Trio
♪ | Megafaun | Megafaun
Mais do que um álbum com potencial para agradar a todas as classes de fãs do Wilco (imagine aí um disco espaçoso e cheio de si, como The Whole Love, só que preenchido com as lindas melodias de country-folk que apareciam em Being There), esta domingueira do Megafaun nos ensina como uma obra longa, cheia de ambições (e de músicos convidados), pode chegar aos nossos ouvidos com a leveza alegre que talvez encontraríamos numa fitinha demo gravada por bons amigos durante uma tarde de folga. Enquanto ouço, posso imaginar o cheiro de churrasco e batatas-fritas enquanto os músicos afinam os instrumentos.
Portanto, evite as conclusões apressadas: a terceira faixa dura oito minutos não para nos convencer de que esta é uma banda tecnicamente sofisticada (e é, aliás), mas porque há músicas saborosas que merecem todo esse terreno em torno delas. Tem uma diferença importante entre esses dois procedimentos aí.
No mais, aconselho que você deixe de lado, por um tempo, as resenhas que destacam a forma como este álbum revê certos gêneros tradicionais da música americana. Mais prazeroso é perceber, por exemplo, como as músicas estão sempre abandonando e voltando ao lar (= as melodias mais reconhecíveis, familiares), num movimento pendular entre trechos confortáveis e estranhos, caipirões e alienígenas, pé-na-terra e cabeça-nas-nuvens. These words, o momento sublime do regabofe, resume esse paradoxo.
A arte do Megafaun – este trio com síndrome de quinteto – é um pouco mais trabalhosa do que este disco tão agradável dá a entender. Mas, apesar de aparentemente efêmera (impressão enganosa, ok?), taí uma beleza a ser admirada até por aquele fã do Wilco que não se impressiona mais com nada.
Quarto disco do Megafaun. 14 faixas, com produção do Megafaun. Hometapes Records. 79
Nothing hurts | Male Bonding
Quando eu era um rapazinho que usava blusas de flanela e lia quadrinhos do Batman, lá na metade dos anos 90, uma multidão de roqueiros gringos sonhava em surpreender o mundo com um momento-Nevermind. Você olhava lá longe e ainda via a fila de candidatos à Grande Guinada: revelações indie dispostas a, subitamente, escalar a parada da Billboard com um álbum de rock tão poderoso (e apaixonante) quanto profundamente sincero (e, às vezes, amargo).
Na época (e não se sinta velho: não faz muito tempo!) ainda havia alguma romantismo nesse plano de dominação mundial. Que maravilha: ser íntegro e popular, ahn?
Discos como Nothing hurts, do Male Bonding (e, antes dele, Nouns, do No Age, Post-nothing, do Japandrois e tantos outros) mostram que, hoje, uma geração de bandas prefere sonhar com, digamos, um momento-Bleach. Nada mega, nada ultra, nada uber: tudo o que elas almejam é o apreço de um selo indie que permita o parto de álbuns curtinhos, ruidosos, sem ambições comerciais e profundamente sinceros.
1989: o ano que não terminou.
Talvez contaminado pelo espírito da minha adolescência, eu ainda prefiro Nevermind a Bleach. E costumo valorizar as bandas que tentam ampliar o público, sair da caverna, sem abandonar a dignidade. Mas, quando penso muito friamente nisso tudo, não consigo negar que a atitude intransigente e introspectiva que se costuma encontrar no circuito indie combina com um tempo em que a mise-en-scene do showbusiness e das majors soa como uma paródia de si mesmo.
A principal questão não é “como faço para gravar um novo Nevermind?”, mas simplesmente “por que gravar um novo Nevermind?”.
A estreia do Male Bonding foi lançada pela Sub Pop, que também vai distribuir o disco novo do Wolf Parade. Nos dois casos, o selo de Seattle teve que sair da América para encontrar bandas que, de uma forma ou de outra, dão prosseguimento à sonoridade áspera e garageira que associou-se ao selo no início dos anos 90. A história se repete, mas como?
O caso do Male Bonding, um trio londrino de noise-pop, é o mais impressionante de todos: em algumas faixas, eles soam como uma releitura tão fiel do pré-grunge que dá arrepios. Jorros de guitarras agudas em canções de dois minutos, com refrões que grudam na orelha e confissões juvenis como “nada vai mudar, tudo continua igual” (All things this way tem 1 minuto e meio e é a melhor do disco). E dá-lhe feedback.
É claro que, como acontece com o Surfer Blood, a banda prova alguns dos sabores da estação: o rock ‘n’ roll sixties (Weird feeling lembra um pouquinho os Beatles de Please please me) e o pós-punk com molho exótico e tropical (Pirate key cheira a Vampire Weekend), tudo condensado em 30 e poucos minutinhos que passam tão rapidamente (e provocam tantas sensações nostálgicas) quanto um episódio de That 70’s show. That 90’s show, melhor dizendo.
É um disco muito decente, compactado a um formato típico da Sub Pop (pílulas noise para consumo rápido e repetidas audições), mas que me deixa torcendo para que esta banda comece a sonhar com um momento-Nevermind. Quem sabe, né? Não custa nada.
Primeiro disco do Male Bonding. 13 faixas, com produção de Pete Lyman. Lançamento Sub Pop Records. 7/10