Dia: fevereiro 8, 2009

O leitor

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The reader, 2008. De Stephen Daldry. Com Kate Winslet, David Kross e Ralph Fiennes. 124min. 4/10

Li o livro de Bernhard Schlink em três dias. É uma obra de capítulos curtos – quando muito, cinco páginas cada – e frases quase secas. O raciocínio do escritor prima pela clareza: para ele, escrever sobre os filhos alemães da Segunda Guerra Mundial exige precisão. Os sentimentos dos personagens são dúbios – a prosa de Schlink, não.

No último capítulo, o narrador chega a se explicar para quem o lê. Ele quer se livrar da própria história. Em determinado ponto, reconhece que aquelas lembranças poderiam ter sido narradas de outra forma. Mas a versão que sobreviveu foi aquela: sem floreios e peripécias, por isso brutal.

O filme de Stephen Daldry é uma interpretação sentimental para o livro. Com peripécias. E floreios. Até aí, não me incomodo. Nenhuma adaptação cinematográfica tem a obrigação de jurar fidelidade à trama, à atmosfera, aos personagens, às reflexões, ao desfecho (etc) da obra em que se inspira. Geralmente, prefiro as mais infiéis. Mas taí uma tradução que lima praticamente tudo o que me interessa no texto original.

Seria até curioso – se Daldry dialogasse corajosamente com Schlink. Mas ele nem tenta. Como cinema, O leitor nem chega a importar: é excessivamente acadêmico (dá para notar o dedo da Weinstein Co. em cada sequência), uma sucessão de imagens vazias de propósito (e é no mínimo cômico que a fotografia tenha recebido uma indicação ao Oscar), pré-formatadas de acordo com algumas normas de “elegância” herdadas de um, digamos, James Ivory. Um tédio profundo.

O que o filme ressalta (já que não há mais nada a ressaltar) é o texto de David Hare. Na cola do livro, ele sugere alguma discussão moral sobre o papel dos algozes do holocausto. Talvez parte do público se deixe envolver pelo tema, e muita gente sairá satisfeita da sessão. Mas é uma trama que mantém aquilo que existe de mais superficial no livro (a comparação entre o caso de amor entre o menino de 15 anos e uma mulher mais velha e a forma como essa mesma mulher tratava os judeus nos campos de concentração, anos antes) e dilui o eixo da “fábula” de Schlink (o mini-ensaio filosófico sobre culpa).

O narrador do livro entende as diferenças entre o que é certo e o que é errado. Schlink investiga o imenso espaço que separa o que é justo e o que simplesmente existe no mundo – nossas crises morais, contradições.

Daldry ilustra o texto com os recursos sentimentalóides que vimos em As horas: a trilha sonora de David Hare, se não é tão chantagista quanto a de Philip Glass, também massacra a ação. E as idas e vindas no tempo servem apenas para acumular efeitos e preparar o terreno para um clímax redentor (quando, no livro, o encontro entre o narrador e a sobrevivente do holocausto cabe em algumas poucas páginas secas).

Sei que é cruel (e, no fim das contas, impossível, absurdo) comparar a experiência de leitura com o resultado de uma adaptação cinematográfica. No caso, não consigo evitar. Até os detalhes do filme me beliscam: uma trama dedicada tão especificamente à vida na Alemanha (e, até certo ponto, à comunicação via leitura, narração) deveria mesmo ser falada em inglês? E com sotaque britânico (e uma Kate Winslet soterrada por quilos de maquiagem)?

Não sei, provavelmente sim (tudo é possível!, já diria Benjamin Button), mas, de concessão em concessão, de ideia apressada em ideia apressada, o filme de Daldry vai se distanciando do livro de Schlink e virando algo completamente diferente. Uma história de amor proibido, talvez? Os leitores saem ganhando.