Sharon Van Etten

mixtape | Janeiro, from a room

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A mixtape de janeiro é um pouco diferente da de dezembro, mas não muito.

A ideia era gravar uma coletânea mais alegre e dançante, só que todos os planos tiveram que ser alterados depois que ouvi os discos da Sharon Van Etten (que está na foto acima) e do Leonard Cohen (daí o nomezinho do post, em homenagem ao homem). A mixtape, portanto, passou a ser conduzida pela sonoridade, digamos, crepuscular desses dois álbuns.

É uma das minhas mixtapes preferidas – e acho que gosto muito dela porque não foi tão simples encontrar as músicas que combinassem direitinho com a atmosfera que eu queria sugerir. Tive que me livrar de algumas boas faixas, que estão entre as minhas preferidas do mês. Na minha modestíssima opinião, o esforço de não fugir ao tema compensou: o disquinho faz sentido e conta uma história.

Aqui dentro, vocês vão ouvir músicas novas também de John K Samson, Whistle Peak, Bears, Lana Del Rey (ok, essa não é tão nova), Craig Finn, Damien Jurado e Lambchop. A lista das faixas está na caixa de comentários.

Como de costume, você pode fazer o download da mixtape ou ouvi-la aqui no blog. Recomendo a segunda opção: desconfio que o arquivo em mp3 vá desaparecer rapidamente.

Comentários serão bem recebidos. E, antes que eu esqueça, esta mixtape é dedicada ao Daniel (nada de hip-hop desta vez!) e ao Adalberto, que talvez curtam os climas tão realistas (e adoráveis, de vez em quando) deste disquinho.

Faça o download da mixtape de janeiro

Ou ouça aqui:

Vídeos do VodPod não estão mais disponíveis.

♪ | Tramp | Sharon Van Etten

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Se você quiser, Tramp pode ser um disco muito simples.

Ele conta a seguinte história: num período de 14 meses, Sharon Van Etten viveu em Nova York sem residência fixa. Era obrigada, a todo momento, a fazer malas e se mudar para a casa de um ou outro conhecido. O alento da compositora era estúdio caseiro de Aaron Dessner, guitarrista do The National, onde ela gravou algumas canções — lá, se sentiu em casa. Às vezes, amigos como Matt Barrick (Walkmen), Zach Condon (Beirut) e Julianna Barwick acabavam aparecendo.

Nada extraordinário nisso. Músicos gravam. Músicos têm amigos. Músicos, principalmente os independentes, às vezes não têm onde morar.

Mas o contexto do disco, que está muito bem resumido neste texto de divulgação da gravadora Jagjaguwar, não me parece desimportante: o álbum pode ganhar uma série de conotações quando descobrimos que foi gravado nos raros momentos estáveis de um período que, para Sharon, foi de total instabilidade.

Ainda que essa história-de-bastidor não esclareça muitos dos mistérios das canções (e são daquelas músicas que se tornam mais profundas a cada audição), ela talvez explique por que consegue soar, ao mesmo tempo, convidativo e extremamente tenso. A gravação, dirigida por Dessner, é controlada, tranquila; mas as canções estão sempre explodindo em aflição.

Sem querer interpretar o disco além da medida (mas já superinterpretando, me perdoem): desconfio que, para Sharon, o estúdio de Dessner tenha funcionado como um espaço neutro, seguro, para a contemplação das próprias incertezas — um lugar onde ela organizava as impressões do dia-a-dia, como quem revisa os textos de um diário, pouco antes de dormir. Tramp medita sobre o ritmo de uma vida em fluxo, mas não soa simplesmente desamarrado. É, ao contrário, um disco muito forte de afirmação, sobre procurar um lugar no mundo, sobre mudar e crescer.

Esse processo pode ser especialmente complicado, perceba, se você é uma compositora que tenta se fazer notar em meio a uma multidão de cantoras hipersensíveis e supervalentes. Sharon sai perdendo por não ter nenhum truque extravagante à mão (e, perto de Zola Jesus, ela é a mais conservadora das songwriters), e escrever canções que poderiam ser facilmente creditadas ao repertório de uma Feist (nos momentos de maior aspereza, principalmente do disco mais recente). É por isso que Tramp também pode ser um álbum muito difícil: é preciso alguma paciência para notar o que há de particular no temperamento e na arte de Sharon.

E é quando se consegue essa aproximação que o efeito do disco se torna irresistível. Música a música, com um kit de lentes mais generoso do que os equipamentos usados nos dois discos anteriores, é como se Sharon estivesse criando curtas-metragens para representar determinadas situações/sensações — sequências densas, sem muitos encantos imediatos, que vão se abrindo aos nossos ouvidos a cada reprise. Não há minuto perdido, e poucas são as cenas que se repetem. É até emocionante como ela salta de uma canção mais irritadiça (Serpents) para uma balada escrita quase como uma canção de ninar, com sílabas alongadas e coro angelical (Kevin’s). Neste álbum, está claro que ela teve direito ao corte final.

Pelo menos duas canções me parecem eternas, e já estão muito bem acomodadas na minha lista de melhores do ano: a primeira, Give Out, transforma as impressões de êxodo, que a cantora conhece bem, numa love song das mais tocantes (No refrão, ela canta: “você é a razão por que eu vou mudar de cidade/ou por que não vou partir”); a outra, I’m Wrong, começa com uma linha árida de guitarra, que vai ganhando ecos e os efeitos de um jingle natalino .“É ruim acreditar em todas as canções que você canta”, ela repete, e repete, até se deixar soterrar pelo torvelinho de melodia.

E é nesses momentos que, se você quiser, Tramp pode ser o disco mais bonito do mundo.

Terceiro disco de Sharon Van Etten. 12 faixas, com produção de Aaron Dessner. Lançamento Jagjaguwar Records. A