O lutador
The wrestler, 2008. De Darren Aronofsky. Com Mickey Rourke, Marisa Tomei e Evan Rachel Wood. 115min. 8/10
Até ontem, eu queria ver Mickey Rourke ganhando um Oscar só para dar uma espiadinha na reação do Rubens Ewald Filho, que insiste naquele papo frouxo de que Hollywood quer circo, Rourke é o palhaço da vez e Benjamin Button é uma obra-prima sobre o tempo que passa e (meu deus, tão triste) não volta mais.
Hoje eu quero ver Mickey Rourke ganhando um Oscar por outro motivo: entre os cinco indicados, ele me parece de longe o mais forte. De longe. E já vi tanto Milk (uma ótima atuação de Sean Penn) quanto Frost/Nixon (Frank Langella merecia um… Emmy?). Li que o papel de Randy “The Ram” Robinson quase parou nas mãos de Nicolas Cage. Teria sido um filme extremamente diferente deste que vemos hoje.
Impossível calcular o valor daquilo que Rourke agrega ao filme: dignidade? O mais impressionante, no caso, é como o ator cede generosamente a própria imagem pública ao personagem. Talvez ele não tenha muito em comum com Robinson (mas sabemos da traumática passagem de Rourke pelos ringues, por exemplo), mas permite que acreditemos no contrário. A partir da primeira cena, assistimos a uma comunhão visceral entre personagem e ator. O filme está ganho por nocaute quando Rourke aparece na tela pela primeira vez.
O quão raro é isso? Na trama, Robinson é um homem largado no limbo da sociedade, obrigado a abandonar o único talento (a luta ensaiada, à telecatch) por problemas de saúde. Para qualquer ator, seria uma tarefa no mínimo complicada evocar essa sensação de solidão, de uma vida que instantaneamente perde todo o sentido quando os holofotes se apagam. Rourke encarna esse sentimento de desamparo sem o menor esforço. Não que ele tenha nascido para intepretar o papel, mas o ator é capaz de compreender profundamente as experiências e frustrações de Robinson.
Rourke carrega o peso do filme nas costas. O espectador sente. E, com o auxílio do ator, Darren Aronofsky dá continuidade ao cinema físico de Réquiem para um sonho, obcecado pela degradação do corpo, o choque carnal, o corte na pele. Numa das primeiras cenas, Robinson rasga a testa com uma gilete. O espetáculo dos ringues é falso e sabemos disso – mas os atores desse circo saem marcados, pagam o preço.
O corpo como performance. O roteiro de Robert D. Siegel, nesse sentido, não poderia ter sido mais explícito (quase didático, aliás). A pessoa mais próxima de Robinson é uma stripper (interpretada por Marisa Tomei, também excelente). E o maior dilema do protagonista é participar ou não de uma luta pouco depois de sofrer um dano no coração.
O filme lida com os limites físicos e emocionais dos personagens, e o faz de uma forma direta, com câmera na mão e uma falsa aparência de urgência em cada cena. Aronofsky ainda se deixa levar por certos artifícios (comparar o primeiro dia de trabalho de Robinson num balcão de frios com a entrada no ringue = chover no molhado) e o roteiro de Siegel, ainda que tome um caminho realista, penaliza exageradamente o personagem como recurso para reforçar a catarse do clímax (a referência de A paixão de Cristo não é em vão; já a relação entre Robinson e a filha se aproxima perigosamente de um dramalhão à Rocky Balboa).
Mas tudo isso, esses detalhes, esses chavões, esses truques, só começam a chatear depois da exibição. Nas duas horas de filme, somos simplesmente cúmplices da via crúcis de um personagem e de um ator – que parece existir de fato, que machuca verdadeiramente, rende cicatrizes e, por isso, não nos deixa em paz.
Mel Gibson tem muito a aprender com Darren Aronofsky, afinal. Não é um grande diretor. Mas, em O lutador, ele encontra o elemento que faltava a seus longas anteriores: força vital. Culpa de quem mesmo?
fevereiro 16, 2009 às 12:09 am
Acho que o filme é bom até ele sofrer o infarto, quando o Aronofosky acompanha o personagem de perto, mas ainda assim com distanciamento. Depois ele cai na esparrela de querer tomar alguma posição em relação ao personagem e aí acho que o filme cai muito. As cenas do Rourke com a filha por exemplo são todas terríveis.
É legal a tentativa de aproximação com o cinema dos Dardenne, mas também não dá pra esquecer que é um filme do diretor de Réquiem Para um Sonho.
fevereiro 16, 2009 às 1:47 am
Discordo do Guga. Acho que o filme sabe trabalhar as situações que seriam clichês com uma delicadeza bruta digna de um Clint Eastwood.
fevereiro 16, 2009 às 2:02 am
Guga, eu não gosto do Réquiem para um sonho por uma série de motivos (um deles, acho que o principal, é que o filme todo tem o tom de uma peça publicitária histérica). Mas acho que o Aronofsky conseguiu desta vez fazer esse cinema físico de uma forma um menos chantagista, mais dedicada aos dramas dos personagens (em Réquiem, não consigo nem lembrar dos personagens) e o Rourke ajuda bastante para que o filme vença os tiques do diretor. E mesmo eu, que tenho muitas reservas em relação ao Aronofsny (detesto o Fonte da vida, por exemplo), fiquei impressionado.
Chico, concordo que ele trabalha bem os clichês. E parece um filme bastante consciente dos clichês que usa (o roteiro explora o sofrimento do personagem e, simultaneamente, faz referência a Paixão de Cristo etc).
fevereiro 16, 2009 às 2:24 am
Eu também acho um filme maravilhoso e olha que Réquiem é possivelmente o pior filme que eu já vi na vida. Os dois são o quase o oposto, na verdade, é um cineasta que parece ter crescido (apesar de ter muito o que provar ainda).
fevereiro 16, 2009 às 11:43 am
Eu já esperava a grande atuação do Rourke, mas fiquei muito surpreso com o filme em si e discordo que o filme depende dela (me pareceu ser este o seu ponto de vista). Triste ver que este ano o Oscar retomou sua tradição de marginalizar os melhores do ano: duvido muito que qualquer um dos 5 principais indicados sejam superiores a este aqui.
Discordando mais um pouco, vejo poucos efeitos fáceis no filme e gosto de quase tudo que envolve a filha. Só me incomoda justamente as cenas que detonam a última briga com ela (mas tudo que vem depois é tão bonito que eu relevo um pouco).
obs1: Concordo com vc sobre Valquíria.
obs2: é sério que vc tá gostando desse ano de Dexter? Desisti nos primeiros episódios da temporada 3.
fevereiro 16, 2009 às 1:42 pm
Bruno, eu realmente acho que o filme depende dele. Não totalmente. Mas uns 80%, com certeza.
Sim, eu acho ‘O lutador’ melhor que todos os indicados a melhor filme. E o Oscar deste ano, comparando com o de 2008, está realmente decepcionante.
obs2: É a pior temporada, mas melhora da metade em diante.
fevereiro 16, 2009 às 2:39 pm
Não gosta de Requiem? Desde quando?
fevereiro 16, 2009 às 3:04 pm
Cara, acho que desde sempre.
fevereiro 16, 2009 às 5:13 pm
Ah sim, a Marisa Tomei é sensacional (realmente sensacional), mas esse personagenzinho dela… não sei não. Me lembra muito a Alzira, personagem da Flávia Alessandra em Duas Caras.
fevereiro 16, 2009 às 5:54 pm
A Marisa Tomei tá numa fase de entrega total às personagens, se é que você me entende.
fevereiro 17, 2009 às 1:47 am
Já eu desisti de dexter na metade do piloto e sigo sem nenhuma vontade de voltar atras na decisão.
fevereiro 17, 2009 às 11:58 am
Quanto radicalismo Filipe! Vc deve ter adorado aquela piada maldosa no penúltimo episódio de The Wire, que acaba com Dexter e quem assiste…
Pelo que lembro, o piloto de Dexter começa fraco e depois melhora (o mesmo vale pra primeira temporada como um todo), mas a série é muito superestimada mesmo.
fevereiro 17, 2009 às 3:42 pm
Nunca achei Dexter uma série maravilhosa, mas gosto sim. Principalmente da segunda temporada, em que o próprio Dexter vira alvo de investigação da polícia.
fevereiro 17, 2009 às 4:31 pm
P/ mim O Lutador é o filme do ano até agora, eu adoro os filmes do Aronofsky (tudo bem, o último é irregular). E Rouke, bem, ele está lá encarnando o personagem, mas o Langella não fica atrás no Frost/Nixon não
fevereiro 17, 2009 às 4:45 pm
Eu acho que fica beeem atrás. Mas também acho que O lutador é o filme do ano até aqui (espero que outros o superem…).
fevereiro 17, 2009 às 5:12 pm
Eu fiquei desapontado na segunda temporada, em parte por ser um repeteco da primeira. Como a terceira começou sem criatividade também, pulei fora.
fevereiro 17, 2009 às 5:19 pm
Fonte da Vida é irregular? Pra mim, ele é bem regular na mediocridade.
fevereiro 17, 2009 às 5:26 pm
Concordo com o Chico: é ruim do início ao fim.
fevereiro 18, 2009 às 5:02 pm
Eu acho mediano, mas o filme tem coisas boas sim, como a sutileza na relação do casal, como o amor (que é o grande tema do filme) e todo o empenho do Hugh Jackman de encontrar a cura p/ esposa.
fevereiro 18, 2009 às 6:52 pm
Nada me convenceu ou me envolveu no “Fonte da Vida”. Acho que “Requiém”, este sim, tem coisas boas: a trilha, as atrizes, isso ou aquilo. Acho bem ruim, risível.
fevereiro 20, 2009 às 4:46 pm
Tiago,
Gostei bastante de “O Lutador”. Concordo com o que foi dito sobre os clichês. Eles existem sim, a gente os percebe, mas estão tão integrados à estória que fazem sentido.
Ainda não vi “Milk”. No Oscar, Mickey Rourke bate Sean Penn na estatueta de melhor ator? Qual é o seu palpite?
Falando em Oscar, não sei se eu estou ficando chata ou a premiação perdeu o brilho mesmo. Estou achando este ano bem fraquinho… decepcionante, como você disse.
fevereiro 21, 2009 às 4:15 pm
Eu prefiro Mickey Rourke, Thaís. Mas a interpretação do Sean Penn também é boa. Eu acho que o Oscar fica com o Penn.
Pois é, este ano está bastante fraco, principalmente se compararmos com 2008, que tinha o filme dos Coen pra aumentar o nível da competição.