Diário de SP | Liberdade

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1 | Garanto que nada foi programado, mas esta viagem a São Paulo virou uma espécie de greatest hits, de compacto dos melhores momentos, de compilação sentimental, de reencontro forçado e desesperado com os cantos favoritos de uma cidade que, apesar de conhecer como o dedão do meu pé (não tão bem, mas o identificaria num close), passei a rejeitar talvez por uma questão de orgulho ferido. São Paulo não me quer, vocês sabem, mas cá estou, camuflado na multidão. Passei quatro dias em uma missão de reconhecimento. Que termina agora.

2 | Última estação: Liberdade.

3 | Lembro que há mais ou menos cinco anos, quando eu era um adulto que se sentia recém-nascido, vim de férias a São Paulo. Sozinho, depois de passar uma temporada curta no Rio de Janeiro. Os dias na casa do meu pai foram, no mínimo, cansativos (como sempre são). Imaginei que meu descanso começaria de verdade quando eu desembarcasse em São Paulo. Acabei esmagado no mesmo hotel-duas-estrelas onde estou neste exato momento, entre putas e marombados, mendigos e a banca Princesinha. Onde a Rua Augusta faz a curva. 

Me restava uma semana de viagem e, lançado numa cidade desconhecida e aparentemente hostil, me descobri numa situação inédita: eu me sentia imóvel, paralisado no quarto, sem coragem de fazer o percurso entre a cama e o banheiro. Da janela eu via apenas uma série de outras janelas, linhas verticais e horizontais de janelas e outras janelas. Quando cometi a ousadia de enfrentar a portaria, quase fui atropelado por um motoboy. O primeiro dia passou assim, nessa síndrome de não sei que nome.

Decidi que trocaria minha passagem no dia seguinte. Eu estava numa fase complicada da vida, desastradamente apaixonado por uma mulher que não queria saber tanto assim de mim (pelo menos não naquele momento já que, segundo ela, sofríamos da crise de timing, habitávamos mundos diferentes etc), e tudo o que eu queria era voltar para casa. As férias tinham perdido a graça. Eu queria voltar para casa. Estava tudo perdido quando uma amiga que morava na Aclimação me convidou para um passeio num bairro ‘fantástico, você vai ver’. No meio da tarde, lá estava eu na Liberdade.

Conheci as ruas estreitas de decoração avermelhada, os restaurantes de teto baixo, a varanda temática do McDonald’s e todos os detalhes a que os turistas têm direito. A partir dali, minha relação com a cidade sofreria uma transformação. Era como se, com alguma noção das linhas de metrô, eu estivesse apto a dominar o ambiente. A sair da caverna com meu tacape. A explorar. Curioso que esse estalo tenha ocorrido exatamente num lugar chamado Liberdade. Mais curioso ainda que eu tenha parado lá hoje, no início da tarde, pronto a refazer aquele percurso de cinco anos atrás.

Foi o que fiz. Comprei até um saco de balas de lichia e um picolé de melão – e tomei um sundae no McDonald’s (um batalhão inimigo que costuma bombardear cruelmente meu intestino). Terminei a tarde livre de algumas lembranças que me afastam desta cidade e pronto para encontrá-la novamente, do zero. Antes de entrar na estação de metrô, caiu uma chuva fina que (coincidentemente) talvez tenha sido a mesma que caiu naquela tarde de um outro dia do mês de outubro. Ninguém viu, ninguém quis saber. Quando passei pela ponte onde se aglomeram os vendedores de DVDs pirata, fiz as pazes com São Paulo. 

4 | Mas isso não é nada importante.

5 | Ao que interessa: a Mostra de SP começa amanhã. Será um dia corrido. Provavelmente só conseguirei atualizar o blog sábado, e mesmo assim com notas mais curtas que estas aqui. O detalhe é que, pelo menos para mim, a mostra já começou. E meu segundo filme foi…

Um homem bom | Vicente Amorim | *

O primeiro projeto internacional do diretor de O caminho das nuvens é um drama de época falado em inglês sobre um professor íntegro e responsável que, ao sabor das circunstâncias, é promovido a oficial nazista. Nas quase duas horas de filme, o que vemos é um herói desnorteado, sem a noção do tamanho da tragédia em que está metido. É um perfil psicológico sobre alienação e responsabilidade moral que depende muito da perfornamance de Viggo Mortensen (correta, não mais que isso). Só que isso é o que está no papel – na prática, o filme demonstra um esforço colossal para justificar a ignorância de um protagonista, no mínimo, inconsistente.

Quero muito saber como o filme será recebido na Alemanha, onde nazismo ainda é tratado com o devido maniqueísmo. O que mais me incomodou foi o formato da narrativa – polido, conservador. Como conversei com o Diego ao fim da sessão, filmes quadradinhos me entediam em quase tudo (prefiro assistir a um longa desastrado, mas corajoso, que esse tipo de produção by-the-numbers – e, nesse ponto, a culpa é mais minha que dos filmes). Difícil negar que Amorim tenha feito um trabalho competente. Mas é uma competência definida a partir de alguns padrões que pertencem mais ao universo dos telefilmes que ao de filmes que ousam fugir do riscado.

6 | Daí que, agorinha mesmo, revi Canções de amor e o musical melhorou incrivelmente. É quase como comparar tomates com batatas, é com as arestas do filme de Honoré que eu fico. Até a trilha, que soou raquítica numa primeira sessão, ganhou corpo e saltou da tela. Sabe-se lá como, mas a quadrilha de Drummond foi evocada e traduzida à perfeição por um DJ francês dos nossos tempos. Prometo rever Em Paris assim que eu tiver algum tempo.

7 | Cinéfilos se olham com desconfiança. O que há de errado com eles?

8 | (Atualização, sexta pela manhã) E chega de frescurada. No show do Mudhoney ontem à noite, na Clash, bati cabeça, entrei na roda de pogo e quase fui hospitalizado depois de partir para a porrada (saudável) com uns moleques vestidos com camisa de flanela. Me senti com 13 anos de idade num porão em Seattle (e essa foto toda retorcida aí em cima explica meu estado de espírito).

Mas, apesar do clima de clube dos cafajestes, não foi um showzão. Não foi uma tempestade de emoções. Não foi uma farra no túnel do tempo. Não. Foi até um tanto decepcionante, já que o som baixo (um problema que não assola apenas as casas de Brasília) limou mais ou menos 60% da potência da performance. Para vocês terem uma idéia, a passagem da banda na arena do Porão do Rock, ano passado, foi bem mais barulhenta e virulenta (e eles costumam render mais em espaços pequenos e fechados). As músicas do disco novo não me entusiasmaram, mas prometo ouvi-lo com carinho. Emocionante mesmo foi ver o MQN tocando uma cover do Mudhoney diante da própria banda, que assistia ao espetáculo ao lado do palco. Pagou o ingresso.

7 comentários em “Diário de SP | Liberdade

    Iuri disse:
    outubro 17, 2008 às 12:08 am

    E a minha viagem frustrada a São Paulo foi menos frustrante também graças à Liberdade. A mesma pontezinha descrita pelo senhor foi o palco de onde presenciamos um eclipse no fim de tarde, por cima daquela avenida assustadoramente movimentada, logo abaixo ao bairro tão movimentado e tão calmo. E ainda tenho um pacote de balas de lichia e um de doce de leite! tentações

    Tiago respondido:
    outubro 18, 2008 às 12:58 am

    Eu ia comprar a de doce de leite, mas ia ser um exagero.

    Érico disse:
    outubro 18, 2008 às 4:31 am

    Pô Diego, não tirou nenhuma foto com o Tiago? Há 4 anos já e a única coisa que eu vi dele é aquela foto meio de lado!

    Diego disse:
    outubro 18, 2008 às 11:55 am

    Tá louco, Érico? Você tá entre meus amigos do Orkut, pode fuçar no meu álbum.

    Tiago respondido:
    outubro 18, 2008 às 1:40 pm

    Que mané foto.

    Érico disse:
    outubro 18, 2008 às 2:35 pm

    Pq, por acaso tem alguma foto dele lá? Se tem eu não sei.

    Ah, sei lá Tiago, admito que tenho curiosidade com isso, mas também não gosto de ser fotografado.

    Lembro na época antes do Orkut, eu ficava intrigado “como será o Ruy?”, “e o Furtado?”. Depois tudo fez sentido.

    Tiago respondido:
    outubro 19, 2008 às 11:11 am

    No caso não vai fazer sentido algum.

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