The Weeknd
mixtape | Dezembro, verão cinzento
A mixtape de dezembro é diferente das coletâneas mais recentes que você encontrou neste blog. As outras vinham em, digamos, technicolor. Esta foi filmada em p&b. Branco e preto. Branco + preto. Um pouco cinzenta, e emocionante all the way.
A mixtape tá tão boa que faz por merecer um adjetivo afrescalhado: é linda, linda, linda demais (pronto, parei com os adjetivos afrescalhados).
Sinceramente, é uma pena que muitos dos três leitores deste blog estejam, neste momento, na praia, torrando ao sol, entornando hidratante nas costas das respectivas namoradas. É uma pena porque esta aqui não é tão-somente a melhor mixtape do ano – estamos falando na melhor mixtape da história deste blog. Sério, gente. Sério de verdade.
Também: é uma das mixtapes mais simples, combinando canções folksy com eletrônica, num tom constante de fragilidade, delicadeza. Melodias por um fio, com estouros ocasionais de entusiasmo. As músicas são todas excelentes, e seria lamentável se você esperasse 2012 começar para conferir essas joias. Faça um favor a si mesmo e ouça esta mixtape antes do ano-novo.
Aqui dentro desta coleção de arquivos em MP3 você encontra Field Music (foto acima), Megafaun, Radiohead (sim!), Run DMT, Julia Holter (voltaremos a ela), Kendrick Lamar, James Blake (sim!), Bill Callahan, Oneohtrix Point Never e The Weeknd (sorry, haters!). Muita melancolia (pra quem é de melancolia), muita sutileza (pra quem é de sutileza). Mas sem cair em chororô, porque isso não é coisa que você encontra neste blog.
Antes que eu esqueça: voltamos a ter a incrível opção tecnológica de ouvir a mixtape aqui mesmo, enquanto você lê o blog! (A lista de faixas está ali na caixa de comentários)
No mais, desejo a você um bom 2012. Até logo (comentários na velha e boa caixa serão recebidos com muito apreço, como de hábito).
Faça o download da mixtape de dezembro (o link já tá funcionando novamente).
Ou ouça aqui:
Vídeos do VodPod não estão mais disponíveis.
♪ | Echoes of Silence | The Weeknd
Conhecemos Abel Tesfaye (aka The Weeknd) há apenas nove meses. Felizmente, não se sabe ainda muito sobre ele: imagino que, quando o canadense começar a aparecer nos clipes da Beyoncé e a tomar sol em iates, vamos sentir falta da época em que ainda conseguia dissolver a própria identidade dentro de canções misteriosas, cheias de segredos e armadilhas, talvez não exatamente autobiográficas (nem totalmente inventadas) – um homem na fumaça da ficção.
O noir Echoes of Silence é o último capítulo de uma trilogia de discos que começou com House of Balloons (em março) e seguiu com Thursday (numa quinta-feira de agosto). Como acontece no desfecho de qualquer série, este também pode provocar alguma melancolia nos “leitores” que acompanhavam a história desde o começo. Soa, a um só tempo, como o resumo (de uma aventura) e uma despedida. Tem muito da agonia bonita de um O Poderoso Chefão – Parte 3 – e um pouco das redundâncias tediosas de um Matrix Revolutions. Não é o grande disco que esperávamos de Abel – tampouco o pior.
House of Balloons, o primeiro ato, tinha as músicas mais sedutoras, as cenas de maior impacto, a ação, o drama e as surpresas. Thursday – uma espécie de after-party daquele disco – vinha num movimento um pouco mais arrastado, agônico, se alastrando lentamente como o remix dub de um álbum comercial de R&B. Echoes of Silence reprisa elementos dessas duas encenações, mas inclui um tema ao repertório de Abel: as consequências da fama.
Lavar a roupa suja do showbusiness se tornou um clichê na música pop, mas, no caso do The Weeknd, o clima de ressaca/decadência combina perfeitamente com a atmosfera dos discos anteriores, que viam a vida noturna de uma cidade grande (Montreal, digamos) como um teatro de vampiros, um enorme reality show em que pessoas comuns, solitárias, criavam identidades alternativas para conseguir afeto, sexo, drogas. A noite, para Abel, é um palco.
Mais do que os álbuns anteriores, Echoes of Silence estreita a distância entre Abel e os personagens que vagam nas canções do The Weeknd. Talvez por isso ele me pareça o disco mais inseguro da trilogia: em muitas das músicas, o que se ouve são os “posts” desesperados de um ídolo em ascensão, cheio de incertezas sobre o showbusiness e a ideia de sucesso. “Não cheguei ao topo, mas sinto como se estivesse lá. Me sinto bem”, avisa, em The Fall. Mas, em seguida, comete um ato falho: “Não tenho medo da queda. Já senti o chão antes.”
O medo a gente compreende. Mas queda? Quem falou em queda?
O brinde natalino do Weeknd chega num momento em que Abel dá tapinhas nas próprias costas enquanto lê as listas de melhores discos do ano, acompanha a ótima repercussão de Take Care (álbum de Drake em que participou), e produz remixes para Lady Gaga e Florence and the Machine. Nesse contexto, Echoes of Silence provoca a impressão inevitável de que Abel começa a se preocupar com o expediente da firma da indústria musical. Não acredito, no entanto, que o disco deva ser lido como mero diarinho, como espelho límpido pro artista.
Isso porque Abel segue criando tipos fantasmagóricos para compor as canções. Segue mesclando autobiografia e ficção. Não é sempre que usa a primeira pessoa para narrar as tramas – e, mesmo quando o faz, parece consciente do talento para storyteller. Em XO/The Host, por exemplo, ele volta ao cenário de The Morning para acompanhar a noitada incrível/terrível de uma mulher. O narrador, um mefisto vestido em couro, é aquele que oferece o caminho da perdição a essas almas perdidas/penadas.
Criar fantasias como alívio para um cotidiano insuportável é um tema que aparece na maior parte dessas nove faixas: está em Outside (sobre um casal que se tranca dentro de um quarto, Palmeiras Selvagens style), em Next (cuja protagonista flerta com o narrador só porque ele é o “próximo da fila”), em Initiation (sobre a primeira vez… com o ecstasy) e na faixa-título, a mais tocante do repertório de Abel. “Sei que você sente dor enquanto fazemos amor. Mas, se você está fingindo, vou fingir também”, propõe o ladie’s man patético de Outside.
A prosa segue atormentada, sem alívios. Nada se resolve (a fantasia logo e sempre desmorona). Nenhum romance se sustenta, e a noite segue implacável. Pena que, ao contrário do que acontecia em House of Balloons e Thursday, o cansaço dos personagens agora “vaza” para as melodias e para a produção de Illangelo (o “diretor de fotografia” de Abel), que não parece se sentir desafiado a criar imagens à altura do script do compositor. A faixa de abertura, uma versão de Dirty Diana (lado B de um Michael Jackson fase Bad) é Weeknd as usual: guitarras machonas de hard rock versus batidão-zumbi. Não chega a assustar.
No mais, falta imaginação ao disco: as nuances de House of Balloons, minimizadas em Thursday, são trocadas por uma palheta de cinzas-chapados, repetitivos, que não fazem muito além de reafirmar os traços sombrios das faixas mais conhecidas do The Weeknd (Wicked Games, principalmente, e sempre ela). Para quem ouve, é como voltar pela segunda vez à cena de um crime.
Ao menos, Abel cria uma bela cena de encerramento. A faixa-título, mais um conto sobre amor masoquista, fecha com um dos raros momentos de sinceridade de um narrador cínico, degenerado. À mulher que decepcionou, o homem faz um pedido sussurrado: “Não abandone a minha vidinha.” E a cortina desce, silenciosamente.
Terceiro disco do The Weeknd. Nove faixas, com produção de Illangelo, Clams Casino e DropxLife. XO Records. Baixe aqui: http://the-weeknd.com. 69
top 10 | Os discos de 2011
Está feito, meus chapas: depois de um processo aflitivo de seleção (mentira, foi facinho), começa aqui a minha retrospectiva de 2011. Papai Noel trouxe listas pra vocês. Listas. Como viveríamos sem elas?
Este ano, tentei resumir um pouco os meus rankings, sempre tão afobados e hiperbólicos. Em vez dos tradicionais top 20, desta vez teremos dois top 10 (um para os discos, o outro para os filmes), com menções honrosas. Será simples. Também prometo: textos mais curtos e menos dramalhão.
O que vocês não vão encontrar: discos brasileiros (poucos me empolgaram, e acho forçado escolher 10) e lamentações sobre a saúde da música pop (ao contrário do que dizem por aí, 2011 foi um ano que soou até muito atlético nos meus fones de ouvido).
No mais, nada do que aparecerá nos próximos parágrafos será grande novidade para os cinco leitores que acompanham este blog. Quem me conhece sabe que não sou o maior fã das surpresas de última hora.
O post é dividido em três partes. Começando com…
Não, obrigado (10 discos muito amados; não por mim)
Angles – The Strokes [hors concours: pior do ano]
Circuital – My Morning Jacket
El Camino – The Black Keys
The English Riviera – Metronomy
Father, Son, Holy Ghost – Girls
Hurry Up, We’re Dreaming – M83
Noel Gallagher’s High Flying Birds – Noel Gallagher
Suck It and See – Arctic Monkeys
21 – Adele
Wasting Light – Foo Fighters
10 outros discos (menções honrosas; em ordem alfabética)
Channel pressure – Ford and Lopatin
Goblin – Tyler, The Creator
Let England Shake – PJ Harvey
Megafaun – Megafaun
On a Mission – Katy B
Parallax – Atlas Sound
Replica – Oneohtrix Point Never
Sound Kapital – Handsome Furs
Tomboy – Panda Bear
Yuck – Yuck
Os melhores do ano
10 It’s All True – Junior Boys
Um disco sedutor, mas nunca de um jeito convencional. Talvez não seja fácil amar esta soul music acinzentada, quase tímida, sem melanina. Mas quando os galanteios de Greenspan e Didemus começam a fazer efeito, o que ouço é o som de uma banda criando os próprios rituais de conquista. E isso é raro.
9 Wounded Rhymes – Lykke Li
Numa temporada muito concorrida para as cantoras de temperamento forte (e vá lá: que é Zola Jesus?), quem me tirou do sério foi esta sueca de 25 anos, que escolheu o deserto de L.A. para encenar um rito de passagem musical. A beleza, não sem dor (transições têm disso), sobrevive à tempestade de areia.
8 Kaputt – Destroyer
Dan Bejar escreveu músicas melhores, em discos como Rubies e Streethawk. Nenhum outro, no entanto, resultou completo como Kaputt. E aqui estamos falando de uma obra: um álbum que cria uma atmosfera chuvosa, capaz de unir e engrandecer as canções. Um espaço à parte; um lugar pra Dan morar.
7 An Empty Bliss Beyond This World – The Caretaker
Poucas ideias me parecem tão poéticas quanto a deste disco de James Kirby: representar, com música, o esforço que fazemos para lembrar sensações que experimentamos no passado. As colagens do compositor nos levam a estações sublimes & medonhas da mente humana: uma viagem insólita, difícil, e única.
6 Bon Iver – Bon Iver
No anterior, For Emma, Forever Ago, Justin Vernon criou a imagem de um herói romântico, recluso, que escrevia canções tristes numa floresta. Em Bon Iver, ele cria um novo capítulo para essa fábula indie: o outsider sai lentamente de casa. E as paisagens que ele encontra, pra nossa sorte, são deslumbrantes.
5 Take Care – Drake
Talvez sem essa intenção, Drake gravou o disco pop mais desencantado (e importante) do ano: no script, o incrível caso do jovem entertainer que, nem bem começou a jogar o jogo do showbusiness, já não se impressiona com nada. “No fim, somos apenas eu, eu mesmo e meus milhões”, ele confessa. No fun.
4 We’re New Here – Gil Scott-Heron e Jamie xx
Apesar de ter sido levada muito a sério (a faixa-título do álbum do Drake, por exemplo, foi “roubada” daqui), esta coletânea de remixes flui com a alegria que é típica de uma mixtape de fã. Enquanto o velho Scott-Heron (morto em maio) comenta o mundo, o jovem Jamie se diverte. E é quase só isso.
3 Helplessness Blues – Fleet Foxes
Esperávamos dos Foxes um segundo disco impávido. Mas Helplessness Blues é apenas o álbum que Robin Pecknold, 25 anos, conseguiu gravar: sincero tanto na carpintaria sonora (lindamente demodé) quando em versos cheios de incertezas, já com saudade de uma juventude que vai morrendo lentamente.
2 House of Balloons – The Weeknd
Admitam: é preciso ter pelo menos um pouco de talento para criar um disco tão amado e odiado. Se o mundo inventado pelo canadense Abel Tesfaye tem um quê de graphic novel, estamos falando de um Frank Miller menos brucutu: o contraste em p&b define o tom desta viagem noturna, que pode ser “lida” como um sintoma terrível do nosso mundo – mas também como autoficção de primeira linha. A música do ano, The Morning, está aqui.
1 James Blake – James Blake
O primeiro disco de James Blake poderia atender por Songs From a Room. Poderia. Porque, depois de lançar EPs muito elogiados (e que não incomodaram nadinha os seguidores da cena dubstep inglesa), o compositor resolveu estrear com um álbum que soa como uma certidão de nascimento: quando o ouço, imagino imediatamente um artista solitário dentro de um quarto, fazendo arte do zero, from scratch, para si. Não é mais o James Blake que conhecíamos, até porque um artista de verdade não é quem queremos que ele seja: nem as sombras digitais, a cacofonia cool, conseguem esconder o homem inseguro, iniciante, que chega ao palco desacompanhado e se apresenta diante da plateia. E assim o espetáculo começa.
Mixtape! | Agosto, die young
A mixtape de agosto, que agora vocês têm em mãos, me tomou de surpresa. Primeiro porque ela soa mais coesa (e intrigante!) do que eu previa. E, em segundo lugar, por um motivo que só descobri depois de ter ouvido o CDzinho pela terceira vez: ele se tornou muito mais cinzento do que a coletânea que eu planejei.
Acidentes acontecem, pois bem. E esta mixtape, oh sim, aqui me parece um belo acidente.
Logo depois que gravei o CD, me decepcionei um pouco com o resultado: parecia disforme, desajeitado. Depois percebi que ele fazia todo sentido. E exclamei, aqui comigo: “Uau! Ficou incrível!”. Hoje, neste último dia de agosto, estou certo de que é a melhor mixtape que apresentei neste nobre espaço on-line.
Mas essa é apenas a minha opinião, ok? Vocês têm todo o direito de xingar muito na caixa de comentários, é claro.
Deixe-me explicar o processo: esta mixtape começou como uma coletânea de hip-hop/R&B, e foi se transformando em algo totalmente diferente. Noto que existe uma camada de tristeza, talvez mal estar, ao redor destas canções. Não é uma mixtape eufórica como a de julho, e não funciona muito bem em academias de ginástica.
Acho até que, se vocês prestarem atenção, o disquinho contará a historinha de um amor violento que deu terrivelmente errado. E tem outra coisa: durante o mês, me peguei conversando muito (com minha família, amigos) sobre o medo que as pessoas têm de envelhecer, e sobre como às vezes se tenta prolongar a juventude (sem sucesso, obviamente). Talvez o disco seja um pouco sobre isso (e, por coincidência, tem uma música chamada Die young).
Sem mais divagações, então: este CD contém faixas de Richmond Fontaine, The Weeknd, Girls, Stephen Malkmus & Jicks, Kanye West & Jay-Z, Cities Aviv, Ford and Lopatin, EMA e Gillian Welch (para o Guilherme Semionato, que às vezes visita este blog). O melhor está no fim: a foto acima, portanto, é do Moonface.
A lista de músicas está na caixa de comentários.
Há duas formas de ouvir o CD: aqui no blog e fazendo o download. Eu sugiro a primeira opção (com músicas editadas e lustradinhas), mas a segunda é sempre muito válida (eu mesmo prefiro ouvir essas mixtapes enquanto caminho por aí). Espero que vocês gostem, e, se possível, deixem comentários.
Faça o download da mixtape de agosto
Ou ouça aqui:
Vídeos do VodPod não estão mais disponíveis.
Thursday | The Weeknd
Thursday, a segunda mixtape do The Weeknd, é uma continuação de House of balloons, lançada há cinco meses. Mas não uma sequência direta, linear. O que o álbum novo faz é cavar um porão que nos leva ao subsolo daquele outro disco — e, principalmente, a uma camada subterrânea onde germinam as sementes sinistras da faixa mais elogiada que eles lançaram até aqui, Wicked games.
Essa não é, se você quer mesmo saber, a minha música preferida naquele álbum. Mas ela passou a representar, para todos os efeitos, a sonoridade que o Weeknd ia tateando ali: uma versão beira-de-abismo, degenerada, para o R&B comercial. Os lugares-comuns do gênero (a sensualidade forçada, o romantismo canalha, a macheza quase grotesca) eram distorcidos até soar, a um só tempo, monstruosos e plausíveis — como num bom thriller psicológico.
No post sobre House of balloons, escrevi sobre o viés do disco que mais me impressiona: ele soa como uma ótima narrativa de ficção. O canadense Abel Tesfaye (com os produtores Doc McKinney e Illangelo) criou um personagem noturno e autodestrutivo que poderia ser encontrado num livro de Bret Easton Ellis, por exemplo, ou de um Chuck Palahniuk.
O tipo era encenado com tanta convicção que, para o bem das licenças poéticas, teve que permanecer oculto: Abel ainda se recusa a dar entrevistas, e faz poucos shows. Talvez por entender que as mentiras do Weeknd nos atraem porque permitem que a nossa imaginação participe da composição da narrativa — mais ou menos como fazemos ao ler um bom romance.
Em Thursday, esse herói dark retorna para uma aventura nova. Mas, ao contrário de House of balloons, que alternava momentos de euforia e de crises quase suicidas (e o melhor exemplo dessa bipolaridade é a faixa de duas faces The party & the after party), desta vez encontramos o personagem num estado de quase paralisia. E numa madrugada ainda mais congelante.
Em Wicked games, que explica quase tudo sobre esta mixtape nova, Abel resumia as noitadas do The Weeknd com um “diga que me ama, mas só por esta noite” (e, antes disso, “traga as drogas, baby, que eu trarei minha dor”). Thursday alarga essa sensação de experiências vazias, relacionamentos apáticos e amores que só têm serventia até o momento em que a dor passa.
O discurso hedonista do The Weeknd pode ser interpretado como o reflexo de uma estética musical publicitária e juvenil (que eles consomem e vomitam em seleções de MP3 for-free) ou como uma reação, um comentário sobre os artifícios do pop. Não se sabe, e Abel não faz questão de explicar. O que ele faz é forçar fissuras do formato de um típico hit de R&B. Não há futuro possível para os personagens de faixas como The birds, pt 1. “Nunca se apaixone por um sujeito como eu”, ele canta. E sem o entusiasmo: a ideia de liberdade, aqui, não resolve muita coisa.
Mas, voltando a Wicked games, Thursday soa como um longo prolongamento daquela música (às vezes longo demais). Cá estão as guitarras de goth rock, os versos depressivos, o fumacê sonoro que nos remete a um disco como Mezzanine, do Massive Attack, e os gemidos cada vez mais agudos, dilacerados mesmo, de Abel. Algumas músicas não terminam nunca — é um disco longo, agonizante, e soa assim porque é a forma como esta história deve ser contada.
Em comparação a House of balloons, no entanto, Thursday soa como um apêndice — uma cena que expande outra cena, uma espécie de extra de DVD. Tudo o que aparece aqui já estava lá, só que é saturado numa textura granulada, desfocada por efeitos de dub e por guitarras que explodem e depois vão apodrecendo lentamente.
Também em comparação ao outro disco, este me parece um tanto mais apressado, como se tivesse sido escrito numa madrugada (enquanto que o outro parece elaborado com mais paciência). Os versos ruminam cenas redundantes e, com um pouco de boa vontade do ouvinte, podem sugerir uma narrativa circular, uma ressaca dentro de uma ressaca dentro de uma ressaca. “Não quero morrer esta noite, baby”, diz Abel, na modorrenta The zone (com participação de Drake).
Se não é dos capítulos mais poderosos, Thursday entrega um personagem agora completo: o herói decadente de House of balloons caminha pela cidade como um pária de graphic novel. Que nos seduz e enoja — e nos obriga a esperar pelos próximos capítulos com curiosidade, mesmo que mórbida.
Segunda mixtape do The Weeknd. Nove faixas, com produção de Doc McKinney e Illangelo. Faça o download aqui. 76
The morning | The Weeknd
A música do ano, naquele que talvez será conhecido como o clipe do ano. Ou: uma boa desculpa para manter este blog em movimento enquanto o blogueiro lê livros, vê filmes, ouve discos, tira uma soneca, arruma a casa, pensa na vida e no futuro e em tudo o mais. E não, meus amigos, the money is not the motive. Já venho.
What you need | The Weeknd
A festa acabou: e aí começa este clipe do The Weeknd, um bom resumo dos climões de sensualidade em preto-e-branco do disco House of balloons, o meu preferido de 2011 até aqui. Desejo e perigo.
Mixtape! | Abril, pela manhã
A mixtape de abril é soul. Entende? Soul music, meu filho. Pra rebolar o cérebro e aquecer os ventrículos. Coisa forte, que gruda e (cuidado!) pode machucar.
Portanto, já estou preparado para reações adversas: quem vem a este blog procurando indie rock vai cair do cavalo (apesar de uma ou outra surpresinha); quem curte um country rock vai ficar mordendo cana. Mas só desta vez, ok? É uma coletânea especial.
Especial porque sempre quis gravar um CDzinho temático, puxado mais pro r&b, pro funk, pro hip-hop e adjacências. Eis o rapagão, finalmente vestido para seduzir as minas. Admito que estou muito orgulhoso do moleque.
É, de muito longe (e desta vez não estou forçando a barra), a melhor coletânea de todos os tempos deste blog. É coesa e também um tantinho surpreendente, é dançante e também profundamente triste, é um disco de amor escrito com linhas tortas de melodia, é pesadona e às vezes levinha. Se ela pudesse falar, diria: sou foda!
A ideia apareceu graças à música que abre o disco: The morning, do The Weeknd. É a minha preferida do ano (até abril, é claro) e está num discão: House of balloons. A foto lá em cima, com louvores, é deles. Tudo o que tentei foi criar uma coletânea que estivesse à altura dessa canção e que, de alguma forma, dialogasse com ela. Acho que consegui.
O disco conta uma história com início, meio e fim. Desta vez não vou estragar o surpresa: deixo que vocês tentem adivinhar sobre o que ela trata. Mas a coletânea também pode ser compreendida aos pedaços – e, desta forma, aparecem conotações muito diferentes, que fazem referência a pessoas que conheço e a situações da minha vida.
É um CD, por isso, de muitas dedicatórias. Uma parte do set é dedicada explicitamente à minha namorada (Roll up, You e Street) e trata amor e telefonemas de longa distância. Uma outra parte é para os meus amigos mais próximos (Last night at the Jetty, Ok). E, de uma ponta a outra, é um disco para quem frequenta este blog com mais dedicação e topa embarcar nas minhas loucuras quase diárias. Principalmente pro Pedro Primo, que vai entender direitinho este CD. Esse é teu, rapaz!
Sem querer forçar uma dissertação de mestrado, o disco tenta humildemente mostrar um pouco as variações do hip-hop que me agrada, do mais juvenil (Love is crazy) ao mais sábio (People are strange) ao mais peralta (Ok) ao mais melancólico (The vent). Vai fazer muito sentido, se você prestar atenção.
Além de The Weeknd, o CD tem Wiz Khalifa, TV on the Radio, Childish Gambino, Das Racist, Bibio, Metronomy, Jamie Woon, Panda Bear, Big KRIT e Beastie Boys. Mês que vem, se eu me convencer de que este blog merece a vida, prometo incluir Fleet Foxes (que não combinou muito com o clima deste disco, infelizmente).
É isso, acho. Gravei esta coletânea ainda na primeira metade do mês e fui fazendo pequenas mudanças aqui e ali. A conheço em cada detalhe. Por isso repito: não há outra que me agrade tão completamente. Mesmo que você deteste soul music, dê uma chance a ela. Talvez, quem sabe?, a danada acabe colando em você.
E depois (vamos lá!) deixe um comentário sobre a experiência. A lista de músicas, como de costume, está na caixa de comentários. Até mais e (no caso, bem apropriadamente) boa noite.
Faça o download da mixtape de abril.
(aproveite o embalo e faça também o download das mixtapes de fevereiro e de março)
House of balloons | The Weeknd
“Saiam da sala!”, nossa professora ordenava, num tom irônico de madrasta malvada, quando nos passava os exercícios que exigiam total concentração. Era engraçado. Não conheci outra que odiasse tanto a sala de aula: para essa senhora de rosto quadrado e centenas de dentes, as melhores ideias surgiam lá fora.
E, se bem lembro, os meninos e as meninas quase nunca estávamos entre quatro paredes. Sempre sentados no canto da quadra esportiva, nos corredores, perto da lanchonete, no canteiro lisérgico (coloridíssimo) da pré-escola. Caderno, lápis e oxigênio. Não é por pouco que sinto tanta saudade da minha sétima série, da professora de português, da arquitetura vazada do colégio, do cheiro de tinta fresca que eu reconheceria se o prédio ainda estivesse de pé. Não está.
O importante para este texto, antes que eu me perca, tem a ver com uma dessas lições ao ar livre. Era um exercício simples: teríamos que observar a paisagem e escrever um parágrafo em primeira pessoa. Moleza. Levei 15 minutos para cumprir a tarefa, entreguei a folha e fui comer um salgadinho na cantina.
Antes que eu devorasse a coxinha de galinha, porém, a mulherona quadrada apareceu no refeitório. “Tiago, o que é isto?”, e ela parecia intrigada. Não entendi o motivo do espanto e suspeitei que eu não tivesse compreendido a lição. Será que troquei as bolas? Será que escrevi o que não devia? Será que tropecei em alguma proibição secreta? A coxinha esfriava.
“Me explique isto aqui, Tiago: ‘O dia está bonito, o sol brilha com muita força…” (e, enquanto ela recitava meu parágrafo infeliz, eu lamentava mentalmente o textinho absolutamente ordinário; mas era tudo o que eu conseguia naquele momento, naquelas condições, me perdoe) “… e as crianças brincam na pista asfaltada que dá para a W3. O vento brinca com os meus cabelos, que caem na minha testa e tampam minha visão.” Nesse momento, ela parou.
Fiquei esperando o restante, o fim da punição. Era um texto vergonhoso, eu sabia. Ficaria pior. Mas ela interrompeu a leitura e ficou admirando meu rosto – que, por sua vez, admirava um ponto de interrogação invisível.
“O que você quis dizer com isso, Tiago?”, ela quis saber.
“Não sei sobre o que cê ta falando, tia”, eu desconversei.
“O vento brincou com seus cabelos, foi? Os seus cabelos caíram na sua testa, foi? Mas que cabelo, Tiago? Que cabelo?”
(naquela época, eu pedia para que o barbeiro caprichasse na máquina 4).
Não havia muito cabelo, é verdade.
Eu poderia ter arrumado várias explicações para a minha licença poética, mas nenhuma seria aceitável. Então, no desespero, saquei uma resposta que me surpreendeu:
“Não sou eu aí no texto, tia. É meu eu-lírico”.
A explicação deu tão certo, colou tão bem colada que, daí em diante, a professora me adotou como aluno favorito. Eu, o número 1, parecia entender os mistérios da literatura. Eu, o especial, sabia me mover no pântano da ficção.
É claro que eu era nadaa daquilo. Eu tinha 12 anos. Eu escrevia bobagens. Eu era um farsante, um sortudo, um joguete do destino. Mas a reação entusiasmada da professora acabou me ensinando que devemos desconfiar dos textos escritos em primeira pessoa (e dos pré-adolescentes com crises de autoestima). Eles mentem. Eles trapaceiam. Eles nos engabelam.
Pois bem.
Lembrei dessa historinha tola quando procurei (e não encontrei) informações sobre o The Weeknd, a “banda” (deveríamos chamá-lo assim?) que está grudada na barra da saia do meu iTunes há algumas semanas, feito menino órfão. Ela não quer, não vai me abandonar enquanto eu não a adote para sempre.
O que me atrai nessa narrativa em primeira pessoa chamada House of balloons é o quanto ela parece pouco confiável. Uma grande mentira, certo? Tudo o que dizem sobre o The Weeknd é o dono do projeto atende por Abel Tesfaye. Ele é canadense. E o Drake, nosso herói sentimental do R&B, curte tweetar elogios para o sujeito.
Se você fuçar um pouco mais no Google, porém, vai descobrir que o terreno é mais movediço. Há quem diga que Abel é o pseudônimo de alguém conhecido, um rapper famoso ou quase-famoso. Há quem diga que ele não é canadense. Há quem diga que ele é um personagem de ficção. Boatos. Intrigas. Folhetim.
Por mim, tanto fez. Sinceramente. A obscuridade do The Weeknd (cuja mixtape House of balloons foi lançada de graça na web e, note a ironia da coisa, é tão coesa que não parece em nada com aquilo que entendemos por mixtape) conta como um fator de interesse, um elemento de suspense. É. Nada é o que parece ser (a menos que alguém comprove o contrário). Tenho centenas de razões para assegurar que o personagem principal das músicas não é o autor dessas canções.
O menino de cabelos longos, vocês sabem, era e não era eu.
As nove faixas desse disco são narradas por um homem noturno, febril, lascivo, que se pendura de balada em balada como um animal eternamente faminto, empapuçado de dólares, álcool e cocaína. “Confie em mim, garota. Você quer ficar alta com isso”, ele promete, já na faixa de abertura. E depois tem mais: “Ele é quem você quer. Eu sou quem você precisa.” O Don Juan veste Prada.
Nesta mixtape, o mundo é observado através da percepção turva desse narrador-rimbaudiano: já na primeira música, ele soa entediado. É muito dinheiro, e “o dinheiro é o motivo” (em The morning). “Você trás as drogas e eu levo a minha dor”, ele avisa (em Wicked games). A festa começa, a festa termina, e o que resta é a sensação de que estamos congelados num plano em preto-e-branco, sob luzes frias. Tudo se move e estamos um pouco tontos e tristes.
Ouço o disco duas, três vezes, e a impressão me parece definitiva (ainda que não seja): esse narrador totalmente confiante, solto no mundo, violento e estilhaçado, não poderia ter escrito canções tão simétricas, elegantes, calculadas, que equilibram lindamente hip-hop, soul music e goth rock e parecem (isso sim) ter nascido após dezenas de madrugadas perdidas dentro de estúdios de gravação.
Eu apostaria que Abel é tão nerd, tão branquelo e frágil quanto os meninos do The XX ou quanto James Blake. Não apostaria que é um bom vivant movido por instinto e estrondo (mas posso estar errado; e a graça, meus amigos, está nesse mistério).
House of balloons é um disco de detalhes reluzentes, e um trechinho dele (talvez o mais brilhante) explica por que ele só poderia ter sido criado por um produtor muito sóbrio e obsessivo: a forma absolutamente precisa como o sampler de Happy house, da Siouxsie and the Banshees, é adaptado no refrão da faixa título. Nada menos que sublime (e há um trecho de Beach House igualmente arrepiante).
Ou a forma como a entonação de Abel em The morning – sussurros para uma noite maldormida – acaba contradizendo (ou, pelo menos, assombrando) versos sobre dinheiro e farra. “Eu faço essas paredes vibrarem como se estivessem grávidas de seis meses”, ele promete. Mas soa como se as paredes o ameaçassem– e elas desabam.
O enigma engrandece, alarga, enevoa o disco (da mesma forma como os segredos do Belle and Sebastian tornavam If you’re feeling sinister um álbum muito mais saboroso; nos sentíamos à vontade para moldá-lo da forma como bem entendêssemos) até transformá-lo, por fim, numa obra de ficção muito bem engendrada.
Percebo o personagem-narrador e noto o autor, que nos acena com melodias, arranjos, samplers e um trabalho de produção delicadíssimo, de sensibilidade incomum, sinistro e emotivo em igual medida.
Outro dia, vimos aqui em Brasília um filme brasileiro, O céu sobre os ombros, que parte do princípio de que os atores devem interpretam eles próprios. É um curto-circuito de ficção e documentário: os atores escolhem episódios do próprio cotidiano, que serão encenados para o filme. Numa das cenas, uma personagem transsexual, prostituta, transa com um “cliente” dentro do carro, diante de um semáforo. Não fica claro, no filme, se o sexo ocorreu de verdade ou se foi encenado. As imagens apenas sugerem: o espectador que se vire com elas.
Ao fim de sessão, uma repórter não resistiu e, curiosa para vencer as barreiras impostas pelo filme, foi perguntar à transsexual se a cena havia sido encenada ou não. Ao que ela veio com uma resposta ainda mais intrigante: “Foi tudo totalmente ensaiado”, ela disse. E arrematou: “Contratamos um ator pornô, fomos à rua, transamos de verdade, mas ele nem gozou. Tudo ficção.”
Minha professora de português, estou certo, entenderia.
Primeiro disco do The Weeknd. Nove faixas, com produção de Don McKinney e Illangelo. Independente. Baixe em www.the-weeknd.com. 8.5/10