Dia: janeiro 3, 2008
Meu nome não é Johnny *
Acertei pelo menos uma previsão de fim de ano: este filme é uma droga (e, por hoje, paramos com os trocadilhos).
Se existe uma máxima a ser comprovada aqui, é a de Paulo Emílio. O pior cinema brasileiro sempre parece ter algo de muito interessante a nos dizer. Entrei na sessão sem quase nenhuma informação sobre o filme – e saí abismado. Ainda estou sem saber exatamente o que Meu nome não é Johnny quer de mim. E isso é bom? É ruim? É bom?
De início, parece um conto moral sobre a escalada, o apogeu e a queda de um traficante da Zona Sul carioca. Conhecemos Johnny, o bon vivant desempregado que abastece a fina flor carioca com papelotes de cocaína. De bandido nanico, o playboy passa a estreitar contatos com peixes grandes. Mesmo quando apresentado ao tráfico internacional, continua o palerma de sempre. Pronto a queimar milhões de dólares em farras homéricas, não consegue economizar nem para pagar a conta de luz do apê. Está claro que aquele fanfarrão irá pagar o preço pela ousadia e, por fim, se recuperar. Até eu sabia disso, mesmo sem saber nada sobre o filme.
Aí Selton Mello entra em cena, e o que Selton Mello tem a nos oferecer? Uma seltonmellização do personagem. Ou seja: enquanto o filme caminha para o tom melô de uma tragédia, o ator insiste em uma composição cômica que – apesar de muito afinada com o livro em que o filme se inspirou, me alertaram os mais de mil fãs da biografia – faz com que o público trate o traficante como uma espécie de tamagochi fofo. Ele é tão simpático, tão divertido e tão (coitado) abobalhado que ganha nosso coração na terceira cena em que aparece. Quando é preso, ficamos até com pena. Mas era só isso que o filme queria de mim? Pena?
É um procedimento até instigante. Um filme de classe média alta (como quase todos), para o público de classe média alta (90% dos espectadores que frequentam nossas salas de cinema), com um personagem de classe média alta que, num determinado momento, se vê metido no Brasil dos desamparados. Quando Johnny vai à prisão, nossa reação automática é de enxergar nele uma vítima. Nos perguntamos: “as prisões são tão sujas e violentas, o que seria de nós num ambiente assim?” Mas Johnny seria vítima de quê? Do “sistema”? Da família? Dos efeitos da maresia? Do aquecimento global? Não entendi.
O filme nos coloca tão desesperadamente do lado de Johnny – afinal, ele é “um de nós”, e aquela história supostamente poderia ter ocorrido conosco – que anula qualquer possibilidade de discussão séria sobre qualquer tema. Drogas? Criminalidade? Necas. Resta um estudo de caso recheado de detalhes bizarros, às vezes muito engraçado, prejudicado por diálogos primários e uma reconstituição de época que pode ser sintetizada na fala de um traficante resmungão: “Eu podia estar em casa comendo um puta lanche Mirabel!”
Eu também.