Sufjan Stevens
Get real, get right | Sufjan Stevens
O clipe novo do Sufjan Stevens é brincadeira de criança: papel cortado, pinturas coloridas, anjos e naves espaciais. Tudo simplezinho (a arte é de Royal Robertson; a direção, do próprio Stevens), como que para contrastar com os climões do disco mais recente do homem, o ótimo The age of adz. O vídeo não me tirou do chão, honestamente, mas a música é a minha favorita do álbum (entrou até numa mixtape do ano passado). Então, cá está a belezinha.
That was the worst Christmas ever | Sufjan Stevens
É uma espécie de tradição do blog: todo dia 24 de dezembro, um clipe do Sufjan Stevens. Este aqui foi feito em 2009 e é autoexplicativo.
Feliz Natal pra vocês.
Os melhores discos de 2010 (10-1)
Vamos ao top 10?
Não necessariamente os 10 Melhores Discos de 2010 (admito que o título do post ficou um pouco blasé: é pra chamar atenção no Google), mas aqueles que provocaram reações felizes neste blog e, simplificando de vez a metodologia, fizeram de 2010 um ano um pouco menos frustrante para o blogueiro que escreve estes posts confusos. Um sujeito que acha que entende sobre alguma coisa e que, de janeiro pra cá, sofreu um bocado.
Antes, as menções honrosas, para ouvir antes de morrer (em ordem alfabética): American slang, The Gaslight Anthem; Before today, Ariel Pink’s Haunted Graffiti; Broken dreams club, Girls; Cosmogramma, Flying Lotus; The fool, Warpaint; Forgiveness rock record, Broken Social Scene; Gorilla manor, Local Natives; Grinderman 2, Grinderman; Hidden, These New Puritans; IRM, Charlotte Gainsbourg; Pilot talk, Curren$y; Public strain, Women; Treats, Sleigh Bells.
E, coming soon, a lista dos 20 melhores filmes de 2010 e, se tudo der certo e eu cumprir o meu cronograma apertado, os 10 discos brasileiros do ano. Mas não prometo nada, ok?
10 | The age of adz e All delighted people EP | Sufjan Stevens
I should not be so lost… But I’ve got nothing left to love – ‘I walked’
Sufjan no furacão (ou: a crise dos 30). “Quanto mais ouvimos o disco, mais fica claro que a provocação não é gratuita – ele foi criado como uma afirmação de princípios. É como se as faixas refletissem um compositor de pulsos abertos, afetado por decepções amorosas, desejo de espiritualidade, medo da passagem do tempo e outras crises que se enfrenta aos 35. A reação de Sufjan a esse cataclisma define a música que ele produz hoje, mais tensa e caótica do que de costume.” (14 de outubro, texto completo)
9 | The Monitor | Titus Andronicus
The enemy is everywhere – ‘Titus Andronicus forever’
Um épico americano, em lo-fi. “Um disco imenso e valente, que cria uma atmosfera de filme de época (sobre a Guerra Civil) para se aventurar na América de hoje. Nunca sem paixão, o Titus Andronicus entende os desafios de uma banda de rock independente: aproveitar as liberdades do mercado para brincar com as convenções, experimentar, criar monumentos de areia — nem que apenas para procurar um tipo diferente de diversão” (12 de fevereiro, texto completo)
8 | The ArchAndroid (Suites II and III) | Janelle Monáe
It’s a cold war… You better know what you’re fighting for – ‘Cold war’
Janelle, nossa heroína. “Sem querer forçar comparações absurdas (mas já forçando), a estreia de Janelle Monáe soa como se tivesse sido criado por uma menininha que, sem contato com os produtos mais mecânicos do pop, ouviu um disco dos Beatles (ou do Frank Zappa, ou do Love, ou uma ópera-rock do The Who) e decidiu escrever algumas canções. Nos 68 minutos de duração, a palavra que quica é liberdade.” (27 de maio, texto completo)
7 | Body talk | Robyn
Get a heart made of steel ‘cause you know that love kills – ‘Love kills’
Agonia e êxtase. “Robyn entende o que há de mais poderoso na música pop: cumplicidade e catarse. Com arranjos introspectivos, este seria um dos discos mais melancólicos da temporada (reparem nos versos sobre amores perdidos, crises de identidade, depressão e solidão). Mas o clima é festivo de doer. Os minidiscos são de provocar dependência química, mas este aqui é grande disco pop do ano.” (9 de dezembro, texto completo)
6 | Halcyon digest | Deerhunter
Walking free… Come with me… Far away… Every day – ‘Desire lines’
Um álbum de memórias, sobre juventude, mas Bradford Cox ainda vive cada disco como se não houvesse amanhã. “O vocalista se exibe em quase todas as canções. Ora melancólico (quase suicida), ora eufórico, otimista. Em todos os casos, leva às gravações um discurso franco, sem corretivos, que nos toma pelos braços. Somos cúmplices. Pode ser encenação – mas, nesse caso, a técnica só valoriza um álbum que soa como os posts desesperados (e ansiosos, e por vezes apressados) de um blogueiro que ouviu demais.” (20 de setembro, texto completo)
5 | The Suburbs | Arcade Fire
Sometimes I can’t believe it, I’m moving past the feeling – ‘The Suburbs’
Um grande disco de rock dos anos 70 para as tardes silenciosas da minha juventude. “O discurso do Arcade Fire se infiltra em nossas vidas, em nossas lembranças, em nossas aflições. Não existe conclusão em The suburbs porque nossas vidas também são imprecisas. E, se o disco parece se movimentar em círculos (com trechos de melodias e de versos que se repetem), é que estamos sempre retornando às nossas casas, aos nossos antigos problemas, aos nossos sonhos mortos, às nossas frustrações e à nossa adolescência.” (27 de julho, texto completo)
4 | Teen dream | Beach House
It is happening again – ‘Silver soul’
Jornada delicada sonho adentro. “Este é um daqueles álbuns em que uma pequena banda adapta um estilo sólido a certas convenções do pop rock. Soa como um problema? Não quando essa pequena banda está disposta a usar um ou outro truque para facilitar nosso acesso a um mundo ainda sutil, ainda misterioso. Que me perdoem os mais radicais: à luz rósea do pop, a história do Beach House fica ainda mais bonita.” (26 de dezembro de 2009, texto completo)
3 | Have one on me | Joanna Newsom
Hey, hey, hey, the end is near. On a good day you can see the end from here – ‘On a good day’
Visões de Joanna (num disco onde, se aceitarmos o convite, podemos morar por um bom tempo). “A sensação de liberdade, de não dever satisfações ou se obrigar a algum tipo de obrigação, contamina de tal forma este álbum triplo que, lá pelos 60 minutos de viagem, tudo o que eu consigo ouvir nele é beleza bruta, beleza estranha, beleza sutil, beleza que emociona, beleza nos detalhes mínimos, beleza que não se sabe de onde vem, beleza inclassificável, beleza difícil, beleza insuportável. Outra beleza.” (2 de março, texto completo)
2 | Expo 86 | Wolf Parade
A little vision come, come shake me up – ‘Ghost pressure’
Quatro velhos amigos numa sala (enquanto o mundo pega fogo). “Quando fazemos algum esforço, conseguimos visualizar, entre uma faixa e outra, uma banda correndo dentro do estúdio, excitadíssima com as próprias canções, com pressa para gravar, mixar, concluir o trabalho e mostrar-nos o resultado. É, apesar dos versos ainda muito agoniados, um disco que sorri para si mesmo e para o público. Nada como o som de uma banda de rock no auge, feliz com a imagem refletida no espelho” (16 de maio, texto completo)
1 | My beautiful dark twisted fantasy | Kanye West
We’re going all the way this time – ‘All of the lights’
No mundo parelelo de Kanye West, discos pop ainda nos deslumbram e espantam, ainda nos levam a lugares onde nunca estivemos. “A angústia de West, para nossa surpresa, acaba por energizar o disco, já que ele compõe e grava como se estivesse à beira do precipício. Como se houvesse apenas mais uma chance (não é o caso, mas o sujeito é uma pilha de nervos). Em sua discografia, não existe um outro disco que aposte tantas fichas, que mire tão alto e que tome caminhos tão arriscados. As faixas são grandiosas por birra, não por necessidade. Muitas delas caberiam em três minutos de duração. Mas West as alonga para explicitar o que têm de desconfortável. Uma obra-prima.” (16 de novembro, texto completo)
Mixtape! | O melhor de outubro
A mixtape de outubro foi gravada durante as minhas férias e, por isso, deve soar um pouco mais amena, um pouco mais leve, um pouco menos agoniada, um pouco menos pilha-de-nervos, um pouco menos tique-nervoso do que a de setembro. Ela até parece um pouco ensolarada, vejam só que coisa estranha.
Não é uma coletânea como as outras: a colagem foi feita não no fim, mas bem no meio do mês, antes da minha viagem a São Paulo (onde estou neste momento) e pouco depois da semana que passei no Rio de Janeiro. Portanto, o som remete muito mais a esse respiro carioca, do que à escala paulistana. A cor do som é mais azul do que cinza, portanto.
E só percebo isso agora, quando volto a ouvir o disquinho. As primeiras faixas evocam um souvenir de paraíso tropical – o mar, as moças de biquini, uma certa sensação de que as coisas vão terminar bem. Mas aí ele vai ficando um pouco estranho, um pouco torto, talvez você note climas cinematográficos, e (se você me conhece) talvez encontre nos versos e melodias muitas referências aos fatos que vivi, pessoas que conheci, sensações e incertezas… É, como sempre, uma mixtape muito pessoal.
Se existe uma palavra que define as minhas férias, ela tem quatro letras: fuga. Uma corrida louca, uma necessidade desesperada de ocupar o tempo (com filmes, palavras, discos, qualquer coisa) para que eu não corra o risco de ficar completamente sozinho, em silêncio, diante de mim mesmo. Não é simples.
Ainda assim, apesar de ser tudo ainda sobre mim, dedico esta coletânea aos meus amigos mais próximos, que me ajudam mais do que eles próprios percebem. Principalmente ao Diego Maia, o bróder de São Paulo que, apesar de muito mais novo, é um exemplo pra mim: um dos sujeitos mais inteligentes que eu conheço, e não apenas por preferir músicas alegres às tristes.
Então esta é uma mixtape de músicas alegres. Ou quase. O disco preferido do mês foi The age of adz, do Sufjan Stevens. Mas, como ele acabou entrando na coletânea tortuosa de setembro, quem ilustra este post é o El Guincho, que gravou um dos discos mais vibrantes do ano. E um dos que me acompanharam durante estas férias estranhas.
É uma mixtape com sabor de mate leão: tem, além de El Guincho, Delorean, Thurston Moore (interpretando Burt Bacharach), uma faixa emocionante do Clientele, Avey Tare, Manic Street Preachers, The Walkmen… A lista de músicas está logo ali na caixa de comentários.
Então faça o seguinte: tire a poeira da prancha, compre um bom protetor solar e faça o download da mixtape de outubro aqui ou aqui.
(E, depois, para alegrar o meu dia, não custa nada deixar um comentariozinho esperto sobre a coletânea. Não custa, custa? Não custa).
Superoito express (32)
The age of adz | Sufjan Stevens | 8.5
Quem ouve apressadamente este The age of adz pode ficar com a impressão de que Sufjan Stevens escolheu um itinerário semelhante àquele que M.I.A. e MGMT tomaram recentemente: a aventura da autosabotagem. Afinal de contas, esta zoeira de ruídos eletrônicos, orquestrações pomposas e arranjos sinuosos é o sucessor de Illinois (2005), o disco que fez de Stevens uma espécie de Colombo indie. Uma parte numerosa do público, que não acompanha os “projetos paralelos” do músico, possivelmente ainda espera dele uma nova fornada de crônicas americanas narradas com uma caligrafia delicada e pessoal. Esses continuarão esperando, já que The age of adz é um desvio de rota.
Se Illinois era uma viagem de dentro para fora (o homem investiga o país e se enxerga nele), The age of adz se volta a um território sentimental, íntimo. Viagem ao redor do próprio quarto. Mas, ao contrário do EP All delighted people (que apontava para a sutileza folky de Illinois e especialmente de Seven swans), The age of adz envolve essas confissões de Stevens numa colcha de excessos – com barulhinhos, coros angelicais e furacões de sintetizadores -, numa explosão cósmica que nos atira diretamente ao buraco negro do prog rock dos anos 70.
Quanto mais ouvimos o disco, mais fica claro que a provocação não é gratuita – ele não foi planejado como um suicídio comercial, mas como afirmação de princípios. É como se as faixas, quase sempre incontroláveis, refletissem um compositor de pulsos abertos, afetado por decepções amorosas (e I walked é uma canção de despedida muito direta e tocante), desejo de espiritualidade (Get real, get right), medo da passagem do tempo (Now that I’m older) e outras crises que se enfrenta aos 35 anos. A reação de Stevens a esse cataclisma informa a música que ele produz, mais tensa e caótica do que de costume: The age of adz vai desagradar a quem o conhece como o bom-moço capaz de escrever melodias agradáveis que inspiram publicitários e fãs de Belle and Sebastian; e vai confirmar a fé dos que procuram em Stevens um artista.
Pop negro | El Guincho | 7
Pop negro soa como o “lado A” de Alegranza! (2008), um disco mais labiríntico (e que me parece mais denso e interessante) do que este aqui. O espanhol Pablo Diaz-Reixa continua combinando loops siderados como um legítimo herdeiro do Animal Collective, mas desta vez ele usa esse método a serviço da sensação de conforto e euforia que se espera de um disco pop. É um álbum que, por isso, deve até incomodar os fãs do anterior – muitas das canções soam como remixes nada radicais para o repertório do Mutantes ou de bandas como Café Tacuba e Aterciopelados. Dito isso (e quebrada essa resistência em relação ao disco), o que fica é a ótima impressão de que Pablo sabe como extrair o sumo de boas canções comerciais e contaminá-lo com psicodelia. É uma festa boa, quente, e que não nos aborrece em momento algum. E ela termina tão rapidamente que dá vontade de ficar ouvindo o disco sem parar.
Maximum Balloon | Maximum Balloon | 6
Um disco criado para nos provar que Dave Sitek (o “cientista louco” do TV on the Radio) também curte a vida adoidado. Não que ele consiga nos convencer totalmente disso (o pop “desencanado” do sujeito se revela tão engenhoso, tão excessivamente maquinado quanto qualquer outra coisa que ele produziu), mas consegue algo raro em discos superpovoados por participações especiais: ele dá ao som do Maximum Balloon uma unidade forte, como se adaptasse as referências do TV on the Radio (Bowie, Byrne, pós-punk) ao clima febril de uma pista de dança. Agora é esperar que, nos próximos discos do projeto, ele consiga usar essa sonoridade para criar canções tão boas quanto Young love, das poucas que me interessam aqui.
Postcards from a young man | Manic Street Preachers | 6
Depois de reencontrar a fúria (e a ansiedade adolescente) no ótimo Journal for plague lovers (2009), o Manic Street Preachers retorna ao ponto em que haviam parado em Send away the tigers (2007). Isto é: de volta às tentativas de fabricar rock de arena, comercial até a costela, com alguma dignidade. Sabemos que, nesse aspecto, eles não têm noção de limites: daí momentos constrangedores como Hazelton Avenue, que rouba o riff the It ain’t over til it’s over, de Lenny Kravitz. Mas o disco anterior parece ter energizado a banda, que parece mais confiante do que nunca na luta para voltar ao trono do britrock. Quantos euros o Bon Jovi pagaria para escrever uma canção como (It’s not war) Just the end of love? De volta à realidade, pois.
Mixtape! | O melhor de setembro
Não sei o que aconteceu com vocês, mas, para mim, setembro foi o mês dos pesadelos.
Muitos sonhos ruins, meus amigos. Quase um por noite, e de todos os tipos. Pesadelos realistas (como num filme de Christopher Nolan) e pesadelos loucos (como num filme de David Lynch); pesadelos sangrentos como os de A hora do pesadelo e pesadelos silenciosos, plácidos e, portanto, especialmente tensos.
A mixtape deste mês, como era de se prever, foi contaminada por essa aflição noturna. É a minha cara. Nem preciso escrever outros posts chorosos sobre o assunto: está tudo aqui. É a mais aflitiva entre todas as compilações que gravei. Algumas canções duram mais do que deveriam e nos carregam por trilhas sem iluminação. Outras sofrem de carência e solidão, se rasgam pela metade e caem em pedacinhos. E há as que explodem em ruído e fúria, saem correndo e não voltam para casa, etc.
Não é uma mixtape dócil.
Mas aí vocês vão me perguntar: “Tiago, por que eu gastaria meu tempo baixando e ouvindo um CD sobre pesadelos e aflições? Um CD que vai me deprimir, que vai me fazer sentir um sujeito miserável, que vai perturbar o meu sossego e mostrar sentimentos que eu não quero ver?”
Três motivos:
O primeiro: esta coletânea abre com a música que, por enquanto, é a minha favorita deste ano.
O segundo: a segunda faixa me acompanhou no decorrer deste mês complicado e, de alguma forma, explica tudo o que você leu neste blog durante o período.
O terceiro: esta é, de longe, a coletânea de que mais me orgulho. É toda desarranjada, um pouco estranha e arredia, onírica toda vida, com o rosto amarrotado de quem acabou de acordar; é desesperada, sente enjoos e perdeu os limites.
Lá dentro, você vai encontrar canções do Deerhunter (que gravou o meu disco preferido do mês, e por isso está na foto acima), do Blonde Redhead, do Grinderman, do Black Mountain, do Sufjan Stevens, do Maximum Balloon, do Chromeo, do Abe Vigoda, do Interpol e, finalmente, do Belle and Sebastian.
Spoiler: o desfecho, atendendo a pedidos, é otimista.
Espero que, mesmo estranhando a ausência das canções que despertam apreço imediato, vocês repitam a experiência pelo menos três vezes. São músicas que, na maior parte dos casos, não podem ser domesticadas – mas prometo que elas vão se revelar mais adoráveis do que você imagina.
A lista de faixas está, como de hábito, na caixa de comentários. Será bacana se vocês comentarem sobre o que ouviram. Isso me ajuda a ter ideias para outras coletâneas, entende? É importante. Vocês sabem o quanto é importante, não sabem?
Então taí. Engula a pílula e bons sonhos.
Mixtape! | O melhor de agosto
A mixtape de agosto é um break-up record. É isso e nada além disso. Um disco de separação, mal-me-quer, fim de caso, pé-na-bunda, etc. Mas não o tipo de break-up record que fica chorando pelos cantos e chutando latinhas. Nada a ver. Estamos falando de um modelo mais realista de break-up record.
É que, à vera, as separações contêm uma série de sentimentos conflitantes que não aparecem num típico break-up record. E por que isso acontece? É que a impressão de coerência às vezes serve à arte – mas quase nunca às nossas vidas ó tão caóticas.
Então taí. Esta mixtape usa algumas músicas que ouvi no mês de agosto para formar um catálogo de sensações que mapeiam o fim de um relacionamento amoroso. Pela ordem: ódio, leve euforia, melancolia, rancor, sutil desejo de recuperação, leve recuperação (acompanhada de bebedeiras irresponsáveis), doce nostalgia, fúria, tristeza e, finalmente, depressão (que as coisas costumam terminar mal, vocês sabem).
E essa não é, de forma alguma, uma desculpa bolada às pressas para justificar uma mixtape esquizofrênica.
Não é. Ouça uma vez e ouça novamente. Na primeira audição, provavelmente você tratará este CD como qualquer bobagem. Na segunda, ele vai começar a criar teias no seu coração. Na terceira, você entenderá que é a melhor mixtape que encontrou neste site. Em todos os tempos. A melhor. Ou pelo menos a mais humana.
Lá dentro, pulsam canções do Of Montreal (que gravou o disco preferido do mês, False priest, e por isso aparece na foto meio bizarra lá de cima), do Ra Ra Riot, do Royksopp, do Villagers, do Stars, do Curren$y, do Eels, do Thermals, do Sufjan Stevens e do Matthew Dear.
É, no mais, uma mixtape pequenina, de uns 30 e poucos minutos, para compensar os excessos do mês passado. Pequenina mas nunca desprezível ou simplezinha. Grandes surpresas num pequeno pacote.
As mixtapes deste site passam por um rigoroso controle de qualidade e, por isso, precisamos da sua opinião para manter um bom atendimento. Traduzindo: este é o post em que você vence a sua timidez e escreve um comentário bem bonito. Ok?
A lista de canções, como de costume, está logo ali na caixa de comentários. Faça o download da mixtape de agosto aqui ou aqui.
All delighted people EP | Sufjan Stevens
No dia 12 de outubro, Sufjan Stevens lança um disco novo. Por enquanto, sabemos duas ou três coisas sobre ele: que se chama The age of adz, que não tenta decifrar nenhum estado norte-americano, que faz uso pesado de efeitos eletrônicos e orquestra, que não é um “álbum conceitual”.
Mas, ao mesmo tempo, não temos certeza de coisa alguma. Uma das manias de Sufjan Stevens, lembre-se, é sabotar as nossas expectativas. Talvez seja isto o que mais queremos dele: o inesperado.
Stevens é o compositor de melodias tenras, pessoais. Também é o sujeito das ambições loucas, dos grandes planos, das ideias impraticáveis (um disco para cada um dos 50 estados americanos, por exemplo). Mas, além de tudo, é o songwriter autoirônico, que olha no espelho e ri da imagem que vê. O indie rock tem um quê patético (talvez por se levar excessivamente a sério, como um culto excêntrico disseminado em rituais on-line), e Sufjan entende a graça.
Daí que, antes de The age of adz, ele lançou um EP de oito faixas chamado All delighted people. Parece um aperitivo, uma distração, um brinde. Mas, quando você ouve o disquinho, descobre que se trata de um álbum completo, de quase 60 minutos de duração, robusto e cheio de si.
Talvez Stevens queira que tratemos o disco com a leveza como tratamos EPs. Mas não dá. All delighted people pode até ser uma obra “menor” se comparada a álbuns como Illinois (2005) e Seven swans (2004). No entanto, é mais atrevido do que a maior parte dos discos lançados por qualquer outra pessoa em 2010.
As faixas do álbum foram construídas em torno da canção-título. Que é, segundo Stevens, uma homenagem “ao Apocalipse, ao tédio existencial e a Sounds of silence, de Paul Simon”. Cada um desses temas inspiraria um grande disco – o impressionante é que, na faixa, eles são explorados com a grandiosidade de uma ópera-prog, que vai do folk sessentista a Beatles e, é claro, Simon & Garfunkel. Stevens não quer pouca coisa: com cordas fulminantes, coros e solos de guitarra à space-rock, ele vai à lua e volta. Talvez não seja a melhor canção que gravou. Certamente é a maior.
É tão desregrada que se desdobra em duas. A primeira, de 11 minutos, vai se desdobrando feito um réquiem para o fim do mundo. Stevens resume toda uma longa trajetória em cenas curtas, enquanto o mundo explode. Já a segunda, de oito minutos (e apelidada muito marotamente de Classic rock version), parece celebrar a destruição com sopros e atmosferas roubadas de um disco do Pink Floyd. É como se Elliott Smith tivesse ouvido menos #1 Record, do Big Star, e mais Wish you were here.
Uma canção FEROZ que provavelmente devoraria qualquer disco em que fosse incluída – o EP, portanto, é uma forma de enjaulá-la com o devido respeito.
Mas o disco não é apenas isso (se fosse, já seria grande). Para equilibrar os excessos desse turbilhão pop, Stevens cria algumas das canções mais delicadas da carreira – com violão, voz, ecos e quase nada mais. A começar por Enchanting ghost, que cita explicitamente um arranjo de Elliott Smith como para simular uma sensação de intimidade, de confissão sussurrada. É comovente. Tanto quanto Heirloom, com violões dedilhados e uma voz que parece transmitida do fundo de um beco, e From the mouth of Gabriel, triste como poucas.
Como de costume, Stevens nos engana, nos atira no olho de um paradoxo: apesar do título, All delighted people fala sobre pessoas desencantadas, tateando um mundo que perdeu o sentido. Corações quebrados, medo disso e daquilo, incertezas, Paul Simon. E melodias tão assustadoramente macias.
Parece pop. Mas isto é hardcore.
EP de Sufjan Stevens. Oito faixas, com produção de Sufjan Stevens. Lançamento on-line da Asthmatic Kitty. 8/10
Superoito express (16)
Heartland | Owen Pallett | 7
E o prêmio de aluno mais dedicado da classe vai para… Depois de compor arranjos de cordas para discos como Funeral (Arcade Fire), The age of the understatement (The Last Shadow Puppets) e The flying club cup (Beirut), Owen Pallett aposenta o codinome Final Fantasy, assina com a Domino Records (talvez o selo mais bacana do mundo) e sai do armário (artisticamente, pelo menos) num álbum que, se dependesse da torcida vip e das expectativas que provoca, teria acesso garantido às listas de melhores de 2010.
Heartland é uma sinfonia pop com uma premissa insólita: um fazendeiro grosseirão de um planeta fictício olha para o céu e, siderado, trava uma série de monólogos com seu deus. Com uma piração dessas, o Flaming Lips escreveria uma ópera psicodélica. Pallett é mais contido, polido e blasé (e, às vezes, pálido): mais Van Dyke Parks, menos Pink Floyd. A primeira metade do disco, à beira do pop, resume tudo o que o violinista faz de melhor – trilhas perversas para desenhos da Disney. A segunda, espaçosa, vai diluindo a trama num cartoon para adultos. Voo alto, mas errático. Ainda assim, não vai desapontar os fãs de Andrew Bird e Sujfan Stevens.
Odd blood | Yeasayer | 6.5
Um alerta: este pode soar como um disco projetado para dar alguma ocupação aos fãs do MGMT e do Empire of the Sun – psicodelia-chiclete em modo hiperativo, com surpresas reluzentes e superficiais a cada curva. Mas o trio de Nova York (que estreou bem com All hour cymbals, de 2007) leva um pouco mais a fundo o projeto de experimentar com elementos do pop e do underground, sem compromisso com nenhum dos dois times. Daí esquisitices muito alegres e saborosas como O.N.E. (que parece até homenagem ao Erasure) e o single Ambling Alp. A estratégia de distribuição explica muito sobre o álbum, lançado nos Estados Unidos pelo selo independente Secretly Canadian e nos outros países pela EMI. Vai ser impossível, por isso, não ouvir falar sobre eles em 2010.
End times | Eels | 5.5
Até os fãs concordarão que o “álbum de divórcio” do Eels soaria um tantinho mais tocante se lançado antes de pelo menos outros três discos dele que lidam mais ou menos com a mesma angústia (e com a mesma receitinha sonora). Para Mark Oliver Everett, a depressão provocada por desilusões amorosas é um standard. Por mais que as circunstâncias nos levem a admirar End times como um esforço corajoso e extremamente franco (separado da mulher, mais desamparado que cão sem dono, Mark se isolou no porão de casa, onde vomitou o álbum inteiro num gravador fuleiro), o resultado da terapia ocupacional soa como o lamento de alguém que acabou de sofrer um baque desses: os amores acabam e o mundo é cruel. Multiplique o drama por 14 canções.
Of the blue colour of the sky | OK Go | 5
Produzido por Dave Fridmann (Flaming Lips, MGMT), o terceiro disco do OK Go é a projeção em 3D de um filme mediano. Os efeitos especiais entretêm, mas não tente procurar mais do que isso. Fridmann, ainda enfeitiçado pelo sucesso do MGMT, segue maltratando uma fórmula que ajudou a criar com os Lips (o pai de todos esses disquinhos pop meio aguados e muito apelativos, acredite, é The soft bulletin). A banda o anunciou como um “álbum honesto e dançante, inspirado em Prince”. Previsível assim. Três discos, participações em trilhas sonoras, fã-clube no YouTube, tapete vermelho estendido por uma grande gravadora… Nada disso ajuda o OK Go a forjar uma identidade. Como alertaria o Eels, mundo sarcástico o nosso.
Dark was the night | Vários Artistas
Não é que eu tenha problemas com coletâneas, mas veja o caso de Dark was the night. Nem sei por onde começar, sério.
O álbum duplo, lançado com a Red Hot Organization (que arrecada fundos em benefício dos portadores do HIV, e está por trás de discos como No alternative e Red Hot and Blue), tem 31 faixas, dura mais que muito longa-metragem e funciona praticamente como um yearbook para ídolos da comunidade indie (classe de 2007/2008, com paraninfos e agregados).
Quer dizer, Deerhoof ficou de fora. Mas eles não contam exatamente como ídolos, contam?
No mais, a turma está reunida: produzido por Aaron e Bryce Dessner (do The National), o álbum reúne canções exclusivas (entre inéditas e covers) de bandas como Arcade Fire, Spoon, Antony and the Johnsons, Grizzly Bear, Andrew Bird, The New Pornographers, My Morning Jacket, Cat Power. O set é tão diversificado (dentro dos limites do indie, claro) que praticamente todo leitor da Pitchfork vai querer uma cópia do disquinho.
Dá para forçar a barra e identificar uma atmosfera de melancolia em torno da maior parte das faixas – e algumas delas, como You are the blood (Sufjan Stevens) e Stolen houses (Iron and Wine) vão direto ao tema. Mas é um projeto abrangente demais para caber numa síntese (que o próprio título sugere).
Como de costume, há opções meio duvidosas. Conor Oberst, por exemplo, presta reverências ao próprio umbigo com uma versão de Lua (se faz acompanhar por Gillian Welch). E o Decemberists extrapola com uma faixa chorosa de oito minutos de duração (Sleepless). Mas são poucos equívocos, e eles quase desaparecem num conjunto bastante forte.
Eu destacaria umas 15 faixas, mas isso não ajudaria ninguém. Sejamos práticos: lá no topo da minha lista de preferidas estão Deep blue sea, do Grizzly Bear (tão boa quanto qualquer uma do disco Yellow house, que é maravilhoso), Knotty pine, com Dirty Projectors e David Byrne (que abre o disco, e não à toa) e You are the blood, que aponta uma direção mais experimental e eletrônica (mas ainda doce) para Sufjan Stevens.
Well-alright, do Spoon, abre o segundo disco e… Se não mereceria entrar no álbum mais recente dele, ainda é Spoon e por isso vale quase a coleânea toda. E, no departamento das covers, é uma delícia a versão do New Pornographers para Hey, snow white, do Destroyer (e a de Antony para I was young when I left home, de Bob Dylan).
Isto é: daqui a 60 anos, quando quiserem resgatar o indie rock do início do século, este álbum aqui servirá como uma introdução bem decente.
Coletânea produzida por Aaron e Bryce Dessner. 31 faixas. 4AD/Red Hot Organization. 8/10