Yo La Tengo

Superoito express (13)

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girls

Em diferentes sabores e formatos.

Album | Girls | 8.5 | …Que, se fosse um filme, ganharia um título picareta em português, do estilo ‘Retratos de uma vida’. A estreia do Girls é direta e franca, mas acaba soando muito ambiciosa pelo esco do projeto: trata-se de um intenso álbum de fotografias que, em grande parte, exorciza sentimentos adolescentes (rejeição, frustrações amorosas, insegurança, uma aflição sexual meio destrambelhada e garotas, garotas, garotas). Conhecer a história de Christopher Owens — que forma o duo com JR White — não é necessário para gostar de uma banda que parece resumir o que há de especial em alguns dos nossos ídolos (de Elvis Costello aos primeiros discos do Sonic Youth). Mas saber que Owens passou a infância e boa parte da adolescência adestrado pelos dogmas do culto radical Children of God preenche as lacunas de canções como Lust for life e Hellhole ratrace, que tratam o rock como uma espécie de válvula de escape para as dores do mundo. Pura catarse. E soam verdadeiramente sinceras. Um dos álbuns mais emocionantes do ano, fácil.

Popular songs | Yo La Tengo | 7 | Mais um capítulo da tranquila maturidade do Yo La Tengo. E, se isso soa entediante (em alguns momentos, não há outra forma de definir um estilo que parece mesmo estagnado), é interessante como a banda consegue convencer mesmo quando explora velhos truques. A primeira parte do disco (que vai até a faixa 9) é de uma segurança matadora: como se o trio compusesse novos standards para o lo-fi dos anos 1990 (Nothing to hide é perfeita para quem gostou dos discos mais recentes do Dinosaur Jr). A segunda metade, mais experimental, não soa tão memorável, ainda que mostre uma banda sem freios (e isso, nessa altura, é pra lá de bom).

See mystery lights | YACHT | 7 | A partir do momento em que nos convencemos de que não é um novo disco do LCD Soundsystem, tudo termina bem (e The afterlife é uma delícia).

JJ nº 2 | JJ | 6.5 | Eurotrip exótica que dá água na boca de indie americano. Armadilha pra turista. Mas a paródia de 50 Cent (Ecstasy) é uma graça.

Heartbeat radio | Sondre Lerche | 6 | Um disquinho bonitinho, agradavelzinho, extremamente previsível e limitado (quase um Ron Sexsmith) e… Bonitinho e agradavelzinho.

The blueprint 3 | Jay-Z | 5.5 | Mais um capítulo da entediante maturidade de Jay-Z. Nesta altura, está claro que ele deve dedicar-se a histórias que não são necessariamente dele (como no álbum American gangster, que era jóia) e parar de acreditar que existe interesse no cotidiano de um rapper milionário e ególatra (e sério, quem se importa com a “morte do auto-tune”?). Ainda assim, nem tudo é Big Brother (e o bagaço dos Neptunes e do Timbalandem algum sabor).

Love 2 | Air | 5 | Só não é uma total decepção porque o Air ainda tenta encontrar formas de sabotar uma sonoridade que virou grife cedo demais. Mesmo com toda boa vontade do mundo, porém, não dá para negar que é um dos discos mais fracos da banda (talvez o mais fraco, já que soa como decalque, diluição de estilo). E me espanto quando noto que toda a reputação do duo se sustenta num só álbum (o excelente Moon safari), numa coletânea de singles (Premiers sympthomes) e em alguns momentos da trilha de As virgens suicidas. Os outros quatro discos não sabem para onde ir – este aqui segue a tradição.

50 discos para uma década (parte 2)

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Continuando a saga…

montreal

40. Hissing fauna, are you the destroyer? – Of Montreal (2007)

O oitavo álbum do Of Montreal soa como uma anomalia — para a banda, no underground desde 1996, e para o indie rock americano da geração 2000, que encontrou um ídolo ambíguo onde menos esperava. Mas, acima de tudo, o disco conta uma história extraordinária: depois de uma década inteira de psicodelia, Kevin Barnes chegou ao topo exatamente num dos momentos mais trágicos da vida. Transformar os dramas pessoais num cabaré multicolorido e afetado é, sim, um tipo de arte.

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39. Fever to tell – Yeah Yeah Yeahs (2003)

A estreia do Yeah Yeah Yeahs pode ter decepcionado quem esperava a crueza do primeiro EP — ainda, na onda pós-punk do início da década, poucos outros discos soaram tão ásperos —, mas já deixava clara a inclinação pop do trio, que (ironicamente) acabou fazendo sucesso com a faixa mais delicada do álbum (Maps). Apesar das mutações que viriam a seguir, ainda soa como a síntese das ambições da banda: o diabo na carne de Karen O.

pornographers

38. Twin cinema – The New Pornographers (2005)

Culpem o Canadá: o “novo rock” viu uma interessantíssima queda de braço entre Nova York e Vancouver, sem vencedores. A liga dos super-heróis canadense atendeu por New Pornographers, uma superbanda de power pop liderada por Carl Newman e fortalecida pelos golpes de Neko Case e Dan Bejar. Qualquer disco vale a pena, mas em Twin cinema a coletividade fala mais alto. E são tantas as pérolas que fica difícil escolher uma (The bleeding heart show?).

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37. The Marshall Mathers LP – Eminem (2000)

Por alguns minutos, esqueça o Eminem entediado e oportunista que você conhece desde meados de 2005. No início da década, o rapper soava como um Andy Kaufman do hip hop (ou um Sacha Baron Cohen pré-Brüno). Depois de criar um curto-circuito entre a própria biografia e a ficção mais doentia (nessa brincadeira, acbaou processado pela própria mãe). O tempo maltratou Eminem, mas The Marshall Mathers LP fica: é um slasher movie narrado em primeira pessoa, hilariante e perturbador.

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36. The woods – Sleater-Kinney (2005)

Um dos discos subestimados da década merece ser redescoberto o quanto antes: o canto de cisne do Sleater-Kinney é um cataclisma — e, de bônus, contém um dos grandes trabalhos de Dave Fridmann na produção (antes de diluir os próprios truques no disquinho superestimado do MGMT). O trio trata as influências de rock clássico com a falta de cerimônias com que encarava o punk rock. O resultado é tão furioso quanto enxuto: nenhum ruído é usado em vão — e haja ruído.

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35. And then nothing turned itself inside-out – Yo La Tengo (2000)

Os discos mais acessíveis do Yo La Tengo são os mais diversificados, que soam como coletâneas de rock psicodélico do final dos anos 60. Não é o caso desta pequena e silenciosa obra-prima. que parece ter sido gravada à meia-luz numa noite de inverno. Uma coleção de baladas sobre amor e casamento, trata-se de um dos álbuns mais maduros e delicados gravados por uma banda de indie rock. Provavelmente soou como uma surpresa até para o próprio trio, que não fez nada igual depois.

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34. Nixon – Lambchop (2000)

Quem tratava o Lambchop como uma banda de country alternativo foi obrigado a rever os conceitos depois de ouvir este Nixon, um álbum de soul music made in Nashville. Com arranjos cuidadosos de cordas e melodias etéreas que remetem a Van Dyke Parks, a banda cria sinfonias que revelam novos detalhes a cada audição. O clímax vem precocemente, com o coro gospel de Up with people — mas a maior revelação do disco é a voz de Kurt Wagner — o homem em queda.

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33. Give up – The Postal Service (2003)

O único álbum do Postal Service é um acidente brilhante: Ben Gibbard (Death Cab for Cutie) e Jimmy Tamborello (Dntel) trocaram pedaços de canções pelo correio (daí o nome do projeto) e, quase sem querer, criaram um modelo para toda uma nova geração do lo-fi americano. Em tese, parece bobagem (sussurros confessionais sob eletrônica sutil), mas a simplicidade dos arranjos e o clima de intimidade sugerido pelas canções o transformam num disco singular (e um que eu levaria para uma ilha deserta).

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32. Up the bracket – The Libertines (2002)

Preto no branco: este é o álbum britânico mais influente da década. A estreia do Libertines inspirou dezenas de bandas de garage rock, foi usada pela imprensa inglesa como uma espécie de termômetro para novidades e (apesar das semelhanças com os primeiros singles do Strokes, muito notadas à época do lançamento) vale como lembrança de que a banda de Londres já soou verdadeiramente como um quarteto. Dos grandes.

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31. Silent shout – The Knife (2006)

Há arrepios no terceiro álbum do Portishead, mas o trem-fantasma mais eficiente da década é este “disco de horror” da dupla sueca The Knife. Com vocais distorcidos que se aproximam do grotesco, Karin Drejer Andersson (Fever Ray) e Olof Dreijer fizeram um disco que explora ambiente sombrios e surrealistas como uma versão dark para Alice no país das maravilhas. Ame-o ou deixe-o, mas é complicado negar a sensação de estranheza que ele provoca.

Dark was the night | Vários Artistas

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darknightcapaNão é que eu tenha problemas com coletâneas, mas veja o caso de Dark was the night. Nem sei por onde começar, sério.

O álbum duplo, lançado com a Red Hot Organization (que arrecada fundos em benefício dos portadores do HIV, e está por trás de discos como No alternative e Red Hot and Blue), tem 31 faixas, dura mais que muito longa-metragem e funciona praticamente como um yearbook para ídolos da comunidade indie (classe de 2007/2008, com paraninfos e agregados).

Quer dizer, Deerhoof ficou de fora. Mas eles não contam exatamente como ídolos, contam?

No mais, a turma está reunida: produzido por Aaron e Bryce Dessner (do The National), o álbum reúne canções exclusivas (entre inéditas e covers) de bandas como Arcade Fire, Spoon, Antony and the Johnsons, Grizzly Bear, Andrew Bird, The New Pornographers, My Morning Jacket, Cat Power. O set é tão diversificado (dentro dos limites do indie, claro) que praticamente todo leitor da Pitchfork vai querer uma cópia do disquinho.

Dá para forçar a barra e identificar uma atmosfera de melancolia em torno da maior parte das faixas – e algumas delas, como You are the blood (Sufjan Stevens) e Stolen houses (Iron and Wine) vão direto ao tema. Mas é um projeto abrangente demais para caber numa síntese (que o próprio título sugere).

Como de costume, há opções meio duvidosas. Conor Oberst, por exemplo, presta reverências ao próprio umbigo com uma versão de Lua (se faz acompanhar por Gillian Welch). E o Decemberists extrapola com uma faixa chorosa de oito minutos de duração (Sleepless). Mas são poucos equívocos, e eles quase desaparecem num conjunto bastante forte.

Eu destacaria umas 15 faixas, mas isso não ajudaria ninguém. Sejamos práticos: lá no topo da minha lista de preferidas estão Deep blue sea, do Grizzly Bear (tão boa quanto qualquer uma do disco Yellow house, que é maravilhoso), Knotty pine, com Dirty Projectors e David Byrne (que abre o disco, e não à toa) e You are the blood, que aponta uma direção mais experimental e eletrônica (mas ainda doce) para Sufjan Stevens.

Well-alright, do Spoon, abre o segundo disco e… Se não mereceria entrar no álbum mais recente dele, ainda é Spoon e por isso vale quase a coleânea toda. E, no departamento das covers, é uma delícia a versão do New Pornographers para Hey, snow white, do Destroyer (e a de Antony para I was young when I left home, de Bob Dylan).

Isto é: daqui a 60 anos, quando quiserem resgatar o indie rock do início do século, este álbum aqui servirá como uma introdução bem decente.

Coletânea produzida por Aaron e Bryce Dessner. 31 faixas. 4AD/Red Hot Organization. 8/10