Violência

Drops | Mostra de São Paulo (10)

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'Vênus negra', de Abdellatif Kechiche

Copacabana | Marc Fitoussi | 2.5/5 | Babou é uma francesa com jeitinho brasileiro: cordial, otimista, desestressada, espirituosa, com muito jogo de cintura (também um pouquinho de malandragem; ninguém é de ferro) e o desejo quase avassalador de vestir plumas coloridas e cair no samba. O filme vê a personagem como um antídoto ao rigor por vezes sufocante da sociedade francesa – uma conclusão que, para o público brasileiro, pode soar irônica. Por sorte, o “gringo” Fitoussi tem Isabelle Huppert, que carrega uma comédia tão densa quanto um biscoito Globo.

O ultraje | Autoreiji/Outrage | Takeshi Kitano | 3/5 | Pode parecer uma contradição: depois de ter anunciado aposentadoria dos filmes sobre a máfia Yakuza, Kitano nos vem com um thriller que amplifica, agiganta, dá um close desagradável nos lugares-comuns do gênero: o sangue e a fúria. O tiroteio entre gangues rivais se torna tão repetitiva que, em vez da excitação típica de action movies, anestesia os nossos sentidos. Quando expõe exageradamente essa violência mecânica, banalizada da máfia japonesa (que não comove, que perde totalmente o significado e vira cartum), o diretor atira contra o gênero em que o filme supostamente se enquadraria. Mas, apesar de coerente com a fase autocrítica de Kitano, é um filme cujas ideias (sobre o cinema, sobre a máfia) me interessam mais do que a realização em si, que carece de uma artilharia de imagens poderosas.

Vênus negra | Vênus noire | Abdellatif Kechiche | 3.5/5 | Kechiche, o diretor de A esquiva e O segredo do grão, usa cada átomo da narrativa para esfregar nas nossas consciências o martírio da africana Sarah Baartman, exibida como atração circense para os pobres e os nobres ingleses do século 19. Não é, nem deveria ser, um retrato confortável: o cineasta organiza a trama de forma a acentuar, plano a plano, a intensidade do sofrimento da personagem, cujo corpo rechonchudo foi explorado cruelmente a serviço do comércio, do entretenimento, do sexo e, finalmente, da ciência. Os métodos de Kechiche têm um quê de chantagem sentimental (as cenas são estendidas implacavelmente dentro das 2h40 de duração; a câmera, grudada à ação, chega a pingar suor), mas eles se justificam por uma defesa incondicional, ferrenha mesmo, da dignidade humana. Como dizem, o feel-bad movie da Mostra.

Ondulação | Curling | Denis Côté | 1.5/5 | Um drama canadense projetado para preencher requisitos de festivais: paisagens exóticas (confirma!), famílias disfuncionais (confirma!), personagens lacônicos e solitários (confirma!), imagens lentas e silenciosas (confirma!), alguma reflexão sobre a banalização da violência (confirma!), roteiro inconcluso (confirma!), uma linda fotografia (zzzzzzzz).

Vocês todos são capitães | Todos vós sodes capitáns | Oliver Laxe | 3/5 | Como acontece em muitas estreias promissoras, este longa espanhol danta (às vezes sem conseguir) dar forma a um turbilhão de ideias interessantes – no caso, a meio caminho entre a ficção e o documentário. A intenção é das melhores; o resultado, um tanto vago: na trama, um diretor europeu quer fazer um filme “social” sobre crianças de um orfanato do Tânger, mas elas tomam o controle da câmera e obrigam a equipe a tomar um desvio imprevisto. Se Laxe desenvolvesse a narrativa com o mesma gana com que compõe imagens bonitas, estaríamos feitos.

No Twitter | 14-31 de julho

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Uma compilação dos comentários-relâmpago sobre séries e filmes que postei no Twitter recentemente. Em alguns casos, com adjetivos e interjeições que não couberam nos 140 caracteres. Nesta edição, novamente, só filmes (que não ando com paciência pra séries). Com faixas-bônus, como sempre.

Salt | Phillip Noyce | 3/5 | Um bom filme de ação cuja maior esperteza é brincar com a persona mutante da Angelina Jolie. Não imagino outra atriz nesse papel. Mas pena que não chamaram Brian de Palma para ciceronear a moça.

!!! Kinatay | Brillante Mendoza | 4/5 | Uma câmera destemida, que não se esconde de nada, mas nunca inconsequente: a todo momento, Mendoza questiona as escolhas do personagem principal (um rapaz “inocente” que se torna cúmplice de um assassinato) e divide com o espectador a sensação de mal-estar provocada por atos de violência. Uma viagem ao inferno da alma, acima de tudo.

!!! Pom Poko (1994) | Isao Takahata | 4/5 | Um dos animes mais populares no Japão é também um dos melhores que vi. E um dos mais delirantes. A ideia é de Hayao Miyazaki, e contém lições ecológicas tão bem sacadas quanto as de A Princesa Mononoke. Depois dessa (e de O túmulo dos vagalumes), me associo de vez ao fã-clube do Takahata.  

!!! 5 centimeters per second | Makoto Shinkai | 4/5 | Dizem que Shinkai é o novo Miyazaki, mas me parece um cineasta “à flor da pele”, herdeiro de Kar-wai (até na sensação de torpor provocada pelas imagens, que são deslumbrantes). Ao mesmo tempo, um discurso muito franco e emotivo sobre os amores de adolescência – você pode ter se esquecido disso, mas eles eram intensos assim.

O bem amado | Guel Arraes | 2/5 | Não li a peça nem vi a novela, mas o filme me pareceu uma longa série de tevê condensada num “especial” de duas horas – formatado por um editor com aversão ao silêncio e adoração por diálogos rápidos e espertinhos.

2 ou 3 parágrafos | Kick-Ass – Quebrando tudo

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Vou abrir uma exceção e elogiar um filme de um cineasta que me parece nada talentoso. Matthew Vaughn produziu Guy Ritchie, fez Nem tudo é o que parece (um sub-Ritchie) e o tedioso Stardust. O novo dele, muito superior àqueles dois, é uma adaptação de quadrinhos que me ganhou como poucas outras. Então taí: vocês não devem esperar muito do próximo longa de Vaughn, mas recomendo feliz da vida este Kick-Ass (3.5/5).

Quem lê este blog sabe que sou um sujeito muito difícil para adaptações de quadrinhos. Acho quase tudo igual e me entedio. Por que meu voto vai para Kick-Ass, então? Talvez por não seguir as normas de segurança do gênero (não é um filme “família”, não é calculado para entreter a vovó, a netinha e o cunhado fã de AC/DC). Ou por não transformar as cenas de ação em demonstrações grotescas de efeitos visuais, explosões geladas de pixels. E aí acredito que Vaughn, apesar de não me convencer como cineasta (ele picota referências unânimes, de Stanley Kubrick a Quentin Tarantino, e fica nisso), tem o mérito de conduzir o filme com muita fluência – o oposto de um típico Guy Ritchie, portanto.

O filme é todo metido a contemporâneo (exagera no falatório sobre cultura pop, mas acerta, por exemplo, quando engendra a ação via YouTube, SMS, câmeras de celulares), mas o que me agrada nele são os traços mais convencionais – o traquejo como Vaughn nos apresenta os personagens e narra a trama. E isso, no cinema de entretenimento, deveria ser algo simples, corriqueiro, mas vá lá ver Príncipe da Pérsia e depois conversamos. Até as cenas de ação mais mirabolantes são narradas com clareza. Nada de montagem histérica e câmera tremida, mas outras ideias: jogo de luzes, plano-sequência, balé sangrento (Kill Bill é sampleado explicitamente). Nada exatamente novo, mas nunca confuso. Até o tom esquizo da narrativa (é sátira ou homenagem?) soa premeditado – é o delírio um velho fã de fitas de super-herói, que vê o antigo objeto de culto com um tanto de carinho, um tanto de vergonha. Não é complicado de entender.