Van Halen

Superoito express (20)

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Volume 2 | She & Him | 6

O fã-clube de Zooey Deschanel que não me pendure praça pública, mas eu esperava encontrar, neste segundo disco do She & Him, a personagem que ela interpretou com tanta convicção em 500 dias com ela: Summer Finn, a musa imprevisível que atormenta os fãs românticos (e panacas) de indie rock. Mas (que vida!) meus desejos não foram realizados. Neste conto de fadas folky, ela ainda vive a mocinha indefesa, a heroína que caminha melancólica, inconsolável pelos campos ensolarados da Califórnia.

Tudo bem. Nem tudo é perfeito. E talvez a Zooey popstar se aproxime da Zooey real (o que seria uma pena, mas enfim). O problema é que essa (ops) personagem me parece cada vez mais monocórdica. Este Volume 2 é um disco do Camera Obscura, só que sem ironia ou finesse. Parece fácil fazer pop vintage, com aquela sonoridade quente de vitrola velha, mas o risco do diluir efeitos está sempre ali. Daí que o disco, comportadíssimo, só brilha quando o vinil de M. Ward ganha um outro colorido, uma doçura à Jon Brion. São duas músicas: In the sun e Don’t look back. Mas elas mostram que, sim, Zooey é capaz de virar o disco. Ao terceiro volume, então.

Dear God, I hate myself | Xiu Xiu | 7.5

Ao contrário do projeto de Zooey e M. Ward, o estilo de Jamie Stewart é um caso tão particular que parece projetado para provocar estranhamento. As canções, com mudanças abruptas de andamento e efeitos dissonantes, soam às vezes como arquivos corrompidos de MP3. Stewart vai picotando um punhado de referências (synthpop, lo-fi, indie, goth rock) até fazer com que o disco perca completamente o eixo, numa colagem doméstica, frágil, agoniada, que ressalta a franqueza do discurso. Como acontece com os álbuns do Why? e do Eels, este também cria um ambiente de intimidade quase sufocante. Pode soar simplesmente doentio. Mas, se não é tão forte quanto Fabulous muscles (2004), no mínimo serve para comprovar que Stewart ainda não encontra conforto nem no rock, nem em nada. É bonito, garanto. E recomendo que você tente pelo menos três vezes antes de desistir.

Big echo | The Morning Benders | 7

O Morning Benders pode ser considerado uma espécie de primo do Local Natives, outra banda californiana que usa a massa bruta do indie rock americano (no caso, o folk barroco de um Grizzly Bear) para criar uma sonoridade generosa, próxima do pop. Mas, antes que os acusem de oportunismo, aviso que eles se apropriam desses novos chavões sem cinismo. Estão verdadeiramente dispostos a disputar um espaço entre os ídolos. Big echo é, por isso, um álbum muito esforçado. Sei que a palavra é terrível, mas taí um quarteto que faz tudo para agradar a um público muito específico. E consegue, mesmo sem personalidade. Eficiência e bom gosto, no caso. Califórnia é uma grande nação (como diz a música do She & Him) e é interessante acompanhar uma banda tentando encontrar um lugar nesse mundo.

Fang Island | Fang Island | 7

Mas claro: mais interessante do que acompanhar uma banda deslumbrada com as próprias referências é descobrir aquelas que tentam criar todo um vocabulário. O Fang Island, de Rhode Island, é dessas. Eu definiria o som deles como um monstrengo prematuro nascido de uma rapidinha entre o Van Halen (os solos de guitarra a mil por hora, a pompa hard rock) e o Animal Collective (os corinhos infantis, o espírito comunitário). Para o Wikipedia, eles cabem no rótulo “progressive rock”. Talvez seja isso, ainda que tudo acabe soando tão frenético quanto um disco de hardcore. Ainda não sei se amo essa bagunça (e, se é para quebrar tudo, Dan Deacon me parece muito mais radical), mas reconheço que não ouvi nada igual.

Life is sweet! Nice to meet you | Lightspeed Champion | 6

Para quem conhecia e gostava do projeto anterior de Devonté Hynes (a banda de dance-punk Test Icicles, praticamente um tigre), o Lightspeed Champion vai continuar provocando muita frustração. No segundo disco, o texano (criado na Inglaterra desde os dois anos de idade) continua a enquadrar o próprio som de acordo com algumas convenções pop quase caducas: brit pop, easy listening, new wave. Tudo o que ele quer, aparentemente, é mandar um abraço para Jarvis Cocker e Morrissey (e quantos outros não querem?). A boa ideia deste Life is sweet é o olhar positivo para temas que costumam ser cantados com fatalismo (Dead head blues, por exemplo, é uma faixa alegre sobre o fim de um relacionamento). O oposto de A vida é doce, do Lobão. Nas recaídas, no entanto, Hynes escreve obviedades como I don’t want to wake up alone, que só reforça os clichês associados ao tal “som da Inglaterra”. E aí as piores do Morrissey soam pelo menos mais divertidas.

Phrazes for the young | Julian Casablancas

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Se depender das listas de melhores discos da década que foram publicadas até agora, deveríamos chegar à seguinte conclusão: por acidente ou mágica, o Strokes concebeu um dos maiores álbuns dos últimos dez anos (a estreia, Is this it, de 2001) e, logo em seguida, provou ser uma banda de rock menos interessante do que imaginávamos. Em resumo: eles nos desapontaram. E, sem fôlego ou talento (ou ambos), acabaram pisoteados por contemporâneos como White Stripes e Yeah Yeah Yeahs.

É exatamente este o problema das listas de melhores: elas simplificam tudo.

A história, obviamente, não aconteceu dessa forma – ainda que possamos, e com razão, entender a saga dos Strokes como uma canção que começou em tom maior e, depois do primeiro refrão explosivo, acabou se desenrolando com alguma melancolia. Mas quem se prende ao impacto de Is this it perde uma parte dramática dessa trama: a partir do segundo álbum, os nova-iorquinos ressaltaram o tom confessional, dolorido, de um estilo que, até então, escondia essa carga de amargura e desespero sob camadas de (brilhantes) artifícios. A armadura cedeu.

Preste atenção sobretudo a Room on fire, de 2003, o segundo disco: é ali que o Strokes descobre em Julian Casablancas um band leader disposto a comparilhar angústia. O álbum abre com os versos “I wanna be forgotten, and I don’t want to be reminded” (“Eu quero ser esquecido, e não quero ser lembrado”), de What ever happened, e fecha com uma faixa intitulada I can’t win (Eu não posso vencer). Algo andava errado com Julian, mas estávamos todos entretidos demais para notar.

O disco seguinte, First impressions of Earth (2006), que soava como um esforço conjunto, amenizou a turbulência emocional do vocalista. Mas a crise criativa se fez mais audível que nunca num disco disforme, excessivamente longo, que lutou contra os limites da própria banda e perdeu a briga. Não é de se admirar que Julian tenha ficado em silêncio nos três anos seguintes, enquanto o guitarrista Albert Hammond Jr gravava dois trabalhos que, no máximo, provavam que era ele o autor de muitos dos riffs econômicos e afiados da banda. Mas e a alma do Strokes? A força vital que fazia da banda uma máquina dançante e agoniada? Rodrigo Amarante que me perdoe, mas não a encontramos em nenhum lugar.

É assim que finalmente chegamos a Phrazes for the young, um exercício de tentativa-e-erro que, apesar de todos os deslizes, mostra didaticamente a importância de Julian para o Strokes. Lembro que, no primeiro álbum da banda, muitos tratavam o vocalista como um garoto-propaganda, um poser bem-nascido que cumpria preguiçosamente o papel de frontman. Nada mais equivocado. No primeiro disco solo, ele não apenas demonstra um tipo raro de inquietação criativa (e acaba atirando para todos os lados, sem dó) como comprova que, sem ele, o Strokes seria uma banda estilosa, cool e divertidíssima, mas sem coração.

O disco abre, talvez para nos convencer disso, com uma faixa que parece dar sequência à fúria autodepreciativa de Room on fire: Out of the blue começa com o verso “Somewhere along the way, my hopefulness turned to sadness” (“Em algum ponto do caminho, minha esperança se transformou em tristeza”), o que soa, no mínimo, sintomático. A canção desce gloriosamente a ladeira com um misto de orgulho ferido, empáfia e franqueza. “É isso o que acontece com a maior parte das pessoas no mundo”, ele conta. Um príncipe caído. No final do disco, Julian diz sentir-se um turista em qualquer lugar onde vá. Não sei o que vocês pensam sobre isso, mas eu entendo. E é triste.

Acredito que poucos tenham se preocupado com as letras das canções gravadas pelos Strokes, daí a dificuldade de entender que elas carregavam um subtexto sombrio – eram, quando não se metiam em caminhos impressionistas, retratos de um certo desencanto com a idade adulta. O disco de Julian explicita essa sensação. “Estou a caminho de algum lugar. À esquerda e à direita no escuro”, admite, em Left and right in the dark.

Não é desta vez, no entanto, que Julian gravou um Blood on the tracks. A sonoridade que acompanha as letras é quase sempre luminosa, decalcada descaradamente de pop rock oitentista (o início de 11th dimension, por exemplo, lembra Van Halen) e com frufrus musicais que lembram luzes pisca-pisca, chamando repetidamente a nossa atenção para os efeitos especiais. Musicalmente, Julian parece ter desenhado o álbum como um antídoto aos discos do Strokes: as faixas são longas e rebuscadas, o tom é de experimentação (o miolo do disco é country rock desajeitado, talvez cortesia de Mike Mogis, do Bright Eyes, que colaborou na produção) e há até algumas bizarrices eletrônicas que lembram o Thom Yorke de The eraser (River of brakelights é o parente mais próximo), com loops repetitivos no lugar dos acordes de guitarra.

No fim da aventura (que, para o meu gosto, soa mais vibrante que o terceiro disco do Strokes), ficamos com um perfil contraditório de Julian: quando lemos os versos, encontramos a ressaca de um ídolo; se paramos de prestar atenção neles, ouvimos um disco tão hiperativo quanto o mais recente do The Killers. É isso e não é. A ambiguidade e a coragem de Julian fazem deste um álbum para colocarmos naquela prateleira quase vazia dos projetos solo que não se contentam com qualquer rascunho. É um disco completo, inteiro.

Podemos confiar em Julian. E, pelo menos aqui, ele nos deixa com a impressão de que o melhor está por vir.

Primeiro álbum solo de Julian Casablancas. 8 faixas, com produção de Jason Lader. Rough Trade/RCA. 7.5/10