Sonhos
2 ou 4 parágrafos | A origem
Uma lição que aprendi em muitos anos de sonhos muito bem sonhados: o inconsciente é ilógico, caótico, nos prega peças, nos submete a constrangimentos íntimos, brinca com as nossas certezas, destrincha nossos desejos, nos pega de calças curtas e, cruel, esfrega nos nossos neurônios tudo aquilo que temos medo de conhecer sobre nós mesmos. Os sonhos (pelo menos os meus) às vezes simplesmente não fazem sentido. Frequentemente, são ridículos e provocam risadas na manhã seguinte.
Daí meu espanto ao notar que, em A origem (um filme sobre sonhos, se é que dá para defini-lo assim; e um filme 3/5), os personagens sonham sonhos mais ou menos lineares, quase sob controle, sonhos lógicos (quase lúcidos) que seguem determinadas regras e que podem ser controlados. Eu quero uns desses!, foi o que pensei. Depois de abandonar meus preconceitos (o cinema não tem compromissos com a lógica da vida, que dirá com a falta de lógica dos sonhos), passei a encarar a experiência com alguma curiosidade: Christopher Nolan, um dos cineastas mais pragmáticos que conheço, visita o mundo dos delírios. Veja isso. Que inusitado etc.
Primeiro achei a ideia interessante – não é de hoje que Nolan filma tramas de fantasia com truques do cinema policial (Batman – O cavaleiro das trevas ainda é o exemplo mais bem sucedido dessa imaginação cinzenta). Depois comecei a me cansar. O filme passa mais ou menos 60 minutos explicando um longo manual sobre os conceitos que devem ser aplicados ao próprio filme. Por que não nos entregaram um desses na entrada do cinema? Não é, como eu pensava, um thriller sobre os nossos sonhos. É um thriller sobre o conceito quase matemático de sonho inventado por Nolan para sedimentar este thriller metafísico. Ok (e os diálogos didáticos são nossas apostilas).
Mas aí (e desculpem pelo quarto parágrafo, juro que estou tentando ser sucinto) tem aquela mania do diretor/roteirista de complicar o que já parece complicado. A própria trama romântica começa razoavelmente simples e vai se transformando num buraco de coelho no jardim de Alice. O que mais me incomoda, no entanto, nem é isso, mas como Nolan abre mão de criar um visual (ou uma atmosfera) singular para o longa. Contei duas ou três cenas marcantes, as poucas que exploram as possibilidades surrealistas do tema, e o resto é coisa que se aprende em curso introdutório de cinema de ação e direção de seriados de tevê. Que bizarrice: um filme supostamente tão pessoal, mas que produz imagens tão impessoais. E ainda dizem que é “original”. Esperto, tudo bem. Engenhoso, claro. Ambicioso, absolutamente. Mas original? Perdoem o trocadilho pateta, mas nem sonhando.