Summer movies
2 ou 3 parágrafos | Transformers 2
Faça o seguinte: leia o post que escrevi há três dias (sei que é longo e enfadonho, mas você entende que não há vitória sem sacrifício, entende?), e substitua O exterminador do futuro: a salvação por Transformers 2: a vingança dos derrotados (4/10). Sei que é preguiça e isto é uma vergonha. Sei também que você não deu a menor bola para o maldito post. Mas ando trabalhando feito um cão, os tempos são difíceis, tenho um monte de obrigações domésticas e, no fim das contas, não vai mesmo fazer muita diferença.
Mas, antes, deixe-me completar este parágrafo que (não faria tanta) falta. Transformers 2 é até bem honesto naquilo que vende ao público: uma superprodução em estado bruto, assumidamente idiota e inflada (2h30!), que pode ser interpretada como um documentário psicodélico sobre um cineasta obcecado pela ideia de explodir o mundo em zilhões de pixels. Michael Bay continua mais fascinado pelos robôs que pelos humanos, mas pelo menos admite a preferência sem culpas (o filme é narrado por uma máquina, vejam aí). Os fãs do original vão pirar. Já eu continuo achando tudo isso meio doentio.
2 ou 3 parágrafos | Anjos e demônios
Não sei se captei corretamente a lição deste thriller meio apalermado, mas acredito que ele nos ensina algo importante: toda igreja é formada por seres humanos, todos os seres humanos são falhos e alguns padres sobrevivem a extraordinárias quedas de helicóptero. É por aí?
De qualquer forma, Anjos e demônios (5/10) é um avanço tremendo se comparado ao sorumbático O código Da Vinci. Ron Howard, o faz-tudo, finalmente parece ter entendido que os livros de Dan Brown devem ser tratados unicamente como pretexto para filmes B que não valem um tostão. Com padres voadores. Bombas que contêm chaves para a origem da vida. E um simbologista preparadíssimo, mais atento e sagaz que centenas de oficiais da pateta polícia italiana (já os guias turísticos, meu bom deus, têm doutorado e o diabo a quatro).
Os personagens são divididos em dois grupos: os que pensam rápido demais e os que têm segundas intenções (e jacas no lugar dos cérebros). Ewan McGregor capta o espírito da coisa, hilariante como uma espécie de Gugu Liberato do Vaticano. Imagino que, com um diretor mais delirante (John Woo?) e tramas escritas pelos roteiristas de Lost e 24 horas, teríamos uma bela franquia (televisiva) de ação. Mas Ron Howard é carola demais para tratar a santa casa como parque de diversão. Daí o mea culpa com a Igreja (todos somos falhos, sim, mas o ponto nunca foi esse, meu irmão!) e uma reviravolta final que manda todo o resto do filme ao quinto dos infernos. Estúpida, mas não no sentido espertinho da coisa.
2 ou 3 parágrafos | Uma noite no museu 2
Acabei de sair da sessão do Tarantino e admito que… Ok, não vou conseguir enganar ninguém. Não estou em Cannes. Não vi Anticristo. Não estou emburrado com o Almodóvar. Você clicou no blog errado.
Continuo em Brasília. Especificamente: em 2006. Os cinemas da cidade exibem um thriller sobre conspirações na Igreja Católica, uma sequência de X-Men e uma aventura inocente sobre estátuas de museu que ganham vida e atormentam Ben Stiller. Meu namoro começou há apenas um ano, moro com meus pais e este blog que você está lendo ainda não foi criado.
(Falta um parágrafo, mas vou conseguir resumir tudo sem transformá-lo num capítulo de Saramago) Uma noite no museu 2 (4.5/10) é uma continuação bastante típica: uma versão amplificada do filme original. A quem gostou do primeiro filme, oferece mais (efeitos!), mais (comediantes de apoio!) e mais (galerias no museu!). Àqueles que, como eu, viram no sucesso de 2006 uma extensão vagabunda de fitinhas inocentes e fantasiosas como Jumanji e A chave mágica, também há mais (ingenuidade!), mais (piadas tolinhas!) e mais (comediantes desperdiçados em papéis minúsculos!). Gosto quando as fotografias clássicas da galeria de arte ganham vida e atormentam Ben Stiller. Cenas que me distraíram por alguns segundos do desejo de partir para Cannes, para longe, para 2012, para qualquer lugar.
2 ou 3 parágrafos | Relapse
Não retiro nada do que escrevi naquele outro texto sobre o retorno de Eminem (foram frases apressadas e meio toscas, mas, ei, você acabou de ganhar seis parágrafos pelo preço de três!). Modéstia à parte, notem como o Tiagão aqui conseguiu prever quase tudo sobre este álbum – e, se vocês tiverem alguns trocados sobrando, posso sugerir na caixa de comentários os números quentes da mega-sena. Só errei num detalhe: ainda que pareça um blockbuster de ação programado para se destruir em cinco semanas, Relapse (5/10) me incomodou menos do que o esperado. A premissa é até decente, ainda que o roteiro, a produção e a direção banalizem a história toda.
A trama vai mais ou menos assim: depois de vender trocentos álbuns, ficar milionário e afundar-se na esbórnia (sexo, drogas e clínicas de reabilitação, as usual), Marshall Mathers tenta voltar ao batente, mas descobre-se possuído por Slim Shady, a entidade psicopata sem-noção que tocou o terror no primeiro álbum do rapper, de 1999. Relapse deveria soar como um transe esquizofrênico: Slim Shady mata, estupra, prega peças em celebridades e inferniza Marshall Mathers — mais do que nunca, a cria devora o criador. Num determinado momento, Mathers toma a dianteira para vingar-se. Quando pensamos que o Mathers do álbum é uma versão de ficção para o Mathers real, as coisas começam a embolar. Mas ninguém deve se preocupar com isso: o disco é uma versão aguada (e interminááááável) para o freak show que existe na cabeça de Eminem.
Aguada sim, já que o confronto sangrento entre Shady e Mathers é mera desculpa para que o rapper dê uma maquiada em fórmulas de diferentes fases da carreira, sem espontaneidade ou graça — um tipo bem picareta de superprodução. Não sem consciência do próprio ridículo: a melhor faixa se chama Déjà vu.
21st century breakdown | Green Day
Green Day é uma das maiores bandas de rock do mundo? Ainda não me acostumei com a ideia. O que aconteceu com o mundo, afinal?
Fico com a impressão de que poderia ter sido qualquer um. Quem cresceu nos anos 90 talvez sinta a mesma cosia. E se o Offspring, depois do sucesso de Americana (1998), tivesse gravado uma ópera-punk sobre a saga de um anti-herói adolescente massacrado por uma América apocalíptica? E se o Weezer, em vez de abraçar o power pop eufórico e autoirônico, tivesse optado por fechar o sorriso e mirar coração e mentes da juvenília desesperada? E se…
Não, sério: não poderia ter sido qualquer um. Não. Ao contrário do Offspring e do Weezer (e do Foo Fighters e do Korn e do My Chemical Romance e do Oasis etc), o Green Day descobriu o milagre do rejuvenescimento. Mais que isso: o trio parece habitar indefinidamente uma bolha de adolescência. Depois de 22 anos de carreira, Billie Joe Armstrong (37 anos!), Mike Dirnt (37 anos!) e Tré Cool (36 anos!) ainda são três moleques de 16 anos.
Não sei como. E também não me decidi se isso contaria como uma qualidade. Tomemos como um fato, um traço de personalidade. Recorro a Caetano Veloso, Verdade tropical: “Alguém já disse que os homens que fixam seu espírito nos temas enfrentados na infância produzem obras profundas, enquanto os que repetem indefinidamente as questões e ilusões da adolescência estão fadados a girar nessa zona periférica em que se discute repressão, definição sexual e satisfação dos anseios de liberdade. Eu me situo no segundo grupo.”
Se Caetano é uma personalidade atormentada por inquetações de adolescente, preciso fazer uma correção: o Green Day é uma banda de rock pré-adolescente.
Talvez esse espírito de juventude sirva de explicação para as duas ressurreições da banda: depois de ocupar o vazio deixado pela queda do grunge com a despretensão de um punk californiano arejado, divertido (Dookie, 1994), o grupo combateu o cansaço da fórmula e voltou à briga com uma balada pop de sucesso (Good riddance, de Nimrod, 1997). Já ali, Armstrong se mostrava um band leader duro-na-queda, sem vocação alguma para o underground.
O segundo retorno, depois do morninho Warning (2000), viria com American idiot, a ópera-punk inspirada em The Who que, apesar de recebida com críticas desanimadoras (a produção automática de Rob Cavallo e as baladas derramadas pesaram contra — e ainda não consigo ouvir o álbum sem sentir saudades de Dookie), começou a história da estaca zero: conquistou um novo público, virou fenômeno e fez do Green Day um monstro de arenas. Ninguém grava uma parceria com o U2 em vão.
Essa história longa e enfadonha nos leva a 21st century breakdown — que, se dependesse do histórico de altos e baixos do Green Day, seria um projeto fadado ao fracasso, a um (novo) desagaste de uma (nova) fórmula. Mas, pela primeira vez, o trio avança furiosamente na oportunidade de manter-se no topo. Como um summer movie de Hollywood, o disco é uma continuação segura do blockbuster American idiot — mas trata-se de uma sequência que preserva elementos do longa-metragem original como um template para novas criações. Homem-Aranha 2, digamos.
E, bem, devíamos ficar felizes por isso! Ao trocar Michael Ba… Rob Cavallo por Sam Raim… Butch Vig, o Green Day encontrou finalmente o produtor certo para o projeto pop que eles sempre sonharam. Pode parecer tardio, mas 21st century breakdown ergue-se como o manifesto definitivo do Green Day: um álbum tolo, escancaradamente comercial, repleto de baladinhas para seriados de tevê, mas igualmente poderoso no acúmulo de referências de glam e classic rock. Um disco assumidamente comercial, popular, que faz tudo para agradar e, não sem forçar a barra, consegue despertar uma alegria pré-adolescente no ouvinte. Em qualquer ouvinte.
Procurar alguma transgressão no discurso de Armstrong é caçar vanguarda em fita de ação. Dividido em três atos, o álbum acompanha a fuga enloquecida de um casal de outsiders: Christian e Gloria. As canções atacam instituições religiosas (sem citar nomes), governo (e aí cita pelo menos um nome: Nixon), a “opressão da sociedade” (trademark punk) e um inimigo que pode estar em qualquer lugar. Não é uma narrativa tão clara quanto a de American idiot: a paranoia que move os personagens embaça as cenas e situações. E que ninguém esqueça de que, nas bordas do roteiro, existe uma história de amor.
A faixa-título, inspirada em Queen, é ambientada na virada do século. É um flashback adequado, já que o álbum pertence àquela época: é um tipo de superprodução que nasce datada, como um exercício de nostalgia, uma peça à antiga (coloque na mesmo arquivo de Stadium arcadium, do Red Hot Chili Peppers, The black parade, do My Chemical Romance, Viva la vida, do Coldplay, e No line on the horizon, do U2). O formato do disco recicla clássicos como The Who sell out como um cineasta que recorta cenas de Easy rider e cola num videoclipe da Shakira.
Mas existe uma força ingênua no disco que acaba por justificar essa colagem superficial: em quase 70 minutos, o Green Day usa todos os recursos a que tem acesso para manter o público atento, entusiasmado. É uma banda limitada — Bohemian rhapsody, do Queen, já instigou experiências mais ousadas (Paranoid android?) —, mas disposta a testar o próprio fôlego. Daí a forma meio desengonçada como eles tentam expandir um som quadrado e se aproximar do power pop (Last of the american girls é quase Fountains of Wayne), do pós-punk da geração 2000 (Horseshoes and handgrenades copia Main offender, do Hives), e de soft rock levado a sério (o Foo Fighters teria feito uma balada como Last night on Earth, mas com algum sarcasmo).
Estou certo de que o Green Day planejou este álbum como um resumo da ópera — o último grande disco de rock. Soam até preocupados. Na pele deles, eu não me incomodaria. Depois desta geração de adolescentes haverá outra, e depois outra. Quando se tem 16 anos para sempre, essa imagem de futuro deveria servir de conforto.
Oitavo álbum do Green Day. 18 faixas, com produção de Butch Vig e Green Day. Reprise Records. 7/10
Star Trek
Star Trek, 2009. De J.J. Abrams. Com Chris Pine, Zachary Quinto, Simon Pegg, John Cho, Leonard Nimoy e Eric Bana. 126min. 6.5/10
Um amigo meu, um tanto perplexo com a situação toda: “A campanha de marketing de Star Trek é tão eficiente que estou me roendo de ansiedade pelo retorno de uma série que sempre desprezei.”
É o sonho de toda equipe de publicidade, não é? Já nos primeiros trailers deste filme, quando bati o olho naquele azul-pastel meio rosado rasgando a tela, admito que comecei a sentir saudades de um hobby que nunca tive, de um passado que nunca vivi – de sensações que talvez tenham evaporado da minha memória para ceder lugar a lembranças mais interessantes.
Fatos: não sou trekker. Não conheço nenhum trekker. Não acompanhei os episódios da série original, criada por Gene Roddenberry em 1966. Não me interessei por nenhum dos longas-metragens inspirados no programa de tevê. Eu poderia ter movido minha bunda e assistido a filmes como Generations, de 1994, ou First contact, de 1996. Preferi ficar em casa. Provavelmente assisti a algum deles há muito tempo: quando penso nessa saga de ficção-científica, tudo o que lembro é de um grupo de homens uniformizados conversando sobre assuntos complicados demais, ou pueris demais, ou tolos demais – temas e manias que, somados uns aos outros, nunca me interessaram.
Quando eu era pequeno, usavam Star Trek como um argumento infalível para ressaltar as qualidades de Star Wars. Sabe-se lá por que razão, o tempo fez justiça aos fracos e renegados. Veja só: o novo Star Trek pode sim ser empunhado como arma por aqueles que desejam desancar os Star Wars mais recentes. É uma atualização jovial de (mais) uma franquia envelhecida.
Rejuvenescer a tripulação da Enterprise permite ao filme a criação de um elo firme entre antigos fãs e um público novo e/ou desinteressado. Em vez de zerar o placar e criar novos paradigmas para a franquia, o novo capítulo preserva antigos métodos como uma forma de “respeitar” o original. Os efeitos visuais seriam mais modestos, mas cenas de abertura poderiam estar em qualquer um dos filmes anteriores: lá estão os homens uniformizados dentro de uma nave, flutuando no espaço, combatendo um vilão monstruoso que poderia habitar nossos pesadelos mais infantilizados.
Depois dos créditos iniciais, porém, vem o primeiro golpe de J.J. Abrams. Mais para Missão: impossível III que para Lost, a sequência de ação (embalada por Sabotage, dos Beastie Boys) acompanha as estripulias de um pequeno James T. Kirk com vocação para Vin Diesel. É o suficiente para convencer-nos de que aquele não será mais um Star Trek. E talvez o bastante para explicar aos antigos fãs de que os tempos mudaram. O que se vê a partir daí um jogo de estica-e-puxa entre a intenção de homenagear a série dos anos 60 e o projeto de renová-la.
De uma forma ou de outra, o filme funciona. É uma palavra adequada, já que Abrams filma com o pragmatismo de quem produz um episódio-piloto que precisa dar certo. Cada um dos elementos do filme é formatado para agradar a uma determinada fatia da audiência (dos nerds, que provavelmente adoram os longos diálogos sobre buracos negros, às adolescentes animadíssimas com a cena em que o rebelde Kirk aparece só de cueca). O truque usado pelo roteiro para justificar a trama – viagens no tempo, ora! – parece conter duas ou três piadas internas que só os fãs da quinta temporada de Lost entenderão.
Abrams filma o roteiro de Roberto Orci e Alex Kurtzman (ambos de Transformers, anote aí) como uma aventura de ação. Os conflitos são desatados na velocidade da luz e, muitas vezes, resolvidos no braço. A Enterprise é recauchutada como um parque luminoso, de cores que cintilam na tela como a vitrine de uma loja de doces. Os atores recuperam as fragilidades de personagens que já soavam como caricaturas. Construir a relação de amizade entre Kirk e Spock parece tão importante para o roteiro quanto desenvolver sucessão de eventos que pode dar na destruição do planeta Terra (mas que ninguém espere a angústia provocada por Presságio, ok?).
O novo Star Trek reinicia a franquia com bastante competência. Abrams ainda me parece filmar de modo excessivamente técnico, impessoal, um produtor com uma câmera. É um filme correto. Que se beneficiará das baixíssimas expectativas de quem nunca entendeu os trekkers (e de quem assistiu ao trailer do novo Transformers, aparentemente tenebroso). E que contará com a torcida dos fãs. Mas aí nem vale: eles sobreviveram a filmes que, colocados em perspectiva, transformam qualquer episódio de Lost em obra-prima.