Warpaint
Mixtape! | O melhor de novembro
A mixtape de novembro foi criada na base do improviso, do fluxo de consciência. Sabe como? Não defini conceito nem bolei ideias malucas nem saí em busca de uma atmosfera específica para envolver as canções escolhidas para este humilde cdzinho. Ele é o que ele é. Ele é assim e pronto.
Não sei se ele espelha meu temperamento – talvez sim, mas com a mesma intensidade dos anteriores?
Ouvi duas vezes (enquanto lavava as minhas cuecas) e notei algumas características que me surpreenderam. 1) é um cd quase sempre em tom menor, ainda que a primeira parte possa provocar a sensação de que eu estava procurando um foco para a mixtape como quem surfa em estações de rádio até achar um pouso (no caso, o pouso é dolorido, como indica a segunda metade). e 2) existe unidade nessa coletânea, mesmo que você não a perceba de imediato.
É, como de praxe, a melhor mixtape amadora de todos os tempos. Mas, por ter sido gravada de um jeito impulsivo, ela revela algo sobre a minha pessoa que nem eu sei explicar. Tenho quase certeza de que, na faixa de abertura, sou eu falando.
A intenção, no entanto, não era que soasse complexo demais, nem sombrio demais, nem ambicioso demais. É um cd para ser ouvido nos fins de tarde, no último dia de férias, depois de despedidas que apertam o coração ou quando se sente saudade de amigos que estão muito longe. Tem isso: é um disquinho que machuca nos momentos mais dóceis. Cuidado, portanto.
Aos amigos, então: dedico ao Michel e à Alê. Espero que, lá de longe, eles ouçam e gostem (pelo menos um pouco).
Quem está na foto lá de cima é o habitué Kanye West, que gravou o meu disco favorito do mês: My beautiful dark twisted fantasy. Ele aparece na mixtape junto com o comparsa Kid Cudi e uma gangue da responsa: Girls, Jim Noir, Daft Punk, Atlas Sound, Warpaint, Beachwood Sparks (interpretando Sade), Neil Young e Beck com Nigel Godrich (numa faixa do filme Scott Pilgrim contra o mundo).
Estou aqui ouvindo o disco pela terceira vez e pensando: deus, ficou MUITO BOM!
Faça o download aqui (link atualizado).
E, depois de ouvir a mixtape, mande um alô e faça um comentário simpático. Estamos no mesmo barco, não estamos?
The fool | Warpaint
Ouço o primeiro disco do Warpaint e concluo: conheço este som de algum outro lugar. Já estive aqui, neste mundo, muitas vezes.
É uma sensação, não posso negar, de déjà vu. Estas canções me remetem imediatamente ao legado de Joy Division (as melodias são dark e os arranjos, angulosos), ao minimalismo sexy do The XX (a produção é arejada, lacunar), aos momentos mais soturnos do Sleater-Kinney (Emily Kokal canta como quem se recupera de uma cirurgia: expressa dor e cansaço).
Volto ao disco e a impressão permanece: esta banda de Los Angeles, formada por quatro mulheres, parece ter nascido de um caldo grosso – e escuro – produzido com o material genético de outras bandas derivadas do pós-punk e do goth rock do início dos anos 1980. Ouço pela quinta vez e descubro que me viciei nessa substância.
Talvez por isso ele se chame The fool. O tolo, no caso, sou eu.
Ainda não consigo descrever o que tanto me atrai na banda e no disco. E já foram dezenas de audições. Mas consigo afirmar (até porque não há o que fazer, estou apenas sendo sincero) que foram poucos os álbuns de estreantes que, em 2010, me obrigaram a duvidar das primeiras impressões e a quebrar lentamente minhas resistências. Há discos que nos transformam em seres indefesos.
Mas por que isso acontece, no caso? Antes que eu resolva essa pergunta de uma forma prática (apelando para a palavra mistério), vou tentar algumas explicações. A primeira delas é que o Warpaint cita os próprios ídolos elegantemente e, em alguns casos, de uma forma direta. É diferente de copiar sem apontar a fonte.
Um exemplo é Undertow, uma balada com um quê grunge (lembra algo dos primeiros discos do Belly, do Breeders), que parece roubar a atmosfera de Polly, do Nirvana (no refrão), antes de lançar um dos venenos do Warpaint – existe algo íntimo, frágil na interpretação de Emily que nos convence de que ela viveu verdadeiramente o que canta (mais para Elliott Smith do que para Courtney Love). “Qual é o problema? Você se machucou? Abriu os olhos e descobriu que era outra pessoa?”, ela pergunta. E não responde.
Outro exemplo é Baby, que usa um trecho de Long long long, dos Beatles, como uma ‘música incidental’ enquanto a vocalista parece homenagear o tom róseo dos ‘girl groups’ dos anos 60. Entre Beatles e Nirvana (e Joy Division, que paira sobre o disco), o Warpaint vai definindo um território musical onde a matriz melancólica pode se tornar inesperadamente melodiosa (McCartney), áspera (Cobain) e assombrada (Curtis). The fool nos surpreende sem abandonar esse “mundo” que a banda escolheu habitar.
É um disco de apenas nove faixas, produzido para soar uniforme e denso, mas que nunca se repete. Uma audição mais atenta revela diferenças marcantes entre Bees (que se permite sintetizadores, um certo verniz psicodélico, algo dançante) e Composure (que acumula coros infantis e loops robóticos, na linha de In rainbows, do Radiohead) – e, entra uma e outra, o transe que é Shadows, toda enevoada, um passeio numa cidade onde nada acontece.
Quanto mais se visita o território do Warpaint, mais se descobre o que ele tem de especial, de engenhoso, delicado. Digo especial porque, no caso, não dá para chamar de novo. Elas parecem saber disso. Quando opta por mostrar explicitamente de onde veio – e sem véus -, a banda assume um risco: você pode simplesmente desprezá-la como uma derivação de bandas melhores e populares; ou, e recomendo essa opção, você tem todo o direito de tratá-las como quatro mulheres que conhecem e respeitam o chão onde pisam.
Deixam, no fim do disco, uma impressão de franqueza. E não há tolice nisso.
Primeiro disco do Warpaint. Nove faixas, com produção de Tom Biller. Lançamento Rough Trade Records. 8/10
Undertow | Warpaint
Neste clipe, as meninas do Warpaint vão à relva para encontrar lembranças de um tempo que não volta nunca mais. Campo dos sonhos, digamos. A direção é de Shannyn Sossamon. E a música, que está no ótimo The fool, não sai da minha cabeça há mais de uma semana.