Dia: fevereiro 12, 2009
Milk – A voz da igualdade
Milk, 2008. De Gus Van Sant. Com Sean Penn, James Franco, Josh Brolin, Emile Hirsch e Diego Luna. 128min. 7.5/10
Lembro que, no lançamento de Paranoid Park, Gus Van Sant contava que, depois de uma trilogia de imagens compostas com absoluto rigor (Gerry, Elefante e Last days), estava pronto para projetos mais permeáveis, em constante mutação. Um cinema (pelo menos aparentemente) ao sabor do vento, digamos assim.
Daí que, para quem acompanha o cineasta, Milk provoca um susto inevitável. Que vento brando é esse?
A reação mais imediata a esta cinebiografia de Harvey Milk, o primeiro político assumidamente gay a ocupar um importante cargo público em São Francisco, é tomar o projeto como um desvio de percurso, um flerte tardio com um modelo mais padronizado de narrativa.
No trailer, a referência é Gênio indomável, e aposto que parte do público sairá do cinema perguntando o que o diretor fez desde aquele filme de 1997 escrito por Matt Damon e Ben Affleck. Gus Van Sant? Quanto tempo!
Mas é apenas uma primeira impressão. Aos poucos, Milk revela um cineasta infinitamente mais maduro e consciente dos próprios métodos que o de Gênio indomável. Adotar uma linguagem acessível, linear e “clássica” é, no caso, uma decisão política.
Tiremos o elefante da sala, então: o longa-metragem (que, agora percebo, não tem chance alguma de ganhar o Oscar de melhor filme) acompanha a trajetória política de Milk durante os anos 1970, dos primeiros comícios (improvisados em caixotes de madeira) ao assassinato, em 1978. Entrecortando a ação, legendas contextualizam as principais manifestações pelos direitos dos gays em São Francisco e há flahses da vida doméstica do político, os amores e os desafetos. O roteiro, escrito por Dustin Lance Black (da série Big love), é narrado em forma de testamento pelo próprio Milk.
Ou seja: eis a estrutura tradicional de uma biopic, daquelas que Milos Forman adoraria dirigir.
O fascinante, no caso, é acompanhar como Van Sant lida com o gênero. Adotar um formato convencional garante a Harvey Milk aquilo que o cineasta toma como uma “imagem digna”. É o retrato de um homem público que lutou pelos direitos de minorias. Nada mais justo que filmá-lo com serenidade, clareza e profundo respeito – e é o que Van Sant faz.
Milk não leva o Oscar por ser um drama em tom menor, sem afetações ou conflitos explosivos entre personagens (não procurem aqui um Oliver Stone). Van Sant adota um clima quase solene, e até a trilha de Danny Elfman evita firulas. A interpretação de Sean Penn segue o mesmo ritmo: os trejeitos e discursos não transformam Milk num símbolo frio, mas ressaltam os instantes de fragilidade, de incerteza. Penn escapa da arapuca do one-man-show com bastante elegância – não defende um mártir, mas um homem comum que se faz agente de uma época de transformações.
Perceber como Van Sant altera sutilmente o padrão de uma cinebiografia renderia textos mais interessantes e longos que este. Adianto que, na confusão de imagems documentais com a ficção (e na inserção de slogans e fotografias como parte da narrativa), o diretor faz uma versão light para as experiências de Paranoid Park. E o clímax é filmado exatamente como a cena do massacre de Elefante. É o mesmo movimento de câmera (a fotografia de Harris Savides, aliás, é de emocionar), mas com um efeito diferente. Em vez do choque, o tributo.
Não é o filme do Gus Van Sant radicalmente inventivo com quem nos acostumamos desde Gerry. Mas, mesmo obrigado a negociar com expectativas dos produtores de Beleza americana, o cineasta consegue fazer de Milk um projeto pessoal capaz de canalizar todo o sentimento de mudança da América de 2008. Perto dos longas anteriores, é pequeno. Mas não se trata de um filme simples, muito menos raso, apesar das aparências.
2 ou 3 parágrafos | Operação Valquíria
Um amigo meu diz que, só de ver a imagem de um Tom Cruise de tapa-olho no trailer de Operação Valquíria (4.5/10), prende o riso. Pois tenho certeza de que, se Bryan Singer tivesse filmado esta trama com as liberdades de quem narra uma adaptação de quadrinhos, o resultado teria saído completamente infiel aos “fatos reais” e infinitamente mais solto e fluente que isto aqui.
É o projeto mais sisudo da carreira de Singer, e aquele em que discursa frontalmente sobre um tema que explorou com mais sutileza em O aprendiz e X-Men: os traumas do nazismo. Talvez fascinado pelo personagem principal – um oficial que lidera uma conspiração contra Hitler -, o diretor mantém este herói numa redoma enquanto narra em detalhes as situações que teriam levado ao fracasso de um plano bastante engenhoso. Nos momentos mais enfadonhos, lembra Munique, outro thriller em que o relato da ação conta mais que a reflexão em si.
Não vejo em Singer um diretor incapaz de conduzir uma narrativa clássica e controlada – só acontece que os aspectos mais curiosos do longa nunca se resolvem: como transformar uma celebridade de Hollywood num oficial alemão? Como aliar entretenimento e resgate histórico? Nas mãos de Paul Verhoeven, teria sido um estouro.