Western moderno

Go-go boots | Drive-by Truckers

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O que faz um bom disco? De vez em quando me flagro inventando dogmas, equações mágicas que me ajudem a responder a pergunta. O que faz um bom disco?

Na minha lista de melhores do ano, percebo que sigo um padrão: prefiro os inventivos aos cuidadosos, os arriscados aos confortáveis, os confessionais aos impessoais, os surpreendentes aos previsíveis, os complicados aos rasteiros, os ambiciosos aos passatempos.

E assim vou levando este blog, apegado à certeza de que existe coerência nas minhas ideias.

Isso até o dia em que, é claro, chega um disco do Drive-by Truckers para bagunçar o Grande Esquema das Coisas.

E taí uma banda de rock que me mostra, de dois em dois anos, que devo ser um sujeito um pouco mais flexível. Que arte não é matemática. E que, antes de enfrentar e catalogar os discos, eu deveria tirar um tempo para experimentá-los.

Dito isso, devo alertá-los que Go-Go boots, o novo disco do Drive-by Truckers, é uma continuação de The big to-do, que eles lançaram no início de 2010. E reprisa um formato que, para a banda, se transformou num porto seguro. A moldura é a mesma. A aquarela também. Há alguma diferença, mas num detalhe ou em outro. Pensem num filme de Woody Allen e não em Stanley Kubrick.

Qualquer álbum do grupo reprova quando submetido ao meu questionário de exigências. Go-go boots não é inventivo, arriscado, confessional, surpreendente, complicado nem muito ambicioso. É, ao contrário disso tudo, um novo capítulo do western moderno que é a discografia dos Truckers.

Antiquado, vocês diriam. Talvez sim. As referências musicais da banda estão, em grande parte, no country rock dos anos 60/70. Eles defendem o vinil e os métodos analógicos de gravação. Têm fé na canção — com verso, refrão e uma longa trama a ser narrada. E amam o Álbum, esse bicho ameaçado de extinção.

Para quem os conhece, o efeito desse método que nunca se altera é a sensação de conforto e familiaridade. Logo na primeira audição, Go-go boots me fisgou sem que eu soubesse por que. Deve ser sido a voz de Mike Cooley, nosso caubói levantando areia no deserto. Ou os versos gentis de Petterson Hood, que não se deixam abrutalhar nem pelas tragédias mais terríveis.

O disco novo segue o projeto do anterior: conta, na maior parte das faixas, histórias de crime e castigo. Mas o conceito não é seguido rigorosamente. Uma das músicas que se destacam — talvez por parecer mais otimista do que todas as outras que eles já gravaram — se chama Everybody needs love. E não soa como uma ironia.

O que se nota no disco é um Patterson Hood trabalhando pesado, criando climas sinistros e narrativas espinhosas (Used to be a cop, sobre um homem que perde tudo, é um roteiro de curta-metragem; Assholes é o lamento cheio de alma que Ryan Adams queria ter escrito) enquanto Cooley e Shonna Tucker preferem apertar o botão do fucking around.

O bom é que, mesmo irresponsável (no bom sentido), Cooley acaba escrevendo algumas das faixas mais fortes do disco — e todas mais para o country do que para o country rock. Pulaski, por exemplo, é um belo conto sobre uma menina interiorana que se frustra e se perde na Califórnia.

Been there, done that.

Esses e outros clichês, lembrem-se, foram quase todos criados pelo próprio Drive-by Tuckers, em discos como Decoration day (2003) e a obra-prima Brighter than creation’s dark (2008), que Hood dedica a John Ford. A banda entende que alguns filmes devem parecer mais monumentais que outros.

Não gosto do termo, mas Go-go boots é o que chamam de “obra menor” (ainda que, com 14 faixas, tenha a dimensão de um longa-metragem). Quase nenhuma faixa se destaca no cenário e as referências de rhythm and blues acabam por se diluir quase que completamente, ainda que o conjunto da obra me pareça de uma dignidade acima de qualquer discussão.

O que acontece? Acredito que, no caso do Drive-by Truckers, o que me atrai é a convicção como a banda defende um ponto de vista. Se esse olhar não muda, por que os discos deveriam soar surpreendentes?

Quando ouço um disco do Drive-by Truckers, deixo meus dogmas de molho. Eles soam como álbuns envelhecidos, irrelevantes no meu Grande Esquema das Coisas, encalhados em lojas de discos decadentes frequentadas por fãs de Grateful Dead e Neil Young. E que, quando na vitrola, produzem ruído macio, acolchoado. Veludo puído. Película riscada. De alguma forma, matam a nossa saudade.

Bons discos também são feitos disso.

Nono disco do Drive-by Truckers.14 faixas, com produção de David Barbe. Lançamento ATO Records. 7/10