Tédio

Trecho | Diversão

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“A única coisa que nos consola de nossas misérias é a diversão. E no entanto é a maior de nossas misérias. Porque é ela que nos impede principalmente de pensar em nós e que nos põe a perder insensivelmente. Sem ela ficamos entediados, e esse tédio nos levaria a buscar um meio mais sólido de sair dele, mas a diversão nos entretém e nos faz chegar insensivelmente à morte.”

Pascal, em Pensamentos.

2 ou 3 parágrafos | Pânico 4

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Para este velho fã de slasher movies, a grande paródia de horror assinada por Wes Craven ainda atende por O novo pesadelo – O retorno de Freddy Krueger (1994). No filme, mais malandro que nunca, o psicopata da camisa listrada resolve derrubar a última parede que separa sonho de realidade: persegue a atriz Heather Langenkamp, que faz a personagem principal do primeiro longa da série, A hora do pesadelo (1984). Craven também participa da trama. Interpreta, até por uma questão de coerência, ele próprio.

Todo o projeto de (meta) cinema do diretor está lá: meter a câmera nas fissuras dos clichês, mirar espelho que reflete as mutretas do gênero, estudar (e brincar com) as engrenagens do horror. Ainda não revi aquele filme, mas lembro que nele esse exercício sacana de autoanálise parecia prazeroso para Craven e para o público. Não é o que noto em Pânico 4 (2.5/5): aqui, encontro uma dissertação razoavelmente esperta sobre o estado de coisas no cinema de horror em 2011. Mas falta todo o resto: ânimo, leveza, graça, o espírito que alegra o jogo.

Craven, o esteta enferrujado, discorre didaticamente sobre “novas regras”: já que o mercado está tomado por remakes vagabundos, a missão de Pânico 4 será avacalhar, subverter e (cinicamente) imitar essa onda. Os personagens são inteligentes, não se deixam enganar pelos chavões (e falam muito, demais sobre cinema); o diretor parece sabichão, entende os botões que deve apertar para engrenar os sustos e as risadinhas; e o público sai da sala se achando o máximo, muito acima dos espectadores bobalhões que pagam ingresso para ver qualquer refilmagem picareta. Mas o custo dessa matinê de clubinho se revela um tanto azedo: o que recebemos em troca é, no máximo, o rascunho de um filme. Uma maquete que poderia ter dado numa obra vistosa, mas que me parece apenas uma maquete.

Trecho | Catorze anos

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“Você não me daria a idade que eu tenho. A minha idade, de todo jeito, eu me empenho em perdê-la. Devo admitir que observar um garoto deitado na grama, sem fazer nada, é um pouco chato. Então, afaste-se um pouco, ou chegue mais perto. Aproxime-se de mim. Close na minha cara. Close fechando nos meus olhos. Dá pra ver essa tensão no meu olhar, essa impaciência? É como se eu tivesse no cérebro, no corpo, até mesmo no coração, talvez, uma bomba-relógio. Você começa a ouvir os tiquues e os taques, e isso o oprime. Em poucos segundos, ou em poucos dias, eu vou explodir, e você verá o que sobrou de mim, os destroços se espalhando pelo asfalto, pela areia, ou pelo seu assoalho. Somos milhões com uma bomba-relógio dentro de nós.

Você sem dúvida esqueceu, mas, como eu, você um dia teve consciência do seu tédio, e, nesse instante, ele se tornou insuportável.

Como eu, você olhou um dia para o céu, na aurora do crepúsculo, perguntando-se por que as estrelas não apareciam.

Como eu, você compreendeu que sua vida iria começar à sua revelia.

Porque, como eu, você já teve catorze anos.”

Trecho de Ilusões pesadas, de Sacha Sperling