Synthpop

It’s all true | Junior Boys

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Por que mantemos relações tão promíscuas com os indefesos, bem intencionados, inocentes discos de música pop. Hem? Por quê?

Ok, ó leitor, vou poupá-lo desta. Refazendo a pergunta: por que eu, o pecador no confessionário, trato a música pop desta forma inconsequente, como se este blogueiro regredisse à condição de um rapazote ansioso, deslumbrado diante das novas meninas da classe?

É um comportamento obsessivo que às vezes me perturba um pouco. Se eu tratasse as pessoas do jeito como trato a música, teria que trocar de amigos a cada semana. Meu trabalho me entediaria nos primeiros 15 dias. Minhas namoradas não durariam dois meses (felizmente, não é o que acontece; e, pelo menos com isso, ninguém precisa ficar encucado).

Já me perguntei mil vezes, e lá vai a milésima primeira: no pop, por que o que é desconhecido, novo, me estimula mais do que os sons familiares, os velhos chapas, os bróderes mui confiáveis? Por que estou investigando bandas que apareceram anteontem quando eu deveria estar testando o disco mais recente do Neil Young? O que elas têm? Por que eu preciso conhecê-las? Por que elas me empolgam?

Não faço ideia, meu irmão. Não mesmo. Só sei que sou um novidadeiro compulsivo e nada pode me parar agora (talvez exista cura se, talvez, que eu me obrigar a ouvir Paul Simon e R.E.M. a cada Cults/Washed Out).

Veja: não é muito agradável ser assim (escrevo este post um pouco envergonhado, acredite), porque corro o risco de perder bons discos simplesmente por me desinteressar nas primeiras audições – mais ou menos como o garoto hiperativo que abre o berreiro quando descobre que já tem o brinquedo que acabou de ganhar no aniversário.

Em muitos casos, eu sei que estou cometendo injustiças terríveis com discos que simplesmente não me animam por soar confortáveis aos meus sentidos. Começo a ouvir o novo do Eddie Vedder e paro na terceira música – já sei o que vem em seguida. O do R.E.M. me parece simpático, mas não vou perder muitas noites com ele.

Ouço com atenção, é claro. Se pretendo escrever algo sobre, sou sério feito um beagle. Tomo distância para notar se ele me agrada ou não. Uso todos os critérios objetivos e sentimentais a que tenho direito, sim. Mas logo me afasto e parto pra outra. Nesse tipo de relacionamento, me porto como um cachorrão.

Mas é uma pena, porque, como eu dizia, há vezes em que deixo passar love stories extraordinárias. Discos que, em alguns casos, acabam me pegando no contrapé, em situações inesperadas. Que coisa louca, né? A menina que já cafajestinho beijou e abandonou volta à classe para, aí sim, o conquistar de vez.

Em frente ao quadro negro, cá está It’s all true, do Junior Boys. Amor à terceira (talvez quinta) vista. Um discaço, mas que me parecia absolutamente ordinário.

A culpa, reconheço, é minha. E aposto que outros resenhistas, que também sofrem desta síndrome do consumo acelerado de cápsulas de MP3, trataram de descartar este pitéu assim que notaram que ele, aff, não soava tão surpreendente assim. Parece, num primeiro encontro, apenas mais um disco do Junior Boys.

Mais que isso: parece um disco que não avança muito se comparado a tudo o que os canadenses gravaram. Zona de conforto, entende o que digo? O anterior, Begone dull care (2009), já deixava certo sinal de estagnação. Nossas lembranças do ótimo So this is goodbye (2006) ficavam mais distantes, borradas na memória feito paixonite de cinco anos atrás.

Minha avaliação, totalmente cruel, era de que Jeremy Greenspan e Matt Didemus perderam o sex appeal. Gravaram um poderoso de um break-up record e depois foram se desintegrando na paisagem da música pop, satisfeitos com a condição de indietronica e synthpop para festas chiques, consultórios de dentistas antenados, elevadores (finos) e lojas de grife.

It’s all true parece dar sequência lógica a esta trajetória (decadente, desinteressante). Mas não quando nos aproximamos dele com mais cuidado. Aí, o disco acaba se revelando tão pungente quanto os melhores da dupla.

Admito que ouvi o álbum pela primeira vez enquanto digitava um texto sobre qualquer coisa. Não me concentrei. Na segunda vez, eu estava devorando frango xadrez. Na terceira, lendo um livro bacana. Na quarta, jogando boliche (ok, mentira). Acontece que só descobri de verdade o safado quando o gravei num CD e comecei a ouvi-lo, em volume alto, enquanto dirigia ao trabalho. Foi ali que o flerte barbarizou.

Acho que porque, no carro, todas aquelas canções já estavam incubadas no meu ouvido, prontas para desabrochar. E, quando a primavera chegou, o que ouvi foi um CD que pede gentilmente para que iniciemos um caso fixo, sério, monogâmico (se bem que aí seria pedir demais). Estaremos juntos na manhã seguinte.

Hoje, gosto tanto do disco que fico um pouco constrangido com meus comentários levianos sobre ele. It’s all true tem apenas nove faixas, mas eu não descartaria nenhuma. Os versos também me parecem viciantes (e sábios). É como se a banda acompanhasse o narrador, agora cético e gélido, de So this is goodbye em aventuras amorosas que quase sempre não dão muito certo. Me pego torcendo por ele.

Se os arranjos eletrônicos sugerem frieza quase metálica, as letras se revelam ora afetuosas, ora bem humoradas. “Me encare por um pouco mais de tempo, como os competidores fazem”, pede o narrador de Playtime (uma das canções mais estranhamente sexies do ano). Em Itchy fingers, o clima é de terror sentimental: “Eu preferiria te soterrar com um papel dobrado, só para ver você morrar”, e o tom impassível da interpretação tem algo de psicótico.

E, na desiludida A truly happy ending, aparece o desabafo que resume este capítulo: “Nunca vi, nunca estive num final feliz verdadeiro. Chego muito perto, mas ele sempre desmorona.” É tudo verdade?

A história de bastidores é um tanto óbvia (e monótona, vá): envolve uma viagem de dois meses à China que “revigorou” Greenspan. Ok, dá um bom material para a imprensa. O importante é que esse entusiasmo recém-adquirido, ainda que não represente rupturas para a banda, comprime o estilo do Junior Boys a um ponto em que sobrevivem apenas os elementos mais característicos de uma sonoridade agora em constante tensão, com sintetizadores que nos espetam sem cessar. Não à toa, as duas faixas do desfecho (ep e os nove intensos minutos de Banana ripple, arquiteturas impressionantes de vidro e aço) são as inesquecíveis: desta vez, não há como relaxar os músculos.

É chato falar em maturidade (discos “maduros” podem soar um tanto aborrecidos, como se não houvesse o que experimentar além de um lento aperfeiçoamento do template), mas o Junior Boys parece ter finalmente entendido o temperamento da banda. E aqui, como em nenhum outro disco que gravaram, eles criam canções que parecem inofensivas e artificiais até o momento em que violentamente cravam os dentes.

Não é tão agradável quanto parece (apesar de dançante, galante, e nunca enfadonho). Pode ser interpretado como uma espécie de So this is goodbye, parte 2. Se bem que, perto desses versos amargos, os daquele álbum parecem até um tanto juvenis. A primeira despedida, eles nos ensinam, é brutal. Mas a segunda… Quem tem a coragem de escrever discos sobre isso?

Na vigésima audição, It’s all true amedronta. Mas vou dar um belo de um desconto se você não chegar até lá, não sentir nada disso, parar na terceira tentativa e partir pra outra. Acontece. Na música pop, sei o que acontecem com os meninos que só pensam em ir atrás de um rabo de saia. E quem sou eu para passar lição de moral?

Quarto disco do Junior Boys. Nove faixas, com produção da própria banda. Lançamento Domino Records. 8/10

Superoito express (41)

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Nesta edição: 1, 2, 3, 4, 5 machos solitários (e foi por acaso – não é incrível?)

Within and without | Washed Out | 7.5

Já não alertamos que é perigoso inflar as nossas expectativas? A Sub Pop, que lança o long-player de estreia do Washed Out, admite que está entusiasmada com o disco num nível quase insuportável. A onda de elogios para este projeto de Ernest Greene, o novo prodígio de Atlanta, deve atingir escala oceânica nas próximas semanas – quanto sites que sempre apostaram no rapaz tentarão nos convencer de que Within and without é a última ilhota verdejante do Atlântico. A Spinmandou ver: “Chillwave para quem não aguenta mais chillwave”. Uau.

Ouvir o disco, nesse contexto de euforia, parece até dispensável. Comigo aconteceu o contrário: ouvi o disco quase por acaso, sem atentar muito para todo esse foreplay, e me interessei por ele sem grande empolgação. Digamos que eu tenha admirado a atmosfera aquática, fluida, que Greene cria para envolver as composições – mas não consegui notar uma identidade forte neste disco, que me faça defendê-lo como algo verdadeiramente especial. Eu confundiria algumas dessas faixas com as do Toro Y Moi, com as do Memory Tapes (leia textinho a seguir). Talvez por isso o rótulo chillwave tenha colado tão bem a esses projetos: é que, em muitos momentos, eles acabam soando como exercícios de gênero.

O sujeito pode ser um diretor competentíssimo de fitas policiais. Mas daí ser um Michael Mann… Greene é sim competente, se aproveita do formato conciso que a Sub Pop tanto preza e se alia a um produtor experiente sem se deixar asfixiar por ele (o homem é Ben Allen, de Merriweather Post Pavillion, do Animal Collective, e Halcyon digest, do Deerhunter). Os momentos mais extrovertidos são os que mais me fisgam – o romantismo sem-medo-de-ser-passional de Amor Fati, acima de todas -, mas nota-se que a praia do Washed Out é uma introspecção por vezes etérea, vaporosa, mas sempre cheia de sutilezas: um estilo que Greene defende com convicção e rigor; qualidades que serão recompensadas pela torcida.  

Player piano | Memory Tapes | 7.5

Desconfio que o LP de Dayve Hawk não será recebido com tanta euforia e condescendência quanto o do Washed Out (até porque o Memory Tapes lança pela Carpark Records, selo minúsculo em comparação à Sub Pop), mas acredito que estejam num mesmo patamar e que até se complementem – e não me canso de ouvir um logo após o outro. Enquanto o Washed Out vai depurando os traços mais visíveis da chillwave, o Memory Tapes trata de pressionar os limites do gênero – de tal forma que Player piano acaba sabotando nossas expectativas. As faixas mais surpreendentes são também as mais dóceis, que chegam a lembrar o pop eletrônico de um Postal Service, por exemplo (ouça Wait in the dark e Sun hits). As colagens do disco anterior dão espaço para composições mais diretas, quase corriqueiras, mas não dá para dizer que este disco tente o caminho mais fácil: Hawk arrisca para tentar encontrar um sotaque, uma voz reconhecível, uma marca. Não acredito que tenha chegado lá, mas a aventura tem lá seu encanto (e o finalzinho de Worries é amor para o inverno inteiro, não dá pra negar). 

Dedication | Zomby | 7

Deixando o distrito da chillwave rumo às quebradas do dubstep (ou algum lugar próximo dali), o novo do produtor inglês nos recebe com um temperamento quase oposto à ternura triste do Washed Out e do Memory Tapes: o tecido aqui é áspero, o clima soa apreensivo – estamos presos num dia chuvoso. A faixa-guia é Things fall apart, que praticamente resume a ambiência pós-apocalíptica do disco: não são poucas as coisas que desmoronam. Por mais que eu tenha dificuldades sérias com o dubstep mais arredio e single-minded (a exceção é James Blake, mas acredito que ele não se enquadre completamente no gênero), Dedication não me parece uma jornada aborrecida noite adentro. Ainda que não fuja da premissa do disco, que poderia ser usado como trilha para um filme de serial killer do David Fincher, Zomby vai abrindo vielas soturnas a cada faixa – e as melhores, como Digital rain e Mozaik, ficam rondando o nosso cérebro horas depois da audição, feito resíduo de pesadelo. Atormentam.  

Goodbye bread | Ty Segall | 6.5

Para quem conhece Ty Segall só agora (e é meu caso), Goodbye bread pode reavivar as lembranças da fase mais doméstica de um Elliott Smith, de um Guided By Voices. Está certo que essa aparência de despojamento se transformou num clichê do indie rock, mas existe algo neste disco que nos deixa com a certeza de que ele foi gravado quase por acidente, em meio às atividades cotidianas do compositor (a canção que resume tudo, aliás, se chama Comfortable home). E também soa caseiro até pela forma meio despreocupada, às vezes óbvia, como ele vai perfilando as influências de Segall – e Fine, o desfecho, acaba saindo homenagem pra lá de digna à fase solo de John Lennon (ainda que a letra otimista pareça ter sido escrita por McCartney). No meio do caminho, psicodelia lavada a seco: My head explodes e I can’t feel it são canções enormes armazenadas sem muito cuidado, em pequenos recipientes. Tá certo: é só o começo de uma amizade.   

Demolished thoughts | Thurston Moore | 6

Pensando bem, e que tolice a minha!, nos anos 90 eu acompanhava os episódios da música pop como quem assistia a um filmezinho maniqueísta – grunge versus punk-pop, Nirvana contra Michael Jackson, Radiohead infinitamente mais legítimo que Muse. Nesse script, o Sonic Youth me parecia uma banda na contracorrente da década, e minha impressão era de que eles reagiam a absolutamente tudo o que era criado na época. Daí meu espanto ao ouvir um disco de Thurston Moore que não apenas tem a produção de um dos artistas-símbolo dos anos 90 (Beck Hansen, o mascote do pós-tudo) como não faz nadinha para destoar daquilo que a gente espera de um álbum-padrão de singer/songwriter. Polido, “delicado”, franco, direto (e inclua aí qualquer outro adjetivo que você aplicaria a um disco solo do Richard Ashcroft), Demolished thoughts é uma das maiores surpresas do ano. E tem baladas tocantes que machucam de verdade, como Illuminate. Atenção ao contraste brutal entre a interpretação distanciada de Moore e melodias tão afetuosas. Pena que, depois da terceira faixa, o álbum sinta a falta de canções mais duradouras – metade do disco parece Sonic Youth unplugged, faixas conhecidas num modelito diferente. E aí, meu filho, não há Beck Hansen que dê conserto.

Superoito express (34)

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Tron: Legacy | Daft Punk | 6.5

Pode soar como uma trilha sonora muito funcional, daquelas que só fazem sentido quando anexadas às imagens do filme. Mas é um disco mais engenhoso do que isso: como de costume, o Daft Punk vai ao laboratório e altera a composição de gêneros já muito conhecidos. Em Discovery, a matéria-prima era a disco music. Em Human after all, os riffs de hard rock. Agora, a pompa cinematográfica de maestros como Maurice Jarre e Vangelis.

A orquestra de 85 integrantes não intimida os nossos robôs favoritos, que vão alternando elementos de música erudita com a eletrônica mais comercial. O mix não soa agressivo, pelo contrário (a sensação é de que já ouvimos esta trilha outras vezes), mas a ideia de recombinar vários clichês de soundtracks explica muito sobre os métodos da dupla. As faixas aterrissam aceleradamente – às vezes desembarcam sem que as notemos. Quase impossível amá-las. Mas brilham feito vagalumes.

Body talk | Robyn | 8.5

Quando escrevi sobre os dois ótimos minidiscos que Robyn lançou durante o ano, comentei que, unidos num mesmo pacote, eles dariam no grande álbum pop de 2010. Pois bem: aí está ele. As novas faixas deste Body talk redux podem não provocar dependência química, mas o set já soa como greatest hits. Pelo menos 80% das músicas entende o que há de mais poderoso na música pop: cumplicidade e catarse. Com arranjos introspectivos, seria um dos discos mais melancólicos da temporada (reparem nos versos sobre amores perdidos, crises de identidade, depressão e solidão). Mas o clima é festivo de doer. Blood on the dancefloor.

Come around sundown | Kings of Leon | 5.5

Remete aos dois primeiros discos da banda — sob uma brisa de country rock setentista —, mas o Kings of Leon continua gravando álbuns que me parecem unidimensionais: uma única ideia não muito particular aplicada repetidas vezes, com um estilo reto, plano, “honesto”. Ainda não me convence, mas fico muito satisfeito que eles tenham abandonado alguns dos artifícios dos álbuns mais recentes, principalmente aquele verniz genérico de “modern rock” que os transformou quase que numa boy band. De qualquer forma, aposto que muitos dos fãs vão tratar este disquinho amarelado, despreocupado, como uma pausa para admirar a paisagem. Tem lá alguma beleza.

Happiness | Hurts | 5

Uma estreia que sofre de excesso de informação, como se cada faixa tivesse a obrigação de servir como carta de intenções para a banda. Pior é quando se nota que a banda em si nada tem de extraordinário: apesar do hype da imprensa britânica, o duo de Manchester não é o primeiro (nem será o último) a atualizar o synthpop dos anos 1980 — no caso, mais para New Order do que para Pet Shop Boys. Três singles muito fortes (Wonderful life é daqueles que não se esquece nunca), mas deixa a sensação de que eles ainda precisam encontrar alguma tesouro no mar de purpurina. De qualquer forma, confirma a tendência da imprensa inglesa para superestimar projetos imaturos.