U2
♪ | Given to the Wild | The Maccabees
Nos setores da crítica musical que confundem madureza com sisudez, este disco mui sério do Maccabees é tratado como um dos acontecimentos centrais deste querido mês de janeiro. Motivo: depois de gravar dois álbuns que agradaram moderadamente às revistas britânicas — mas não fizeram meu golden retriever, o Simba, levantar a patinha —, os cinco londrinos voltam com uma OBRA de movimentos contidos, textura arenosa, melodias cheias de sutilezas (mas, calma, pra todo mundo cantar junto) e um vocalista que parece interpretar as canções de olhos fechados, girando o dedo no ar, em estado de profunda concentração.
Mas não nos deixaremos impressionar por nada disso (certo?): ainda que com intenções muito dignas (exemplo: eles usam o conhecimento de um produtor de eletrônica, Tim Goldsworthy, mais para criar climas katebushianos que pra incendiar genericamente numa pista de dança qualquer), a banda esmaga as músicas dentro de m modelo de pop rock “atmosférico”, “adulto” e “profissional” (zzz) que, além de ter se transformado num clichê até engraçado, emite um certo odor de mofo — simulando, quando muito, o U2 de The Unforgettable Fire e o Coldplay de Parachutes. Direto de túnel do tempo: depois de andar nessa estradinha pomposa, Bono e The Edge chutaram o balde e criaram, aí sim, Achtung Baby. Vamos torcer pra que, em 2018, o Maccabees não se contente com um Viva la Vida.
Terceiro disco do Maccabees. 13 faixas, com produção de Tim Goldsworthy, Bruno Ellingham e Jag Jago. Fiction Records. C
Os discos da minha vida (43)
Devagar (quase parando, quaaase parando), lá vamos nós a mais um episódio da incrível jornada dos 100 discos mais paralisantes da minha vida. A ideia era escrever um texto introdutório mui longo e ambicioso sobre os mistérios da exîstência, o poder do amor, a força das lembranças e o fato de que este é um ranking estritamente pessoal (não tente isto em casa!). Mas não. Não. Sem prólogo, amiguinhos. Sem choro. Sem vela. Sem mais.
Hoje com textos muito pessoais e um cadinho derramados, porque eu sei que vocês curtem esse esquema coração-aberto, todo-sentimento, heart-on-sleeve, emoblog, etc. E quem ainda não fez o download destes discos é mulher do padre, viu.
016 | Pink moon | Nick Drake | 1972 | download
Pensando bem, eu preferiria que Nick Drake não tivesse gravado este disco. Porque, depois dele, o que ele gravaria? O homem decantou o próprio estilo às moléculas elementares. Perto dele, os anteriores soam floreados demais. Não são, é claro. Mas Pink moon tem o poder de colocar a música pop numa outra perspectiva. Não existe outro tão sincero (talvez os do Elliott Smith), e não há pedido de ajuda tão desesperado (talvez os de Kurt Cobain). Lembro que, quando ouvi pela primeira vez, a sensação foi de desamparo. Eu não sabia o que fazer deste álbum: é terrível ou terrivelmente tocante? É um exercício de autocomiseração ou arte lascada, lo-fi da alma? Honestamente, ainda não sei. Só sei que este é um disco que às vezes parece até indecente, indiscreto mesmo: não se comete suicídio na frente de uma plateia de cúmplices. Não se fala sobre assuntos que nos arrepiam ao nos deixar sem respostas. Não se faz. É clichê dizer que este é um disco triste? Talvez seja até um erro, já que Pink moon encara a morte com uma serenidade quase irritante. Dá até um pouco de medo. É assim que acontece quando acontece? Prefiro não saber. Top 3: Free ride, Pink moon, Things behind the sun.
015 | Achtung baby | U2 | 1991 | download
Achtung baby está aqui no alto da minha lista de 100 por dois motivos. O primeiro: ele merece. O segundo (e mais sentimental): foi o primeiro CD que eu comprei, com o patrocínio da mamãe e os conselhos (sábios) dos críticos de música do Jornal do Brasil (voltaremos a eles mais tarde, ok?). Cheguei ao álbum um pouco tarde (logo depois, o U2 lançaria Zooropa, talvez o meu favorito deles), mas lembro bem que ele colaborou mais que qualquer outro para uma espécie de reforma no meu gosto musical. Aos 12 anos de idade, qualquer luz vem a calhar. E esta aqui, rapazes, é uma luz nunca apaga. Um disco tão GRANDE, sobre temas tão LARGOS (amor, amizade, globalização, fim do mundo, o que mais?), e que consegue de alguma forma resolver o desejo de grandiosidade numa dúzia de canções que ainda estão aqui conosco? Nem parece simples. Demorou muito tempo para que eu percebesse o quanto as guitarras do The Edge estreitaram minha relação com o álbum: elas me pareciam absolutamente improváveis (eu, na época um menino agarrado a um violão, nunca conseguiria fazer igual), e ao mesmo tempo muito familiares. Talvez porque, no fim de 1992, eles já estivessem em todos os lugares. E eu ainda estava só aprendendo. Top 3: Until the end of the world, The fly, Zoo station.
Após o pulo, veja os discos que já apareceram neste ranking
Os discos da minha vida (9)
Mais um capítulo da saga sobre os discos que governaram a minha vida — esta semana, em versão ansiosa, prematura. Comentários breves e irresponsáveis (escritos entre o plantão de eleições e o início das minhas férias) sobre dois álbuns que, por coincidência, me levam a uma época em que eu era muito novo e ingênuo.
Amanhã (se tudo der certo) chego ao Festival do Rio. Devo escrever posts curtos sobre os filmes, mas adianto que será uma semana corrida. Pretendo ver muita coisa e, por isso, não juro fidelidade ao blog. Mas paciência: estarei de volta na semana que vem.
Lembrando: os discos deste ranking não são todos obras-primas (o critério é sentimental, totalmente duvidoso), mas garanto que eles soam, no mínimo, curiosos. Faça o download e concorde comigo.
084 | Behaviour | Pet Shop Boys | 1990 | download
Eu era um garoto de 11 anos, levava uma vida muito agradável e as minhas músicas preferidas ainda tocavam no rádio e apareciam na MTV. Qualquer hit me satisfazia — mas lembro que este disco do Pet Shop Boys (sejamos fiéis à realidade: era uma fita cassete) me mostrou um traço melancólico do pop que me surpreendeu como algo totalmente novo. Mais tarde, descobri que era um disco muito forte sobre temas que eu ainda não compreendia em 1990. Mas o que guardo dele é aquela sensação inocente, pré-adolescente: existe algo errado com essas melodias tão perfeitinhas. Top 3: Being boring, How can you expect to be taken seriously?, So hard.
083 | Under a blood red sky | U2 | 1983 | download
Este é um disco importantíssimo para mim, talvez um dos mais emocionantes da lista, e por um motivo totalmente pessoal: foi o único álbum que eu gravei numa fitinha cassete para uma viagem de fim de ano, em 1993, em que (vejam que meiguice) passei dias incríveis com a primeira garota por quem me apaixonei. Era uma época em que, para mim, tudo parecia possível: meus desejos se realizavam integralmente, não havia frustrações. Hoje percebo o quanto essa gravação do U2 — interpretada por um Bono Vox que parece prestes a dominar o planeta — ecoa aquele meu sentimento otimista de que, no fim, tudo daria certo. Não foi bem o que aconteceu, mas é uma boa lembrança. Top 3: I will follow, Sunday bloody Sunday, Gloria.
Day ‘n’ nite | Kid Cudi
Em Day ‘n’ nite, o rapper Kid Cudi não sabe muito bem se habita um mundo de seres humanos ou de desenho animado. Na dúvida, fica com os dois. Dirigido pelo artista gráfico Bertrand de Langeron (conhecido como So Me, o mesmo do ótimo Good life, de Kanye West), é um clipe elegantemente criativo, daqueles que Michel Gondry parou de fazer – e desde já um dos meus favoritos de 2009.
E, mudando de assunto, a Rolling Stone deu cotação máxima pro álbum do U2. A resenha, escrita pelo veterano David Fricke, trata No line on the horizon como “o melhor da banda desde Achtung baby“. Ouvi o disco umas dez vezes e ainda me parece menos confiante que All that you can’t leave behind. Mas infinitamente superior a How to dismantle an atomic bomb, disso não tenho dúvidas.
No line on the horizon | U2
No início dos anos 90, tratar o U2 como a maior banda de rock do planeta provocaria alguma controvérsia. Hoje em dia, soa como uma simples constatação. Ninguém mais parece interessado em dominar um mundo pop cada vez mais segmentado, rarefeito. Talvez o Coldplay, antiquado que é, ainda se importe com esse tipo de desafio.
O U2 pertence a uma outra época, em que o lançamento de um álbum provocava filas em lojas de discos e incontáveis audições coletivas. Eu estive lá. Quando comprei o CD de Zooropa, me vi tão estupidamente feliz quanto uma menina rica no primeiro contato com uma nova bolsa da Louis Vitton. Eu ouvi as faixas de Pop (e depois me decepcionei incrivelmente) como se fizesse parte de um culto planetário.
Para os antigos padrões da indústria fonográfica, uma banda do porte do U2 tinha um papel fundamental. Poucas souberam tão bem se aproveitar do marketing conferido aos discos-evento, aos blockbusters do vinil (depois, do CD). O impacto provocado por álbuns como The Joshua tree e Achtung baby não podem ser sequer imaginados pela geração alfabetizada pelos arquivos zipados do Strokes ou do Arcade Fire. De certa forma, eles abalaram o mundo.
Não é exagero. E ok se, hoje em dia, essa simples ideia ganhe a aparência de uma ficção-científica. Um disco com as pretensões de No line on the horizon soa imediatamente deslocado no nosso panorama. É um ET. Fica até difícil encará-lo ao pé da letra. Parece até uma heresia que um álbum tão im-por-tan-te chegue às nossas vidas via mp3, em downloads de 15 minutos. Cadê os fogos de artifício, minha gente?
Para vocês terem uma ideia do tamanho do bicho, o disco mais recente do Coldplay fica parecendo um workshop de técnicas criativas perto desta dissertação do U2. Em No line on the horizon, os irlandeses cumprem a promessa de retornar à fase mais imaginativa da carreira – aquela interrompida pela simplicidade (às vezes banal, mas sincera) de All that you can’t leave behind (2000) e do frustrante How to dismantle an atomic bomb (2004). É tudo isso.
Daí que o álbum experimenta com eletrônica, tenta arranjos de guitarra mais quebradiços e investe em um pop rock atmosférico que lembra tanto as estruturas de Zooropa quanto o ambient rock de Brian Eno. Nada disso soará como novidade para o antigo fã da banda. A diferença, aqui, está no verniz globalizado do projeto, gravado em vários estúdios (no Marrocos, em Londres, Nova York, Irlanda e Hanover) e com versos que evocam paisagens do Líbano, da África e de Paris.
A banda flutua sobre um planeta de fronteiras apagadas, e, musicalmente, se beneficia desse transe cultural. Num mexidão de ritmos que aponta diretamente para Achtung baby, o disco se inspira em ritmos orientais logo na faixa-título – que, como Mysterious ways, é conduzida por uma mulher que transforma radicalmente o ponto de vista do narrador, mas agora sob melodia de blues à Rattle and rum.
Se o curto-circuito de Achtung baby refletia as transformações sofridas pela Europa com a queda do Muro de Berlim, No line on the horizon tenta abraçar a nossa indefinição contemporânea. Não é que caia do cavalo (já que a ambição é imensa), mas o álbum só consegue sugerir algumas questões e cenários, sem paciência para um discurso mais contundente sobre o tema.
A maior dificuldade, para o U2 do século 21, é aliar o apelo comercial dos dois álbuns anteriores com esse espírito globetrotter. O disco fica no meio dessa estrada, tomado por canções de amor e hinos de estádio. Em alguns momentos, chega perto das baladas épicas do Coldplay (como em Breathe, levada ao piano). Um esforço compreensível: segurar o posto de maior banda do mundo, hoje em dia, requer trabalho dobrado e um punhado de concessões.
Outra via crúcis para Bono e cia é soar atual sem perder certas marcas imediatamente associadas à banda. Isso explica o clima de messianismo que encobre faixas como Stand up comedy (“Deus é amor. Vamos lá, defendam o seu amor”, convoca o vocalista) e Magnificent (“Apenas o amor une nossos corações”, diz a letra). Aí o U2 se afirma como uma espécie de “banda oficial para a humanidade”, com recados construtivos para o bem-estar do planeta. (Um porre, em resumo)
Essa carolice faz do disco um arranha-céu um tanto quanto oco, sem a ironia de Achtung baby e cheio de intenções nobres – menos o retrato do planeta em 2009, mais o espelho para quatro senhores com uma agenda carregada de compromissos políticos.
Os momentos mais espontâneos do álbum, por isso, são as narrativas de dramas urbanos (que, mais uma vez, revelam a influência de Lou Reed no trabalho da banda). Unknown caller, por exemplo, encena uma madrugada solitária, angustiante. “Dirigi para a cena do acidente. E sentei lá, esperando por mim”, canta Bono, bastante convincente. Já Cedars of Lebanon fecha o disco num tom rancoroso: “Esse mundo de merda às vezes produz uma rosa”, avisa o narrador, um repórter de guerra abalado por uma separação.
Sempre imaginei que, caso acertasse as contas com o cronista que existe dentro dele, Bono gravaria um álbum do U2 verdadeiramente novo. Em No line on the horizon, o talento começa a se revelar. Mas é pouco para um disco tão desfocado, tão indeciso (o single, Get on your boots, entrega logo de cara que a banda mal sabe para onde ir – e os versos serelepes, otimistas, são apenas risíveis).
Nada que tire deles o status de maiores do planeta, entretanto. Chris Martin vai morrer de inveja. Já o resto do mundo pop vai seguir vivendo como quem retoma as atividades diárias depois de ter assistido a um espetáculo de luzes, cores, discursos eloquentes e, bem, alguma música.
Décimo segundo álbum do U2. 11 faixas, com produção de Brian Eno, Daniel Lanois e Steve Lillywhite. Interscope. 6/10