Dia: outubro 18, 2008

Diário de SP | Na Mostra

Postado em

1 | Chove em São Paulo.

2 | O público da Mostra de São Paulo renderia um post muito engraçadinho (principalmente a galera que, na fila de um filme dos Dardenne, faz graça com narrativas lentas de planos longos e cenas intermináveis etc), mas não vou escrevê-lo. Deixa quieto.

3 | Concordo com quem diz que a Mostra está um tanto capenga (foi uma dificuldade montar uma programação que não incluísse aqueles filmes que vemos para preencher buracos entre um horário e outro). Mas discordo dos que, contrários aos cinéfilos enlouquecidos por novidades (que cinéfilo não é?), saem por aí resmungando que só vão ver “Bergman e Berlin Alexanderplatz“. Aposto que, em seis meses, a Versátil lança tudo isso em DVD.

4 | Agora sou eu quem está resmungando, há! Vamos aos filmes, então (com comentários curtos e desimportantes, como era de se esperar, não dá para tirar muitas conclusões sensatas em meio a esta correria).

5 | A fronteira da alvorada | Philippe Garrel | ***

Tão próximo e tão distante de Amantes constantes, é um filme bem menos grandioso, mas igualmente fantasmagórico, doente de amor. A metade final, quase um filme de horror, é tudo o que eu não esperaria de um longa que começa no confinamento de um romance como outro qualquer. Fico com a impressão de que Garrel queria exatamente isto: dar à narrativa a aparência de uma onda mansa que quebra e se transforma em outra onda mansa, que leva os personagens de um caso amoroso a outro até finalmente se desfazer na areia. E é um século 21 em preto-e-branco, habitado por casais que trocam cartas e tomado pela suspeita de que 1968 ainda não terminou.

6 | Liverpool | Lisandro Alonso | **

Para mim, não foi um caso de “ame ou odeie”. Bateu simpatia, pode ser? Se o argumento de que Lisandro Alonso (cuja obra, até agora, eu desconhecia) despreza o componente humano em prol de paisagens e objetos já me parecia meio frágil, ele se esfarelou no ar após a sessão. É apenas uma longa caminhada em silêncio ao lado de um homem, não mais, filmada com alguns maneirismos que incomodam o cinéfilo e um detalhismo obsessivo que irritará o restante do público. Talvez a culpa tenha sido do meu estado de espírito durante a sessão, mas não consegui ver nada de ordinário ou de falso nas imagens de Alonso – na verdade, comprei um pacote econômico para a aventura, sem me livrar de alguma desconfiança, mas sem rejeitar o ritmo do diretor.

7 | O silêncio de Lorna | Jean Pierre e Luc Dardenne | **

Curioso (e até engraçado) que tenha vencido o prêmio de melhor roteiro em Cannes: é o primeiro filme em que os Dardenne abusam de artifícios de texto para conduzir os personagens dentro da trama. Quase sem ar (e sem câmeras coladas na nuca), a narrativa não acompanha a protagonista (como faz Alonso em Liverpool), mas a empurra – e, nesse sentido, é um longa que se mostra ainda mais decepcionante para quem, como eu, viu Rosetta há apenas algumas semanas. As discussões morais aparecem de forma explícita, quase emburrecedora, e o que sobrevive a essa fase mais “acessível” (no pior uso da palavra) dos cineastas é o retrato ainda bastante carinhoso de uma mulher em perigo – e, sim, o olhar muito atento para uma Europa de fugitivos, em profunda crise de identidade.

8 | Tulpan | Sergei Dvortsevoy | **  

O vencedor da mostra Un certain regard, em Cannes, nos convida para entrar numa comunidade nômade do Cazaquistão. Como em Mutum, o espectador é que deve se adaptar lentamente a uma realidade que não conhece – é um filme que cresce muito quando se atém à observação dos hábitos dos personagens (e eles também não são tratados como um catálogo de fotografias exóticas, mas como uma família que poderia existir em qualquer outro canto do planeta). Mas, nos momentos mais extravagantes, fica parecendo um cruzamento insuportável de Kusturica com Discovery Channel.

9 | Terra vermelha | Marco Bechis | *

O estudo das relações entre índios e brancos no Brasil é urgente e forte – o filme, nem tanto. Se o diretor parece muito à vontade diante dos índios (e não lembro de outro longa de ficção que retrate com essa liberdade as comunidades indígenas brasileiras no tempo presente), não sabe o que fazer com os brancos – são meras caricaturas. O impasse entre um lado e outro do conflito é exposto da forma mais professoral possível – em diálogos que soam como discursos, em excesso de situações-limite que impedem uma aproximação do público com os personagens, tratados mais como símbolos para uma crise social que como seres humanos. É o típico filme-denúncia que, se exibido no Festival de Brasília, ganharia todos os prêmios. 

10 | Vou indo.