The Beach Boys
Os discos da minha vida (top 2)
Então, enfim, pois bem, the end. Chegamos ao setor de desembarque deste ranking de 100 discos. A partir de agora, vocês podem desfivelar os cintos e ligar os celulares. Tocamos o solo, cabou.
E todas as despedidas devem ser breves, certo? Errado. Hoje, para celebrar com o término desta odisseia inútil (afinal, esses são os discos da minha vida, não da sua), vocês ganham dois textos. Dois discos. Os últimos e, é claro, os primeiros.
Nem preciso dizer que deu um trabalhinho escrever sobre eles. Porque planejei um “grand finale”, um adeus reluzente e tal, mas não consegui colocar nada disso no papel. Acontece.
Antes de partirmos para o clímax (ou anticlímax, a depender das suas expectativas, irmãos), devo confessar uma coisa: mantenho uma relação ambígua, conflitante, com os álbuns mais importantes da minha vida. Muitos deles eu nem ouço mais. A maior parte apareceu durante a minha adolescência, uma época em que eu era mais mais ingênuo e sentimental do que sou hoje (percebam o perigo). Se eu descobrisse esses discos hoje, talvez a história teria ocorrido de uma forma diferente.
Mas acredito que eles, de alguma forma, colaboraram para a formação do meu temperamento — mais ou menos como os amigos que você calha de conhecer durante a vida.
Não posso brigar contra eles — contra o poder esses discos. Eles marcaram a minha vida porque marcaram, simplesmente isso. Talvez não por serem extraordinários (muitos deles o são), mas por terem me encontrado num momento importante ou sensível, quando me assombraram de alguma forma especial.
É isso, não é? Tá, acho que vou sentir saudades de me perder nesses flashbacks.
001 | Pet sounds | The Beach Boys | 1966 | download
002 | Ok computer | Radiohead | 1997 | download
Pet sounds é o meu disco preferido. É o que mais admiro. É o que guardo para mostrar aos filhos dos meus vizinhos (porque não pretendo ter filhos). É o parâmetros que uso para lidar com outros discos. É matéria meio que sagrada, e sinto que tudo o que deveria saber sobre música está dentro dele.
Ok computer é outra coisa. Talvez nem seja um disco-disco (não pra mim). Talvez uma espécie de álbum de retratos, um slide sentimental. Quando o ouço, ele abre tubulações para meu passado. E o efeito não é só musical. Não é algo que aconteça com muitos discos. Mas acontece com esse.
Pet sounds era, pra mim, um disco de solidão. Brian Wilson foi o herói da minha adolescência porque eu via nele a imagem de um homem que confiava na arte, apesar de tudo. E que se comprometia de forma quase demente à música, como se não houvesse outro jeito.
Já Ok computer me parecia um disco de revelação. Ele me mostrava o futuro. E era uma imagem exagerada, mas que soava muito séria. Existe algo de messiânico e ridículo neste disco, como se cada música carregasse plaquetas de “the end is near”. Era fim de milênio, e o contexto aqui importa.
Mas, ao contrário de White Album (o disco do meu pai) e de Dark side of the moon (o disco do meu padrasto), Pet sounds sempre foi um disco só meu. Eu me identificava com ele, e acho até que foram canções como God only knows e Don’t talk que fizeram de mim um sujeito doce e sentimental.
Ok computer abria uma paisagem mais trágica, e provocou em mim a crise que um disco do Dylan deve ter provocado nos moleques de 1965: “alguma coisa estranha acontece”, Thom Yorke me dizia. Era sinistro. Não sei se as pessoas já entendem tudo sobre aquela época.
O som de Wilson vinha do passado, ainda que flutuasse bem acima do tempo e do espaço: transmitia inocência, mas também dor profunda. Incompreensão. Depois li sobre as dificuldades que o homem enfrentou para gravar o disco, aí entendi tudo. É uma luta, o Pet sounds. E Wilson vence.
O som de Yorke, ao contrário, não era um mito, uma unanimidade. Soava novo, era um código que as pessoas iam tentando entender. Daí diziam nas revistas a bateria de Airbag, toda quebrada, observava alguma coisa sobre o mundo. E depois veio Kid A, que desmontou tudo de uma só vez.
Pet sounds é um disco dentro de um sonho. E há momentos de um sonho (pelo menos acontece nos meus) em que um cenário plácido se transforma numa tela desfocada, desconhecida. Quando ouvi pela primeira vez, lembro que pensei: parece familiar e não é.
Ok computer é um disco dentro de um pesadelo. Exit music e Climbing up the walls pareciam avisar que algo estava prestes a chegar ao fim (se é que não havia já acabado), enquanto que No surprises me fez perceber que eu não estava seguro (nesse ponto, era um veneno terrível).
Em Pet sounds, Wilson dá forma musical a um sentimento de desconexão. É como se ele não pertencesse mais ao mundo (e ao mundo da música), e aí tentasse criar para si um lar imaginário. Me parece um disco muito poderoso de rebeldia, mas que soa agradável e, por isso, singular.
Em Ok computer, Yorke tenta modelar um mundo próprio, mas essa intenção só seria consolidada em Kid A. Em Ok computer, no entanto, ele impõe um olhar, ergue trincheiras, e aí nascem canções de fricção, tensas negociações musicais, como Paranoid android e Airbag. É uma guerra, o Ok computer.
Pet sounds desaguaria num álbum ainda mais sofisticado (e seria Smile o Kid A de Wilson?), mas ele me comove também porque ainda tenta conversar com aquele menino que procura um disco de surf music, um álbum pop. E é a ele que Wilson pede: ‘não fale, deite sua cabeça no meu ombro.’ É bonito.
Ok computer tem algo disso. Um disco que se afasta e se aproxima do público, numa reação de nojo e afeição (quase simultâneos), que quer amor e não quer, que frequenta os radicais mas gosta do conforto dos amigos, que não sabe muito bem se precisa ofender ou se deve ser claro e gentil.
Talvez eu seja um pouco como esses dois discos. Eles querem debandar para longe, mas sem perder o contato, sem desaparecer por completo. E nem por medo, por covardia, mas por opção.
Top 3 (Ok computer): Let down, Paranoid android, Climbing up the walls. Top 3 (Pet sounds): Don’t talk (Put your head on my shoulder), God only knows, Sloop John B.
Após o pulo, veja todos os discos que apareceram neste ranking.
Os discos da minha vida (11)
Cá estamos num novo episódio da saga mais torturante da blogosfera brasileira: a cada semana, dois discos que sonorizaram a minha vida. No total, são 100. A boa notícia é que, após uma peregrinação longa e pouco frutífera, chegamos à casa dos 70.
A má notícia é que, vocês sabem, esta é uma lista obedece a critérios muito particulares, sentimentais e, por isso, contém idiossincrasias que não interessam a ninguém. Culpa minha, foi mal. Mas eu avisei desde o início!
Depois de um capítulo melancólico, com discos bonitos porém tristíssimos, esta segunda-feira chuvosa nos brinda com canções ensolaradas que, por coincidência, remetem à imagem de um fim de tarde à beira-mar. Não está quente, a maré subiu e os bombeiros não nos deixam cair na água. Mas admire a paisagem.
Lembrando que vocês podem fazer o download destes discos praianos e experimentar um pouco deste verão sem fim. Que não é bem verão, se vocês observarem com atenção.
080 | Music from the motion picture Pulp Fiction | Vários | 1994 | download
A trilha ou o filme? O filme ou a trilha? Pulp Fiction me deixa em dúvida. Não parei para contar as tantas vezes em que revi o filme – de longe, o favorito da minha adolescência. Há momentos em que revejo o filme para voltar a uma determinada cena que me agrada por conta da canção. E há os dias em que volto à trilha para lembrar de uma sequência que parece ter sido feita para preencher os espaços entre os acordes. Uma coletânea genial que, tal como a trilha de Bom Dia, Vietnã, ajudou a formar meu gosto musical: sem Tarantino, eu não teria conhecido Dusty Springfield e Kool & The Gang. Pelo menos não aos 15 anos. Top 3: Jungle boogie, Son of a preacher man, Let’s stay together.
079 | Surf’s up | The Beach Boys | 1971 | download
Quando se remonta na trajetória dos Beach Boys, os anos 70 são lembrados como um período de poucos hits e discos irregulares, colchas de retalhos costuradas às pressas e com material às vezes duvidoso. Mesmo submersa em loucura e pressões comerciais, no entanto, a banda compôs discos extraordinários usando apenas os cacos de projetos que sempre pareceram extravagantes, complicados demais. É o caso de Surf’s up, que usa uma canção do abortado Smile como partida para uma ciclo de canções que tem algo de aquático (o clima lembra muito Person pitch, do Panda Bear, sem a cacofonia). Wilson fecha o álbum com duas obras-primas que me trituram todas as vezes em que as ouço, a começar por Til I die. Wilson, vocês notarão no decorrer desta lista, é um dos meus heróis. Top 3: Surf’s up, Til I die, Don’t go near the water.