Sofia Coppola
cine | Sleeping Beauty
O filme de estreia da australiana Julia Leigh, que foi selecionado para a competição de Cannes, tem cenas que nos seduzem pela beleza das imagens — os enquadramentos são simétricos, “clean” o bastante para deixar a impressão de que alguém fez uma faxina incrível no set pouco antes do começo das filmagens —, mas nos chocam (ou tentam nos chocar) tão logo percebemos o horror das situações. Num resumo bem superficial, é como se um cineasta iniciante, ainda deslumbrado com os próprios ídolos, convidasse o fotógrafo de Sofia Coppola para filmar um roteiro de Michael Haneke.
Por falar em Sofia, uma das sequências remete quase que literalmente à atmosfera de Encontros e Desencontros: num quarto chique de hotel (e aí, sim, claro, estamos falando num ambiente impessoal e higienizado), a personagem principal aparece deitada na cama, de forma que a silhueta do corpo desenha uma espécie de moldura humana para o cenário urbano que brilha na janela. É um plano bonito, que sugere várias metáforas sobre dezenas de questões, mas cadê Julia Leigh?
Já a primeira cena, em tons de cinza e branco, se adaptaria bem a um dos primeiros filmes de Haneke: a lente não pisca enquanto essa mulher se submete a um exame médico, e tem um tubo transparente enfiado goela abaixo. A câmera não sente nada, talvez por se tornar cúmplice do estado de espírito da protagonista: elas (a câmera e a personagem) suportam desapaixonadamente um martírio non-stop.
Mas, como estamos dentro de um conto de fadas (nenhum cineasta escolhe o título A bela adormecida em vão), o purgatório de Lucy (Emily Browning) vai ganhando tons surreais: da metade da trama em diante, é como se essa princesa linda, branca e oh-tão-inocente tivesse tomado o caminho errado e, em vez de chegar em casa, batesse a porta da mansão de De Olhos Bem Fechados. Quando ela se submete a um serviço bizarro de prostituição para homens idosos — desacordada, ela recebe clientes na cama para encontros “sem penetração” — o delírio parece se sobrepor à realidade.
O inferno é que essa viagem-floresta-adentro, além de nunca se libertar de duas ou três referências de fácil identificação (que se tornam sufocantes, pra dizer o mínimo), tem como destino os lugares-comuns de uma conhecida deprelândia cinematográfica, já desgastada em festivais. Entendo: é mesmo complicado viver num mundo em que as relações humanas se tornaram mecânicas e vazias, mas, dois dias depois de ter visto o filme, ainda me pergunto o que Julia Leigh teria a comentar sobre esse assunto.
(Austrália, 2011, 104min) Escrito e dirigido por Julia Leigh. Com Emily Browning, Rachael Blake e Ewen Leslie. C
Mixtapes! | Duas vezes julho
A mixtape de julho (e não encontro definição melhor) é uma mãe.
Sabe quando você vai num daqueles bares bacanas que oferecem dois drinks ao preço de um? Sabe quando você pede o hambúrguer e ganha um pacote de fritas? É mais ou menos isso.
Minto: é muito melhor do que isso. Você não paga absolutamente nada e ainda leva uma mixtape totalmente grátis. É uma transação incrível ou não é?
Daí vocês me perguntam: por que o surto de generosidade, ó bartender? Sinceramente: não foi intencional. Quando comecei a juntar as músicas da mixtape, acabei com um combo de 30 faixas. Tudo isso. Uma fartura. Daí me vi diante de duas opções: descartar a maior parte das faixas, pelo bem da coesão; ou montar duas mixtapes, uma ligeiramente diferente da outra.
Minha primeira decisão foi dar uma de Edward Mãos-de-Tesoura e cortar, cortar, cortar. Terminei com um disquinho de 12 faixas, esquizofrênico que só ele. Depois, já quase de madrugada, deitei (literalmente) a cabeça no travesseiro e decidi acolher todas as canções rejeitadas, deletadas, injustamente execradas. Terminei com duas mixtapes, 22 faixas, e assunto encerrado.
Eu sei, eu sei, eu sei que dá uma preguiiiiça danada fazer o download de duuuuas mixtaaaapes e depois ainda ter que escutaaaaar a baboseira toda (só de escrever essa frase, bateu um cansaaaaço). Nos poupe, Tiago! Mas (aí vai o aspecto gentil da história) você não precisa adquirir as duas mixtapes. Elas são bem grandinhas e sabem andar com as próprias pernas. Na verdade, elas têm muito pouco a ver uma com a outra. Não são irmãs nem nada. Talvez primas, mas nunca irmãs.
O esquema funciona assim:
A primeira parte da mixtape é (como dizer?) um filme da Sofia Coppola. Delicadeza com algo de malícia. Dream pop, power pop, odes a Brian Wilson, cantantes melancólicos, muita saudade e tristeza e doçura. É a mixtape mais tocante que você ouvirá na sua vida, eu garanto. Tem Department of Eagles, tem Foals, tem Avi Buffalo, tem Best Coast, tem Mystery Jets, tem Here We Go Magic (olha aí, Felipe!) e tem até Johnny Cash. Uma lindeza.
Esta primeira parte é uma continuação da mixtape de abril, sentimental e siderada. E é dedicada a duas pessoas muito bacanas que costumam baixar as mixtapes e comentar com certa frequência aqui no blog: o Daniel, do Power Pop Station, e o Pedro Primo, do Ouvido Cego. Se vocês curtirem, ficarei bastante satisfeito.
A segunda parte da mixtape é (como dizer?) um filme do Robert Rodriguez. Com efeitos especiais toscos, dublês, mocinhas estridentes, passagens absurdas, muita emoção e sedução. É como que dividido em duas partes: na primeira, um balancê infernal. Na segunda, guitarras pegando fogo. Tem M.I.A., tem Gaslight Anthem, tem a nova do Kanye West, tem Big Boi, tem Wavves e fecha com Arcade Fire – que, apesar de ter entrado na mixtape do mês passado, assina o disco que mais gostei de ouvir neste mês: The suburbs. Por isso eles aparecem na foto lá em cima.
Esta primeira parte é uma continuação da mixtape de maio: tique nervoso e adrenalina. E é dedicada a todo mundo que usa headphones para matar o tédio provocado por exercícios físicos repetitivos.
Assim funciona. Faça o que bem entender, ok? Ouça apenas a primeira, ouça apenas a segunda, ouça as duas ou não ouça nenhuma. Não sou seu pai e não vou monitorar seu IP. Fique à vontade (e, como sempre, a lista das músicas está logo ali na caixa de comentários).
Só peço um favor: se aqueles que ouviram a(s) mixtape(s) fizerem um singelo comentário, vai ser joia. “Sua gentileza levar-lhe-a ao sucesso”, li agorinha mesmo numa mensagem que encontrei dentro de um biscoito chinês. Sigam o conselho e sejam felizes.
Faça o download da primeira parte da mixtape aqui ou aqui.
E (força, rapaz!) faça o download da segunda parte aqui ou aqui.