The Postal Service

One life stand | Hot Chip

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Amigo: se você enfrenta as aflições de um namoro à distância, cuidado com One life stand. Pode ser brutal.

Este não soa como um daqueles álbuns de soul music que celebram um tipo romance que parece sexy ou róseo demais para ser verdade. Já na faixa-título, o Hot Chip avisa que é rapaz sério, direito, não quer saber de one-night stands e sabe que, à luz do cotidiano, histórias de amor nem sempre soam como uma balada da Beyoncé. Não. Nos namoros reais, é inevitável lidar com incertezas, desencontros e alguma melancolia.

Não é preciso ser cool para entender disso. Não é preciso ser adulto. Não é preciso ser muito inteligente. O Hot Chip, sabemos, é uma banda de electroindie formada por cinco nerds de Londres, Inglaterra. Eles sempre soaram juvenis, brincalhões, quase tolos (de uma forma saudável, que produziu hits marcantes como Over and over e Ready for the flood). E eles, veja, até eles entendem.

Depois de algumas paqueradas muito tímidas com a soul music (Made in the dark, de 2008, quase chegou aos finalmentes), o quinteto finalmente concretiza um projeto que estava quicando há um tempo: One life stand é a “love machine” do Hot Chip. Um álbum embriagado, mas não imbecilizado, de amor. James Brown e Sade podem até ter servido de (distante) inspiração. Mas o cotidiano do Hot Chip, mais realista, se aproxima da delicadeza eletrônica de projetos indie como o The Postal Service – ou da irresistível insegurança de um 808’s and heartbreak, do Kanye West.

Na prática, esse ingleses desajeitados são um pouco como nós, jovens adultos: depois de registrar em três discos um cotidiano dividido entre a fervura das pistas de dança e as madrugadas frias de quarta-feira, eles chegaram num ponto da vida em que os prazeres efêmeros pararam de provocar tanto efeito. Para um disco de amor, One life stand soa quase desencantado. Os vocais, chapados na frente da mixagem, não escondem a fragilidade de faixas que, mesmo quando deveriam soar positivas, deixam escapar um certo desespero. “Felicidade é o que todos queremos”, eles admitem, na canção de abertura. Mas nem eles parecem acreditar na vitória da utopia. No máximo, é sonho.

Em Made in the dark, a inspiração soul era traduzida sem muita convicção (os momentos mais fracos do disco são os supostamente mais sensuais). Com a coragem de encarar sua maior fragilidade, o Hot Chip deixa de lado até as brincadeiras rítmicas meio cerebrais que garantiam prestígio a eles. One life stand volta-se ao calor da disco music dos anos 1970 e à espontaneidade que existia nas primeiras gravações de house music. Procuram “alma” nas divas dance e no pop descomplicado (e descaradamente sentimental) de um Pet Shop Boys. De propósito, perdem a pose. Soam frágeis, com mais sangue e menos neurônios.

Em tese, é um esforço extraordinário de amadurecimento para uma banda que poderia muito bem ter se acomodado com o status conquistado entre os indies. Na prática, infelizmente, a catarse nem sempre cola: depois de uma abertura tocante (com quatro faixas que estão entre as mais vívidas que eles gravaram), eles acabam tombando em fragilidades de composição e arranjos que (se tivermos sorte) possivelmente serão resolvidas no próximo disco. Abrir o coração nem sempre justifica a falta de ideias musicais – e faixas como We have love e Keep quiet penam nesse processo.

A inconsistência do conjunto, no entanto, não ofusca o tom dolorosamente plausível da história de amor escrita pelo Hot Chip. Longe do formato típico de love songs, as canções da banda traduzem sensações de afeto, saudade, alegria e dor – às vezes, simultaneamente. Talvez eles estejam cansados de ilusões (musicais, até), tenham experimentado namoros à distância. Talvez tenham crescido (um pouco). Ou escreveram um disco inteiro como resposta a um álbum da Celine Dion. Aposto que até ela viveu algumas das emoções tão triviais – e fundamentais – narradas aqui.

Quarto álbum do Hot Chip. 10 faixas, com produção da própria banda. Lançamento EMI. 7/10

50 discos para uma década (parte 2)

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Continuando a saga…

montreal

40. Hissing fauna, are you the destroyer? – Of Montreal (2007)

O oitavo álbum do Of Montreal soa como uma anomalia — para a banda, no underground desde 1996, e para o indie rock americano da geração 2000, que encontrou um ídolo ambíguo onde menos esperava. Mas, acima de tudo, o disco conta uma história extraordinária: depois de uma década inteira de psicodelia, Kevin Barnes chegou ao topo exatamente num dos momentos mais trágicos da vida. Transformar os dramas pessoais num cabaré multicolorido e afetado é, sim, um tipo de arte.

yeahyeah

39. Fever to tell – Yeah Yeah Yeahs (2003)

A estreia do Yeah Yeah Yeahs pode ter decepcionado quem esperava a crueza do primeiro EP — ainda, na onda pós-punk do início da década, poucos outros discos soaram tão ásperos —, mas já deixava clara a inclinação pop do trio, que (ironicamente) acabou fazendo sucesso com a faixa mais delicada do álbum (Maps). Apesar das mutações que viriam a seguir, ainda soa como a síntese das ambições da banda: o diabo na carne de Karen O.

pornographers

38. Twin cinema – The New Pornographers (2005)

Culpem o Canadá: o “novo rock” viu uma interessantíssima queda de braço entre Nova York e Vancouver, sem vencedores. A liga dos super-heróis canadense atendeu por New Pornographers, uma superbanda de power pop liderada por Carl Newman e fortalecida pelos golpes de Neko Case e Dan Bejar. Qualquer disco vale a pena, mas em Twin cinema a coletividade fala mais alto. E são tantas as pérolas que fica difícil escolher uma (The bleeding heart show?).

eminem

37. The Marshall Mathers LP – Eminem (2000)

Por alguns minutos, esqueça o Eminem entediado e oportunista que você conhece desde meados de 2005. No início da década, o rapper soava como um Andy Kaufman do hip hop (ou um Sacha Baron Cohen pré-Brüno). Depois de criar um curto-circuito entre a própria biografia e a ficção mais doentia (nessa brincadeira, acbaou processado pela própria mãe). O tempo maltratou Eminem, mas The Marshall Mathers LP fica: é um slasher movie narrado em primeira pessoa, hilariante e perturbador.

sleater

36. The woods – Sleater-Kinney (2005)

Um dos discos subestimados da década merece ser redescoberto o quanto antes: o canto de cisne do Sleater-Kinney é um cataclisma — e, de bônus, contém um dos grandes trabalhos de Dave Fridmann na produção (antes de diluir os próprios truques no disquinho superestimado do MGMT). O trio trata as influências de rock clássico com a falta de cerimônias com que encarava o punk rock. O resultado é tão furioso quanto enxuto: nenhum ruído é usado em vão — e haja ruído.

yolatengo

35. And then nothing turned itself inside-out – Yo La Tengo (2000)

Os discos mais acessíveis do Yo La Tengo são os mais diversificados, que soam como coletâneas de rock psicodélico do final dos anos 60. Não é o caso desta pequena e silenciosa obra-prima. que parece ter sido gravada à meia-luz numa noite de inverno. Uma coleção de baladas sobre amor e casamento, trata-se de um dos álbuns mais maduros e delicados gravados por uma banda de indie rock. Provavelmente soou como uma surpresa até para o próprio trio, que não fez nada igual depois.

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34. Nixon – Lambchop (2000)

Quem tratava o Lambchop como uma banda de country alternativo foi obrigado a rever os conceitos depois de ouvir este Nixon, um álbum de soul music made in Nashville. Com arranjos cuidadosos de cordas e melodias etéreas que remetem a Van Dyke Parks, a banda cria sinfonias que revelam novos detalhes a cada audição. O clímax vem precocemente, com o coro gospel de Up with people — mas a maior revelação do disco é a voz de Kurt Wagner — o homem em queda.

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33. Give up – The Postal Service (2003)

O único álbum do Postal Service é um acidente brilhante: Ben Gibbard (Death Cab for Cutie) e Jimmy Tamborello (Dntel) trocaram pedaços de canções pelo correio (daí o nome do projeto) e, quase sem querer, criaram um modelo para toda uma nova geração do lo-fi americano. Em tese, parece bobagem (sussurros confessionais sob eletrônica sutil), mas a simplicidade dos arranjos e o clima de intimidade sugerido pelas canções o transformam num disco singular (e um que eu levaria para uma ilha deserta).

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32. Up the bracket – The Libertines (2002)

Preto no branco: este é o álbum britânico mais influente da década. A estreia do Libertines inspirou dezenas de bandas de garage rock, foi usada pela imprensa inglesa como uma espécie de termômetro para novidades e (apesar das semelhanças com os primeiros singles do Strokes, muito notadas à época do lançamento) vale como lembrança de que a banda de Londres já soou verdadeiramente como um quarteto. Dos grandes.

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31. Silent shout – The Knife (2006)

Há arrepios no terceiro álbum do Portishead, mas o trem-fantasma mais eficiente da década é este “disco de horror” da dupla sueca The Knife. Com vocais distorcidos que se aproximam do grotesco, Karin Drejer Andersson (Fever Ray) e Olof Dreijer fizeram um disco que explora ambiente sombrios e surrealistas como uma versão dark para Alice no país das maravilhas. Ame-o ou deixe-o, mas é complicado negar a sensação de estranheza que ele provoca.