Todd Solondz
Avi Buffalo | Avi Buffalo
(Um texto sobre o disco Avi Buffalo, da banda Avi Buffalo. Com anotações sobre Becoming a jackal, do Villagers)
(Não, não vou fazer isso sempre. Fiquem tranquilos)
Há muito tempo, talvez uns bons cinco anos, entrevistei o Todd Solondz. O cineasta. Vocês sabem quem. Ele é, de fato, um sujeito esquisito. Sim, um pouco como o Milhouse, amiguinho do Bart Simpson. E, mais importante do que isso, o homem parecia um tanto desconfortável.
Talvez estivesse incomodado com a cidade (Brasília é um susto, e é por isso que eu a amo), talvez com os jornalistas que o acossavam (gravadores em riste!), talvez com as perguntas enviesadas de uma repórter que o confundiu com o Larry Clark. Talvez, na hipótese mais curiosa, ele fosse daquele jeito mesmo. Suava ao responder às perguntas. Uns vinte minutos depois, já exausto, pediu uma garrafinha d’água e zarpou para o quarto do hotel.
Antes de sair, respondeu à inevitável questão sobre esse tal de cinema independente. Azar de quem perguntou. O tio geek estava farto, exausto, irritado, uma pilha. Daí que respondeu algo ríspido, quase uma cusparada (e traduzo o desabafo para o português, para poupar-lhe trabalho):
“Cinema independente? Bull-shit! Isso não existe! Isso nunca existiu! Isso é uma farsa! O único cineasta independente que eu conheço é o George Lucas, que tem grana pra filmar o que bem entende. Poupem-me desses clichês ridículos”, e foi (se não me falha a memória) isso.
Obviamente (e vocês, que são mais inteligentes do que eu, perceberam isso), trata-se de uma declaração tão inconsequente quanto muitos dos filmes do diretor de Felicidade. Também: uma declaração que, apesar de feia, tem um quê de verdade – como são os filmes do diretor de Felicidade.
O que acontece é que sempre penso nela, naquela declaração, quando ouço um disco “independente” que me parece tão cômodo quanto aquilo que esperamos de álbuns lançados por corporações do mal. É o Solondz no meu ouvido: rock independente? Bull-shit!
Mas, se é assim, se todo maniqueísmo é ilusão, por que os selos independentes ainda despertam em mim infinita simpatia? Mais do que isso: por que eles evocam uma certa aura de pureza, de espontaneidade, como se fossem gerenciados por um bando de hippies que vive dentro de cabanas e se alimenta de frutas e peixe assado? E eu não sou o sujeito mais ingênuo. Eu também perdi a inocência quando descobri que meu pai e minha mãe resolveram fazer por conta própria o que deveriam ter encomendado à cegonha. Então… Por quê?
Bem-vindos, amigos, ao mundo de Avi Buffalo, uma banda californiana. E do Villagers, um projeto irlandês. Ambos saudáveis e esguios. Ambos agradabilíssimos. Ambos confortavelmente independentes.
A estreia do Avi Buffalo saiu pela Sub Pop, talvez o maior selo indie dos Estados Unidos. O do Villagers, pela Domino Records, um dos maiores da Europa. Antes que alguém me recrimine, são dois belos discos. Você deveria tê-los no seu iPod.
Não existe, pelo menos não que eu saiba, um “som Sub Pop” ou um “som Domino Records”, mas, naturalmente, existe uma certa coerência na forma como os selos escolhem as bandas contratadas e lançam discos.
Sabemos, por exemplo, que a Sub Pop prefere álbuns concisos (quando lançaram o CSS, foram logo cortando as gorduras do disco) e, depois de um tufão chamado The Shins, procura bandas que sigam uma certa linha folky, dreamy, levemente psicodélicas: daí vieram Band of Horses, Fleet Foxes e, agora, Avi Buffalo.
E sabemos também que a Domino Records tem a capacidade de facilitar o acesso a outsiders: foi o que aconteceu com o Animal Collective em Merriweather Post Pavilion e com o Dirty Projectors em Bitte Orca. Outro dia mesmo, eles lançaram um disco elegantemente melodioso do Wild Beasts. O slogan do selo seria algo como “estranheza sim; mas com ternura”.
Becoming a jackal, do Villagers, parece ter sido formatado para nos fazer lembrar de Two dancers, do Wild Beasts. Da mesma forma como Avi Buffalo está coladinho ali em Oh, inverted world, do Shins, e no primeirão do Fleet Foxes.
A história, portanto, funcionaria mais ou menos assim: se você gostou de Wild Beasts, ouça Villagers. Se curtiu Shins, vá de Avi Buffalo. Mais ou menos quando a Universal Music, digamos, tenta nos empurrar a nova Rihanna, o novo Kanye West. Não muda muita coisa.
O interessante, nos dois casos, é como as bandas lutam (discretamente) contra as expectativas criadas pelos selos. Sim, já que o Villagers não é o novo Wild Beasts e o Avi Buffalo não veio ao mundo (felizmente) para clonar os genes do Shins.
Daí que, resumindo, são dois discos no meio do caminho. Entre pontos de partida problemáticos (tudo o que eles deveriam ter feito era seguir caminhos já planejados) e alguns belíssimos desvios de rota.
O do Avi Buffalo, por exemplo, aos poucos vai se transformando numa cria até muito convincente de Neil Young e Grateful Dead. Five little sluts é algo muito mais próximo de um Thurston Moore do que de um Band of Horses (é claro, amaciado pelos travesseiros da Sub Pop). E Avigdor Zahner-Isenberg, o prodígio de 18 anos que escreve essas canções, canta maltratando a faringe, sentindo cada nota.
O disco do Villagers – projeto do faz-tudo Conor J. O’Brien, de Dublin – parece mais adaptável à programação das rádios que veiculam as baladas de Damien Rice e Jamie Cullum. Como o Wild Beasts, Conor vai do mundano ao bizarro. A primeira faixa, I saw the dead, resume esse equilíbrio: o compositor nos convida para entrar num porão onde vivem crianças mortas. Na faixa seguinte, avisa que está vendendo a alma (e, aparentemente, somos nós os compradores).
É um personagem forte, esse homem atormentado, esse lone ranger, essa pobre alma assombrada por sabe-se lá quantos fantasmas.
Mas, tal como o Avi Buffalo, o que há de singular nessa sonoridade é arredondado por uma produção que deixa tudo nos devidos lugares. A produção vende o disco muito bem. Faixas como Home e Pieces justificam a indicação do disco ao Mercury Prize: são corretas e, se você estiver no clima, tocantes.
Por curiosidade, eu gostaria de ouvir um disco do Avi Buffalo que não passasse pelo crivo da Sub Pop. E um álbum do Villagers sem a grife da Domino Records. Outro dia mesmo, eu comentei por aqui que as pressões de grandes gravadoras às vezes estimulam os nossos ídolos a nos surpreender. Nesses dois casos, no entanto, eu queria muito menos: o que eles fariam se tivessem toda a liberdade do mundo?
Talvez nada muito melhor do que isso. Veja o George Lucas. Mas seria um desafio.
Avi Buffalo. Primeiro disco do Avi Buffalo. 10 faixas, com produção de Aaron Embry. Lançamento Sub Pop. 7/10
Becoming a jackal. Primeiro disco do Villagers. 11 faixas, com produção de Conor J. O’Brien e Tommy McLaughlin. Lançamento Domino Records. 7/10
2 ou 3 parágrafos | E o Oscar foi para…
Vi o Oscar aos pedaços, pela internet (não sei se perdi muita coisa, perdi?), mas preciso dar duas palavrinhas sobre o resultado. É que me incomoda muito essa conclusão (cada vez mais generalizada) de que a vitória de Guerra ao terror é um soco em Hollywood, um sinal de mudança, uma sandice da indústria. Calma lá. Não é bem o que acontece.
Desde o fim dos anos 80, a Academia aprendeu a lidar com as pressões criadas pelos próprios “independentes”, que passaram a investir em campanhas mais agressivas para emplacar produções e aquisições no Oscar (e o maior exemplo é a Miramax). Mas, já no fim dos anos 90, quando a própria Miramax já tinha sido comprada pela Disney, o conceito de independência ficou nebuloso. O que diferencia verdadeiramente esses filmes daqueles validados pelos grandes estúdios? Quem quer ser um milionário, Juno e Pequena Miss Sunshine, todos com o selo da Fox Searchlight (setor de um estúdio enorme), devem ser classificados como indies? E essa classificação, o que representa hoje além de um valor de marketing? Lembro de uma entrevista que fiz com o Todd Solondz, de Felicidade. “O único cineasta independente é o George Lucas, que controla todo o processo de produção dos próprios filmes”, ele comentou. É por aí.
Guerra ao terror é uma fita distribuída nos Estados Unidos pela Summit Entertainment, uma “pequena empresa” que lançou Crepúsculo e Lua nova. Me pergunto que, se num ataque de loucura dos integrantes da Academia, uma vitória dos vampiros adolescentes teria provocado manchetes em defesa dos independentes. Aposto que não. O que me interessa mais é notar como, nos últimos anos, a Academia tenta usar a (muitas vezes falsa) ideia de autenticidade associada aos “pequenos filmes” para recuperar prestígio e simular a aparência de uma festa relevante e séria, comprometida com um cinema supostamente adulto e legitimado pela crítica. Guerra ao terror cumpre todos esses requisitos. E (ainda que, no contexto, este seja um detalhe) calha de ser um belo filme.
Superoito rápido e rasteiro (1)
Invictus | Clint Eastwood | 3.5/5
Mais para Cowboys do espaço do que para Gran Torino, é um filme que me agrada muito pelo tom da narrativa (sóbrio, esperançoso, afetuoso, puro Clint) e pouco pela trama, que simplifica situações e personagens reais. O Mandela de Morgan Freeman, apesar da interpretação comprometida de Morgan Freeman, não vai muito além de um símbolo idealizado de bondade e perspicácia política. Já o capitão do time de rúgbi (Matt Damon), o branco meio impassível que aos poucos vira fãzoca do presidente.
Clint não esclarece um ponto que me parece essencial: quais foram as estratégias práticas usadas pelo time de rúgbi para sair do fracasso e embarcar na glória absoluta? Foi mesmo tudo uma questão de força de vontade e nacionalismo recém-adquirido? Em compensação, continua o grande cineasta que conhecemos: no caso, mostra com total clareza, sem ingenuidades, as conexões entre política e esporte.
Tetro | Francis Ford Coppola | 3/5
Apesar de fotografar generosamente a arquitetura de Buenos Aires, o filme me pareceu tão artificial quanto O fundo do coração: uma deslumbrante (mas preciosista) maquete de sentimentos. A Argentina de Coppola é tão falsa quanto algumas cédulas suspeitas que circulam nos bares da Recoleta. Cidade de sonho. Existe algo muito interessante no projeto da obra: o diretor narra um drama pessoal como um melodrama que, nos trechos mais desenfreados, chega a parecer almodovariano. É o melhor filme dele em muitos anos, mas provoca em mim a sensação de acompanhar os movimentos de personagens aprisionados dentro de um lindo aquário.
The cove | Louie Psihoyos | 3/5
Produzido pela Oceanic Preservation Society, este documentário não nega o tom panfletário: é um filme-denúncia sobre a matança de golfinhos no Japão. Por isso, que ninguém espere encontrar algo com a profundidade de um O equilibrista, ainda que o diretor Louie Psihoyos também use elementos de fitas de suspense para narrar esta aventura camicaze. A insistência como associa a causa dos golfinhos à fofura de Flipper é um golpe abaixo da cintura (até para sujeitos como eu, que preferiam a Lassie). As cenas finais são chocantes o suficiente para converter o mais insensível dos carnívoros.
Preciosa | Lee Daniels | 2/5
Era mais ou menos o que eu esperava de um drama coproduzido pela Oprah Winfrey: exploração sensacionalista da “dureza da vida” à serviço de lições sobre superação e perseverança. E depois atacam os filmes do Todd Solondz (que pelo menos não são unidimensionais)… Eu não me incomodaria com uma vitória de Mo’nique ou de Gabourey Sidibe no Oscar, mas Mariah Carey e Lenny Kravitz brincando de interpretar gente-simples-e-comum é uma distração tão grosseira quanto a forma como Lee Daniels encena os delírios da protagonista miserável – que, é claro, sonha em ser uma espécie de Mariah Carey.
P.S. As cotações para filmes, a partir de agora, é a seguinte: até 5 estrelas. A lista completa de filmes de 2010 está no meu log: tiagos8.sites.uol.com.br.