Mês: dezembro 2009

Long distance call | Phoenix

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Eu escreveria um post longo sobre a estranha agonia de um namoro à distância, mas esta canção do Phoenix diz tudo. Neste vídeo, uma cortesia finíssima do site La blogothèque, eles dão um giro nas ruas de Paris e fazem uma versão acústica da música, que está no disco It’s never been like that.

Então é isto, meu povo: hoje à noite, já morrendo de saudade, viajo para passar o réveillon com minha namorada, que está lá longe há tanto tempo. Dedico este clipezinho a ela.

Volto em uma semana. E, para 2010, prometo (como sempre prometo!) um blog menos errático, mais bonito e gostoso, saudável e com dinheiro no bolso. Feliz ano novo — e, se possível, não desapareçam, ok?

Teen dream | Beach House

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Entre todas as pequenas bandas que apareceram nos últimos 10 anos, eu poderia apostar que o Beach House seria aquela que jamais mudaria. Acho até que escrevi sobre isso, não lembro quando. Se aconteceu, cá estou eu queimando minha língua mais uma vez.

Em retrospecto, as melodias dos discos Beach House (2006) e Devotion (2008) pareciam vazar de uma mesma caixinha de música atirada no fundo de uma caverna. Delicadas e misteriosas. Desde o início, era muito fácil classificar o estilo da dupla — shoegazing, dream pop —, mas quase impossível descrever a sensação de intimidade que canções como Gila e Apple orchard despertavam. Elas sugeriam uma beleza secreta, quase tímida e, por fim, de difícil acesso. Uma certeza, apenas: lá estava uma banda à prova de discos irregulares.

Nos quatro primeiros anos de carreira, Victoria Legrand e Alex Scally se esconderam numa atmosfera enevoada. Nada contra. Os álbuns lançados pela Carpark Records eram filmes domésticos, desfocados, despretensiosos, frágeis (e, nos momentos mais enfadonhos, monocromáticos). A voz de Legrand — sobrinha do francês Michel Legrand — provocava calafrios, mas às vezes parecia indiferente a tudo. Musa de mármore. Um resenhista definiu a estreia como um “álbum de outono” — e, ainda que a comparação não tenha tomado este rumo, vale lembrar que estamos falando da mais encabulada estação do ano.

Pois bem: esse Beach House acinzentado e cabisbaixo acabou. Bem-vindo à primavera.

Teen dream, que sai no fim de janeiro (no inverno norte-americano, portanto), acrescenta mais de uma dezena de cores à palheta da dupla. Inesperado pacas. Mas tem mais: o primeiro grande disco de 2010 arranca o Beach House do conforto do lar e joga a banda no mundo. Parecia impossível, mas eles cresceram e mudaram — graciosamente.

Os mais cínicos vão explicar essa nova estação da seguinte forma: eles teriam passado pelo típico banho de loja a que é submetido o elenco da Sub Pop. O selo de Seattle tem fama de polir e adoçar a sonoridade de recém-contratados. Volta e meia, a gravadora é “acusada” de ter arredondado discos de bandas como Cansei de Ser Sexy, Band of Horses e Fleet Foxes. De fato, o Beach House nunca soou tão radiofônico (o próprio título do disco é de consumo imediato). As duas primeiras faixas, as deslumbrantes Zebra e Silver soul, provocam paixão imediata em qualquer fã do Shins, por exemplo. A névoa de ruídos evaporou — e ganhamos o direito de assobiar mais de um refrão. Isto é: neste longa-metragem indie, fica mesmo difícil negar a interferência dos produtores.

O interessante é que, como raramente acontece, as concessões fazem bem ao duo. Dialogar com as expectativas da Sub Pop parece ter despertado o Beach House para o desafio de atingir um público maior sem abandonar o desejo por sutileza. Mais depuração, menos diluição. Ou, simplificando a saga: pop com tutano.

Daí que, se os dois primeiros discos traziam a imagem de dois outsiders que não deviam explicações a ninguém, Teen dream se apresenta como uma obra mais “responsável”, mais afável — e, por que não?, pop (e eu poderia terminar este texto agora mesmo com o argumento de que é um disco absolutamente tocante e que vocês deveriam abandonar tudo para ouvi-lo antes do dia 31, mas seria uma baita de uma apelação).

Os avanços impressionam. A performance vocal de Legrand, antes comparada à de Nico, agora é recriada de faixa a faixa, sintonizada ao clima de cada canção. A melancolia ainda vibra em cada acorde, mas a diversidade melódica acompanha toda a duração do disco, criando surpresas agradáveis: os ares oitentistas de Lover of mine (imagine um remix do Tears for Fears feito pelo Mazzy Star), a elegância jazzística de Better times, a afetuosidade quase derramada de Take care e a explosão de sintetizadores ao fim de 10 mile stereo. Um sonho em tecnicolor.

Sem juízo de valor: este é um daqueles álbuns em que uma pequena banda adapta um estilo sólido às convenções do pop rock. Isso parece um problema? Não quando essa pequena banda está disposta a usar um ou outro truque para facilitar nosso acesso a um mundo ainda delicado, ainda misterioso. Que me perdoem os mais radicais: à luz rósea do pop, a história do Beach House fica ainda mais bonita.

Terceiro disco do Beach House. 10 faixas, com produção de Chris Coady. Lançamento Sub Pop. 8/10

Adeus, 2009 | Os melhores filmes do ano (parte 2)

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Antes que eu esqueça (e seria ótimo se eu tivesse esquecido, mas infelizmente não consigo), os 10 insuportáveis do ano:

1. Os Normais 2 – A noite mais maluca de todas – José Alvarenga Jr.
2. Encontro de casais – Peter Billingsley
3. Se eu fosse você 2 – Daniel Filho
4. Diário proibido – Christian Molina
5. Austrália – Baz Luhrmann
6. Noivas em guerra – Gary Winick
7. W. – Oliver Stone
8. Velozes e furiosos 4 – Justin Lin
9. The Spirit – O filme – Frank Miller
10. Lua nova – Chris Weitz 

E, para fim de conversa, vamos ao top 10 (lembro que A bela Junie, de Christophe Honoré, não entra nesta lista por ter aparecido prematuramente na do ano passado). Obrigado pela paciência e Feliz Natal pra vocês.

10. O lutador – Darren Aronofsky

Vamos encarar assim: este poderia ter sido mais um filme sobre o martírio de um velho atleta (e, aí, não difere muito de Rocky Balboa). Mas, num impressionante curto-circuito entre ficção e realidade, Aronofsky acabou descobrindo que Mickey Rourke era o próprio personagem. Com a fúria de um cinema físico, em carne viva, resolveu filmar o transe. Que machuca o ator – e não livra quem está na plateia.

9. Deixa ela entrar – Tomas Alfredson

Em tempo de Crepúsculo e True blood, nenhum filme de vampiros soou tão inesperado quanto este longa sueco. Sem vocação alguma para o humor camp, Alfredson desenterra toda uma tradição do cinema e da literatura de horror para tratar de um tema nada sobrenatural: os medos que acompanham o fim da infância. Mais que o banho de sangue, é o lirismo que soa espantoso. 

8. Ervas daninhas – Alain Resnais

Desde o primeiro longa-metragem, Resnais teima em nos transportar para ambientes em que sonho, realidade, arte e memória formam uma só matéria. Mas teríamos que voltar aos anos 1980 para encontrar outro filme do mestre que, como Ervas daninhas, derruba tão alegremente (quase debochadamente) as certezas do espectador. É (quase) tudo ilusão, menos os sentimentos caudalosos dos personagens – e a vida, sim, é um romance.     

7. Polícia, adjetivo – Corneliu Porumboiu

Precisão: taí a palavra que abre a gramática de Corneliu Porumboiu. O diretor romeno confirma a promessa de A leste de Bucareste num filme que, com artifícios reduzidos ao mínimo, investiga com tamanho rigor as atividades banais de um homem comum (profissão: policial) que, no marasmo do cotidiano, identifica dilemas que dizem respeito também a nós: o quanto nós somos definidos pelo trabalho? Onde terminam as nossas convicções e começa a obrigação de cumprir as leis sociais? Qual é mesmo o significado da vida que escolhemos levar? Talvez seja necessário abrir o dicionário… 

6. Inimigos públicos – Michael Mann

O perfil de Michael Mann para o bandido-superstar John Dillinger é uma rajada de estilo. Como em O último dos moicanos, o cineasta não se contenta em contar a história da América: ele a revive. Com uma lente moderna (no caso, ultramoderna: as câmeras são digitais), interpreta um personagem simbólico com a complexidade que falta à média das fitas policiais: Dillinger é oportunista e sedutor, cruel e melancólico. Numa interpretação silenciosa, Johnny Depp atua como quem acompanha uma longa marcha fúnebre. Talvez o filme seja isto: réquiem para uma era.    

5. Aquele querido mês de agosto – Miguel Gomes

Que poderia ser chamado de A aventura. Miguel Gomes nos convida para uma jornada sem destino definido. Primeiro como documentário sobre os hábitos musicais de uma cidadezinha portuguesa, depois como uma ficção encenada por atores (escalados durante o processo de filmagem!), Aquele querido mês de agosto devolve ao cinema o direito de brincar.

4. Gran Torino – Clint Eastwood

Um western-de-vizinhança que revê a trajetória de Clint Eastwood (e por isso tem algo de Um mundo perfeito, Os imperdoáveis, Sobre meninos e lobos…) e, ainda assim, depura de tal forma o estilo do cineasta que acaba parecendo algo inteiramente novo: compacto, direto, sem arestas à mostra e, mais importante que isso, com um olhar cristalino para as tensões da América de hoje. Um filme que toma partido, que não se esconde. Se é isso que chamam de maturidade, só posso esperar com muita ansiedade pelos próximos. Go ahead, Clint.  

3. Beijo na boca, não – Alain Resnais

Injustamente desprezado pelo público brasileiro, este musical resume todo o poder de encantamento do cinema de Resnais. Não me pergunte como, mas o filme consegue conjugar um jogo metalinguístico sofisticado (e a questão parece ser esta: qual seria o efeito provocado por uma adaptação cinematográfica quase literal de uma opereta criada nos anos 1920) com os prazeres provocados por um bom musical hollywoodiano dos anos 1950. Talvez o tema tenha afastado o público, mas seria mais prudente dar a ele uma segunda chance: é um dos momentos mais luminosos do cineasta.   

2. Bastardos inglórios – Quentin Tarantino

Tarantino vai à Segunda Guerra Mundial, mas não abandona o balcão da videolocadora: num golpe aparentemente insano (mas que, visto de longe, parece até uma evolução natural do que ele desenvolvia até aqui), o diretor usa um dos Temas Sagrados da humanidade para mover a engrenagem de um cinema que nunca respeitou ninguém. A heresia pode não ter rendido a obra-prima que o diretor procurava, mas ele chegou perto: em Tarantinoland, os judeus têm direito a vingança – e o cinema salva o mundo. Quando sai o próximo ônibus pra esse parque de diversão?

1. Amantes – James Gray

Filmes como Os donos da noite e Caminho sem volta garantiram a James Gray um certo status de salvador do cinema policial americano. Em Amantes, que parece ter sido criado como uma resposta a esse fardo, o cineasta deixa o gênero de lado e sublinha o interesse por encenar apenas as relações humanas – amorosas, mas principalmente familiares. Daí nasceu um daqueles filmes profundamente simples e verdadeiros que raramente chegam às nossas telas. O cinema de Gray produz pequenos milagres (a cena em que os amantes conversam no topo do prédio, por exemplo), mas me emociona pela franqueza como encara as coisas da vida: a necessidade de amar, a carência afetiva, a dificuldade de crescer, o conforto familiar, o medo da solidão, as ilusões a que nos apegamos. Dá licença, serei brega: este é um filme para ser amado e vivido.

Adeus, 2009 | Os melhores filmes do ano (parte 1)

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Primeiro, às regras: entram nesta lista apenas os filmes que foram exibidos no circuito de cinemas brasileiro em 2009. Não contam, por isso, os que vi em festivais ou em DVD.

Isso significa, por exemplo, que Guerra ao terror (que chega às telas em fevereiro) talvez fique para o top do ano que vem. E que, para nosso azar, não haverá lugar para 35 doses de rum, Vício frenético, A família Wolberg, O que resta do tempo, Ricky e outros filmes mui bacanas que certamente estariam neste ranking.

Em resumo: o nosso circuitinho anda morno, o circuitão vai pior ainda, mas este foi (surpreendentemente) um bom ano. Os filmes que ocupam as oito primeiras posições são especiais, recomendadíssimos – e há outros, ainda que não tão extraordinários, se comunicam comigo de formas profundamente misteriosas (pule para a 12ª posição). Esta é a minha lista, e eu gostaria muito de conhecer a sua.

Infelizmente, não vi Moscou, do Eduardo Coutinho. Não sei, por isso mesmo, se gosto ou desgosto dele. 

Vou tentar ser breve nos comentários: sei que vocês estão de férias na praia, que a conexão é discada e que, neste mundo, ninguém tem mais tempo para nada. Comecemos (e sem menções honrosas, que aí já é abuso).

20. Milk – A voz da igualdade – Gus Van Sant

O filme político de Gus Van Sant é de uma precisão que emociona. Sem distrações, o cineasta desenha o perfil de um homem que virou mito que virou símbolo. Imagens dignas. E Sean Penn faz o resto do trabalho. 

19. Entre os muros da escola – Laurent Cantet

A escola de Cantet é uma metáfora para as tensões sociais da França, ok: mas bom mesmo é como este filme permite que entremos de corpo inteiro num ambiente tão familiar e, ao mesmo tempo, desconhecido. Imersão absoluta – sem a necessidade de óculos 3D.   

18. O equilibrista – James Marsh

Não são muitos os documentários que abrem lacunas misteriosas para que preenchamos com a nossa imaginação. O que motiva o equilibrista Philippe Petit a se arriscar em espetáculos de altíssimo risco. James Marsh, felizmente, não tenta explicar.   

17. O fantástico sr. Fox – Wes Anderson

Um giro colorido e acelerado no parque temático de Wes Anderson, com todos os tiques, neuras e maravilhas a que estamos acostumados. Um avanço importante, no entanto: inesperadamente, o cineasta reencontrou a fluência narrativa e o gosto pelo riso solto. Brinquedinho bom, portanto. 

16. Up – Altas aventuras – Pete Docter

No formato de um curta-metragem de 15 minutos, seria a obra-prima melancólica da Pixar. Do jeito que está, mais para Madagascar do que para Meu vizinho Totoro, mostra que existe um preço que se paga quando o objetivo é agradar à toda família. Para os padrões dos blockbusters de férias, porém, é sofisticação em alto grau.

15. Valsa com Bashir – Ari Folman

Com traços psicodélicos e cores quentes, Folman reconstroi as memórias de uma guerra. De quebra, tira o cinema de animação do quarto das crianças.

14. Se nada mais der certo – José Eduardo Belmonte

Um olhar desconfortável para o Brasil, um país em perigo. Belmonte mira a classe média, essa gente estranha que compra ingressos para ver filmes, mas não se contenta com o diagnóstico da nossa tragédia: nos laços de companheirismo, há esperança. 

13. Avatar – James Cameron

O Star wars de James Cameron também é um filme “para crianças de 10 a 12 anos” (como diria George Lucas), com assumida carga moralizante, personagens-arquétipos e conflitos que cabem em pilulas que alimentam astronautas. Só não é ingênuo. Com a tecnologia 3D, o cineasta nos atira num mundo maravilhosamente estranho. Um planeta de ilusões palpáveis – sonhos reais.  

12. Presságio – Alex Proyas

A ficção científica mais subestimada do ano é também a mais assustadora. Esqueça 2012: Alex Proyas nos conduz numa viagem a um fim de mundo que soa cruel de verdade. O desfecho, que frustrou uma multidão, é a peça de resistência: uma ideia talvez tola, mas levada apaixonadamente às últimas consequências.  

11. Horas de verão – Olivier Assayas

Depois de rodar o mundo no encalço de personagens sem destino certo, Assayas os reúne numa casa de campo. A nossa trajetória deixa algum rastro? Uma crônica em tom menor, atenta a detalhes e à composição de ambientes, que, apesar de aparentemente singela, logo se faz grande: um dos melhores filmes do diretor.

Cousins | Vampire Weekend

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Alguém pode me explicar o que é essa nova música do Vampire Weekend? Carnaval de Olinda no moedor de carne? Sílvio Caldas meets David Byrne? Não entendi nada, mas não consegui deixar de balançar meus joelhos. O clipe faz jus à baderna (que, quando você se acostuma a ela, passa a soar como sequência natural da farra do disco anterior): numa prova de que eles não levam nada muito a sério, arriscam uma homenagem supimpa a Bob Dylan (foi isso mesmo que vi?). E correm pro abraço.

Adeus, 2009 | Superoito’s mixtape, parte 2

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Meu segundo best-of de 2009 saiu um pouco menos sombrio do que o primeiro, mas não tanto quanto eu esperava. Talvez o ano tenha sido assim mesmo: meio bizarro, osso duro de roer. Paciência.

Aos menos melancólicos, fica a dica: da sétima faixa em diante, a pista esquenta.

E tem pra todo mundo – uma óbvia do Dirty Projetors (eles estão ali em cima, na foto que abre o post), uma não tão óbvia do Animal Collective, um balanço charmoso do Basement Jaxx, a “devoradora de homens” Neko Case, o hit improvável do Phoenix e, claro, Fever Ray (para Diego e Filipe). Espero que vocês sofram um pouco, mas se divirtam.

Ei:  um abraço a quem baixou a primeira coletânea. O número de downloads me surpreendeu. E, já que a ideia não é um fiasco completo, em janeiro de 2010 começo a preparar coletâneas mensais.

Eis a tracklist desta nova mixtape:

1. Stillness is the move – Dirty Projectors
2. When I grow up – Fever Ray
3. Crystalised – The XX
4. Laura – Girls
5. Bonfires on the heath – The Clientele
6. Bluish – Animal Collective
7. People got a lotta nerve – Neko Case
8. 1901 – Phoenix
9. Ecstasy – JJ
10. Feelings gone – Basement Jaxx
11. Moth’s wings – Passion Pit

Faça o download (via Rapidshare): Superoito’s mixtape 2009, parte 2

E, ainda nesta semana, devo terminar minha lista de melhores filmes do ano. Até.

Adeus, 2009 | Os melhores álbuns do ano (parte 2)

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É isso, meus irmãos: o top dos melhores discos de 2009 está aí, galante e inteirinho para quem quiser ver. Mas lembro que, até o fim da próxima semana, a série Adeus, 2009 segue com a lista dos meus filmes favoritos (que será fechada assim que eu conseguir me livrar do trabalho e assistir a Avatar) e mais uma mixtape que, espero, será um pouco menos acinzentada do que a anterior. Espero que tudo termine bem. Enquanto isso… 

10. The Pains of Being Pure at Heart – The Pains of Being Pure at Heart

Certeza que o Pains of Being Pure at Heart nasceu mesmo em Nova York? Para mim, ainda soam como quatro galeses que, depois de passar o inverno ouvindo The Jesus and Mary Chain e Belle and Sebastian, resolveram passar o verão na Suécia: leram livros cabeçudos, gravaram um disco de rock, e lembraram dos dias calorosos de adolescência. Tipinhos blasé. Que sabem como matar o tempo de uma forma produtiva.

9. Together through life – Bob Dylan

O tempo de Dylan é ontem? É hoje? Não me pergunte. Together through life é mais um álbum que ri sarcasticamente das regrinhas do pop contemporâneo e inventa o som de uma época que talvez nunca tenha existido. Atenção para a sinopse: este é um road movie (em sépia) sobre a pré-história do rock, encenado por um ator/diretor que, impertinente, insiste em esnobar nossas expectativas. Moral da história: mais uma vez, o gênio ri por último.

8. Fever Ray – Fever Ray

A estreia solo de Karin Dreijer Andersson (a mulher-mutante-zumbi à frente do The Knife) é um breu. Não deve, por isso, ser ouvida de luzes apagadas. Como numa produção de horror alemã dos anos 1920, seres estranhos se movimentam lentamente sob sombras. Mais assustador é notar que, na tradição de um Portishead, trata-se de um álbum sobre o terror do cotidiano — que nos aflige entre quatro paredes de concreto. Sabe qual? Aquele que não poupa ninguém.

7. XX – The XX

Quatro moleques de 20 e poucos anos. O que eles teriam a dizer sobre o estado do rock britânico? Praticamente tudo. Mesmo sem querer, o primeiro disco do The XX soa como uma resposta a anos de grandiloquência, ambições épicas e uso descontrolado de fumaça artificial. Com fé quase cega na sutileza, a banda grava lindos esqueletos de love songs que, para nossa completa surpresa, soam mais sensuais que qualquer hit da Kylie Minogue. Sem exageros: um tesão de disco.

6. Dragonslayer – Sunset Rubdown

Pobrezinhos de nós, fãs do Wolf Parade. Depois do tufão chamado Dragonslayer, eu não me impressionaria se os canadenses resolvessem tirar recesso por tempo indeterminado. No disco, o exército de Spencer Krug renasce como uma criatura à parte, ameaçadora e misteriosa. É caminho sem volta: em apenas oito faixas (monumentais, ambiciosas), a banda cobra um lugar espaçoso no mundo. E não deixa que sintamos saudades daquele outro projeto de Krug.

5. Album – Girls

Conhecer a história de Christopher Owens não é fundamental para amar deste álbum (e amá-lo é muito fácil). Mas ela nos ajuda a entender por que um sujeito que passou a infância e a adolescência trancado num culto religioso estupidamente radical resolveu gravar um disco que soa como um grito de liberdade. Do rock ‘n’ roll ao noise, o Girls metralha canções com a alegria angustiante de quem finalmente abre um baú que havia sido trancado à força. Catarse. Ou, se preferir, apenas o som de uma juventude perdida.

4. Two dancers – Wild Beasts

No rock contemporâneo, muitas são as bandas conservadoras que se fazem de ultramodernas. Mas poucas tentam entender o que faz do “rock clássico” um porto seguro tão atraente para fãs de música pop. O Wild Beasts é, por isso, uma raridade: uma banda que abandonou tiques do indie para estudar a arte da canção. Two dancers parece familiar (e tipicamente britânico) desde a primeira audição. Mas a fórmula é revigorada de tal forma – pelas performances lânguidas dos vocalistas, pelos versos enigmáticos, pela atmosfera sombria e decadente que envolve as músicas – que, perto dele, qualquer hit do Coldplay parece desonesto. Nada de novo nessa história. Mas não é sempre que a tradição soa tão urgente.

3. Bitte orca – Dirty Projectors

Não importa quanto tempo você invista no álbum-revelação do Dirty Projectors: ele sempre deixará a sensação de uma obra aberta – uma narrativa sem desfecho. O processo criativo de Dave Longstreth é tão caótico que deixa a impressão de haver vários projetos em estágio embrionário dentro de Bitte orca. Essa profusão de ideias (quase todas inusitadas: há folk, pós-punk, afropop e o diabo) permite ao ouvinte um prazer incomum: somos convidados a nos perder dentro de um álbum de rock. Como nas melhores aventuras, o desafio é totalmente recompensado.

2. Veckatimest – Grizzly Bear

Veckatimest é o contra-ataque que não esperávamos do Grizzly Bear. Muitos fãs do disco anterior, Yellow house, talvez teriam apostado num álbum mais extrovertido e pop (ou, num sentido oposto, mais radical, experimental). Mas a banda – mais madura do que eu e você, possivelmente – preferiu seguir uma trilha mais enigmática. Sob neblina seca, o disco condensa as experiências anteriores (do rock californiano a uma psicodelia dura, quase entorpecida, quase fria) num molde absolutamente compacto. É como se todas as canções inesperadamente decidissem narrar uma só história, com a atmosfera desolada (mas com momentos de esperança e beleza) de um conto de fadas para adultos. Talvez seria melhor ouvir este disco em meio à leitura de A estrada, de Cormac McCarthy. Ou após uma sessão de Deserto vermelho, do Antonioni. Quem sabe aí começaríamos a entendê-lo?

1. Merriweather Post Pavilion – Animal Collective

Escrevi meus primeiros comentários sobre MPP (e o chamo assim porque somos íntimos) há exatamente um ano. Naquele dezembro, já dava para notar que seria quase impossível encontrar um concorrente à altura do impacto provocado por um disco que soa extraordinário até para os padrões (muito altos) do Animal Collective. Muito se falou sobre como a banda trata a música eletrônica – da mesma forma curiosa (infantil, no melhor dos sentidos) como brincou com elementos do folk e da música experimental. Mas o álbum ainda me deslumbra por outro motivo: por mostrar com clareza a face humana do trio.

Como sempre, não há limites para a invenção musical. O que faz de MPP uma obra-prima, no entanto, é como essa sonoridade irrequieta dialoga com os versos mais francos e emotivos que eles já gravaram. Depois da viagem ao fundo do coração selvagem, eis que encontramos a maior surpresa: Avey Tare, Panda Bear e Geologist, artistas do inusitado, também se sentem perdidos diante das incertezas do nosso mundo. Exatamente como quase todos nós.

Adeus, 2009 | Os melhores álbuns do ano (parte 1)

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Note a beleza da história: num dos anos mais acidentados da minha vida (quando tudo de errado, estranho e complicado acabou acontecendo), devo admitir que fui salvo pela música. Aleluia.

As canções foram meu refúgio, minha saída de emergência. Fonte de permanente inspiração. Sem elas, eu não estaria assim, saudável. Talvez essa relação de dependência (quase química) explique por que, nesses quase 365 dias, eu tenha engolido muito mais de uma centena de discos (como quem mastiga obsessivamente comprimidos de homeopatia). Uma dieta rigorosa.

Daí que escolher os melhores álbuns do ano, nessas condições, é uma tortura. Não sei por onde começar e, com tempo e ânimo, eu faria uma lista de 50. Tenho absoluta certeza que estou em dívida com cada um deles. Só me sinto meio desapontado com o fato de que os melhores álbuns deste singelo top 20 (e há discos geniais) me lembrarão para sempre de um período que eu preferiria esquecer logo. Talvez seja esse o preço que pagamos pelos efeitos terapêuticos de um bom refrão pop.

Aviso que esta lista é resultado da exposição prolongada aos discos que mais ouvi durante o ano. É o momento de reavaliar álbuns que superestimei ou subestimei. Não venham me cobrar fidelidade a critérios que são e sempre foram/serão abstratos. 

Pois bem.

Antes de irmos ao assunto (e este é um blog que nasceu prolixo e vai morrer prolixo; então, paciência), preciso fazer algumas menções honrosas desorganizadas. São elas:

Menções honrosas 17.5 is the loneliest number (ou: os discos que quase chegaram lá): Ambivalence Avenue (Bibio), Beware (Bonnie ‘Prince’ Billy), Dark days/Light years (Super Furry Animals), Farm (Dinosaur Jr), Jason Isbell and the 400 Unit (Jason Isbell and the 400 Unit), Jewellery (Micachu and the Shapes), Journal for plague lovers (Manic Street Preachers),  La Roux (La Roux), Living thing (Peter, Bjorn and John), Logos (Atlas Sound), Only built for cuban linx, part 2 (Raekwon), Phrazes for the young (Julian Casablancas), Wavvves (Wavves).

Menções honrosas 2 – Pratas da casa (ou: os brasileiros): só dois: Móveis Coloniais de Acaju (C_mpl_te) e Caetano Veloso (Zii e zie) , não necessariamente nessa ordem.

Menções honrosas 3Adorei o conceito (ou: valeu a tentativa): The crying light (Antony and the Johnsons), Discovery LP (Discovery), Embryonic (The Flaming Lips), Humbug (Arctic Monkeys), Popular songs (Yo La Tengo), Tentacles (Crystal Antlers) e Unmap (Volcano Choir). 

E antes que eu esqueça…Obrigado, não (ou: discos que não desceram): It’s blitz! (Yeah Yeah Yeahs), It’s not me, it’s you (Lily Allen) e Primary colours (The Horrors).

Sem mais preliminares, vamos à calçada da fama.

20. Actor – St. Vincent

Desconfie da aparência angelical de Annie Clark: este é um disco de superfície suave e sentimentos ásperos – um explosivo em tom pastel. Não me surpreendi com a descoberta de que delicadas punhaladas como The strangers e Actors foram inspiradas por Walt Disney… e Woody Allen.

19. The ecstatic – Mos Def 

É raro ouvir um disco de hip-hop como este, que desbrava o mundo com entusiasmo e curiosidade (uma das faixas, repare, é apelidada Life in marvelous times). Os versos se aventuram, mas é musicalmente que Mos Def dá o salto largo: do Oriente Médio ao Brasil, taí uma viagem que não passa no Discovery Channel.

18. Watch me fall – Jay Reatard   

Jay, o esquisito da vizinhança, cometeu com Watch me fall o pecado número 1 da indielândia: assumiu o amor pelo pop. Vítima do desprezo (previsível) de quem esperava mais agressividade que doçura, o disco arrisca ambições que vão além da cartilha punk. Ótimo saber que Jay tem a coragem (e o talento) para negar o óbvio.

17. I’m going away – The Fiery Furnaces

Em 2009, Matthew Friedberger se fez notar mais pelas alfinetadas contra o Radiohead que por I’m going away, um dos álbuns mais acessíveis do Fiery Furnaces. Mas a polêmica, acredite, serve como uma boa introdução para um disco que vê Nova York pela lente do otimismo e da simplicidade. Encare com o oposto de The eraser.  

16. Manners  – Passion Pit

Uma banda para nosso tempo: sem conhecer as fronteiras que separam o rock, o pop e a eletrônica, o quinteto brinca com sonoridades à prova de dogmas. E, melhor ainda, sabe se divertir. The reeling e Sleepyhead são alguns belos momentos de uma estreia mais segura (e densa) do que qualquer tinha o direito de esperar.

15. Middle cyclone – Neko Case 

Na capa de Middle cyclone, Neko Case está pronta para o ataque. Não é mera ilustração: no disco mais sortido da carreira, a musa pós-tudo cria canções que Sheryl Crow compraria com a alma – atrevidas e delicadas, convencionais mas imprevisíveis. Tudo muito simples (o disco foi gravado num celeiro!) e particular. Em síntese: um furacão.

14. Wolfgang Amadeus Phoenix – Phoenix  

Convenhamos: o Phoenix gravou pelo menos dois discos melhores que este aqui. Mas o pop também é uma questão de timing. E, em 2009, finalmente o mundo parece ter entendido a ironia quase britânica da mais americana entre as bandas francesas. Saiu com atraso, mas taí a trilha sonora definitiva para Maria Antonieta, de Sofia Coppola. 

13. Tarot sport – Fuck Buttons

Sem a megalomania dos filmes-catástrofe, o Fuck Buttons criou as mais sublimes cenas de explosão do ano. Cinematográfico, Tarot sport altera o estilo do duo (via eletrônica) sem abandonar o essencial: eles ainda nos atropelam com ruídos agressivos e nos fazem flutuar com melodias inesperadamente familiares. Do caos ao céu.

12. Post-nothing – Japandroids 

Vancouver pode ser uma terra desencantada: vazia e chuvosa, inspira pensamentos mórbidos. “Antes nós sonhávamos, agora nos preocupamos com a morte”, admite o Japandrois. Além de resumir à perfeição o desânimo de quem vive em cidadezinha assombradas, eles escrevem crônicas doloridas para jovens adultos. Ruidosas, claro.

11. Bromst – Dan Deacon

O segundo disco de Dan Deacon, um dos mais peculiares do ano, tem o design de uma montanha-russa especialmente perversa: provoca angústia, nos perturba com barulhos incômodos e obriga que sintamos o impacto de quedas bruscas e curvas fechadas. Não é fácil. Mas, ao fim do passeio, não há como negar: foi uma experiência sem igual.

Adeus, 2009 | Superoito’s mixtape, parte 1

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A história vai assim: todo dezembro, seleciono algumas de minhas canções favoritas do ano para duas edições especiais do programa de rádio Marco Zero, transmitido às terças-feiras (às 22h) pela Câmara FM (se você mora em Brasília, elas rolam nos dias 22 e 29).

A brincadeira é, pra mim, das boas: a quantidade de canções lançadas durante o ano é tão grande que seria possível criar cinco programas diferentes – sem repetir bandas. O desafio, por isso, é criar mixes envoltos numa certa atmosfera – com início, meio e fim. Ou seja: coletâneas para fãs de álbuns (e daquelas fitinhas que gravávamos para os amigos, com mensagens secretas e emoções afloradas).

Sempre pensei em comparilhar esses programas, em formato de podcasts, aqui no blog. Então taí: pela primeira vez, consegui colocar o plano em prática. Neste post, vocês podem fazer o download da primeira parte da mixtape com as minhas preferidas de 2009. Mato logo dois coelhos e começo a séries de posts Adeus, 2009, com minhas listas de melhores do ano (por essa vocês não esperavam, hum?).

Aviso que há alguns problemas técnicos no pacote, mas nada que não se resolva com alguma paciência. Fiz uma exaustiva bateria de testes e garanto: o melhor modo de ouvir a coletânea é pelo Windows Media Player (e repare que o som fica mais caloroso). No iTunes, uma canção misteriosamente desaparece e isso é um pecado (e logo uma das melhores, Kid klimax). Mas talvez vocês entendam desses detalhes tecnológicos melhor do que eu. Prometo resolvê-los na segunda parte da retrospectiva.  

A seleção via web não é a idêntica à que será transmitida na rádio (reconheço: a da web ficou um pouquinho mais bacana). Há algumas mudanças estratégicas e faixas bônus – e o climão todo (que tem algo a ver com a foto do Grizzly Bear lá em cima) diz muito sobre o meu ano. Mas garanto que, se você sintonizar na Rádio Câmara, ouvirá algumas surpresas.

Eis a tracklist:

1. Hooting & howling – Wild Beasts
2. Hearing damage – Thom Yorke
3. While you wait for the others – Grizzly Bear
4. Kid klimax – Atlas Sound
5. Lovesick teenagers – Bear in Heaven
6. Out of the blue – Julian Casablancas
7. Alligator – Tegan & Sara
8. Higher than the stars – The Pains of Being Pure at Heart
9. Plain material – Memory Tapes
10. Fables – Dodos
11. Heaven can wait – Charlotte Gainsbourg e Beck
12. January twenty something – Why?

Faça o download (via Rapidshare): Superoito’s mixtape 2009, parte 1

A segunda parte fica para a semana que vem – e, a depender da aceitação disto aqui, penso em fazer seleções mensais em 2010. O que vocês acham?

Let love rule (Justice remix) | Lenny Kravitz

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Da série “fazendo justiça aos belos clipes de 2009”. Este é dirigido por Keith Schofield, que sabe tudo.

Superoito express (15)

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Ladies’ night (com filmezinhos vagabundos de bônus).

Sainthood | Tegan and Sara | 7 | Nada de oscilações radicais de temperamento: no sexto disco, as gêmeas Tegan e Sara Quinn continuam a dar polimento a um indie pop caseiro e autoirônico que já está virando marca registrada. A produção de Chris Walla, do Death Cab for Cutie (que já havia operado o painel de controle em The con, de 2007), segue reforçando o lado mais apetitoso dessa receita, com momentos que não soariam deslocados num lado B da Lady GaGa ou da Rihanna (Alligator, por exemplo). A combinação de versinhos cínicos sobre amor (e não estamos falando só de amor juvenil) com melodias açucaradas ainda é irresistível – mas a horta de Walla começa a parecer pequena demais para o talento das meninas.   

Rated R | Rihanna | 6.5 | O surto de rebeldia de Rihanna está todo ali, num versinho de Stupid in love: “Posso até ser boba, mas não sou estúpida”. É isso aí, garota: assim é que se encara uma violenta decepção amorosa acompanhada por ampla cobertura da imprensa. Com muita maturidade. Mas fala sério: apesar da jogada de marketing e dos hematomas, este não é exatamente um álbum de ressaca sentimental. Na prática, soa como uma festa decadente e animadíssima transmitida pela VH1: riffs de hard rock oitentista, participação especial de Slash, sacanagem de mentirinha (à Janet Jackson e Cyndi Lauper) e ambições de blockbuster produzido por George Lucas. Como produto pop, é quase perfeito: termina muito mal (mas quase todos terminam assim), mas começa com um arrastão de singles hipnóticos (meu favorito: Fire bomb) que vai garantir a Rihanna pelo menos mais um ano inteiro de reinado em blogs de fofoca. Um fenômeno. Mas PG-13, vai.

Mallu Magalhães | Mallu Magalhães | 6.5 | Os cinco leitores deste blog, todos muito cultos e céticos, não caíram na história de que, já neste segundo disco, Mallu teria virado mulher. Além de cheirar a armação de assessores de imprensa, essa promessa de  “maturidade” (aos 18 anos de idade!) soa como propaganda enganosa para um álbum tão elegantemente imaturo, indeciso, verde. É perfeitamente justo que, como a multidão de vestibulandos que não têm a menor noção sobre a profissão que estão escolhendo, Mallu também sinta-se dividida: Bob Dylan ou Marcelo Camelo? Inglês ou português? Folk rock ou Clube da Esquina? Sem a pressão de ter que escolher, ela marca todas as alternativas e tateia uma identidade. A produção de Kassin tenta nos oferecer algum conforto: a menina está pronta para as trilhas de novela e o mercado indie europeu, ele garante. Mas não está: este é um disco juvenil que sonha em ser grande. E quer saber? Antes assim.

Break it up | Jemina Pearl | 6 | Outro caso de crescimento prematuro: aos 22 aninhos, a ex-vocalista do Be Your Own Pet tenta conjugar a atitude despreocupada do punk 77 com as caras e bocas de mulherzona sacana. Não cola. Quer dizer: até cola em alguns momentos (I hate people, com participação de Iggy Pop, é tão redondinha que poderia rolar na programação da Kiss FM), mas bate saudade do tempo em que ela soava maravilhosamente confusa e inconformada (ouça qualquer disco do BYOP e seja feliz). Nem tudo está perdido: quando ela tenta se reinventar como uma jovem Chrissie Hynde, nos surpreende com joias como Nashville shores e No good. Falta alguém que a provoque. Mas que Jemina é um talento, é.     

Atividade paranormal | Paranormal activity | Oren Peli | 5 | Há dois ou três momentos assustadores, mas o desfecho é tão babaca que quase estraga a molecagem toda. Sugestão: um remake sul-coreano, daqueles verdadeiramente cruéis, mas desta vez com atores convincentes? Obrigado.  

A princesa e o sapo | The princess and the frog | Ron Clements e John Musker | 5 | Sob medida para quem morre de saudades dos sucessos de animação que a Disney lançava nos anos 90. Mas vamos cair na real, gente: isto aqui é tão modorrento quanto Mulan e Pocahontas.

Os fantasmas de Scrooge | A Christmas carol | Robert Zemeckis | 4.5 | Pela terceira vez, Zemeckis cria um excelente argumento para quem acredita que ele deveria esquecer essa história de animação e gastar tempo com prequels de De volta para o futuro. Uma das adaptações mais gélidas que vi para uma obra de Charles Dickens.

Embarque imediato | Allan Fiterman | 4 | Ensina-me a viver + musicais da Atlântida + mix de comédias românticas hollywoodianas + teatro de revista + Marília Pêra on fire + uma vontade louca de ser Pedro Almodóvar = mico.

Tarot sport | Fuck Buttons

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A ótima aceitação aos álbuns do The XX e do Wild Beasts pode deixar a impressão de que o rock britânico passa por um período muito propício à sutileza e à contenção. Esses dois discos, propositadamente, soam como a arquitetura de Bauhaus (a escola alemã): ainda que influenciadas pela estética sombria dos anos 1980, cada acorde cumpre uma determinada função, as faixas duram apenas o necessário e nenhuma palavra é usada à toa. As canções emocionam por parecer mais simples do que realmente são.

A parte curiosa dessa história (e que pode confundir muito jornalista apressado) é que, num universo paralelo ao dessa “tendência”, há bandas elogiadíssimas que seguem um caminho radicalmente contrário ao do desejo de minimalismo. É o caso do The Horrors (que ocupa a primeira posição na lista da New Musical Express) e do Fuck Buttons. Aí, não há lacunas a serem preenchidas: a música nos soterra em camadas de efeitos, é rebuscada feito arte barroca e, nos momentos mais estridentes, provoca o incômodo de um vinil arranhado.

É claro que, durante o ano, muitas foram as bandas que oscilaram de um extremo a outro. Mas os extremos impressionam.

O novo disco do Fuck Buttons, por exemplo, é o mais próximo que o rock inglês chegou do noise anárquico do Dan Deacon. O álbum anterior, Street horrrsing, levava o pós-rock dos anos 1990 alturas antes inimagináveis (o disco era produzido, não por coincidência, pelo guitarrista do Mogwai, John Cummings). Era um ataque frontal de guitarras em crise nervosa, com breves momentos de doçura (que ninguém é de ferro) e entusiasmo quase juvenil (uma das faixas atende por Okay, let’s talk about magic).

Enquanto o Wild Beasts se transformava numa banda mais sóbria e elegante, Andrew Hung e Benjamin John Power fizeram da transição para o segundo álbum um espetáculo grandiloquente de fogos de artifício. Tarot sport inclui no caldo fervilhante da dupla o elemento que faltava: um quê de euforia eletrônica. O produtor e DJ Andrew Weatherall havia feito um remix delirante para Sweet love for planet Earth. Presumo que a banda, entusiasmada com o resultado, tenha decidido gravar um disco que soasse como um intenso remix do álbum de estreia. Superficialmente, Tarot sport é isso.

Como o álbum de Dan Deacon, esse também se beneficia de repetidas audições. Com faixas longas (quatro delas têm mais de nove minutos de duração) que se conectam umas às outras, o disco nos confronta com agressividade e velocidade. É uma pancada. A abertura, Surf solar, resume as intenções da dupla: um loop de eletrônica repetido à exaustão, num galope cada vez mais acelerado, envolvido num manto de sintetizadores que parecem tirados de uma trilha de filme de ficção científica. O barulho é o da explosão que acompanha a decolagem.

Nas faixas seguintes, o disco sai do solo violentamente, em chamas. Rough steez abre com ruídos industriais e, subitamente, é corrompida por barulhinhos de videogame. Em The Lisbon Maru, a nave flutua graciosamente no espaço — e sugere cenas deslumbrantes. O transe continua em Olympians (o mais perto que o disco chega das melodias doloridas de Come on die young, do Mogwai). A tensão volta a apertar em Phantom limb e Space mountain, até desembarcar de forma sublime na feérica Flight of the feathered.

Mais que uma viagem insólita, Tarot sport quebra as limitações do pós-rock ao agregar elementos que, por outras bandas do gênero, eram tratados como lixo espacial. Cacos de pop, techno, drum ‘n’ bass e drone transformam cada faixa numa colagem disparatada, absurda, excitante de referências. Excessivo, sim. Exaustivo, sem dúvida. Mas como resistir a uma banda que abre os braços para abraçar um universo inteiro?

Segundo disco do Fuck Buttons. Sete faixas, com produção de Andrew Weatherall. Lançamento ATP Recordings. 8/10

Two dancers | Wild Beasts

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Fico um pouco incomodado quando noto que poucas são as vezes em que sou tomado pelo desejo incontrolável de convencer o maior número possível de pessoas a ouvir um disco que, pelo menos por alguns dias (ou algumas semanas, algumas horas), soa como o melhor do mundo. Deveria ocorrer com mais frequência. Ao contrário do que imaginam aqueles que criticam os ouvintes compulsivos (pobres reféns das novidades!), é uma característica da boa música pop o poder de provocar paixões instantâneas e às vezes inexplicáveis. Não razão para termos vergonha disso.

Sejamos piegas: é um tipo encantamento.

Recentemente, poucos álbuns me derrubaram de modo tão imediato. Lembro do efeito (entorpecente?) provocado por Merriweather Post Pavillion, do Animal Collective, por Bitte orca, do Dirty Projectors e, num espaço maior de tempo, Veckatimest, do Grizzly Bear (que, hoje, está entre meus cinco favoritos do ano). Discos que cobraram demonstrações de fidelidade, tomaram quase todo o meu tempo, incendiaram minha rotina e, subitamente, sem que eu pudesse controlá-los, compuseram a trilha sonora de um período da minha vida.

Pois bem, meus amigos: Two dancers, o segundão do Wild Beasts, é esse tipo de flechada.

E, de longe, a mais inesperada do ano. Nos casos do Animal Collective e do Grizzly Bear, eu estava predisposto a me deixar levar – e, com o Dirty Projectors, foi como descobrir um universo. Já o affair com o Wild Beasts só pode ser catalogado como amor à segunda vista.

O primeiro dos ingleses, Limbo, panto, provocou em mim alguma admiração: o disco tentava soar barroco, excêntrico, pedante de um jeito que só os ingleses sabem soar. Poderia ser apresentado como trabalho de conclusão de curso em faculdade de Artes. Este segundo, menos exibicionista (e, se vocês quiserem, mais convencional), me fez assistir a praticamente todos os vídeos da banda disponíveis no YouTube, ler entrevistas, encomendar camisetas, me alistar no fã-clube e recomendá-lo a pelo menos cinco pessoas num período de menos de três horas. Paixonite das brabas.

Vá entender.

O pior é que quase esnobei o disco antes de conhecê-lo. Há alguns meses, fiz o download e ouvi sem muita atenção. Deixei de lado. Parecia mais uma banda britânica com as ambições de assimilar alguns elementos do heavy metal, do art rock e do goth rock (falsetos, temas épicos, pompa, sombras e refrões monumentais) a um formato pop contemporâneo, radio friendly. Eu, que temo a multiplicação de Elbows, Horrors e Muses, lamentei o fato de que o disco havia conquistado unanimidade entre os críticos ingleses. Pensei: veja lá, mais um. E guardei-o no porão do meu iPod, aos deus-dará.

Por um desses empurrões do acaso, calhei de esbarrar no disco (quase tarde demais!) e foi aí que notei o quanto eu estava enganado. Sorte a minha. O que faz de Two dancers um belíssimo disco é exatamente a capacidade de soar misterioso e sutil dentro de um formato assumidamente comercial, acessível. É um caso muito raro de álbum que mira a multidão (os fãs do Coldplay, digamos) sem perder a ternura ou a dignidade. Um dos traços mais interessantes do disco de estreia deles – canções que identificam sintomas de horror em situações do cotidiano – é ressaltado de uma forma ainda mais incômoda. Trata-se de um disco pop de aparente placidez, de fácil digestão, mas profundamente perturbado e enigmático.

Estamos acostumados a nos deslumbrar com discos que nos transportam para ambientes desconhecidos, fantásticos. Mas quantas são as vezes em que encontramos álbuns que nos surpreendem simplesmente por interpretar nosso mundo a partir de perspectivas inusitadas? Two dancers merece um lugar na prateleira de Boxer, do The National, e Everything must go, do Manic Street Preachers.

A crônica quase surrealista do Wild Beasts é povoada por temas sacados do noticiário (The fun power plot, que abre o disco, é inspirado numa manifestação de pais pela custódia dos filhos), personagens marginais (há quem interprete Hooting and howling como o perfil de um skinhead) e imagens de sonho (When I’m sleepy). Uma Inglaterra siderada, mas plausível (daí o susto). Esse lirismo de olhos bem abertos combina com a sonoridade cristalina do disco, que troca os excessos pela polidez em melodias circulares, efeitos sonoros discretos (com um quê de funk, às vezes), um jogo discreto de vocais (tanto Hayden Thorpe quanto Tom Flemming são excepcionais) e riffs de guitarra que chegam apenas quando precisamos desesperadamente deles.

Em apenas 37 minutos, não há faixas perdidas. Todas elas têm algum momento extraordinário: do vocal emocionado de Hooting and howling ao arranjo assimétrico de This is our lot (uma belíssima canção juvenil na tradição dos Smiths), dos vocais cavernosos de All the king’s men à delicadeza de Empty nest, a banda tira o máximo proveito dos limites que impõem ao disco. Na estreia, eles provaram que podem soar muito mais exóticos. Agora, o momento é de encontrar o foco, afinar o estilo. E isso podemos chamar de desafio.

Se bem que sou suspeito para falar: há uma semana, é só o que ouço. E, se você quer saber os aspectos mais irritantes deste grande disco, pergunte-me em 15 dias. Eles existem. Mas paixão é paixão.

Segundo disco do Wild Beasts. 10 faixas, com produção de Richard Formby e Wild Beasts. Domino Records. 8.5/10

Superoito express (14)

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Um cadinho de discos e (surpresa!) filmes. Tudo o que vocês queriam, eu sei. Mas adianto que o próximo Express é que vai bombar, com o bonde das perigosas liderado por Rihanna e Mallu Magalhães. Neste aqui, para nosso azar, muito macho muderno arranhando guitarra/violão e brincando com maquininhas eletrônicas. Até lá, então.

Beast rest fourh mouth | Bear in Heaven | 7.5 | Quando uma banda experimental aceita o desafio de baixar a guarda e soar mais acessível, todo desastre é possível. Mas não é o que acontece com este quarteto do Brooklyn, que faz a transição com muita segurança num disco que soa como um cruzamento da base ritmica do TV on the Radio (também do Brooklyn, o que nos faz supor que realmente contaminaram a água da cidade) com os momentos mais melódicos do Sonic Youth. Lovesick teenagers é uma das canções mais tocantes do ano – não à toa, é centro nevrálgico do álbum.    

Seek magic | Memory Tapes | 7 | O projeto de Davye Hawk é uma caixinha de música de infinitas possíbilidades, que oscila da eletrônica abstrata ao pop (e uma certa obsessão pelas linhas de guitarra do New Order). Quase sublime, recomendadíssimo, mas eu gostaria muito de ouvir um disco dele que expandisse a doçura das duas últimas faixas: a excelente Plain material, que rolaria fácil na programação de qualquer rádio de bom gosto, e a seguinte, Run out.

Psychic chasms | Neon Indian | 6.5 | Falando em caixinha de música… Aconselho não ouvir este projeto de Alan Palomo (conhecido como VEGA) junto com o disco do Memory Tapes. Pode parecer minúsculo. Ainda assim, a graça deste álbum-miniatura é essa: soa como um saboroso aperitivo, talvez afetado por uma excessiva reverência ao Daft Punk de Discovery. Mas não dá pra reclamar de uma referência dessas.

Little moon | Grant-Lee Phillips | 6 | Acompanhar a carreira solo de Phillips continua enervante para quem, como eu, admirava a cuidadosa construção da obra do Grant Lee Buffalo. Longe das antigas responsabilidades, o sujeito continua soando como o trovador andarilho de Gilmore Girls: faz discos tão despretensiosos que poderiam ter sido gravados no improviso, depois da janta, com as crianças ao redor da fogueira. A falta de grandes ambições poe ser sinal de maturidade (ninguém quer mais dominar o mundo pop, certo?), mas Phillips ainda não conseguiu converter esse tom informal em algo verdadeiramente memorável. De qualquer forma, Little moon é uma tentativa até digna de “folk rock adulto contemporâneo de sala de estar”, e lembra o clima burlesco do último disco do Buffalo, Jubilee.

Julie & Julia | Nora Ephron | 6 | Uma fantasia (em tom pastel) sobre mulheres incrivelmente corajosas, homens incrivelmente gentis e um blog incrivelmente popular que, inveja!, soma 53 comentários num post sobre lagostas. Inspirado em duas histórias reais? Só pode ser tudo mentira. Fico com a cena em que Julie, ainda sem as manhas do Blogspot, admite que sente como se estivesse escrevendo para um “gigantesco vácuo”. Isso é real.

2012 | Roland Emmerich | 4.5 | Bateu saudades de Presságio, claro – ao contrário deste playground aqui, o filme de Alex Proyas devasta o mundo com algum pesar.

Lua nova | Chris Weitz | 4.5 | Entrará para os anais de Hollywood como o filme de vampiros mais piegas e juvenil de todos os tempos (e ouvir Thom Yorke metido nesse lengalenga romântico deu um pouco de vergonha-alheia). Vampiros e lobisomens também discutem a relação.

Phrazes for the young | Julian Casablancas

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Se depender das listas de melhores discos da década que foram publicadas até agora, deveríamos chegar à seguinte conclusão: por acidente ou mágica, o Strokes concebeu um dos maiores álbuns dos últimos dez anos (a estreia, Is this it, de 2001) e, logo em seguida, provou ser uma banda de rock menos interessante do que imaginávamos. Em resumo: eles nos desapontaram. E, sem fôlego ou talento (ou ambos), acabaram pisoteados por contemporâneos como White Stripes e Yeah Yeah Yeahs.

É exatamente este o problema das listas de melhores: elas simplificam tudo.

A história, obviamente, não aconteceu dessa forma – ainda que possamos, e com razão, entender a saga dos Strokes como uma canção que começou em tom maior e, depois do primeiro refrão explosivo, acabou se desenrolando com alguma melancolia. Mas quem se prende ao impacto de Is this it perde uma parte dramática dessa trama: a partir do segundo álbum, os nova-iorquinos ressaltaram o tom confessional, dolorido, de um estilo que, até então, escondia essa carga de amargura e desespero sob camadas de (brilhantes) artifícios. A armadura cedeu.

Preste atenção sobretudo a Room on fire, de 2003, o segundo disco: é ali que o Strokes descobre em Julian Casablancas um band leader disposto a comparilhar angústia. O álbum abre com os versos “I wanna be forgotten, and I don’t want to be reminded” (“Eu quero ser esquecido, e não quero ser lembrado”), de What ever happened, e fecha com uma faixa intitulada I can’t win (Eu não posso vencer). Algo andava errado com Julian, mas estávamos todos entretidos demais para notar.

O disco seguinte, First impressions of Earth (2006), que soava como um esforço conjunto, amenizou a turbulência emocional do vocalista. Mas a crise criativa se fez mais audível que nunca num disco disforme, excessivamente longo, que lutou contra os limites da própria banda e perdeu a briga. Não é de se admirar que Julian tenha ficado em silêncio nos três anos seguintes, enquanto o guitarrista Albert Hammond Jr gravava dois trabalhos que, no máximo, provavam que era ele o autor de muitos dos riffs econômicos e afiados da banda. Mas e a alma do Strokes? A força vital que fazia da banda uma máquina dançante e agoniada? Rodrigo Amarante que me perdoe, mas não a encontramos em nenhum lugar.

É assim que finalmente chegamos a Phrazes for the young, um exercício de tentativa-e-erro que, apesar de todos os deslizes, mostra didaticamente a importância de Julian para o Strokes. Lembro que, no primeiro álbum da banda, muitos tratavam o vocalista como um garoto-propaganda, um poser bem-nascido que cumpria preguiçosamente o papel de frontman. Nada mais equivocado. No primeiro disco solo, ele não apenas demonstra um tipo raro de inquietação criativa (e acaba atirando para todos os lados, sem dó) como comprova que, sem ele, o Strokes seria uma banda estilosa, cool e divertidíssima, mas sem coração.

O disco abre, talvez para nos convencer disso, com uma faixa que parece dar sequência à fúria autodepreciativa de Room on fire: Out of the blue começa com o verso “Somewhere along the way, my hopefulness turned to sadness” (“Em algum ponto do caminho, minha esperança se transformou em tristeza”), o que soa, no mínimo, sintomático. A canção desce gloriosamente a ladeira com um misto de orgulho ferido, empáfia e franqueza. “É isso o que acontece com a maior parte das pessoas no mundo”, ele conta. Um príncipe caído. No final do disco, Julian diz sentir-se um turista em qualquer lugar onde vá. Não sei o que vocês pensam sobre isso, mas eu entendo. E é triste.

Acredito que poucos tenham se preocupado com as letras das canções gravadas pelos Strokes, daí a dificuldade de entender que elas carregavam um subtexto sombrio – eram, quando não se metiam em caminhos impressionistas, retratos de um certo desencanto com a idade adulta. O disco de Julian explicita essa sensação. “Estou a caminho de algum lugar. À esquerda e à direita no escuro”, admite, em Left and right in the dark.

Não é desta vez, no entanto, que Julian gravou um Blood on the tracks. A sonoridade que acompanha as letras é quase sempre luminosa, decalcada descaradamente de pop rock oitentista (o início de 11th dimension, por exemplo, lembra Van Halen) e com frufrus musicais que lembram luzes pisca-pisca, chamando repetidamente a nossa atenção para os efeitos especiais. Musicalmente, Julian parece ter desenhado o álbum como um antídoto aos discos do Strokes: as faixas são longas e rebuscadas, o tom é de experimentação (o miolo do disco é country rock desajeitado, talvez cortesia de Mike Mogis, do Bright Eyes, que colaborou na produção) e há até algumas bizarrices eletrônicas que lembram o Thom Yorke de The eraser (River of brakelights é o parente mais próximo), com loops repetitivos no lugar dos acordes de guitarra.

No fim da aventura (que, para o meu gosto, soa mais vibrante que o terceiro disco do Strokes), ficamos com um perfil contraditório de Julian: quando lemos os versos, encontramos a ressaca de um ídolo; se paramos de prestar atenção neles, ouvimos um disco tão hiperativo quanto o mais recente do The Killers. É isso e não é. A ambiguidade e a coragem de Julian fazem deste um álbum para colocarmos naquela prateleira quase vazia dos projetos solo que não se contentam com qualquer rascunho. É um disco completo, inteiro.

Podemos confiar em Julian. E, pelo menos aqui, ele nos deixa com a impressão de que o melhor está por vir.

Primeiro álbum solo de Julian Casablancas. 8 faixas, com produção de Jason Lader. Rough Trade/RCA. 7.5/10