St. Vincent

Mixtape! | Setembro, teen spirit

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A incrível, contagiante (e um tantinho neurótica) mixtape de setembro chegou cedo (surpresa!) para iluminar setembro.

“Por que a pressa?”, vocês me perguntam, intrigados. É que, na próxima semana, o Tiaguinho aqui não terá tempo para nada: não vai ouvir música, blogar bobagens, bolar mixtapes, muito menos respirar. Estarei no Festival de Brasília: trampo day&night, portanto (vou tentar postar alguns textinhos sobre os filmes da competição, mas não garanto nada).

Mas isso aí é assunto pra outra hora.

Cá está ela, então. Prematura porém bonitona, cheia de charme, com um desejo enorme de te emocionar. Irresistível. Sério. Eu já ouvi tanto que decorei e aprendi as cifras de todas as músicas (!).

Em resposta à mixtape de agosto, que veio sequelada por uns tons de cinza-deprê, esta aqui irrompe iluminando a paisagem. É uma coletânea para os dias muito amarelados da estiagem brasiliense. E uma coletânea que, além de sugerir alguma coisa de juvenil (daí o título), está povoada de moças e rapazes eufóricos/confusos.

Aqui você encontra (nesta ordem) Neon Indian, The-Dream, CSS, St. Vincent (que está na foto lá no topo do post), Laura Marling, Cymbals Eat Guitars, Wild Flag, Wilco e Male Bonding. O lance é dinâmico, e flui que é uma beleza (a lista de músicas está na caixa de comentários).

Minha sugestão: faça o download (desta vez, todas as canções se encaixam direitinho). Mas você também pode ouvir a coletânea aqui no site, clicando na jukebox que se encontra no fundo deste post.

Seria bacana se, além de ouvir, você escrevesse um comentário avaliando a seleção musical deste mês. Mas não vou cobrar nada. Eu não tenho tempo, você não tem tempo e isto aqui, no mais, é só um blog. Relaxe.

E faça o download da mixtape de setembro.

Ou ouça aqui:

Vídeos do VodPod não estão mais disponíveis.

Strange mercy | St. Vincent

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O disco anterior de St. Vincent, Actor (2009), soava como uma versão às vezes sinistra (imagens descoloridas, trilha sonora em slo-mo, final infeliz, heroína dilacerada) para um desenho animado da Disney. Branca de Neve, no caso, preferiria não ter despertado do sono.

Em Strange mercy, Annie Clark não abandona os limites do conto de fadas. No entanto, ele se torna mais assombrado e neurótico, como num mashup de A bela e a fera com De olhos bem fechados. Tensão sexual (para toda a família).

Estamos no terceiro disco de Clark. E a impressão, agora muito clara, é de que ela decidiu demarcar uma trajetória, “assinar” a própria história. E, se essa trilha ainda não me parece exatamente singular, já mostra coerência tanto na sonoridade quanto nos temas que a cantora vai acumulando, reiterando.

Juntos, a começar por Marry me (2007), os discos vão narrando uma trama, que parece se tornar progressivamente mais pessoal (se bem que são sempre misteriosas as diferenças entre a personagem St. Vincent e a pessoa Annie Clark). É um disco, aparentemente, de “confissões”, de “descobertas íntimas”, sobre uma mulher em embate com o mundo, sobre histórias de amor que não se realizam, sobre culpa e frustração — a primeira faixa se chama Chloe in the afternoon, que foi o título em inglês para o Amor à tarde, conto moral de Eric Rohmer.

O script de Strange mercy, portanto, vai provocar as comparações inevitáveis com os, digamos, “thrillers psicológicos” de outras cantoras agoniadíssimas, como Aimee Mann (à frente de todas elas), Fiona Apple, Emily Haines. Há canções do disco, como Cheerleader e a faixa-título, que poderiam ter sido gravadas por qualquer uma delas. Há clichês do rock de “mulheres livres em crise” que St. Vincent segue, mesmo que inconscientemente.

Há momentos em que esses lugares-comuns deixam a dúvida: este sofrimento é de Annie Clark ou de todas elas?

Os versos facilitam a vida de quem escreve resenhas de música. Porque, de certa forma, está tudo lá: uma personagem que se revela sem pudores, que vai tirando a roupa e se examinando faixa a faixa. “Tive bons momentos com caras ruins, contei mentiras inteiras com meios sorrisos”, ela conta, antes de resolver que “não quero ser sua cheerleader, não mais” (em Cheerleader). Lá perto do fim do disco, já começa a soar como uma teenager carente: “Você alguma vez se importou de verdade por mim?”, ela pergunta, em Neutered fruit.

E ela canta, é claro, o desejo. Mais desejo (quase nunca correspondido) que sexo em si. “Você é uma festa que ouço quando colo o ouvido na parede”, ela admite, em Dilettante. “Mas ninguém está ganhando, e os tubarões estão nadando no vermelho”, conclui. A solução que encontra para não se decepcionar com tanta frequência é cínica. “Vou ganhar a vida dizendo às pessoas o que elas querem ouvir. Não é um plano perfeito, mas é o que temos”, afirma, em Champagne year.

Então taí: não é uma narrativa muito diferente daquela que havia aparecido em Actor ou em Marry me. A diferença é que, agora, Clark parece mais disposta a encontrar uma sonoridade também irritadiça, desgrenhada (e também uniforme, recorrente em toda a duração do disco). À voz delicada, sobrepõe camadas quase grotescas de teclados, interferências de guitarras, sintetizadores baratos que às vezes sugerem um filme de soft-porn para as madrugadas dos anos 80. E, como antes, arranjos de cordas roubados de peças de teatro infantil.

O efeito pode ser mesmo apaixonante (Annie é femme fatale em pele de gatinha manhosa), principalmente para quem conhece St. Vincent só agora. Para aqueles que dobram estas páginas há mais tempo, Strange mercy pode bater como um capítulo com algo de perturbador (e de redundante), ainda longe do clímax.

Terceiro disco de St. Vincent. 11 faixas, com produção de Annie Clark e John Congleton. 4AD Records. 74

[st. vincent]

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Pitchfork: Críticos geralmente apontam o segundo disco como o momento do “agora ou nunca mais”, mas eu sempre achei que os terceiros discos são mais catárticos, porque o artista de repente se vê livre das pressões.

Annie Clark: É, acredito que é parecido com a forma como as pessoas falam sobre os filhos pequenos. Com o primeiro filho, você administra cada detalhe, quer ter certeza de que nenhum fio de cabelo está fora do lugar quando o menino vai à escola. Mas, com o terceiro filho, é mais como “oh, você quer usar essa camisa do Hard Rock Café por sete dias seguidos e não pentear o cabelo? Faça isso. Seja quem você quiser ser.”

(entrevista completa aqui).

Mixtape! | O melhor de junho

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A mixtape de junho é mais ou menos (eu disse mais ou menos) um passeio na praia. A de maio, vocês lembram, era ruidosa e fantasmagórica. Desta vez, eu queria um pouco de leveza.

É claro: não encontrei o que eu estava procurando.

Mas encontrei mais ou menos isso, o que é raro. O mês de junho foi estranho. Ouvi muitos discos, mas poucos grandes discos. E álbuns de gêneros muito diferentes, daí a dificuldade de montar uma coletânea coesa. Quando percebi que seria impossível, relaxei. 

Me vi obrigado, então, a descartar as canções de um dos melhores discos desse período, Before today, do Ariel Pink’s Haunted Graffiti. E encontrei uma brecha (aos 45 do segundo tempo) para o meu favorito, Public strain, do Women (e são eles na foto ali em cima). Teenage Fanclub, The-Dream e Major Lazer foram alguns que ficaram de fora.

É a vida.

Gravei o CD e, só depois, descobri que ele contava uma historinha. Que vai assim: era uma vez sujeito muito agoniado que pegou os dois filhos pequenos pelo braço, acomodou os petizes no carro e saiu para um rolê na praia. Os três beberam água de coco, tomaram banho de praia, tostaram ao sol, olharam as gaivotas e, no fim da tarde, quando voltaram para casa, o sujeito percebeu que a vida continuava triste. The end.

Traduzindo: o disquinho começa com um desabafo mui tenso da nossa serelepe Robyn, depois cai dentro da fofura mórbida do The Drums, e aí o sol abre um pouco (mas nem tanto, vemos nuvens aqui e ali) com The Black Keys, The Roots, Blitzen Trapper, tudo num clima gostoso de rádio FM. Aí bate um pouco de melancolia (que ninguém é de ferro) na interpretação dodói do Record Club (St. Vincent + Beck + Liars + Mutantes) para Never tear us apart, do INXS. Que é uma coisa fofa.

Depois de um entardecer ao som de Arcade Fire, a noite vai chegando e escurecendo tudo: Menomena e Drake. Na volta para casa, Women. A despedida deprê é com o How to Destroy Angels. E the end.

Aposto que você vai ouvir pela primeira vez e pensar: “é a mixtape mais frouxa do ano”. Lá na terceira audição, você vai reconsiderar a opinião e concluir que esta é uma das melhores mixtapes que você ouviu. As primeiras impressões podem ser cruéis, vá por mim.

Um alerta: não a ouça enquanto faz exercícios físicos. Tentei e não funciona. Nesse caso, prefira a mixtape de maio.

E, se possível (é possível, vá!), comente algo sobre o que você ouviu. Nem que seja um “esta mixtape está bem mais ou menos“. A tracklist tá logo ali, na caixa de comentários.

Faça (hoje mesmo!) o download da mixtape de junho: aqui ou aqui.

Adeus, 2009 | Os melhores álbuns do ano (parte 1)

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Note a beleza da história: num dos anos mais acidentados da minha vida (quando tudo de errado, estranho e complicado acabou acontecendo), devo admitir que fui salvo pela música. Aleluia.

As canções foram meu refúgio, minha saída de emergência. Fonte de permanente inspiração. Sem elas, eu não estaria assim, saudável. Talvez essa relação de dependência (quase química) explique por que, nesses quase 365 dias, eu tenha engolido muito mais de uma centena de discos (como quem mastiga obsessivamente comprimidos de homeopatia). Uma dieta rigorosa.

Daí que escolher os melhores álbuns do ano, nessas condições, é uma tortura. Não sei por onde começar e, com tempo e ânimo, eu faria uma lista de 50. Tenho absoluta certeza que estou em dívida com cada um deles. Só me sinto meio desapontado com o fato de que os melhores álbuns deste singelo top 20 (e há discos geniais) me lembrarão para sempre de um período que eu preferiria esquecer logo. Talvez seja esse o preço que pagamos pelos efeitos terapêuticos de um bom refrão pop.

Aviso que esta lista é resultado da exposição prolongada aos discos que mais ouvi durante o ano. É o momento de reavaliar álbuns que superestimei ou subestimei. Não venham me cobrar fidelidade a critérios que são e sempre foram/serão abstratos. 

Pois bem.

Antes de irmos ao assunto (e este é um blog que nasceu prolixo e vai morrer prolixo; então, paciência), preciso fazer algumas menções honrosas desorganizadas. São elas:

Menções honrosas 17.5 is the loneliest number (ou: os discos que quase chegaram lá): Ambivalence Avenue (Bibio), Beware (Bonnie ‘Prince’ Billy), Dark days/Light years (Super Furry Animals), Farm (Dinosaur Jr), Jason Isbell and the 400 Unit (Jason Isbell and the 400 Unit), Jewellery (Micachu and the Shapes), Journal for plague lovers (Manic Street Preachers),  La Roux (La Roux), Living thing (Peter, Bjorn and John), Logos (Atlas Sound), Only built for cuban linx, part 2 (Raekwon), Phrazes for the young (Julian Casablancas), Wavvves (Wavves).

Menções honrosas 2 – Pratas da casa (ou: os brasileiros): só dois: Móveis Coloniais de Acaju (C_mpl_te) e Caetano Veloso (Zii e zie) , não necessariamente nessa ordem.

Menções honrosas 3Adorei o conceito (ou: valeu a tentativa): The crying light (Antony and the Johnsons), Discovery LP (Discovery), Embryonic (The Flaming Lips), Humbug (Arctic Monkeys), Popular songs (Yo La Tengo), Tentacles (Crystal Antlers) e Unmap (Volcano Choir). 

E antes que eu esqueça…Obrigado, não (ou: discos que não desceram): It’s blitz! (Yeah Yeah Yeahs), It’s not me, it’s you (Lily Allen) e Primary colours (The Horrors).

Sem mais preliminares, vamos à calçada da fama.

20. Actor – St. Vincent

Desconfie da aparência angelical de Annie Clark: este é um disco de superfície suave e sentimentos ásperos – um explosivo em tom pastel. Não me surpreendi com a descoberta de que delicadas punhaladas como The strangers e Actors foram inspiradas por Walt Disney… e Woody Allen.

19. The ecstatic – Mos Def 

É raro ouvir um disco de hip-hop como este, que desbrava o mundo com entusiasmo e curiosidade (uma das faixas, repare, é apelidada Life in marvelous times). Os versos se aventuram, mas é musicalmente que Mos Def dá o salto largo: do Oriente Médio ao Brasil, taí uma viagem que não passa no Discovery Channel.

18. Watch me fall – Jay Reatard   

Jay, o esquisito da vizinhança, cometeu com Watch me fall o pecado número 1 da indielândia: assumiu o amor pelo pop. Vítima do desprezo (previsível) de quem esperava mais agressividade que doçura, o disco arrisca ambições que vão além da cartilha punk. Ótimo saber que Jay tem a coragem (e o talento) para negar o óbvio.

17. I’m going away – The Fiery Furnaces

Em 2009, Matthew Friedberger se fez notar mais pelas alfinetadas contra o Radiohead que por I’m going away, um dos álbuns mais acessíveis do Fiery Furnaces. Mas a polêmica, acredite, serve como uma boa introdução para um disco que vê Nova York pela lente do otimismo e da simplicidade. Encare com o oposto de The eraser.  

16. Manners  – Passion Pit

Uma banda para nosso tempo: sem conhecer as fronteiras que separam o rock, o pop e a eletrônica, o quinteto brinca com sonoridades à prova de dogmas. E, melhor ainda, sabe se divertir. The reeling e Sleepyhead são alguns belos momentos de uma estreia mais segura (e densa) do que qualquer tinha o direito de esperar.

15. Middle cyclone – Neko Case 

Na capa de Middle cyclone, Neko Case está pronta para o ataque. Não é mera ilustração: no disco mais sortido da carreira, a musa pós-tudo cria canções que Sheryl Crow compraria com a alma – atrevidas e delicadas, convencionais mas imprevisíveis. Tudo muito simples (o disco foi gravado num celeiro!) e particular. Em síntese: um furacão.

14. Wolfgang Amadeus Phoenix – Phoenix  

Convenhamos: o Phoenix gravou pelo menos dois discos melhores que este aqui. Mas o pop também é uma questão de timing. E, em 2009, finalmente o mundo parece ter entendido a ironia quase britânica da mais americana entre as bandas francesas. Saiu com atraso, mas taí a trilha sonora definitiva para Maria Antonieta, de Sofia Coppola. 

13. Tarot sport – Fuck Buttons

Sem a megalomania dos filmes-catástrofe, o Fuck Buttons criou as mais sublimes cenas de explosão do ano. Cinematográfico, Tarot sport altera o estilo do duo (via eletrônica) sem abandonar o essencial: eles ainda nos atropelam com ruídos agressivos e nos fazem flutuar com melodias inesperadamente familiares. Do caos ao céu.

12. Post-nothing – Japandroids 

Vancouver pode ser uma terra desencantada: vazia e chuvosa, inspira pensamentos mórbidos. “Antes nós sonhávamos, agora nos preocupamos com a morte”, admite o Japandrois. Além de resumir à perfeição o desânimo de quem vive em cidadezinha assombradas, eles escrevem crônicas doloridas para jovens adultos. Ruidosas, claro.

11. Bromst – Dan Deacon

O segundo disco de Dan Deacon, um dos mais peculiares do ano, tem o design de uma montanha-russa especialmente perversa: provoca angústia, nos perturba com barulhos incômodos e obriga que sintamos o impacto de quedas bruscas e curvas fechadas. Não é fácil. Mas, ao fim do passeio, não há como negar: foi uma experiência sem igual.

Actor out of work | St. Vincent

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No clipe de Actor out of work, Annie Clark submete um grupo de atores desempregados a uma sabatina impiedosa. Dirigido por Ian Kibbey e Corey Creasey (conhecidos como Terri Timely), o vídeo fica na fronteira entre a tragédia e o humor negro. É uma adaptação literal dos versos da música, sim. Mas, além disso, captura o clima de tensão que paira sobre o novo álbum de St. Vincent, que (se tudo der certo) fará tanto sucesso quanto The reminder, da Feist. Vamos torcer. (E se você ainda está passando currículos por aí, pule o clipe. Por favor).

Superoito express (6)

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st

Rock de mulherzona (e de mulherzinha, às vezes).

Actor | St. Vincent | 7.5 | É a hora e a vez de Annie Clark. Não é? Deveria. Depois da festa que se fez para Marry me (uma estreia promissora e tudo, mas que ainda soa irregular e enjoativa – pelo menos aqui em casa), até meu golden retriever estava se perguntando sobre a estratégia que ela usaria para não desaparecer completamente (e nunca ser encontrada). A boa notícia, então: Actor é um segundo álbum que, sem abandonar os traços mais firmes do disco anterior, encontra a clareza de intenções que Clark procurava. É um ciclo de sombrias canções de ninar, em que arranjos de cordas barrocos (à Van Dyke Parks, Jon Brion) convivem com riffs violentos de guitarra e uma eletrônica mecânica, dura (Marrow é o melhor exemplo desse contraste). Ainda lembra um pouco Fiona Apple e Björk, mas taí: as semelhanças não incomodam muito. Clark começa a pavimentar um caminho particular dentro da tradição do rock sinfônico elegante, com versos manchados por hematomas (“Pinte o buraco negro com mais preto”, ela ordena, em The strangers) e um desejo de provocar terremotos sentimentais que, apesar de aplacado depois da quinta ou sexta faixa, emociona mais que qualquer álbum do Polyphonic Spree, banda que ela costumava integrar. A resposta que eu, você e meu golden retriever queríamos está no título da décima faixa: Just the same but brand new. Exato. 

My maudlin career | Camera Obscura | 6.5 | Espero que sua inteligência me perdoe, caro leitor. Mas minha relação com este quarto álbum do Camera Obscura é abalada por um conflito (muito mais típico do que você imagina) entre instinto e razão. Lá na sexta faixa, me peguei num daqueles momentos de iluminação pseudofilosófica: quando é mesmo que devemos descartar um disco por não preencher nossos requisitos racionais, por frustrar nosso caro padrão de qualidade, por não cumprir as exigências da fria lista de exigências de seres obcecados por música pop?  Racionalmente falando, My maudlin career é uma negação. Os escoceses repetem pela quarta (!) vez uma fórmula mofada de pop rock retrô, com acenos e beijinhos para os grupos vocais femininos dos anos 60 e o remake de um universo paralelo de romantismo e fofura onde até o Belle and Sebastian parou de tirar férias. Mas o instinto pede a palavra por uns minutos e… por favor! São poucas as bandas que defendem um refrão twee com tanta franqueza, e os fãs de Juno certamente tratarão este disco como uma intensa trilha sonora para páginas borradas de diários escritos a canetinha colorida, lembranças melancólicas da pré-adolescência e saudade melosa daquela ingenuidade antiga que foi embora num transatlântico branco e nunca mandou uma carta sequer. “Eu sou exatamente como você”, canta Tracyanne Campbell. Eu??? Eu não, violão. Racionalmente falando, claro.

Still night, still light | Au Revoir Simone | 6 | As nova-iorquinas do Au Revoir Simone podem não ter tirado a sorte de uma Annie Clark, mas o álbum que segue o bem-recebido The bird of music também flagra uma banda pronta a reconhecer fragilidades e ressaltar pontos fortes. Ufa. Elas passaram a entender, por exemplo, que os remixes dançantes sempre soaram mais relevantes que o shoegazing embaçado que entorpece o disco anterior, sonolento (agora posso assumir sem culpas: escutei duas, três vezes no máximo). Quase todas as novas faixas são remixes pré-fabricados, com longas introduções de eletrônica e versos que se repetem em ladainhas sofridas de mulheres à beira de ataque cardíaco. “Estou mudando. Espero que você venha comigo. Não sou forte sem você”, admitem em Shadows, que cabe num desfecho de Grey’s anatomy. Prefiro a chanson The last one, tão delicada que quase caiu do meu iPod e quebrou. Still night, certo. 

(a)spera | Mirah | 5 | A decepção da semana. Foi mal, Pitchfork. Sorry, cinturão indie (e vocês ainda não me convenceram de que o novo do Yeah Yeah Yeahs é uma maravilha deslumbrante por soar como os anos 80; procurem um argumento mais confiável, ok?). Tentei me perder na floresta mágica de Mirah Yom Tov Zeitlyn, mas tudo o que encontrei foi uma confraria de elfos serelepes e migalhas de pão deixadas por Joanna Newsom e Björk (aliás, se Björk começar a cobrar direitos autorais das clones, salvará a Islândia da falência econômica). Também há lugares-comuns no indie rock bem-intencionado, minha gente. Por que não? (a)spera (e note o título modorrento) começa como uma ode à sensibilidade de Nick Drake, com versos místicos e eletrônica sutil. Em Generosity, Mirah avisa que está cansada de tanto desprezo, o amor às vezes é um porre e por isso não gastará mais energia. Um coro de machos reclama: “Queremos mais. Nós queremos mais”. O desejo é, infelizmente, uma ordem: Education tenta uma teoria acadêmica para relacionamentos amorosos, The forest tem guitarras abafadas à Nick Cave, While we have the sun cria pânico nos que temem as consequências do aquecimento global e The river se estica em insuportáveis sete minutos de folk transcendental. O ápice do transe, pelo menos para o público brasileiro, é Country of the future. Repare o título. E se eu disser que Mirah tenta um sambinha bem fajuto inspirada pela atmosfera gostosa do carnival? Armadilha pra turista.