Diário de SP | No metrô
1 | Atenção. Não segure as portas. Setenta por cento dos atrasos do metrô são provocados por pessoas que seguram as portas.
2 | O metrô de São Paulo às vezes dá nos nervos, não?
3 | Atenção. Não segure as portas. Setenta por cento dos atrasos do metrô são provocados por pessoas que seguram as portas.
4 | Mas aí ele pára na Estação da Luz e…
…a cidade muda. Dá gosto. O paraíso é aqui. Para este forasteiro, o melhor de São Paulo está nesta foto borrada de telefone celular. Na estação de trem, que me lembra das cinematográficas viagens que eu fazia quando pequeno, no vagão-leito, com pai e mãe, saindo da Central do Brasil. E no contraste entre essa catedral e aqueles prédios mais decadentes, que desabam no fundo da paisagem.
5 | Atenção. Não segure as portas. Setenta por cento dos atrasos do metrô são provocados por pessoas que seguram as portas.
6 | Mas a síntese perfeita da cidade está sob a terra, nos corredores largos do metrô. A cidade treme. Um passo menor que o outro. Para me convencer de que eu estou de férias, experimentei parar diante de uma pilastra e perder o trem. É. Perder o trem. Taí uma ousadia que nenhum paulistano perdoaria. Eu seria excluído do sistema de venda de bilhetes – para sempre, sem retorno, sem perdão. O trem passou e eu fiquei lá, estático, pensando na vida, no leite derramado, nos grilos do quintal, nos galos que cacarejam no prédio ao lado (onde será que eles ficam, na cobertura?).
7 | – alô, quem fala? – é o tiago – ai, desculpa, liguei pro quarto errado.
8 | Atenção. Não segure as portas. Setenta por cento dos atrasos do metrô são provocados por pessoas que seguram as portas.
9 | No Museu da Língua Portuguesa, dois meninos skatistas de cabelos verdes e correntes e botas assistiam à exposição sobre Machado de Assis. Nos filmes de Gus Van Sant, chamariam essa imagem de licença poética.
10 | Por que toda homenagem a Machado de Assis tem que ser forçadamente bem-humorada?
11 | “A obra em si mesma é tudo: se te agradar, fino leitor, pago-me da tarefa; se te não agradar, pago-te com um piparote e adeus” (mas abrir a mostra com esse trecho de Memórias póstumas de Brás Cubas é um achado – meio óbvio, mas um achado).
12 | Vi o meu primeiro filme da Mostra de SP. Que é…
Mil anos de orações | Wayne Wang | *
Um filmezinho singelo sobre um simpáico velhinho chinês de férias num daqueles bairros-maquete dos Estados Unidos. As estruturas das casas são tão frágeis quanto a do longa-metragem, um conto de contrastes culturais e conflitos familiares que já vimos, já conhecemos e que investe numa narrativa adoravelzinha, simplezinha, quase anêmica. “Estados Unidos é igual a água fria”, filosofa nosso querido ancião. “Machuca o estômago”, conclui. E é o máximo que consegue Wang, muito adaptado aos humores do governo chinês, em matéria de comentário social.
13 | Atenção. Não segure as portas. Setenta por cento dos atrasos do metrô são provocados por pessoas que seguram as portas.
14 | Mas comparado a As duas faces da lei, trata-se de uma pérola do cinema oriental. O filme-evento promovido por Robert de Niro e Al Pacino nem merece uma foto – é um thriller tão ordinário e tosco quanto aquelas pequeninas academias de ginástica da Rua Augusta. É um espetáculo tão macho e descerebrado que, se pudesse, arrotaria e coçaria os bagos de cinco em cinco minutos. Imagino o que Antônio Abujamra, que assistiu ao filme na mesma sessão, teria a dizer sobre a bagaceira. Deixa um comentário aí, Abu!
15 | No dia mais quente do ano, a bolsa não pára de cair e o Festival de Brasília me apareceu com uma escalação mal-assombrada, de tirar o sono. Só espero que o PCC não se manifeste.
16 | Atenção. Não segure as portas. Setenta por cento dos atrasos do metrô são provocados por pessoas que seguram as portas.
17 | Sinto saudades da minha namorada – mas talvez a recíproca não seja verdadeira.
18 | “Minha mãe me parecia horrendamente conformista e irrecuperavelmente obcecada com o dinheiro e as aparências; meu pai me parecia alérgico a qualquer tipo de diversão. Eu não queria as mesmas coisas que eles. Eu não dava valor ao que eles valorizavam. E estávamos todos igualmente infelizes naquele carrossel, e éramos todos igualmente incapazes de explicar o que acontecera conosco” (A zona do desconforto, Jonathan Franzen, página 35).
19 | E aqui, por hoje, seguro a porta.
outubro 16, 2008 às 5:03 am
Amo a Luz, um dos poucos lugares do Centro a que me gusta voltar. Mas… e essa obsessão pelo Museu da Língua? Toda vez que vem pra cidade você acaba indo parar lá!
E as academias vagabundas da Augusta são tão baratas (e têm o básico: equipamentos para exercícios aeróbicos, musculação…) que é bem difícil conseguir vagas.
outubro 16, 2008 às 11:10 am
Exagero, Diego. É a segunda vez que vou ao museu. E eu não tinha visto essa exposição do Machado (superior a todas as que estão na Pinacoteca, por exemplo).
As academias de Brasília são caras, mas sempre tem vaga.