Dia: outubro 29, 2008
Pensamento positivo
Minha namorada diz que sou a Clarah Averbuck de bermudas.
Estou tentando tomar isso como um elogio.
O neto pródigo
Enquanto procuro um imóvel para chamar de meu, estou hospedado no apartamento da minha avó. Devo passar uns dois meses por aqui, com todas as mordomias a que um neto tem direito.
O que seria uma experiência fantástica – se eu tivesse nove anos de idade.
O apartamento é o mesmo em que morei quando vim do Rio de Janeiro para Brasília, no início da adolescência. Meu quarto está quase igual ao que era. Os móveis, tudo. Só fiz questão de dar um sumiço no quadro com o desenho do burro lilás, que ficava pendurado próximo à porta. Quero deixar claro, talvez para mim mesmo, que finalmente cresci.
Mas às vezes desconfio disso. E minha avó, simpática e dedicada como todas as avós, está sempre pronta a me convencer de que ainda tenho sim, claro, como não?, nove anos de idade. Por aqui sou um neto e netos aparentemente nunca crescem.
Hoje tomei um susto quando ela empurrou a porta do meu quarto às sete horas da manhã com uma jarra de suco de laranja na mão. A avó, coitada, setenta e tantos anos, coluna envergada, se equilibrando com a jarra enquanto o netinho dorminhoco se espreguiçava todo torto, suado, babando, quase pelado e desejeitado aos gemidos de ‘não, não, tá cedo, me deixa dormir, tô de férias, ahn, não, poxa’.
O episódio de sitcom não estava no meu script, por isso senti vergonha. Um desjejum no mínimo cômico para um cidadão que saiu de casa em busca de independência, pronto para aceitar os riscos e as vantagens da idade adulta, um super-herói urbano. No que deu? Acabei aqui, no meu antigo quarto, com uma jarra de suco de laranja preparada especialmente para mim. Não é engraçado?
Para mim, é mais que isso: é um salto na máquina do tempo. Num dos quartos, minha avó mantém uma espécie de museu de família, com fotos antigas e objetos que, daqui a alguns poucos anos, valerão uma fortuna. Perdi quase uma hora redescobrindo todos aqueles penduricalhos, aquelas imagens de uma época que me parece cada vez mais distante. Eu aos dois anos de idade, fazendo careta para a lente. Eu com meus primos na escada do zoológico, fazendo careta. Eu vestido de palhaço num concurso de fantasia, fazendo careta. Eu na minha primeira comunhão, fazendo careta (uma prova de que nunca levei nada a sério).
Enjoei das minhas poses infantis e, exausto, tombei na máquina de costura quase centenária. Derrubei cinco ursos de pelúcia que provavelmente teriam idade para integrar a comissão que elege o melhor filme estrangeiro no Oscar. É um apartamento habitado pelo passado, pensei. Há fantasmas em todo canto. As crianças que estavam em mim, na minha irmã, nos meus primos. Meu avô (que morreu), meu tio (que morreu), todos os carnavais (que morreram).
Quando saio, minha avó de telenovela, de telefilme americano, de anúncio de margarina, de cartão-postal pede para que Deus me guarde e me acompanhe. Avisa para que eu tome cuidado com os carros e que vista um agasalho se fizer frio. Agradeço a preocupação com o sorriso encabulado dos meninos que se incomodam quando os pais os buscam no colégio. Quem diria: igualzinho a quando eu tinha nove anos de idade.
Enquanto isso em Dubai
O bom de Dubai é que aqui não tem deputado, não tem senador, não tem nada disso. Só tem o sheik, e o sheik manda em tudo. Mas ele só manda coisa boa. Só coisa boa pro povo. O Brasil devia fazer igual.
Ainda não entendo como minha avó, uma velhinha tão sensata (dia desses ela confessou ser contra a pena de morte!), consegue gostar tanto da Hebe Camargo.