Dia: fevereiro 19, 2009

No line on the horizon | U2

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PackshotNo início dos anos 90, tratar o U2 como a maior banda de rock do planeta provocaria alguma controvérsia. Hoje em dia, soa como uma simples constatação. Ninguém mais parece interessado em dominar um mundo pop cada vez mais segmentado, rarefeito. Talvez o Coldplay, antiquado que é, ainda se importe com esse tipo de desafio.

O U2 pertence a uma outra época, em que o lançamento de um álbum provocava filas em lojas de discos e incontáveis audições coletivas. Eu estive lá. Quando comprei o CD de Zooropa, me vi tão estupidamente feliz quanto uma menina rica no primeiro contato com uma nova bolsa da Louis Vitton.  Eu ouvi as faixas de Pop (e depois me decepcionei incrivelmente) como se fizesse parte de um culto planetário.

Para os antigos padrões da indústria fonográfica, uma banda do porte do U2 tinha um papel fundamental. Poucas souberam tão bem se aproveitar do marketing conferido aos discos-evento, aos blockbusters do vinil (depois, do CD). O impacto provocado por álbuns como The Joshua tree e Achtung baby não podem ser sequer imaginados pela geração alfabetizada pelos arquivos zipados do Strokes ou do Arcade Fire. De certa forma, eles abalaram o mundo.

Não é exagero. E ok se, hoje em dia, essa simples ideia ganhe a aparência de uma ficção-científica. Um disco com as pretensões de No line on the horizon soa imediatamente deslocado no nosso panorama. É um ET. Fica até difícil encará-lo ao pé da letra. Parece até uma heresia que um álbum tão im-por-tan-te chegue às nossas vidas via mp3, em downloads de 15 minutos. Cadê os fogos de artifício, minha gente?

Para vocês terem uma ideia do tamanho do bicho, o disco mais recente do Coldplay fica parecendo um workshop de técnicas criativas perto desta dissertação do U2. Em No line on the horizon, os irlandeses cumprem a promessa de retornar à fase mais imaginativa da carreira – aquela interrompida pela simplicidade (às vezes banal, mas sincera) de All that you can’t leave behind (2000) e do frustrante How to dismantle an atomic bomb (2004). É tudo isso.

Daí que o álbum experimenta com eletrônica, tenta arranjos de guitarra mais quebradiços e investe em um pop rock atmosférico que lembra tanto as estruturas de Zooropa quanto o ambient rock de Brian Eno. Nada disso soará como novidade para o antigo fã da banda. A diferença, aqui, está no verniz globalizado do projeto, gravado em vários estúdios (no Marrocos, em Londres, Nova York, Irlanda e Hanover) e com versos que evocam paisagens do Líbano, da África e de Paris.

A banda flutua sobre um planeta de fronteiras apagadas, e, musicalmente, se beneficia desse transe cultural. Num mexidão de ritmos que aponta diretamente para Achtung baby, o disco se inspira em ritmos orientais logo na faixa-título – que, como Mysterious ways, é conduzida por uma mulher que transforma radicalmente o ponto de vista do narrador, mas agora sob melodia de blues à Rattle and rum.

Se o curto-circuito de Achtung baby refletia as transformações sofridas pela Europa com a queda do Muro de Berlim, No line on the horizon tenta abraçar a nossa indefinição contemporânea. Não é que caia do cavalo (já que a ambição é imensa), mas o álbum só consegue sugerir algumas questões e cenários, sem paciência para um discurso mais contundente sobre o tema.

A maior dificuldade, para o U2 do século 21, é aliar o apelo comercial dos dois álbuns anteriores com esse espírito globetrotter. O disco fica no meio dessa estrada, tomado por canções de amor e hinos de estádio. Em alguns momentos, chega perto das baladas épicas do Coldplay (como em Breathe, levada ao piano). Um esforço compreensível: segurar o posto de maior banda do mundo, hoje em dia, requer trabalho dobrado e um punhado de concessões.

Outra via crúcis para Bono e cia é soar atual sem perder certas marcas imediatamente associadas à banda. Isso explica o clima de messianismo que encobre faixas como Stand up comedy (“Deus é amor. Vamos lá, defendam o seu amor”, convoca o vocalista) e Magnificent (“Apenas o amor une nossos corações”, diz a letra). Aí o U2 se afirma como uma espécie de “banda oficial para a humanidade”, com recados construtivos para o bem-estar do planeta. (Um porre, em resumo)

Essa carolice faz do disco um arranha-céu um tanto quanto oco, sem a ironia de Achtung baby e cheio de intenções nobres – menos o retrato do planeta em 2009, mais o espelho para quatro senhores com uma agenda carregada de compromissos políticos.

Os momentos mais espontâneos do álbum, por isso, são as narrativas de dramas urbanos (que, mais uma vez, revelam a influência de Lou Reed no trabalho da banda). Unknown caller, por exemplo, encena uma madrugada solitária, angustiante. “Dirigi para a cena do acidente. E sentei lá, esperando por mim”, canta Bono, bastante convincente. Já Cedars of Lebanon fecha o disco num tom rancoroso: “Esse mundo de merda às vezes produz uma rosa”, avisa o narrador, um repórter de guerra abalado por uma separação.

Sempre imaginei que, caso acertasse as contas com o cronista que existe dentro dele, Bono gravaria um álbum do U2 verdadeiramente novo. Em No line on the horizon, o talento começa a se revelar. Mas é pouco para um disco tão desfocado, tão indeciso (o single, Get on your boots, entrega logo de cara que a banda mal sabe para onde ir – e os versos serelepes, otimistas, são apenas risíveis).

Nada que tire deles o status de maiores do planeta, entretanto. Chris Martin vai morrer de inveja. Já o resto do mundo pop vai seguir vivendo como quem retoma as atividades diárias depois de ter assistido a um espetáculo de luzes, cores, discursos eloquentes e, bem, alguma música.

Décimo segundo álbum do U2. 11 faixas, com produção de Brian Eno, Daniel Lanois e Steve Lillywhite. Interscope. 6/10