Sub Pop

Endless now | Male Bonding

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Estou certo de existe um projeto de obra-prima na agenda do Male Bonding: um álbum ultrareluzente, que vai nos tirar do solo e nos atirar numa outra galáxia.

Em Endless now, o segundo disco do quarteto, uma faixa serve de teaser para essa revelação (que virá, eu sei). Em Bones, a banda usa um turbilhão de overdubs para criar uma versão épica para uma melodia que possivelmente foi abandonada pelo Dinosaur Jr no estúdio em que os londrinos gravaram este disco, em Woodstock. Soa tão marcante que o próprio grupo retorna ao riff no fim do disco.

Mas, se existe mesmo (eu sei, tem!) esse projeto de obra-prima, não é desta vez que o Male Bonding o leva a cabo. Em Endless now, o esforço é outro, oposto: o de ampliar uma sonoridade sem romper os limites estreiros que foram marcados pela própria banda no disco anterior, Nothing hurts, de 2010.

Para ficarmos numa comparação entre britânicos que sonhariam em ter gravado Bandwagonesque: enquanto o Yuck toma um passado recente (o fim dos anos 1980, início dos 1990) como parque temático onde se tem vários brinquedinhos e todos parecem atraentes e “brincáveis”, o Male Bonding tenta simular um disco do Teenage Fanclub que a Sub Pop lançaria naquela época: breve, plano, potente.

Endless now soa, portanto, como o elo perdido entre Bleach e Nevermind. Nem tão áspero (como Bleach), nem tão superpoderoso (como Nevermind). Ainda não dá para encontrar no Male Bonding uma identidade, mas seria ingenuidade acusá-lo de falta de foco: os quatro ingleses conhecem muito bem o mapa onde se movimentam.

E o que eles querem é comprimir, com máxima eficiência, um torrone sonoro de sensibilidade/estrondo — que soa datado e genérico, sim (e não oferece muitos desafios a mais ninguém), mas que pode ser interpretado como uma espécie de exercício de estilo, um disco “à moda de” uma época, à serviço de uma sensibilidade demodé que eles querem ressuscitar (e as letras deprês, pessoais, sobre se sentir velho e coisa e tal, são muito apropriadas).

O curioso é que a banda vê a necessidade de mostrar que ela pode (quando bem entender) ignorar os dogmas e sonhar “fora da caixa” (para ficarmos num clichê corporativo). Bones é o melhor exemplo, uma belezinha que soa até deslocada dentro do disco; Can’t dream é outra, com algo de trilha de Sofia Coppola. Mas aí, depois de se exibir para a plateia, o grupo volta ao business as usual.

Mais interessante, acho, é quando eles tentam se aventurar dentro do quartinho abafado onde moram, mudando os móveis de lugar, usando timbres pouco típicos e deixando as canções criar rabichos que vão se desdobrando em desfechos não muito previsíveis.

Depois da terceira audição, as canções já estão todas lambuzando a nossa memória, escorrendo na orelha. Talvez provoquem lembranças de adolescência, se você também foi um adolescente que se entusiasmava com a elegância modesta dos discos concisos, aqueles cuidadosamente planejados para não cometer excessos, para não mirar ambições impossíveis.

Endless now é simples (às vezes complexo) assim. Quando e se o Male Bonding resolver gravar o tal projeto de obra-prima, talvez sintamos um pouco a falta de álbuns tão decididamente pequenos. Tem beleza nisso aí também.

Segundo disco do Male Bonding. 12 faixas, com produção de John Angello. Lançamento Sub Pop. 66

Superoito express (41)

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Nesta edição: 1, 2, 3, 4, 5 machos solitários (e foi por acaso – não é incrível?)

Within and without | Washed Out | 7.5

Já não alertamos que é perigoso inflar as nossas expectativas? A Sub Pop, que lança o long-player de estreia do Washed Out, admite que está entusiasmada com o disco num nível quase insuportável. A onda de elogios para este projeto de Ernest Greene, o novo prodígio de Atlanta, deve atingir escala oceânica nas próximas semanas – quanto sites que sempre apostaram no rapaz tentarão nos convencer de que Within and without é a última ilhota verdejante do Atlântico. A Spinmandou ver: “Chillwave para quem não aguenta mais chillwave”. Uau.

Ouvir o disco, nesse contexto de euforia, parece até dispensável. Comigo aconteceu o contrário: ouvi o disco quase por acaso, sem atentar muito para todo esse foreplay, e me interessei por ele sem grande empolgação. Digamos que eu tenha admirado a atmosfera aquática, fluida, que Greene cria para envolver as composições – mas não consegui notar uma identidade forte neste disco, que me faça defendê-lo como algo verdadeiramente especial. Eu confundiria algumas dessas faixas com as do Toro Y Moi, com as do Memory Tapes (leia textinho a seguir). Talvez por isso o rótulo chillwave tenha colado tão bem a esses projetos: é que, em muitos momentos, eles acabam soando como exercícios de gênero.

O sujeito pode ser um diretor competentíssimo de fitas policiais. Mas daí ser um Michael Mann… Greene é sim competente, se aproveita do formato conciso que a Sub Pop tanto preza e se alia a um produtor experiente sem se deixar asfixiar por ele (o homem é Ben Allen, de Merriweather Post Pavillion, do Animal Collective, e Halcyon digest, do Deerhunter). Os momentos mais extrovertidos são os que mais me fisgam – o romantismo sem-medo-de-ser-passional de Amor Fati, acima de todas -, mas nota-se que a praia do Washed Out é uma introspecção por vezes etérea, vaporosa, mas sempre cheia de sutilezas: um estilo que Greene defende com convicção e rigor; qualidades que serão recompensadas pela torcida.  

Player piano | Memory Tapes | 7.5

Desconfio que o LP de Dayve Hawk não será recebido com tanta euforia e condescendência quanto o do Washed Out (até porque o Memory Tapes lança pela Carpark Records, selo minúsculo em comparação à Sub Pop), mas acredito que estejam num mesmo patamar e que até se complementem – e não me canso de ouvir um logo após o outro. Enquanto o Washed Out vai depurando os traços mais visíveis da chillwave, o Memory Tapes trata de pressionar os limites do gênero – de tal forma que Player piano acaba sabotando nossas expectativas. As faixas mais surpreendentes são também as mais dóceis, que chegam a lembrar o pop eletrônico de um Postal Service, por exemplo (ouça Wait in the dark e Sun hits). As colagens do disco anterior dão espaço para composições mais diretas, quase corriqueiras, mas não dá para dizer que este disco tente o caminho mais fácil: Hawk arrisca para tentar encontrar um sotaque, uma voz reconhecível, uma marca. Não acredito que tenha chegado lá, mas a aventura tem lá seu encanto (e o finalzinho de Worries é amor para o inverno inteiro, não dá pra negar). 

Dedication | Zomby | 7

Deixando o distrito da chillwave rumo às quebradas do dubstep (ou algum lugar próximo dali), o novo do produtor inglês nos recebe com um temperamento quase oposto à ternura triste do Washed Out e do Memory Tapes: o tecido aqui é áspero, o clima soa apreensivo – estamos presos num dia chuvoso. A faixa-guia é Things fall apart, que praticamente resume a ambiência pós-apocalíptica do disco: não são poucas as coisas que desmoronam. Por mais que eu tenha dificuldades sérias com o dubstep mais arredio e single-minded (a exceção é James Blake, mas acredito que ele não se enquadre completamente no gênero), Dedication não me parece uma jornada aborrecida noite adentro. Ainda que não fuja da premissa do disco, que poderia ser usado como trilha para um filme de serial killer do David Fincher, Zomby vai abrindo vielas soturnas a cada faixa – e as melhores, como Digital rain e Mozaik, ficam rondando o nosso cérebro horas depois da audição, feito resíduo de pesadelo. Atormentam.  

Goodbye bread | Ty Segall | 6.5

Para quem conhece Ty Segall só agora (e é meu caso), Goodbye bread pode reavivar as lembranças da fase mais doméstica de um Elliott Smith, de um Guided By Voices. Está certo que essa aparência de despojamento se transformou num clichê do indie rock, mas existe algo neste disco que nos deixa com a certeza de que ele foi gravado quase por acidente, em meio às atividades cotidianas do compositor (a canção que resume tudo, aliás, se chama Comfortable home). E também soa caseiro até pela forma meio despreocupada, às vezes óbvia, como ele vai perfilando as influências de Segall – e Fine, o desfecho, acaba saindo homenagem pra lá de digna à fase solo de John Lennon (ainda que a letra otimista pareça ter sido escrita por McCartney). No meio do caminho, psicodelia lavada a seco: My head explodes e I can’t feel it são canções enormes armazenadas sem muito cuidado, em pequenos recipientes. Tá certo: é só o começo de uma amizade.   

Demolished thoughts | Thurston Moore | 6

Pensando bem, e que tolice a minha!, nos anos 90 eu acompanhava os episódios da música pop como quem assistia a um filmezinho maniqueísta – grunge versus punk-pop, Nirvana contra Michael Jackson, Radiohead infinitamente mais legítimo que Muse. Nesse script, o Sonic Youth me parecia uma banda na contracorrente da década, e minha impressão era de que eles reagiam a absolutamente tudo o que era criado na época. Daí meu espanto ao ouvir um disco de Thurston Moore que não apenas tem a produção de um dos artistas-símbolo dos anos 90 (Beck Hansen, o mascote do pós-tudo) como não faz nadinha para destoar daquilo que a gente espera de um álbum-padrão de singer/songwriter. Polido, “delicado”, franco, direto (e inclua aí qualquer outro adjetivo que você aplicaria a um disco solo do Richard Ashcroft), Demolished thoughts é uma das maiores surpresas do ano. E tem baladas tocantes que machucam de verdade, como Illuminate. Atenção ao contraste brutal entre a interpretação distanciada de Moore e melodias tão afetuosas. Pena que, depois da terceira faixa, o álbum sinta a falta de canções mais duradouras – metade do disco parece Sonic Youth unplugged, faixas conhecidas num modelito diferente. E aí, meu filho, não há Beck Hansen que dê conserto.

Everything in between | No Age

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Digamos que você, leitora deste blog, saiu para dançar com as suas amigas e acabou conhecendo uma pessoa especial. Por volta das três da madrugada.

Ele, a tal pessoa especial, tem uma tatuagem engraçada no ombro, usa umas costeletas bem aparadas, não cheira a perfume de cinco reais, soa misterioso (mas não ameaçador), tem uma boa pegada, é másculo (mas não tosco), é inteligente (mas não esquisito) e conhece algumas das músicas que você gosta de ouvir.

Isso é, infelizmente, tudo o que você consegue lembrar daquela madrugada.

Não consta na sua memória, no entanto, o momento em que você ditou o seu número de telefone para ele. No dia seguinte, ele liga. Vocês marcam um outro encontro. Desta vez, pela manhã. Acertam um passeio no parque ou em algum outro lugar cheio de pessoas e cachorros.

Enquanto toma banho, você ainda pensa: talvez teria sido melhor preservar a lembrança de uma noite perfeita a arruiná-la com um encontro diurno medíocre. Mas entende que os encontros diurnos medíocres são inevitáveis quando se conhece pessoas especiais às três da madrugada.

No parque, você confirma as suspeitas. Descobre que se encantou por um sujeito não exatamente raro: a tatuagem engraçada era um símbolo oriental, o papo não soa tão enigmático e, no fim das contas, ele conhece poucas das músicas que você gosta de ouvir. Mas, com o tempo, você passa a se afeiçoar por uma pessoa talvez mediana, talvez cheia de imperfeições visíveis à luz do dia, mas que talvez a conquiste com o passar do tempo, de uma forma menos transcendental e mais concreto.

Você volta para casa frustrada porém esperançosa. E, digamos, começa a ouvir o disco novo do No Age, Everything in between. Que, de uma forma estranha, parece resumir os acontecimentos daquela manhã.

Ou algo assim.

Como nos relacionamentos amorosos, o rock também é capaz de despertar encanto nos primeiros encontros (quando estamos bêbados e carentes) e de nos obrigar a rever nossas impressões à luz da manhã seguinte.

Resumindo (antes que este blog se transforme num consultório sentimental): Everything in between é o “disco diurno” do No Age. O álbum em que a banda se revela finalmente humana, imperfeita, talvez mundana demais. Nouns, o anterior, era o “disco noturno”.

Nouns era um álbum breve, preciso, nos mostrava apenas os elementos mais sedutores e intrigantes do temperamento da banda (formada por Dean Spunt e Randy Randall): o noise pop cuidadosamente sujo (quase blasé), os espasmos de ambient, as lembranças enternecidas do pré-grunge, a impressão de que o disco caberia bem numa exposição de arte contemporânea (e, de fato, foi parar no MoMA).

Everything in between soa menos turvo. Bem menos turvo, na verdade. É um álbum mais direto, menos enevoado, que abre com três faixas que poderiam ter se tornado hits se o ano de 1991 continuasse pulsando em algum canto da América. Para bom entendedor (e fã do Sonic Youth), é como se o No Age tivesse gravado um Sister e, logo depois, um Goo. Isto é: para nosso azar, eles pularam o Daydream nation.

Mas esse salto do No Age nos revela uma banda mais tangível. É como se, de uma hora para a outra, Dean e Randy se transformassem em vizinhos nossos. Uns chapas muito agradáveis, muito esforçados, mas que não despertariam grande admiração.

Essa “humanização” da banda passa por um processo complicado: a maior parte das músicas se adaptam a modelos mais convencionais de canção (Glitter chega a provocar assombro — com uma produção mais polida, poderia ser usada em séries de tevê) sem abandonar a rispidez sonora e os zunidos percussivos que marcaram os discos anteriores da banda. E as letras apontam para um olhar menos juvenil, mais sóbrio, para “as decepções e os triunfos da vida” (é como eles próprios as explicam, no site da Sub Pop). As faixas ambient ficam escondidas no fim do repertório, meio que ressabiadas.

O próprio disco acaba entregando explicitando essa proposta mais despojada: seja no título (uma forma direta de dizer que o álbum reúne canções gravadas num determinado período, sem ambições conceituais ou algo do tipo), seja na forma como os samplers barulhentos são ‘esculpidos’ em canções mais ou menos triviais. Tudo descomplicado.

É claro que os defensores mais apaixonados (aqueles que se prepararam para encontrar neste disco diurno resquícios do noturno) vão se apegar a esse tom terno, franco. Com repetidas audições (e no volume alto como ouvimos álbuns do Dinosaur Jr), as canções vão mostrando um charme duradouro, talvez um tanto singelo, mas que nos convence de que elas merecem atenção.

Terminamos o disco (e o dia) assim: frustrados porém esperançosos. Era essa a banda por quem nos encantamos? Não. Mas, muito possivelmente, é este o No Age de carne e osso.

Terceiro disco do No Age. 13 faixas, com produção da própria banda. Lançamento Sub Pop. 7/10

Avi Buffalo | Avi Buffalo

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(Um texto sobre o disco Avi Buffalo, da banda Avi Buffalo. Com anotações sobre Becoming a jackal, do Villagers)

(Não, não vou fazer isso sempre. Fiquem tranquilos)

Há muito tempo, talvez uns bons cinco anos, entrevistei o Todd Solondz. O cineasta. Vocês sabem quem. Ele é, de fato, um sujeito esquisito. Sim, um pouco como o Milhouse, amiguinho do Bart Simpson. E, mais importante do que isso, o homem parecia um tanto desconfortável.

Talvez estivesse incomodado com a cidade (Brasília é um susto, e é por isso que eu a amo), talvez com os jornalistas que o acossavam (gravadores em riste!), talvez com as perguntas enviesadas de uma repórter que o confundiu com o Larry Clark. Talvez, na hipótese mais curiosa, ele fosse daquele jeito mesmo. Suava ao responder às perguntas. Uns vinte minutos depois, já exausto, pediu uma garrafinha d’água e zarpou para o quarto do hotel.

Antes de sair, respondeu à inevitável questão sobre esse tal de cinema independente. Azar de quem perguntou. O tio geek estava farto, exausto, irritado, uma pilha. Daí que respondeu algo ríspido, quase uma cusparada (e traduzo o desabafo para o português, para poupar-lhe trabalho):

“Cinema independente? Bull-shit! Isso não existe! Isso nunca existiu! Isso é uma farsa! O único cineasta independente que eu conheço é o George Lucas, que tem grana pra filmar o que bem entende. Poupem-me desses clichês ridículos”, e foi (se não me falha a memória) isso.

Obviamente (e vocês, que são mais inteligentes do que eu, perceberam isso), trata-se de uma declaração tão inconsequente quanto muitos dos filmes do diretor de Felicidade. Também: uma declaração que, apesar de feia, tem um quê de verdade – como são os filmes do diretor de Felicidade.

O que acontece é que sempre penso nela, naquela declaração, quando ouço um disco “independente” que me parece tão cômodo quanto aquilo que esperamos de álbuns lançados por corporações do mal. É o Solondz no meu ouvido: rock independente? Bull-shit!

Mas, se é assim, se todo maniqueísmo é ilusão, por que os selos independentes ainda despertam em mim infinita simpatia? Mais do que isso: por que eles evocam uma certa aura de pureza, de espontaneidade, como se fossem gerenciados por um bando de hippies que vive dentro de cabanas e se alimenta de frutas e peixe assado? E eu não sou o sujeito mais ingênuo. Eu também perdi a inocência quando descobri que meu pai e minha mãe resolveram fazer por conta própria o que deveriam ter encomendado à cegonha. Então… Por quê?

Bem-vindos, amigos, ao mundo de Avi Buffalo, uma banda californiana. E do Villagers, um projeto irlandês. Ambos saudáveis e esguios. Ambos agradabilíssimos. Ambos confortavelmente independentes.

A estreia do Avi Buffalo saiu pela Sub Pop, talvez o maior selo indie dos Estados Unidos. O do Villagers, pela Domino Records, um dos maiores da Europa. Antes que alguém me recrimine, são dois belos discos.  Você deveria tê-los no seu iPod.

Não existe, pelo menos não que eu saiba, um “som Sub Pop” ou um “som Domino Records”, mas, naturalmente, existe uma certa coerência na forma como os selos escolhem as bandas contratadas e lançam discos.

Sabemos, por exemplo, que a Sub Pop prefere álbuns concisos (quando lançaram o CSS, foram logo cortando as gorduras do disco) e, depois de um tufão chamado The Shins, procura bandas que sigam uma certa linha folky, dreamy, levemente psicodélicas: daí vieram Band of Horses, Fleet Foxes e, agora, Avi Buffalo.

E sabemos também que a Domino Records tem a capacidade de facilitar o acesso a outsiders: foi o que aconteceu com o Animal Collective em Merriweather Post Pavilion e com o Dirty Projectors em Bitte Orca. Outro dia mesmo, eles lançaram um disco elegantemente melodioso do Wild Beasts. O slogan do selo seria algo como “estranheza sim; mas com ternura”.

Becoming a jackal, do Villagers, parece ter sido formatado para nos fazer lembrar de Two dancers, do Wild Beasts. Da mesma forma como Avi Buffalo está coladinho ali em Oh, inverted world, do Shins, e no primeirão do Fleet Foxes. 

A história, portanto, funcionaria mais ou menos assim: se você gostou de Wild Beasts, ouça Villagers. Se curtiu Shins, vá de Avi Buffalo. Mais ou menos quando a Universal Music, digamos, tenta nos empurrar a nova Rihanna, o novo Kanye West. Não muda muita coisa.

O interessante, nos dois casos, é como as bandas lutam (discretamente) contra as expectativas criadas pelos selos. Sim, já que o Villagers não é o novo Wild Beasts e o Avi Buffalo não veio ao mundo (felizmente) para clonar os genes do Shins.

Daí que, resumindo, são dois discos no meio do caminho. Entre pontos de partida problemáticos (tudo o que eles deveriam ter feito era seguir caminhos já planejados) e alguns belíssimos desvios de rota. 

O do Avi Buffalo, por exemplo, aos poucos vai se transformando numa cria até muito convincente de Neil Young e Grateful Dead. Five little sluts é algo muito mais próximo de um Thurston Moore do que de um Band of Horses (é claro, amaciado pelos travesseiros da Sub Pop). E Avigdor Zahner-Isenberg, o prodígio de 18 anos que escreve essas canções, canta maltratando a faringe, sentindo cada nota.

O disco do Villagers – projeto do faz-tudo Conor J. O’Brien, de Dublin – parece mais adaptável à programação das rádios que veiculam as baladas de Damien Rice e Jamie Cullum. Como o Wild Beasts, Conor vai do mundano ao bizarro. A primeira faixa, I saw the dead, resume esse equilíbrio: o compositor nos convida para entrar num porão onde vivem crianças mortas. Na faixa seguinte, avisa que está vendendo a alma (e, aparentemente, somos nós os compradores). 

É um personagem forte, esse homem atormentado, esse lone ranger, essa pobre alma assombrada por sabe-se lá quantos fantasmas.

Mas, tal como o Avi Buffalo, o que há de singular nessa sonoridade é arredondado por uma produção que deixa tudo nos devidos lugares. A produção vende o disco muito bem. Faixas como Home e Pieces justificam a indicação do disco ao Mercury Prize: são corretas e, se você estiver no clima, tocantes.

Por curiosidade, eu gostaria de ouvir um disco do Avi Buffalo que não passasse pelo crivo da Sub Pop. E um álbum do Villagers sem a grife da Domino Records. Outro dia mesmo, eu comentei por aqui que as pressões de grandes gravadoras às vezes estimulam os nossos ídolos a nos surpreender. Nesses dois casos, no entanto, eu queria muito menos: o que eles fariam se tivessem toda a liberdade do mundo?

Talvez nada muito melhor do que isso. Veja o George Lucas. Mas seria um desafio.

Avi Buffalo. Primeiro disco do Avi Buffalo. 10 faixas, com produção de Aaron Embry. Lançamento Sub Pop. 7/10

Becoming a jackal. Primeiro disco do Villagers. 11 faixas, com produção de Conor J. O’Brien e Tommy McLaughlin. Lançamento Domino Records. 7/10

Total life forever | Foals

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Foals. Não acredito que seja uma banda extraordinária. Nem inventiva. Nem especialmente sedutora. Não é (em definitivo) daquelas que nos tiram para dançar e não nos abandonam. Mas – antes que você procure outra – preciso avisá-lo: a partir de agora, devemos confiar nela. Relacionamento sério, sabe como é?

O grande disco do Foals não é Total life forever. O grande disco do Foals virá em três anos. Programe-se aí. 

Enquanto 2013 não chega, este quinteto de Oxford flexiona os músculos como uma seleção séria em véspera de campeonato mundial. Cada disco (=cada amistoso) exercita os talentos de jogadores que ainda não estão totalmente satisfeitos com o time que têm. O desconforto permite alterações táticas surpreendentes que resultam em partidas muito bonitas – como é o caso deste disco, o segundo deles.

(E, por hoje, prometo não voltar às comparações futebolísticas. Patetice tem limite)

Numa época em que as bandas de rock correm para definir uma identidade (dois discos, no máximo), o Foals soa como uma exceção curiosíssima. Eles parecem preocupados unicamente em apurar uma lógica interna que não diz respeito a mais ninguém. E seguem apurando – eles sabem que ainda não chegaram lá.

É uma banda que rejeita, por exemplo, a se adequar a certos modismos do indie rock. A estreia, Antidotes, estava pronto para ser vendida como um álbum de ‘math rock’ (na linha do Battles) com os floreios do produtor Dave Sitek, do TV on the Radio. Mas o Foals tratou de engavetar o disco produzido por Sitek, foi ao trabalho por conta própria e criou canções que talvez parecessem melodiosas demais a quem curte as abstrações do tal do pós-rock.

Desta vez, esperava-se que eles seguissem desmontando o funk-rock. Eis que decidem tomar uma curva perigosa e (sem largar o volante funk) gravar um disco ainda mais assobiável, com inspiração prog-pop e atmosfera de épico “à inglesa”. Mais para Elbow e The Verve, (muito) menos para The Rapture.

Uma mudança que nos obriga a rever tudo o que pensávamos sobre o Foals. Mas quantas outras bandas permitem essa revisão?

“O futuro não é o que parecia ser”, eles cantam (e como Yannis Philippakis está cantando!). Parece até que falam sobre o próprio Foals.

E o que dizer desse título? Penso em Total life forever e só consigo imaginar o Richard Ashcroft mordendo um travesseiro (de raiva).

A sonoridade mais massuda, aparentemente, pegou até própria banda de surpresa. Durante as gravações, eles declararam que o disco estava saindo “muito menos funk” do que tinham planejado e que soava como “o sonho de uma águia morrendo”. O que não é uma imagem adequada para remeter a um disco que se exibe como um pavão muitíssimo vivo – cheio de si.

Há, sim, algo de onírico em faixas como Black gold e After glow. Mas o que se nota é o som de uma banda realista, que acredita no engenho, no trabalho suado. Cada uma das músicas parece ter sido retocada exageradamente – são miniépicos dentro do épico. Talvez por isso o disco pareça – nas primeiras audições – um tanto embotado, pesadão. 

Não é para ser amado de uma vez só. Cada uma das canções vai aquecendo as turbinas do avião até o ponto de explosão – ainda que o disco só decole mesmo na faixa seis, a incendiária This orient. Estamos falando de um álbum que prefere o ambiente à ação, e que acredita na nossa capacidade de desconfiar das primeiras impressões.

É, como se diz (em ingrês), a grower.

E o interesse cresce quanto mais notamos o grau de detalhismo das faixas, que engrandece alguns elementos até óbvios (o disco todo parece feito de sobras do Radiohead, do Muse, da DFA Records). Black gold talvez seja o grande exemplo dessa capacidade do Foals de usar os detalhes, os ornamentos, para criar canções armadas como que em dobraduras, profundas. No caso, é uma linha de guitarra que, lá na metade da música, rompe a estrutura funkeada e nos transporta a uma dimensão mais doce.

Não é um disco que vai tirar o planeta de órbita. Mas Total life forever é o álbum que coloca o Foals (em definitivo?) na galáxia de bandas que importam.

Segundo disco do Foals. 11 faixas, com produção de Luke Smith. Lançamento Transgressive Records. 7.5/10

Superoito express (24)

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Body talk, pt. 1 | Robyn | 7.5

A primeira faixa deste minidisco (são oito, no total) se chama Don’t fucking tell me what to do. O aviso (que, após dezenas de versos autodepreciativos, soa como uma espécie de carta de alforria remixada para pistas de electro) me deixou pronto para um álbum tão imprevisível e acrobático quanto a estreia de Janelle Monáe. Não é o caso. Mas tente virar essa expectativa pelo avesso: a ambição de Robyn é o pop em estrobo, que gruda na língua e dá barato. É isso que ela quer fazer, ok? Então aprenda: nem tente sugerir que ela faça um disco da Janelle Monáe ou da Erykah Badu. Não vai rolar.

Body talk, pt. 1, o primeiro EP de uma trilogia (se tudo correr conforme os conformes, os outros discos serão lançados ainda em 2010), explicita esse desejo por um pop hiperdimensionado, excessivo, que aperta todos os botões ao mesmo tempo. São hits sortidos manipulados por uma intérprete que, além de hiperativa (soa como Ace of Base e The Knife), tem mais fé nos singles do que nos álbuns e gosta de tomar a dance music pelas vísceras (e quando ela diz que vive numa cidade entediante ou que a bebedeira está acabando com ela ou que nenhuma droga faz mais efeito, eu acredito). Só um porém: da próxima vez, Robyn, vá direto ao ponto e guarde baladonas sofriiidas como Hang with me para trilhas da saga Crepúsculo.   

How to Destroy Angels EP | How to Destroy Angels | 6.5

A notícia triste é que o novo projeto de Trent Reznor (um trio formado ainda pela esposa Mariqueen Maandig e por Atticus Ross) não livrou o compositor da espiral infernal chamada Nine Inch Nails. A sonoridade deste EP é atormentada pelos fantasmas – e pela cascata de efeitos cavernosos  de sintetizadores e guitarras – que perseguem o sujeito desde The downward spiral (1994!). Nada de novo. Mas a notícia alegre é que, em formato compacto, Reznor encontra algo que simplesmente inexiste na discografia do NIN: concisão. Então, digam o que quiserem (e sim, a faixa de encerramento, A drowning, é um remake de Hurt), mas este é um disco de Reznor que conseguimos ouvir do começo ao fim sem que se aproxime de uma sessão de tortura. E a faixa chamada BBB nada tem a ver com o show da Endemol. É “big black shoes”. Reznor’s world.

LP4 | Ratatat | 6

Quando escrevi sobre o disco novo do Menomena, falei em bandas que tentam, a todo custo, nos convencer de que têm um estilo (quando, no máximo, têm boas referências). O Ratatat é um desses casos. No disco anterior, LP3, o duo de Nova York combinou house music (irônica, à Daft Punk) com guitarras setentistas, retrô, em faixas instrumentais. Nada que eles tenham inventado – o próprio Daft Punk mereceu o apelido de “electronic rock” bem antes deles, e não foram os únicos. Neste novo álbum, o Ratatat repete o robot rock em 12 faixas que, mesmo muito simpáticas, ficam no 1 a 1: soam viciantes em alguns casos (como Drugs, perdoem o trocadilho), mas não libertam o duo de comparações com bandas mais interessantes. O Daft Punk, é claro, vem em primeiro lugar nessa lista.

Hippies | Harlem | 6

O Harlem é um trio de garage rock do Arizona que assinou com a Matador Records. Se eles tivessem sido fisgados pela Sub Pop, tenho quase certeza de que seriam orientados a gravar um disco mais enxuto e alto (na linha do Male Bonding). Com 16 faixas, Hippies me parece inflado, três disquinhos ruidosos socados dentro de um CD. Taí uma diferença entre os dois pequenos grandes selos indie da América: os heróis da Sub Pop são Nirvana e The Shins, já os da Matador são Pavement e Guided by Voices. Mas reside aí o charme do disco (para quem cresceu nos anos 90, pelo menos): deixa a impressão de que a banda atirou no empresário e tomou o controle da gravação. Hippies!

Mais: Zumbis dos anos 90. O retorno do Stone Temple Pilots (5/10) é um disco de hard rock cheirosinho, de barba feita, mas que nos ensina uma lição sobre o tempo: ele não volta, meu irmão. Em outras palavras: quando aquela menina que você namorou em 1993 aparecer novamente, ainda inteiraça, não tente surpreendê-la vestindo a velha blusa de flanela. O caso de Nobody’s daughter (3/10), do Hole, não é nem um pouco divertido: a trilha sonora para o apocalipse será gravada com um turbilhão de efeitos de Pro Tools. Triste. Aquela menina que você namorou em 1993 está de volta. Está um caco. E, que terrível, ela vesta uma blusa de flanela.

Nothing hurts | Male Bonding

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Quando eu era um rapazinho que usava blusas de flanela e lia quadrinhos do Batman, lá na metade dos anos 90, uma multidão de roqueiros gringos sonhava em surpreender o mundo com um momento-Nevermind. Você olhava lá longe e ainda via a fila de candidatos à Grande Guinada: revelações indie dispostas a, subitamente, escalar a parada da Billboard com um álbum de rock tão poderoso (e apaixonante) quanto profundamente sincero (e, às vezes, amargo).

Na época (e não se sinta velho: não faz muito tempo!) ainda havia alguma romantismo nesse plano de dominação mundial. Que maravilha: ser íntegro e popular, ahn?

Discos como Nothing hurts, do Male Bonding (e, antes dele, Nouns, do No Age, Post-nothing, do Japandrois e tantos outros) mostram que, hoje, uma geração de bandas prefere sonhar com, digamos, um momento-Bleach. Nada mega, nada ultra, nada uber: tudo o que elas almejam é o apreço de um selo indie que permita o parto de álbuns curtinhos, ruidosos, sem ambições comerciais e profundamente sinceros.

1989: o ano que não terminou.

Talvez contaminado pelo espírito da minha adolescência, eu ainda prefiro Nevermind a Bleach. E costumo valorizar as bandas que tentam ampliar o público, sair da caverna, sem abandonar a dignidade. Mas, quando penso muito friamente nisso tudo, não consigo negar que a atitude intransigente e introspectiva que se costuma encontrar no circuito indie combina com um tempo em que a mise-en-scene do showbusiness e das majors soa como uma paródia de si mesmo.

A principal questão não é “como faço para gravar um novo Nevermind?”, mas simplesmente “por que gravar um novo Nevermind?”.

A estreia do Male Bonding foi lançada pela Sub Pop, que também vai distribuir o disco novo do Wolf Parade. Nos dois casos, o selo de Seattle teve que sair da América para encontrar bandas que, de uma forma ou de outra, dão prosseguimento à sonoridade áspera e garageira que associou-se ao selo no início dos anos 90. A história se repete, mas como?

O caso do Male Bonding, um trio londrino de noise-pop, é o mais impressionante de todos: em algumas faixas, eles soam como uma releitura tão fiel do pré-grunge que dá arrepios. Jorros de guitarras agudas em canções de dois minutos, com refrões que grudam na orelha e confissões juvenis como “nada vai mudar, tudo continua igual” (All things this way tem 1 minuto e meio e é a melhor do disco). E dá-lhe feedback.

É claro que, como acontece com o Surfer Blood, a banda prova alguns dos sabores da estação: o rock ‘n’ roll sixties (Weird feeling lembra um pouquinho os Beatles de Please please me) e o pós-punk com molho exótico e tropical (Pirate key cheira a Vampire Weekend), tudo condensado em 30 e poucos minutinhos que passam tão rapidamente (e provocam tantas sensações nostálgicas) quanto um episódio de That 70’s show. That 90’s show, melhor dizendo.

É um disco muito decente, compactado a um formato típico da Sub Pop (pílulas noise para consumo rápido e repetidas audições), mas que me deixa torcendo para que esta banda comece a sonhar com um momento-Nevermind. Quem sabe, né? Não custa nada.

Primeiro disco do Male Bonding. 13 faixas, com produção de Pete Lyman. Lançamento Sub Pop Records. 7/10

Teen dream | Beach House

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Entre todas as pequenas bandas que apareceram nos últimos 10 anos, eu poderia apostar que o Beach House seria aquela que jamais mudaria. Acho até que escrevi sobre isso, não lembro quando. Se aconteceu, cá estou eu queimando minha língua mais uma vez.

Em retrospecto, as melodias dos discos Beach House (2006) e Devotion (2008) pareciam vazar de uma mesma caixinha de música atirada no fundo de uma caverna. Delicadas e misteriosas. Desde o início, era muito fácil classificar o estilo da dupla — shoegazing, dream pop —, mas quase impossível descrever a sensação de intimidade que canções como Gila e Apple orchard despertavam. Elas sugeriam uma beleza secreta, quase tímida e, por fim, de difícil acesso. Uma certeza, apenas: lá estava uma banda à prova de discos irregulares.

Nos quatro primeiros anos de carreira, Victoria Legrand e Alex Scally se esconderam numa atmosfera enevoada. Nada contra. Os álbuns lançados pela Carpark Records eram filmes domésticos, desfocados, despretensiosos, frágeis (e, nos momentos mais enfadonhos, monocromáticos). A voz de Legrand — sobrinha do francês Michel Legrand — provocava calafrios, mas às vezes parecia indiferente a tudo. Musa de mármore. Um resenhista definiu a estreia como um “álbum de outono” — e, ainda que a comparação não tenha tomado este rumo, vale lembrar que estamos falando da mais encabulada estação do ano.

Pois bem: esse Beach House acinzentado e cabisbaixo acabou. Bem-vindo à primavera.

Teen dream, que sai no fim de janeiro (no inverno norte-americano, portanto), acrescenta mais de uma dezena de cores à palheta da dupla. Inesperado pacas. Mas tem mais: o primeiro grande disco de 2010 arranca o Beach House do conforto do lar e joga a banda no mundo. Parecia impossível, mas eles cresceram e mudaram — graciosamente.

Os mais cínicos vão explicar essa nova estação da seguinte forma: eles teriam passado pelo típico banho de loja a que é submetido o elenco da Sub Pop. O selo de Seattle tem fama de polir e adoçar a sonoridade de recém-contratados. Volta e meia, a gravadora é “acusada” de ter arredondado discos de bandas como Cansei de Ser Sexy, Band of Horses e Fleet Foxes. De fato, o Beach House nunca soou tão radiofônico (o próprio título do disco é de consumo imediato). As duas primeiras faixas, as deslumbrantes Zebra e Silver soul, provocam paixão imediata em qualquer fã do Shins, por exemplo. A névoa de ruídos evaporou — e ganhamos o direito de assobiar mais de um refrão. Isto é: neste longa-metragem indie, fica mesmo difícil negar a interferência dos produtores.

O interessante é que, como raramente acontece, as concessões fazem bem ao duo. Dialogar com as expectativas da Sub Pop parece ter despertado o Beach House para o desafio de atingir um público maior sem abandonar o desejo por sutileza. Mais depuração, menos diluição. Ou, simplificando a saga: pop com tutano.

Daí que, se os dois primeiros discos traziam a imagem de dois outsiders que não deviam explicações a ninguém, Teen dream se apresenta como uma obra mais “responsável”, mais afável — e, por que não?, pop (e eu poderia terminar este texto agora mesmo com o argumento de que é um disco absolutamente tocante e que vocês deveriam abandonar tudo para ouvi-lo antes do dia 31, mas seria uma baita de uma apelação).

Os avanços impressionam. A performance vocal de Legrand, antes comparada à de Nico, agora é recriada de faixa a faixa, sintonizada ao clima de cada canção. A melancolia ainda vibra em cada acorde, mas a diversidade melódica acompanha toda a duração do disco, criando surpresas agradáveis: os ares oitentistas de Lover of mine (imagine um remix do Tears for Fears feito pelo Mazzy Star), a elegância jazzística de Better times, a afetuosidade quase derramada de Take care e a explosão de sintetizadores ao fim de 10 mile stereo. Um sonho em tecnicolor.

Sem juízo de valor: este é um daqueles álbuns em que uma pequena banda adapta um estilo sólido às convenções do pop rock. Isso parece um problema? Não quando essa pequena banda está disposta a usar um ou outro truque para facilitar nosso acesso a um mundo ainda delicado, ainda misterioso. Que me perdoem os mais radicais: à luz rósea do pop, a história do Beach House fica ainda mais bonita.

Terceiro disco do Beach House. 10 faixas, com produção de Chris Coady. Lançamento Sub Pop. 8/10