Toy Story 3

Os melhores filmes de 2010 (20-11)

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Em 2010, este blog tratou os filmes com descaso. Poucos parágrafos, ideias mortas na praia, bloqueio criativo, crises de identidade… O tipo de drama que você encontra em roteiros do Charlie Kaufman e em coletivas de imprensa do Lars von Trier. Mas, curiosamente, na soma dos rounds, o cinema venceu: foram 270 filmes contra 140 discos. Um punhado de película.

Assumo a culpa. Erro meu. Talvez as coisas melhorem em 2011. Daí que, até como uma forma de pedido de desculpas, eu não poderia esquecer o tradicional resumo da ópera. Ou: o ranking dos 20 melhores filmes do ano.

As regras são as de sempre: entram na lista apenas os filmes que foram exibidos no circuito brasileiro em 2010. Não contam, por isso, os que vi em mostras ou em DVD.

Esse método antiquado traz, é claro, algumas consequências desagradáveis. Por exemplo: como fazer justiça a Tio Boonmee, Mistérios de Lisboa, Somewhere e tantos grandes filmes que vi durante o ano? Para tentar resolver o problema, fiz uma lista com os longas de 2010 que ainda não entraram em cartaz. Ela aparece no post seguinte, aguardem.

Em compensação, este universo em retração — os filmes exibidos no nosso circuito — permite que este ranking não se torne excêntrico demais. A ideia das listas é organizar o caos, certo? Então comecemos o jogo.

Mas sem menções honrosas, que aí seria forçar amizade.

20 | A caixa | The box | Richard Kelly

O pai de Donnie Darko dirige um episódio alongado de Twilight zone. Que, sem temer o ridículo, faz justiça aos momentos mais delirantes da série de tevê.

19 | A fita branca | Das weisse band | Michael Haneke

O drama bergmaniano de Haneke: tão solene quanto um discurso de vencedor do Nobel da Paz. Mas não consigo desprezar um cineasta que produz imagens rigorosamente desconfortáveis.

18 | Invictus | Clint Eastwood

Uma ode a Mandela. Mais: uma fita de esporte dirigida serenamente. E, antes que esqueçamos, um comentário lúcido sobre relações políticas. Clint avisa: não é treino, é jogo.

17 | Toy Story 3 | Lee Unkrich

A animação que ensopou os óculos 3D não me comoveu como os dois episódios anteriores. Mas há como resistir? A fórmula sentimental/tecnológica da Pixar ainda tem seu encanto.

16 | A falta que me faz | Marília Rocha

Para descobrir por que os mineiros do coletivo Teia fazem alguns dos melhores filmes brasileiros deste século: um documentário sem certezas, e delicado da primeira à última cena.

15 | O escritor fantasma | The ghost writer | Roman Polanski

Polanski dirige um noir em azul e branco, gélido (e, para o meu gosto, tedioso em alguns trechos), que vale por um autorretrato. Bônus: a ironia perversa de sempre.

14 | Meu mundo em perigo | José Eduardo Belmonte

O longa que Belmonte dirigiu entre A concepção e Se nada mais der certo tem os olhos cheios d’água. Um pequeno guia: como se aproximar dos personagens (e de suas aflições) com total franqueza.

13 | Scott Pilgrim contra o mundo | Scott Pilgrim vs. the world | Edgar Wright

Um game que quase nos vence nas últimas fases (confesso que me senti anestesiado), mas com os 30 minutos iniciais mais hilariantes do ano. Edgar Wright, you win.

12 | O que resta do tempo | The time that remains | Elia Suleiman

Um dos maiores temas do século 20/21 (os conflitos entre israelenses e palestinos no Oriente Médio) tratado como uma questão pessoal. Um diário, e ele sangra.

11 | A rede social | The social network | David Fincher

Perfil impiedoso do criador do Facebook e de uma geração que criou um novo modelo de comunicação e de negócios (mas era isso o que queríamos para nossas vidas?). Fincher, contido, observa de longe.

2 ou 3 parágrafos | Shrek para sempre

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O primeiro Shrek, hem, que baita alarme falso: a animação, lançada em Cannes em 2001, nos prometia uma disputa criativa muito interessante entre a Pixar (associada à Disney) e a PDI/Dreamworks. Mas a brincadeira perdeu a graça. A Pixar dominou o formato (e seguiu em frente) enquanto que a Dreamworks passou a reviver aquele ano de 2001, mais ou menos como o personagem de Bill Murray em Feitiço do tempo: um dia exatamente igual ao outro. 

Não que o estúdio de Jeffrey Katzenberg tenha se afogado em desleixo. Como treinar o seu dragão, Kung fu Panda e Bee Movie são filmes até cuidadosos, mas nada que se compare a um Ratatouille, a um Wall-E, a um Up – Altas aventuras. Cruel mesmo, no entanto, é comparar os dois “carros-chefe” dos estúdios: as séries Toy story e Shrek. No primeiro caso, a tentativa de crescer junto com o público; no segundo, a repetição mecânica de ideias que deram certo.

Ao contrário de Toy story 3, Shrek para sempre (2/5) deixa a impressão de um episódio mediano de um seriado de tevê que, após três temporadas, perdeu o viço. A narrativa segue um modelo-padrão de programas televisivos (com uma inspiração distante, e muito rasteira, de A felicidade não se compra): o herói passa por um momento de crise que transfigura o mundo em que ele vive – ao fim da trama, porém, a normalidade é reestabelecida. No caso, a normalidade é a vida em família, o matrimônio. Quando o ogro resolve abandonar o home-sweet-home e se lambuzar na solteirice, ele é duramente penalizado. Lição conservadora (e incômoda) da semana: os finais felizes são infinitamente felizes para quem se conforma com as convenções.

2 ou 3 parágrafos | Toy Story 3

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Antes que perguntem: não chorei em Toy Story 3 (3.5/5). Nada, gente, lágrima nenhuma. Nem no finalzinho, que praticamente inundou o multiplex. Eu sei: a reação desapaixonada faz de mim um bruto. Mas vejam: nunca me afeiçoei aos meus soldadinhos do Comandos em Ação nem me vi obrigado a, aos 17, abandonar o ninho e transportar minhas tralhas para uma universidade da Ivy League (saí para morar sozinho, é, mas minha família está logo ali). Então este filme me parece apenas uma aventura sobre brinquedos falantes com algumas metáforas afetuosas sobre o valor da amizade (mesmo quando com seres de plástico) e doloridos ritos de passagem.

No filme, um adolescente vive um dilema: não sabe se guarda os bonecos no porão, se doa tudo para uma criancinha, se deposita os amiguinhos numa creche ou se os manda ao triturador de lixo. Enquanto isso, os bonecos entram em parafuso, coitados. Sei que esse conflito pode ser extremamente tocante e sei que ele nos diz tanta coisa sobre a aventura humana, mas preciso analisá-la com um pouco de distanciamento (tudo bem?). O que vejo no filme, acima de tudo, é a fase de acomodação da carpintaria da Pixar, com todos os truques a que tem direito. Eu já havia notado essa característica (que não chega a ser um problema) em Up – Altas aventuras, que começa maravilhosamente bem, mas acaba se acoplando a uma narrativa muito quadradinha e segura (traduzindo: eles não querem, não podem ou não sabem fazer um filme completamente lírico ou deliciosamente louco como os do Hayao Miyazaki).

Toy story 3, por isso, não me parece tão bem bolado quanto Toy story 2, apesar de funcionar (e odeio essa palavra, mas ela é muito precisa nesse contexto) muito bem, como uma máquina bem calibrada. O roteiro é todo esquemático, engraçadinho e quase tão satírico quanto as comédias da Dreamworks, com climas de fitas de presidiários (uma versão censura livre de O profeta, digamos) e cenas de ação até cruéis (se bem que a solução para o clímax tenso me frustrou completamente). Mas, apesar de ter deixado boas lembranças, o filme  me deixou com a impressão de ter visto um brinquedo sob medida, montado com peças de sucessos da Pixar: o coração mole de Up e Procurando Nemo, os hormônios de Os incríveis, a graça meio nonsense de Monstros S.A., etc. Tudo bem. Divertido até. A pipoca do ano. Mas prefiro a Pixar que deixa os diretores pintarem e bordarem: mais Brad Bird, menos Lee Unkrich.