e musa. A superexposição talvez se explique como uma estratégia de marketing: o imenso público de Marisa acabaria, dessa forma, fisgado por este pequeno filme.

Ok, é uma boa intenção. É a Velha Guarda da Portela. Os velhinhos são adoráveis. Muitas das canções são obras-primas. Mas, insisto, por que tanto de Marisa Monte? Entre uma e outra entrevista com Jair do Cavaquinho e Monarco, Marisa conversa com Paulinho da Viola, Marisa troca figurinhas com Zeca Pagodinho, Marisa confessa amor pela Velha Guarda, Marisa descobre fitas raras, Marisa se emociona no estúdio de gravação, Marisa faz as unhas, Marisa assume a dianteira no clímax do longa (uma versão coletiva para Esta melodia), por pouco Marisa não prepara uma feijoada – é Marisa, Marisa e mais Marisa.

O filme tem 90 minutos de duração. Não fiz as contas, mas Marisa deve ocupar uns 70 minutos. É a protagonista. E com razão, já que esta é a história de uma descoberta, de um acerto de contas. E a Velha Guarda? A ela resta o papel do coajuvante que elegantemente rouba a cena.

Ch-ch-changes

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Vocês não se importam se eu ficar trocando de template a cada quinze dias, certo? Ok, então tudo bem.

ONDE ANDARÁ DULCE VEIGA?

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Onde andará Dulce Veiga?, 2007. De Guilherme de Almeida Prado. Com Eriberto Leão, Carolina Dieckmann e Maitê Proença. 135min. ***

Um noir tropical, um mergulho no universo literário de Caio Fernando Abreu, um ensaio debochado sobre o star system brasileiro (e aí não faltam musas decadentes da música popular, atrizes arrogantes de telenovela, roqueiras de butique), uma chanchada gay e, como o próprio diretor definiu, um jogo de videogame – muitas das cenas poderiam ter se desdobrado em possibilidades diferentes daquela que foi filmada. Já na primeira seqüência, efeitos visuais tresloucados ilustram a confusão mental do protagonista, um jornalista transformado em detetive. Dali em diante, Onde andará Dulce Veiga? se afirmará como o projeto mais ambicioso de Guilherme de Almeida Prado – e não esqueci de um carro alegórico chamado A hora mágica.

Muita gente o rotula como um diretor de fitas de gênero. Mas Prado acumula elementos visuais e referências cinematográficas com tanto despudor que fico com a impressão de que ele seria melhor definido como uma espécie de demolidor de fitas de gênero. Talvez as estrelas do entretenimento sejam a única entidade sagrada nesse vale-tudo. Dulce Veiga é um filme para e com Caio Fernando Abreu (o roteiro começou a ser escrito antes do lançamento do livro do escritor), mas parece uma ode a elas: as musas da nossa indústria capenga.

Eu gostei bastante – mais até que Falsa loura, um outro filme feminino com (para não forçarmos outras comparações) cenas musicais entre o lirismo e o kitsch. E nem precisei levar ao pé da letra o aviso dos créditos iniciais – um pedido para que o público limpe os olhos de preconceitos. O filme não precisa da nossa condescendência para se sustentar. Desde o início, Prado não nega uma estética do exagero e do artifício que ele passou a dominar com muita segurança. Até a escolha de dois atores muito fracos para os papéis principais e a brincadeira com as imagens do cinema brasileiro dos anos 80 jogam a favor de um projeto que, como nem tudo são flores, parece esparramado até na duração.

O desfecho, que incomoda quase todo mundo, leva ao limite as afetações de um cinema profundamente irônico. A referência aí é Demy, mas entenda como uma facada no típico happy end de novela das oito. O pôster está corretíssimo: é um filme para ser visto muitas vezes.

SKELETAL LAMPING | Of Montreal

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Eis que o Of Montreal retorna ao nosso planeta. Assim, como quem entra na quadra depois de vencer um primeiro set por 25 a 10. Um time confiante, absolutamente seguro de si, psicologicamente preparado para matar a partida no terceiro set e subir no pódio com tranquilidade, sem precisar ter fritado tanta proteína. Depois de um álbum que a tirou de uma divisão obscura (o excelente Hissing fauna, are you the destroyer, do ano passado), a seleção de Kevin Barnes volta à cena indie com porte olímpico. Mas não é um jogo fácil, muito menos um jogo ganho.

No nono álbum dos norte-americanos, não faltam saques forçados nem cortadas ousadas. O adversário que se prepare: os jogadores voltam do vestiário com uma estratégia de jogo bastante diferente daquela que mostravam até então. Se Hissing fauna agradou principalmente pela metade confessional, em que Barnes exorcizava uma temporada desesperadora, Skeletal lamping reduz o tom terapêutico e investe nas aventuras de Georgie Fruit, uma espécie de Ziggy Stardust apresentado por Barnes no épico The past is a grotesque animal.

O tipão esquisito domina a narrativa deste novo álbum. Um perfil resumido do freak: trata-se de um sujeito de quase cinquenta anos de idade, negro, que passou por uma série de cirurgias de mudança de sexo. Era homem, virou mulher, voltou a engrossar a voz e, nem-lá-nem-cá, ainda arrumou uma brecha na agenda médica para integrar uma banda de soul music nos anos 70. Isso explica por que, ao contrário de Hissing fauna, Skeleton lamping pode ser interpretado como uma grande experiência (ou, se preferirem, gozação) com elementos de black music.

Kevin Barnes, um moço branco, franzino e andrógino, recorre ao personagem para se afastar do centro do furacão. Mas, ao mesmo tempo, trata-se de uma metáfora para temas que sempre perseguiram o compositor: principalmente (e obviamente) a ambiguidade sexual. Excluídos alguns lamentos breves como Touched something hollow, o álbum se traveste de trilha de pornochanchada, uma versão doentia para Midnite vultures, do Beck (e, claro, para qualquer disco do Prince).

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MEU IRMÃO É FILHO ÚNICO

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Mio fratello è figlio unico, 2007. De Daniele Luchetti. Com Elio Germano, Riccardo Scamarcio e Diane Fleri. 100min. *

Em Meu irmão é filho único, existe um herói: o rapaz engajado e bronco que, sem deixar de lado os deveres domésticos, sai às ruas para lutar contra o fascismo. Estamos na Itália dos anos 60, e nessa época o país (ou a imagem que fazemos daquele país naquela época) encontra-se dividido entre comunistas e nacionalistas. O filme de Daniele Luchetti explicita esse confronto de forma direta: o irmão do herói, Accio, decide se engraçar com os fascistas.

Dito assim, seria apenas mais um drama familiar com pano de fundo histórico – a direção de Luchetti, por exemplo, não escapa do convencional. O que difere este filme de tantos outros é que o protagonista, responsável pela narração em off, é o irmão reacionário, que defende o “lado negro da força”.

Mas não esperemos nada muito sofisticado dessa inversão de papéis: a indiferença com que esse anti-herói se envolve em movimentos políticos é apenas uma etapa, um desencontro, que acompanha o processo de amadurecimento. O filme não quer provocar debate (os jovens revolucionários seriam todos ou quase todos tão confusos quanto Accio?), mas mostrar-nos como, depois de seguir caminhos alguns duvidosos, aquele menino complicado conseguiu finalmente abandonar a adolescência e virar adulto.

Nada complexo. Muito menos quando a saga resolve transformar-se numa minissérie condensada e chorosa, com trângulo amoroso, a velha ladainha sobre o rigor da educação católica e um clímax que soa tão forçado quanto a composição dos personagens. Enfim: tudo aquilo que a premissa sugere, o filme simplifica.