Dia: outubro 28, 2008
Cardinology | Ryan Adams & The Cardinals
Pode ser que eu esteja mesmo na contramão do bom senso – mas, ao contrário dos que festejam o Ryan Adams comedido, comportado e despretensioso da fase iniciada com Easy tiger (2007), estou com os que sentem falta da época em que o rapaz lançava três discos por ano (entre eles, um álbum duplo) e, com o ego infladíssimo, mandava os detratores catar coquinhos.
É o preço que se paga por trabalhar demais.
Hoje dizem que Ryan é um homem pleno, na idade da sensatez. O atestado mais redondinho deste período é Cardinology, um disco gravado sob medida para quem sempre detestou Ryan Adams. Seqüência cartesiana para Easy tiger, trata-se de um álbum de classic rock sóbrio e esforçado, quase tímido, sem o senso de humor que arejou delírios como Gold (ode monumental a Rolling Stones e Neil Young) e Rock ‘n’ roll (uma espécie de paródia do hard rock radiofônico).
Há quem diga que está entre os melhores de Ryan. Por aqui, a sensação é de que dilui o melhor de Ryan num sanduíche para consumo acelerado. As quatro primeiras faixas reduzem a carreira do compositor aos elementos básicos: Born into a light é a homenagem a Grateful Dead, Go easy nos lembra das influências de country rock, Fix it é a baladona de arena com um quê de U2 e Coldplay e Magick prova que Ryan não desistiu de brincar com referências de garage rock. Tudo muito simples, didático, a+b=c.
Apesar do comodismo quase irritante (e, para quem conhece a carreira do moço, impossível ouvir o álbum sem levantar suspeitas de auto-ironia), Cardinology é sim fluente e agradável, um disco que se escuta de uma vez só com prazer – sem gorduras, sem excessos, como se o produtor da Sheryl Crow tivesse podado um conjunto de 150 canções gravadas pelo músico entre 2007 e 2008. Faixas como Natural ghost e Cobwebs poderiam estar num álbum do Whiskeytown, a antiga (e excepecional) banda do cantor.
Mesmo nos dias mais preguiçosos, Ryan nunca nos decepciona: é um operário do refrão fácil, que sabe se divertir com símbolos da história do pop. Mas, com todos os elogios que anda recebendo da crítica, a tendência é que Cardinology faça com que ele se esparrame ainda mais na condição de um talentoso compositor de soft rock para quarentões. Algo que faz bem – mas é tudo?
Décimo álbum de Ryan Adams. 12 faixas, com produção de Tom Schick. Lost Highway. **
Voltamos a apresentar
Depois de uma temporada em São Paulo, a cidade das filas e dos engarrafamentos, retornar a Brasília numa manhã de segunda-feira deixa a impressão de que a vida numa maquete pode sim, em alguns momentos, a depender do referencial, ser até bastante tranqüila. Quase agradável.
Por exemplo: aqui também estamos todos tostando sob um sol apocalíptico, mas somos convidados a refletir sobre o calor enquanto cruzamos o Eixão amplo, vazio, habitável. Podemos tecer teses, filosofar em silêncio, prever cenários, arriscar estatísticas. O calor, o aquecimento global, o inchaço urbano, o colapso de todas as estruturas.
Em São Paulo, nem há clima para isso. No máximo, corremos para o espaço refrigerado mais próximo enquanto desviamos da multidão, fulos da vida. Nada muito romântico. Na capital levamos o dia-a-dia de uma outra forma, tomamos fôlego – e ainda não entendo por que os grandes intelectuais do Brasil saem da USP e não da UnB.
Passei o dia em meio às caixas de papelão que contêm toda a minha vida minúscula, consumista e, por fim, insignificante. Os CDs, os livros e os DVDs – tudo o que tenho, basicamente. No meu novo quarto, ordenei meus objetos de uma forma desleixada, desapegada, acelerada, talvez na tentativa de fugir da experiência da mudança, tratá-la como bobagem. Não funcionou. Da janela do prédio, tudo o que ouvi foi o ruído de algumas criancinhas que jogavam queimada no playground. Um silêncio. Um silêncio quase infernal.
Brasília às vezes cobra respostas, atiça o desespero. Fica parada com a mão no queixo, silenciosamente à espera de uma crise existencial qualquer. A minha: a idéia de mudar de casa, um movimento que parecia tão simples, provocou uma tarde de tristeza, de saudade. Não estou de manha, já que encarei o processo com dignidade, sem chiliques. Longe da minha família, com quem vivi durante 29 anos, me senti condenado à condição de eterno visitante – e, sublinhem o ridículo da situação, por enquanto estou hospedado no apartamento que conheço há 17 anos. Aposto que, mesmo quando eu me enclausurar numa quitinete, ainda pensarei assim: serei um mero convidado, fora do ninho.
Mas, com o tempo, quem não se acostuma? Com um pouco de barulho nas ruas, provavelmente eu nem estaria preocupado com isso. Só que estou em Brasília – e isso às vezes faz toda a diferença.