TV on the Radio

Mixtape! | Abril, pela manhã

Postado em

A mixtape de abril é soul. Entende? Soul music, meu filho. Pra rebolar o cérebro e aquecer os ventrículos. Coisa forte, que gruda e (cuidado!) pode machucar.

Portanto, já estou preparado para reações adversas: quem vem a este blog procurando indie rock vai cair do cavalo (apesar de uma ou outra surpresinha); quem curte um country rock vai ficar mordendo cana. Mas só desta vez, ok? É uma coletânea especial.

Especial porque sempre quis gravar um CDzinho temático, puxado mais pro r&b, pro funk, pro hip-hop e adjacências. Eis o rapagão, finalmente vestido para seduzir as minas. Admito que estou muito orgulhoso do moleque.

É, de muito longe (e desta vez não estou forçando a barra), a melhor coletânea de todos os tempos deste blog. É coesa e também um tantinho surpreendente, é dançante e também profundamente triste, é um disco de amor escrito com linhas tortas de melodia, é pesadona e às vezes levinha. Se ela pudesse falar, diria: sou foda!

A ideia apareceu graças à música que abre o disco: The morning, do The Weeknd. É a minha preferida do ano (até abril, é claro) e está num discão: House of balloons. A foto lá em cima, com louvores, é deles. Tudo o que tentei foi criar uma coletânea que estivesse à altura dessa canção e que, de alguma forma, dialogasse com ela. Acho que consegui.

O disco conta uma história com início, meio e fim. Desta vez não vou estragar o surpresa: deixo que vocês tentem adivinhar sobre o que ela trata. Mas a coletânea também pode ser compreendida aos pedaços – e, desta forma, aparecem conotações muito diferentes, que fazem referência a pessoas que conheço e a situações da minha vida.

É um CD, por isso, de muitas dedicatórias. Uma parte do set é dedicada explicitamente à minha namorada (Roll up, You e Street) e trata amor e telefonemas de longa distância. Uma outra parte é para os meus amigos mais próximos (Last night at the Jetty, Ok). E, de uma ponta a outra, é um disco para quem frequenta este blog com mais dedicação e topa embarcar nas minhas loucuras quase diárias. Principalmente pro Pedro Primo, que vai entender direitinho este CD. Esse é teu, rapaz!

Sem querer forçar uma dissertação de mestrado, o disco tenta humildemente mostrar um pouco as variações do hip-hop que me agrada, do mais juvenil (Love is crazy) ao mais sábio (People are strange) ao mais peralta (Ok) ao mais melancólico (The vent). Vai fazer muito sentido, se você prestar atenção.  

Além de The Weeknd, o CD tem Wiz Khalifa, TV on the Radio, Childish Gambino, Das Racist, Bibio, Metronomy, Jamie Woon, Panda Bear, Big KRIT e Beastie Boys. Mês que vem, se eu me convencer de que este blog merece a vida, prometo incluir Fleet Foxes (que não combinou muito com o clima deste disco, infelizmente).

É isso, acho. Gravei esta coletânea ainda na primeira metade do mês e fui fazendo pequenas mudanças aqui e ali. A conheço em cada detalhe. Por isso repito: não há outra que me agrade tão completamente. Mesmo que você deteste soul music, dê uma chance a ela. Talvez, quem sabe?, a danada acabe colando em você.

E depois (vamos lá!) deixe um comentário sobre a experiência. A lista de músicas, como de costume, está na caixa de comentários. Até mais e (no caso, bem apropriadamente) boa noite.

Faça o download da mixtape de abril.

(aproveite o embalo e faça também o download das mixtapes de fevereiro e de março)

Nine types of light | TV on the Radio

Postado em Atualizado em

Passei os últimos três dias lendo o livro novo do Dave Eggers, que se chama Zeitoun e conta a história real de um sobrevivente do Katrina, furacão que afogou Nova Orleans em 2005.

Para abrir a reportagem, Eggers usa um trecho de A estrada, de Cormac McCarthy. Boa escolha, já que a trama retrata um mundo que, aos poucos, acaba.

Ainda estou na página 212. O livro tem quase 400. Por enquanto, o personagem principal não virou o símbolo de resistência e perseverança, o herói de Homero que, creio eu, será eleito monumento para a luta e a tragédia de uma comunidade. O sírio Abdulrahman Zeitoun é, ainda, apenas um mestre de obras teimoso, forte, carismático, generoso… e comum.

O início do livro, por isso mesmo, é o diário de um trabalhador, pai de família, que tem uma história de vida talvez um pouco mais tocante (não muito) que a minha ou a sua. Quando pequeno, ele gostava de pescar no litoral sírio, acompanhado dos irmãos. Depois conheceu o planeta à bordo de um navio. Aportou nos Estados Unidos, abriu uma empresa de reparos, casou, cresceu.

A história edificante de Zeitoun começa quando a borda do Katrina esbarra na casa onde mora, no dia 28 de agosto. É uma tempestade violenta, mas não tão atípica. O desastre seguinte, quase silencioso, se mostra mais dramático: após o rompimento dos diques, a cidade amanhece submersa num líquido escuro, lamacento.

Dias depois, grupos de bandidos começam a saquear lojas, estuprar crianças, matar. Os jornais comparam Nova Orleans ao Velho Oeste. O prefeito ordena que os moradores façam as malas e saiam de lá. É quando Zeitoun desaparece.

Aqui chegamos ao meio do livro, que me parece o melhor de Eggers (gosto muito do primeiro que ele escreveu, Uma comovente obra de espantoso talento). O aspecto fascinante, para mim, está em como o escritor descreve com total simplicidade as atividades corriqueiras de um homem. Zeitoun trabalha, ama, encontra amigos, lembra dos irmãos, faz preces, toma café com as crianças.

Não é um deus. Pelo menos não até a metade do livro.

Me peguei devorando os parágrafos enquanto ouvia o disco novo do TV on the Radio, e taí uma experiência que recomendo a vocês. E não só porque algumas das músicas, como Keep your heart, são love songs mundanas para a véspera do apocalipse. “Mesmo se tudo desmoronar”, avisa Tunde Adebimpe, “eu vou preservar seu coração”.

No livro, o personagem se transforma gradativamente, sem que perceba, num ícone, numa referência associada a um grande episódio histórico. O TV on the Radio, nosso herói, parece caminhar no sentido oposto: uma banda que, depois de ter explorado galáxias, retorna lentamente ao solo, à vizinhança.

Parece absurdo comparar livro e banda, mas pense de novo: se há um personagem recorrente nos discos do TV on the Radio, ele é o homem comum confrontado com um mundo em crise. A banda sempre observou temas urgentes por uma perspectiva íntima. Até Dear science (um disco cujo estilo foi descrito como “rock cósmico”) fecha com uma música chamada Lover’s day.

Desde Ok calculator, o primeiro disco (de 2002), o grupo tenta conciliar o desejo quase científico de experimentar sons (e aí entra Dave Sitek, o “cérebro” das invencionices da banda) com a vontade de interpretar o início do século 21. É tanta ambição que, não por acaso, algumas das músicas soam como objetos alienígenas: perfeitos, polidos, mas sem fragilidades humanas.

Talvez essa mania de perfeição perturbe a banda, já que Nine types of light é o álbum mais mundano que eles gravaram. Nas três primeiras faixas, soa como um disco de amor em primeira pessoa, macio e palpitante (Keep your heart e You são postcards românticos). A sonoridade testada em discos anteriores – que combina funk, eletrônica, R&B, rock e soul music – aqui aparece com bordas arredondadas, com uma luminosidade pop que nos lembra o projeto mais recente de Sitek, Maximum Balloon.

Imagino o que teria acontecido se a banda fosse corajosa o suficiente para expandir o tom dessas três primeiras faixas ao restante do disco. Não é bem o que acontece. Há outras três faixas que apontam para essa nova fase (Will do, Killer crane e Forgotten). Mas, para cada passo adiante, o TV on the Radio acende uma lanterna para o passado: o funk eletrificado, em mil cores, agressivo de No future shock, New cannonball run, Repetition e Caffeinated consciousness remete aos dois discos anteriores e, apesar de vibrante, desvirtuam o álbum, amenizam o choque.

Ainda assim, mesmo nos momentos de deja vu, Nine types of light nos mostra uma grande banda (uma das maiores que temos) com total domínio da sonoridade que encontrou para si. A coesão é tanta que fica difícil identificar quem faz o que, ainda que Kyp Malone e Jaleel Bunton se façam notar. Mas o desafio de “humanizar” o estilo e os temas preferidos do TV on the Radio é vencido apenas até certo ponto.

E isso acontece porque, ao contrário do livro de Eggers, o que percebo é um grupo de super-heróis num duro processo de transformação em homens comuns.

A naturalidade do livro falta ao disco — é como se o TV on the Radio se esforçasse para abandonar o peso de responsabilidades quase sobrenaturais. Fica a impressão de que, quando se mete a comentar aquilo que faz parte do nosso cotidiano mais trivial, a banda perde um pouco a razão de ser.

Ainda assim, nos resta o som que esses incríveis cientistas produzem: tão reluzente que nos afeta mesmo quando tentamos olhar numa outra direção. Poucos discos de 2011 vão nos atingir dessa forma, com essas melodias de neon e acrílico, criadas com uma tecnologia que desconhecemos.

Taí a ironia da coisa: o disco mais humano do TV on the Radio – o mais frágil, o mais amável – ainda paira acima de todos nós, mortais.

Quinto disco do TV on the Radio. 10 faixas, com produção de Dave Sitek. Lançamento Interscope Records. 8/10

Superoito express (32)

Postado em

The age of adz | Sufjan Stevens | 8.5

Quem ouve apressadamente este The age of adz pode ficar com a impressão de que Sufjan Stevens escolheu um itinerário semelhante àquele que M.I.A. e MGMT tomaram recentemente: a aventura da autosabotagem. Afinal de contas, esta zoeira de ruídos eletrônicos, orquestrações pomposas e arranjos sinuosos é o sucessor de  Illinois (2005), o disco que fez de Stevens uma espécie de Colombo indie. Uma parte numerosa do público, que não acompanha os “projetos paralelos” do músico, possivelmente ainda espera dele uma nova fornada de crônicas americanas narradas com uma caligrafia delicada e pessoal. Esses continuarão esperando, já que The age of adz é um desvio de rota.

Se Illinois era uma viagem de dentro para fora (o homem investiga o país e se enxerga nele), The age of adz se volta a um território sentimental, íntimo. Viagem ao redor do próprio quarto. Mas, ao contrário do EP All delighted people (que apontava para a sutileza folky de Illinois e especialmente de Seven swans), The age of adz envolve essas confissões de Stevens numa colcha de excessos – com barulhinhos, coros angelicais e furacões de sintetizadores -, numa explosão cósmica que nos atira diretamente ao buraco negro do prog rock dos anos 70. 

Quanto mais ouvimos o disco, mais fica claro que a provocação não é gratuita – ele não foi planejado como um suicídio comercial, mas como afirmação de princípios. É como se as faixas, quase sempre incontroláveis, refletissem um compositor de pulsos abertos, afetado por decepções amorosas (e I walked é uma canção de despedida muito direta e tocante), desejo de espiritualidade (Get real, get right), medo da passagem do tempo (Now that I’m older) e outras crises que se enfrenta aos 35 anos. A reação de Stevens a esse cataclisma informa a música que ele produz, mais tensa e caótica do que de costume: The age of adz vai desagradar a quem o conhece como o bom-moço capaz de escrever melodias agradáveis que inspiram publicitários e fãs de Belle and Sebastian; e vai confirmar a fé dos que procuram em Stevens um artista.     

Pop negro | El Guincho | 7

Pop negro soa como o “lado A” de Alegranza! (2008), um disco mais labiríntico (e que me parece mais denso e interessante) do que este aqui. O espanhol Pablo Diaz-Reixa continua combinando loops siderados como um legítimo herdeiro do Animal Collective, mas desta vez ele usa esse método a serviço da sensação de conforto e euforia que se espera de um disco pop. É um álbum que, por isso, deve até incomodar os fãs do anterior – muitas das canções soam como remixes nada radicais para o repertório do Mutantes ou de bandas como Café Tacuba e Aterciopelados. Dito isso (e quebrada essa resistência em relação ao disco), o que fica é a ótima impressão de que Pablo sabe como extrair o sumo de boas canções comerciais e contaminá-lo com psicodelia. É uma festa boa, quente, e que não nos aborrece em momento algum. E ela termina tão rapidamente que dá vontade de ficar ouvindo o disco sem parar.    

Maximum Balloon | Maximum Balloon | 6

Um disco criado para nos provar que Dave Sitek (o “cientista louco” do TV on the Radio) também curte a vida adoidado. Não que ele consiga nos convencer totalmente disso (o pop “desencanado” do sujeito se revela tão engenhoso, tão excessivamente maquinado quanto qualquer outra coisa que ele produziu), mas consegue algo raro em discos superpovoados por participações especiais: ele dá ao som do Maximum Balloon uma unidade forte, como se adaptasse as referências do TV on the Radio (Bowie, Byrne, pós-punk) ao clima febril de uma pista de dança. Agora é esperar que, nos próximos discos do projeto, ele consiga usar essa sonoridade para criar canções tão boas quanto Young love, das poucas que me interessam aqui.

Postcards from a young man | Manic Street Preachers | 6

Depois de reencontrar a fúria (e a ansiedade adolescente) no ótimo Journal for plague lovers (2009), o Manic Street Preachers retorna ao ponto em que haviam parado em Send away the tigers (2007). Isto é: de volta às tentativas de fabricar rock de arena, comercial até a costela, com alguma dignidade. Sabemos que, nesse aspecto, eles não têm noção de limites: daí momentos constrangedores como Hazelton Avenue, que rouba o riff the It ain’t over til it’s over, de Lenny Kravitz. Mas o disco anterior parece ter energizado a banda, que parece mais confiante do que nunca na luta para voltar ao trono do britrock. Quantos euros o Bon Jovi pagaria para escrever uma canção como (It’s not war) Just the end of love? De volta à realidade, pois.

Mines | Menomena

Postado em

Entendo por que tanta gente se espelha em bandas como o Grizzly Bear, o TV on the Radio. Eles, os nova-iorquinos, correram atrás de uma marca, de um lugar no mundo, e encontraram tudo isso.

Também compreendo que muitos tenham o enorme desejo de gravar discos como Veckatimest e Dear science. Álbuns coesos, duros, determinados, densos – a cristalização de um estilo! – mas também fascinantes, misteriosos.

Mas a vontade de ser uma banda como o Grizzly Bear ou o TV on the Radio e de gravar discões como Veckatimest e Dear science, é claro, muitas vezes é apenas uma vontade: concretizar essa ambição é que são elas.

Pois bem: Mines, o disco mais ambicioso do Menomena, mostra que não é fácil desenvolver uma trajetória particular, inimitável, dentro do indie rock. Não é fácil ser o novo Grizzly Bear, muito menos o novo TV on the Radio.

O Menomena, um trio de Portland, Oregon, está no quarto disco e, até agora, não pareciam muito interessados em definir uma identidade sonora. O anterior, Friend and foe (2007), era um tiroteio de promessas. Uma sacola de cacos de vidro. E um ótimo disco, com faixas fortíssimas como Evil bee e Wet and rusting. Ainda hoje, gosto muito dele.

Era complicado definir o som da banda e, por isso, muitos diziam que eles criavam arranjos “angulosos” (o que é verdade), com um emaranhado instrumental imprevisível (um quebra-cabeças de loops) que acenava para o math-rock de um Battles, por exemplo, mas com uma tendência a melodias sentimentais, doces. Era mais ou menos isso.

Essa definição também pode ser aplicada a Mines, mas trata-se de um disco menos brincalhão e arejado que o anterior. Naquele, cada música parecia ter sido gravada num dia diferente. Neste, as 11 faixas soam como se tivessem saído de um mesmo ensaio e, três minutos depois, lacradas a vácuo.

Antes, havia lacunas no quebra-cabeças. Essas lacunas soavam misteriosas. Algumas faixas não soavam exatamente como canções, mas como esboços de canções. Desta vez, o Menomena resolveu usar as peças do puzzle para formar canções bem acabadas, às vezes redondinhas.

Mines é um disco bitolado numa “ideia-fixa”: as canções soam mais melodiosas (e menos aventureiras), sutis, mais detalhistas e, alguns momentos, sisudas, cabisbaixas, como capítulos de uma história triste. Em vez da caixinha de surpresas, um bloco maciço daquilo que eles entendem por maturidade.

Se fosse possível catalogar toda a história da música pop em dois tipos de álbuns – os juvenis e os adultos -, Mines seria um álbum adulto. Friend and foe, um juvenil (mas não se preocupe: essa catalogação maluca é uma bobagem).

É uma bela reviravolta na carreira da banda, que será defendida por muita gente (procure na web: há fãs tratando o disco como um dos melhores do ano), mas a questão é: eles conseguem bancar o salto?

Fato: o Menomena aprendeu a usar uma aquarela de timbres, loops e efeitos (e tem de tudo: guitarras, sintetizadores, sopros dissonantes, piano de casa do espanto, coros fantasmagóricos, percussão, palminhas, etc) para compor uma imagem harmoniosa. Perto disso, Friend and foe era Jackson Pollock.

Há canções aqui, como Dirty cartoons e Tithe, que poderiam ser confundidas com baladas do Coldplay e do Snow Patrol. E do Elbow. São quase convencionais. E, ainda assim, soam belas, cuidadosas, corretas.

Meu problema com o disco está nessa última palavrinha: ele soa corretinho. E, para uma banda de rock que parecia solta no mundo, tateando possibilidades, essa tendência ao comodismo me parece meio assustadora. Era só isso que eles queriam? E, nessa perspectiva, como fica o disco anterior?

Ainda assim, Mines não parece errado: existe um lugar nas rádios para o Menomena, eles soam sinceros e verdadeiramente desiludidos com alguma coisa (as letras, escritas na primeira pessoa, lidam com inseguranças e responsabilidades da idade adulta, temas com que podemos nos identificar, e há um tom surrealista, um clima de paranoia urbana que deixa tudo mais complexo). Junto do Morning Benders, do Dodos e de alguns outros, eles entendem que é possível arredondar referências de rock psicodélico sem tomar o rumo de elevadores e consultórios de dentistas. E isso é bom.

Não estamos falando de um disco aguado como o terceiro do Band of Horses.

Mines é um álbum coeso, para ser montado e desmontado lentamente? Sim. Indica a possibilidade de algum sucesso comercial? Talvez (eu não duvidaria). A certidão de nascimento de um estilo? Ainda não.

De qualquer forma, fico imaginando o que teria acontecido ao Menomena se eles tivessem mergulhado no caos colorido de Friend and foe e descido mais fundo naquele laguinho. As bandas de rock não devem ser o que queremos delas. Elas são o que são. Mas fico aqui imaginando.

Quarto disco do Menomena. 11 faixas, com produção da própria banda. Lançamento Barsuk Records. 7/10

50 discos para uma década (parte 4)

Postado em

tvradio

20. Dear science – TV on the Radio (2008)

No início da carreira, o TV on the Radio lançou um álbum-demo chamado Ok calculator. Mas é em Dear science que eles revelam um senso de aventura que lembram o terceiro disco do Radiohead. A combinação de glam, pós-punk e percussão-em-brasas já estava devidamente formatada no disco anterior, o excelente Return to Cookie Mountain (2006). Mas o esforço de imprimir uma atmosfera urbana (um raio de neon, digamos) nesse estilo ganha sentido em Dear science, um álbum que soa como uma fotografia granulada e fosforescente do estado de coisas no indie rock americano.

jayz

19. The blueprint – Jay-Z (2001)

O álbum definitivo de Jay-Z vale por um Scorsese safra 70: é um filme moderno de gânsgster narrado como um desabafo, um fluxo de consciência (e sempre que ouço o disco imagino o rapper recitando os versos num confessionário). As rimas são perfeitas, mas a surpresa é que, aqui, a música é tão cortante quanto as palavras — com samplers de Jackson 5, The Doors, David Bowie, Natalie Cole e Al Green, Jay-Z cria um clássico a partir de cacos de outros clássicos. E é preciso ser gênio para transformar esse tipo de picaretagem em grande arte.

ys

18. Ys – Joanna Newsom (2006)

Joanna Newsom é uma menina de traços angelicais que toca harpa e, por tudo isso, não deveria assustar ninguém. Mas, surpreendentemente, virou uma das figuras mais controversas da década, provocando discussões quase violentas entre defensores e detratores  (e ainda conheço gente que a considera uma grande farsa). Ys não é disco para quem tem pressa: com sete faixas e 55 minutos de duração, narra uma fábula folk que soa como um delírio barroco. Ou tudo ou nada. Os arranjos de cordas deslumbrantes de Van Dyke Parks e a produção crua de Steve Albini criam um universo. E não tente encontrar outro igual.

lcd

17. Sound of silver – LCD Soundsystem (2007)

Em termos objetivos, é muito fácil explicar a importância do disco: ele consolidou e popularizou o crossover de rock e eletrônica na cena de Nova York (com uma leve vantagem para o rock) e fez de James Murphy um ídolo de carne e osso (o disco de estreia, ainda que brilhante, não arriscava canções tão pessoais). Isso tudo é notável, mas o que me atrai no álbum é o modo franco como Murphy, quase quarentão, trata de um tema pouco comum tanto no rock quanto na eletrônica: a idade adulta. Os amigos não estão lá (All my friends), a morte assusta (Someone great), Nova York pode ser um lugar terrível (New York, I love you’re bringing me down) e a pista de dança não cura mais. Ainda assim, talvez ironicamente, um dos grandes discos de festa da década.

mia

16. Kala – M.I.A. (2007)

Toda essa história de pop global, na prática, soa terrível. Durante a década, muito se falou sobre encontros sonoros improváveis (facilitados pela web, blablabla), mas pouco se ouviu de verdadeiramente interessante. M.I.A. é uma exceção — talvez por conseguir transitar naturalmente entre diferentes culturas (e ela própria parece não pertencer a lugar algum). Arular era um grande disco, mas Kala é uma provocação ainda mais saborosa. De Bollywood (Jimmy) a Gwen Stefani (Boyz), é talvez o único disco da década que encarna verdadeiramente o transe mundial sem soar melancólico. M.I.A. é mais sofisticada que isso. E Paper planes nem precisava ter virado um hit planetário…

kanyewest

15. Late registration – Kanye West (2005)

Na maior parte das vezes, o ego de Kanye West é maior que sua música. Mas, em Late registration, ele nos deixou sem argumentos. O blockbuster, que vendeu 4 milhões de cópias nos Estados Unidos, é a maior demonstração que o hip hop roubou do rock o poder de redefinir o mainstream. Com ótimos convidados suspeitos (Maroon 5? Jamie Foxx?) e coração geek (ele é um fã de cultura pop, e isso ficou mais claro que nunca), West fez um legítimo candy shop, viciante e impecável. E que ninguém esqueça de Jon Brion, envenenando os doces.

queens

14. Rated R – Queens of the Stone Age (2000)

Por um momento, em 2000, o Queens of the Stone Age nos fez acreditar na possibilidade de um revival grunge. Durou pouco (e a própria banda resolveu seguir caminhos mais sombrios), mas o efeito entorpecente de Rated R continua zunindo no meu ouvido. Uma espécie de continuação sacana e perversa para Nevermind, do Nirvana, o álbum lustra o stoner rock do disco anterior em formato mais direto e melodioso. Há hits que nunca fizeram o merecido sucesso (Feel good hit of the summer e The lost art of keeping a secret) e as loucuras de Nick Oliveri ainda soam hilariantes.

apologies

13. Apologies to the queen Mary – Wolf Parade (2005)

Pode não ser o grande disco da década, mas soa como o melhor do mundo. A estreia do Wolf Parade vale por duas: é um disco de Spencer Krug (Sunset Rubdown) e de Dan Boeckner (Handsome Furs), dois compositores à flor da pele. Produzida por Isaac Brock (Modest Mouse), a estreia da banda é como um resumo prematuro de carreira. Tomado por fantasmas, oscila entre duas personalidades (Boeckner é quase gentil, já as faixas de Krug são pura agonia) e soa urgente, como se o mundo estivesse sempre prestes a explodir.

spoon

12. Kill the moonlight – Spoon (2002)

A mente matemática de Britt Daniel encontrou a equação da perfeição pop. Kill the moonlight apareceu do nada e ainda impressiona como um disco conciso, sem uma única nota em falso. Com um estilo rigorosamente econômico (um contraponto suingado para o Shins, a banda cria verdadeiros hinos que cabem em 2 minutos de duração, como The way we get by e Something to look forward to. Nos discos seguintes, a banda habitaria um casulo maior e mais confortável. Mas nunca soariam desse jeito: maravilhosamente pequena.

bob

11. “Love and theft” – Bob Dylan (2001)

Bob Dylan pode não ter se dado conta disso, mas os discos gravados desde Time out of mind casam perfeitamente com uma época em que o rock voltou-se ao passado para, na combinação de formas antigas, criar novos ambientes musicais. O Dylan de “Love and theft” não é simplesmente retrô — é como se o homem tivesse finalmente conseguido encontrar uma sonoridade que procurava desde os anos 1960. Tanto quanto as canções (que são excelentes), o que importa é a atmosfera das gravações — filmes em branco e preto. E não é isso que fazem Strokes e White Stripes?

***

A parte final da lista eu posto quinta-feira às 22h. Se vocês quiserem acompanhar, será bacana. Vou atualizar aos poucos pra aumentar o suspense, ok?

Dear science | TV on the Radio

Postado em Atualizado em

Se os álbuns do TV on the Radio são contos de fadas doentios, então Dear science é o capítulo em que Alice, depois de quase se afogar nas próprias lágrimas, encontra uma forma de nadar até a terra.

Nas histórias narradas pela banda, ainda existe raiva e amargura. Desta vez, porém, eles tentam encontrar uma estratégia sublime para sobreviver ao caos.

Mas é apenas uma tentativa. Eu, que já ouvi o disco umas dez vezes, ainda não consigo encontrar nele uma obra-prima. E desisti de tentar. Se existe uma marca nesta banda – e por isso trata-se de uma espécie de mascote da crítica -, ela está na forma como ela transforma cada disco num laboratório de idéias, numa lista de possibilidades, num bloco frenético de anotações que talvez não dê em nada. O processo, para o TV on the Radio, conta mais que o resultado.

Por isso, são álbuns incompletos. Lembro da minha decepção com a segunda metade de Return to cookie mountain, que simplesmente não parecia conversar com o início do disco. Era como se as primeiras faixas, grandiosas e redondinhas, aos poucos se desintegrassem em ácido. Em Dear science, o procedimento se repete: novamente, fico com a impressão de que Tunde Adebimpe e Dave Sitek começaram o álbum sem saber como o terminariam.

E isso só será um problema se você quiser assim.

Os álbuns do TV on the Radio não soam coesos. Não soam comedidos. Não soam econômicos. Em compensação, convidam o ouvinte para abandonar os preconceitos e ser carregado por uma aventura. Esse desejo exploratório move Dear science. Daí a idéia que existe por trás do título do disco, uma carta endereçada à ciência com uma defesa dos instintos, de tudo o que não pode ser explicado racionalmente. Para nossa sorte, a banda ainda se move ao sabor da vontade de juntar um ruído com outro, uma melodia ruidosa com um verso delicado, uma referência de Michael Jackson com outra de David Bowie.

Pode parecer um clichê, mas poucas são as outras bandas de rock que colocam em prática a idéia de um laboratório pop (muitas também tentam, mas ao tentar se afastam do pop, caso do Animal Collective). Nem o próprio Bowie, que desenhava racionalmente o conceito dos próprios álbuns, operava nessa freqüência.

Não é um método tranqüilo. Existe um conflito no TV on the Radio que finalmente se faz explícito em Dear science. Para a banda, o maior desafio é se dedicar a um rock percussivo e psicodélico sem se deixar soterrar pelas camadas de efeitos arquitetadas por Dave Sitek – que, quando solto de amarras, ornamentou um bolo de noiva para Scarlett Johansson. É como se, para cada novo ingrediente adicionado ao som da banda, um outro tivesse que ser limado para evitar indigestão.

É essa busca por um equilíbrio possível (mas nada cômodo) que faz de Dear science o disco mais arriscado deles até agora. E talvez o melhor. Apesar de não apresentar canções tão imediatas ou memoráveis quanto as de Return to cookie mountain (não tem outra Wolf like me nem outra Province), o álbum joga o tempo todo com contrastes que, para a banda, sempre foram essenciais. De um lado, o transe de Halfway home (que, no refrão, lembra o clima desiludido do Radiohead de Ok computer) e de Crying. De outro, canções introspectivas e belíssimas como Family tree e Love dog, que chegam a lembrar os também nova-iorquinos do The National.

Aqui o TV on the Radio tenta de tudo – do afro-punk de Red dress ao drum ‘n’ bass, no finalzinho de Shout me out -, mas de forma a travar um diálogo cada vez mais direto com o público. Todo o início de Shout me out, por exemplo, poderia servir de trilha para seriado de tevê. Já Dancing choose é rock paranóico que parece mandar um aceno para o R.E.M. de It’s the end of the world as we know it. Golden age reforça as influências de soul music, mas é como se esse elemento merecesse finalmente espaço para sair da sombra de um paredão sonoro e se destacar.

Esse flerte com a delicadeza aparece também em letras como as de Lover’s day, que soa como uma confissão íntima dividida com o público. “Vou levar você para casa”, promete Tunde. É, não à toa, a última frase de um disco que começa a meio-caminho do lar. Depois de uma viagem cansativa por caminhos extraordinários, o TV on the Radio descansa a cabeça no travesseiro. O destino da próxima aventura? Aposto que até eles fazem questão de desconhecer.

Terceiro álbum do TV on the Radio. 11 faixas, com produção de Dave Sitek. 4AD/Interscope. ****